Territorialidades camponesas no noroeste do Paraná | Maurilio Rompato e Leandro de Araújo Crestani

Leandro de Araujo Crestani Imagem CICPEEGUniMinho
Leandro de Araújo Crestani | Imagem: CICP/EEG/UniMinho

Um livro escrito a muitas mãos, mas principalmente, muitas vozes, muitas vidas; as dos camponeses e camponesas que cederam parte das suas vivências para que pesquisadores e a universidade pública se apropriassem desse tipo de memória coletiva (HALBWACS, 1990) é o que faz o presente livro “Territorialidades camponesas no Noroeste do Paraná” recém-publicado pela editora FAG, Cascavel-Pr, 2021, (327 p.) organizado pelos professores, Maurilio Rompatto e Leandro de Araújo Crestani e nos brinda com treze (13) trabalhos acadêmicos de grande esforço analítico teórico e metodológico de história oral.

Em sua tessitura o livro ao longo da sua narrativa é capaz de dar um corpo sólido que amarra todas as escritas, numa só; a escrita da história. Poderia se chamar memória-trabalho como a professora Ecléa Bosi (2004) fez com os seus “velhos” em “Memória e sociedade: lembrança de velhos”.

“Territorialidades camponesas no Noroeste do Paraná”, surge num momento muito oportuno e representativo da história da luta agrária no país. No aspecto metodológico pode-se dizer que se trata da “história das cidades” (MAGALHÃES, 2007) ou de “história agrária”, uma vez que os objetos das “territorialidades” circunscrevem e ganham vida dentro dos municípios quer em formação, quer no contato do grande latifundiário com o camponês em suas pequenas áreas de vivência e produção agropecuária familiar.

O livro que ora se apresenta foi escrito, tomando como referência e, ponto de partida, as novas discussões acadêmicas que demandam a decolonialidade, fazendo a crítica a uma visão metodológica eurocêntrica de ciências humanas e, portanto, do patriarcado. No conjunto da obra, esses conceitos são amplamente refutados, uma vez que os próprios objetos de estudo; homens e mulheres, camponeses (as) na vivência, experiências e fazeres, lutas e práticas em comum combatem aquele tipo de postura truculenta e opressiva. Assim, a academia vai à campo apreender outros saberes que são transmutados em teoria científica, portanto, teoria e prática, academia e movimento camponês, ou sem terra se confraternizam dialeticamente contra o patriarcado e gesta uma nova escrita da história decolonial. Assim é a escrita da história em “Territorialidades…”.

O ponto mais alto do livro se revela na tessitura e emaranhado dos seus treze capítulos interligados e entrelaçados revelando uma discussão sempre atual e problematizadora do conceito de “território”. Aqui não mais encarado como simplesmente uma espaço físico e meramente geográfico; mas como um lugar que é também da História, antropologia, sociologia, uma vez que por território se encara os fazerem humanos em que num determinado espaço geográfico; O Noroeste do Paraná, municípios ali instalados se encontra, em espaço de convivência, harmonia e desarmonia com homens e mulheres que buscam a quebra do grande latifúndio reclamando historicamente um pedaço de terra, um chão para nele viver e produzir, trabalhar e sonhar.

O Noroeste do Paraná, lugar de espaço geográfico se converte em um território, que segundo HAESBAERT (2002) é o espaço das relações sociais, espaço de pessoas se interligando por objetivos ora comuns, ora conflitantes, mas sempre dinâmico, mutável e em transformação (SANTOS, 1994). Os municípios da microrregião recebem atenção especial se convertendo em parte da escrita da história: Apucarana, Maringá, Campo Mourão, Paranavaí, Porto Rico, Marilena, Paranacity, Querência do Norte e Jacarezinho são personagens do livro, compõem-se, contém e estão contidos na ideia de “Territorialidades”.

O livro em seu escopo ultrapassa algumas narrativas de “pioneiros” que chegaram “desbravaram” e “conquistaram” o solo “virgem”. O livro revela é que além do romance contado tradicionalmente em histórias oficiosas escritas por políticos, jornalistas, médicos ou advogados para divulgar os feitos heroicos de um município e suas famílias tradicionais “Territorialidades” vem escrever uma história à contrapelo, conforme se lerá no posfácio do livro. Faz-se uma história das vidas miúdas, vidas infames, como disse também Foucault (2001). Faz-se história aqui à moda dos ensinam de Walter Benjamin (2012) que ensinou a escrever a História vista de baixo (SHARPE, 1992), operacionalizada pela vertente da “Micro-história”. (LEVI, 1992).

Composto por treze capítulos “Territorialidades camponesas” de autoria do “Grupo de pesquisa de Estudos Históricos do Norte e Noroeste do Paraná: fronteiras, políticas, migrações, populações e identidades” voltado para pesquisa e publicação na área de História Regional do Paraná. O livro é organizado pelos professores e pesquisadores Maurílio Rompatto e Leandro de Araújo Crestani, com ampla experiência de pesquisas e publicações nas áreas de estudo do livro. Rompatto é doutor em História pela Universidade Estadual Paulista, Unesp, Campus de Assis, (2004) é professor no Colegiado de História da Universidade Estadual do Paraná – Unespar, Campus de Paranavaí. Leandro de Araújo Crestani possui doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Évora – UEVORA (Portugal) e professor do Centro Universitário Assis Gurgacz – FAG/Campus Toledo.

“Territorialidades camponesas no Noroeste do Paraná”, assim se encontra organizado entorno do número (13) treze, que narram histórias, que vão ao longo do livro se conectando e dando um sentido amplo e uma visão mais global das questões da terra e da sua luta pela posse. Contam episódios, ora tristes, ora alegres. Tristes quando os grandes latifundiários avançam contra os camponeses e camponesas com brutalidade e violência, matando os trabalhadores para tomar suas pequenas propriedades; as alegrias ficam por conta das conquistas nos assentamentos.

Por sua estrutura muito bem organizada e fazendo os temas e assuntos conversarem os cinco primeiros capítulos busca apresentar uma visão das ocupações de terra na região do Noroeste do Paraná, fazendo com que os autores dos textos se conectem dialogicamente numa intertextualidade sincrônica e diacrónica, mas também dialética ora se aproximando, ora se distanciando no contar as histórias de vida operacionalizada pela vertente da história oral. É no capítulo seis que (Maurilio Rompatto e Kellen Oliveira Angelo) que os organizadores amarram o fio condutor da obra e as pesquisas com um nó apertado no meio ao trazer para o livro os debates conceituais acerca de história oral e memória. O Capítulo VII de autoria de pesquisadora Adélia Aparecida de Souza Haracenko “A reforma agrária como uma nova forma de ocupação do Noroeste do Paraná”. Diz de maneira muito triste e profunda “É verídico o fato de que ao longo de nossa história, o latifúndio sempre foi peça importante no moldar-se da formação social brasileira. A luta contra essa forma de propriedade, acentuadamente reacionária e, que é responsável pela efetivação das formas mais perversas de dominação capitalista, também remontam ao longo da história brasileira, não sendo diferente nessa região do Paraná.” (p.172). Os três capítulos seguintes sete, oito e nove se conectam e dialogam acerca dos estudos das experiências de reforma agrária e de cooperativismo entre os camponeses oriundos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST).

E fechando o livro, de acordo com a sua estrutura sempre bem imbricado a obra traz um conjunto de quatro pesquisas sobre educação e a realidade escolar dentro do movimento camponês e sem terra. Assim os capítulos dez, onze, doze e treze são libelos um belo libelo anti-educação tradicional ofertada pele vertente econômica capitalista neoliberal, em sua essência esvaziada de práticas e fazeres, sobretudo, da lida do campo, traz ao leitor as experiências desse tipo de educação contra-hegemônica e anti-opressiva. Sempre dialogando com as propostas de educação para a libertação do mestre Paulo Freire (2020), em sua “Pedagogia do oprimido”.

Referências

BENJAMIN, W. O anjo da história. (org. e trad.) de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e terra, 2020.

FOUCAULT, M. Ditos e Escritos: Estética – literatura e pintura, música e cinema (vol. III). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 264-298.

HAESBAERT, R. Territórios alternativos. São Paulo: Contexto, 2022.

HALBWACHS, M. A Memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4005834/mod_resource/content/1/48811146-Maurice-Halbwachs-A-Memoria-Coletiva.pdf. Acesso em: 06 de ago. 2021.

LEVI, G. Sobre a micro-história. IN: BURKE, P. A escrita de história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

MAGALHÃES, J. C.. Emancipação político-administrativa de municípios no Brasil. In: _____ Dinâmica dos municípios. Rio de Janeiro: IPEA. 2007. Cap. 1. Disponível em:

http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/Capitulo1_30.pdf . Acesso em 01/08/2021.

SANTOS, M. Metamorfose do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1994.

SHARPE, J. A história vista de baixo. IN: BURKE, P. A escrita de história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.


Resenhista

Eduardo Martins – Possui graduação em História pela Universidade Estadual Paulista, Assis (2001). Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista, Assis (2003). Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista, Assis (2008). Pós-doutorado pela UFGD (2018). Professor efetivo na UFMS (Adjunto 2 – 2020) – Campus de Nova Andradina/MS. Ministrando as disciplinas de História do Brasil I, História do Brasil II, História Contemporânea, História de Mato Grosso do Sul, Sociologia e História. É orientador de TCCs. Pesquisador CNPq junto ao Grupo de estudo e pesquisa interdisciplinar sobre cultura, política e sociabilidade, sob a lideranças dos professores José Carlos Barreiro e Tânia Regina de Lucca. É autor da obra “A invenção da vadiagem” Curitiba: CRV , 2011. Possui um capítulo na obra “Leituras foucaultianas: contribuições para práticas e pesquisas interdisciplinares. Curitiba: CRV, 2015. E membro do Projeto de Extensão “WebForm: Grupo de Estudos em webtecnologia e Ensino” desenvolvido pelo IFMS – Campus de de Nova Andradina/MS.

https://orcid.org/0000-0001-5345-1188


Referências desta Resenha

ROMPATTO, Maurilio; CRESTANI, Leandro de Araújo (Orgs.). Territorialidades camponesas no noroeste do Paraná. Cascavel: FAG, 2021. Resenha de: MARTINS, Eduardo. Albuquerque: revista de história, v. 14, n. 27, p. 171-174, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

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