História da Educação e História Regional Paulista / Cadernos de História da Educação / 2015
O dossiê História da Educação e História Regional Paulista, ora apresentado aos Cadernos de História da Educação, resulta do esforço de pesquisadores que vem agindo coletivamente em diversos âmbitos: no interior de um grupo interdisciplinar de pesquisas, na participação conjunta em congressos das áreas de História, História da Educação, Sociologia e Geografia, na orientação de trabalhos cujas temáticas se avizinham e, agora, na publicação de um dossiê temático. Fato é que dentre as muitas aproximações possíveis entre as investigações desenvolvidas pelos pesquisadores do grupo, uma em especial merece ser ressaltada: o fato de que examinamos, direta ou indiretamente, a história da educação no interior paulista. Olhamos para “o rio da minha aldeia”, conforme queria Alberto Caieiro / Fernando Pessoa, buscando estabelecer as relações possíveis entre o nosso rio e os outros rios do Brasil e do mundo. Campeamos, igualmente, as singularidades locais dos espaços por onde passam nossos córregos e riachos.
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia (Alberto Caieiro)
Vimos trabalhando com o interior paulista numa perspectiva tributária da obra de Pierre Monbeig, o geógrafo francês que entre os anos de 1935 e 1946 integrou o grupo de professores franceses que formou a Universidade de São Paulo, e que escreveu Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo – obra clássica para os estudos regionais paulistas. Nela, Monbeig estudou as zonas pioneiras do estado para além de uma perspectiva local, identificando-as como sociedades em movimento: regiões interligadas entre si e constituídas por fronteiras que progrediram irregularmente desde a segunda metade do século XIX.
O autor procurou problematizá-las a partir de um olhar relacional entre o fenômeno histórico que observava in loco e o que acontecia no restante do mundo ocidental. Ele dizia que numa zona pioneira “tudo é alvoroço”: derrubada de floresta, criação de fazendas, cidades e constante instabilidade demográfica gerada pelo intenso afluxo de migrantes e imigrantes; rápida construção de redes de comunicações, representadas pelas icônicas estradas de ferro, pelas estradas de rodagem e pelos veículos de comunicação de massa, como o rádio, as revistas, os cinemas e os jornais; edificação de simbologias regionais, como àquelas relacionadas ao caipira e ao bandeirante; intensa miscigenação racial e diversos outros elementos que caracterizam o contraditório desenvolvimento do capitalismo paulista da primeira metade do século XX.
Tanto “alvoroço” fazia Monbeig se espantar com a rapidez das transformações às quais assistia. No entanto, para além do espanto, interessa destacar o empenho do autor na compreensão do dito “alvoroço” com as ferramentas analíticas que dispunha no período – e também com àquelas que inventou em pleno campo de pesquisa.
Assim demonstrarão Laurent Vidal e Paulo César da Costa Gomes, ao analisarem a experiência dos jovens Pierre Monbeig e Roger Bastide, quando vieram lecionar Geografia e Sociologia na USP, nos anos de 1930. No artigo Déplacement des savants, déplacement des savoirs, ou le glissement des concepts sur le sol meuble du Brésil: les exemples de Roger Bastide et Pierre Monbeig, os autores discutem o surgimento de temas pouco usuais nas áreas da Geografia e da Sociologia a partir da inserção de Monbeig e Bastide no Brasil, destacando a contribuição de ambos, a partir da experiência brasileira, para a criação de conceitos até então inexistentes.
Rosa Fátima de Souza, por sua vez, discute justamente a necessidade de desnaturalização e problematização de uma ferramenta de análise largamente utilizada por historiadores da educação para delimitação de espaços de pesquisa no interior paulista: a divisão do território por regiões econômicas e demográficas. Em Educação e civilização nas zonas pioneiras do estado de São Paulo (1933 – 1945) a autora problematiza a relação duvidosa existente entre região econômica e região escolar, além de discutir a situação educacional das zonas pioneiras no período.
No caso do “oeste paulista”, em particular da cidade de Ribeirão Preto, ícone da riqueza gerada pelo café, não por acaso à época reconhecida como Petit Paris, Sergio César da Fonseca problematiza, em Ribeirão Preto e a chegada da assistência institucional à infância ao Oeste Novo, o aumento do abandono de crianças na localidade, bem como o processo de interiorização da assistência por aquelas plagas; enquanto Alessandra Cristina Furtado, em História de uma Instituição Escolar Católica: O Colégio Nossa Senhora Auxiliadora de Ribeirão Preto no cenário do interior paulista (1918-1944) reconstrói a história daquela instituição, uma das mais importantes escolas confessionais da localidade. Ambos demonstram a intrínseca relação existente entre o incremento do complexo capitalista verificado no interior paulista e o aumento de instituições destinadas à conformação de pessoas, quer sejam escolares ou não.
Ainda sob a égide do “oeste” simbólico ribeirão-pretano, Sauloéber Tarsio de Souza e Wagner Teixeira da Silva discutem em O café, a indústria e a escola: reflexões acerca da educação pública no interior paulista (Franca: 1889-1970) não apenas a institucionalização da rede pública de ensino na cidade de Franca, região de fronteira com Minas Gerais, mas avaliam as representações recorrentes sobre a importância da escola para uma localidade distante da capital, mas que passava por inexorável processo de dinamização econômica.
Representando a chamada Cuesta de Botucatu, mais especificamente a cidade de São Manoel, Marcelo Augusto Totti reflete, à luz da sociologia de Florestan Fernandes, sobre Educação, civilização e implementação capitalista no interior paulista, demonstrando as contradições inseparáveis entre os discursos sobre a modernidade em voga e o recrudescimento de antigos problemas sociais.
Resta destacar que sob a influência de Pierre Monbeig e da sua ideia de sociedade em movimento, o dossiê apresentado aos Cadernos de História da Educação busca desbastar a temática educacional em meio ao “alvoroço” verificado nas frentes pioneiras pelo geógrafo, além de compartilhar os resultados, por ora obtidos, com a comunidade acadêmica. Acreditamos que para além da qualidade das análises empreendidas pelos pesquisadores que se dedicaram à arquitetura deste dossiê, destaca-se o esforço conjunto na mobilização de um amplo espectro de fontes regionais que foram, em sua maioria, trazidas à luz pela primeira vez pela iniciativa dos membros do grupo: jornais, revistas, fotografias, relatórios oficiais, atas de câmaras municipais, discursos, registros civis e memória, dentre outros vestígios do passado, que passaram a existir a partir do nosso recorte, adquirindo um novo significado.
Raquel Discini de Campos
Sérgio César da Fonseca
Organizadores
CAMPOS, Raquel Discini de; FONSECA, Sérgio César da. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 14, n.2, maio / ago., 2015. Acessar publicação original [DR]