El Liceo. Relato/memoria/política | Sol Serrano Pérez

Los movimientos sociales en Chile de las últimas dos décadas, liderados por agrupaciones estudiantiles de educación secundaria, han reflejado lo más palpable de las crisis políticas y económicas vividas en el país. Así, múltiples trabajos sociológicos han tratado de dar respuesta a los problemas contemporáneos. Los trabajos más importantes han sido realizados precisamente por Sol Serrano, junto con Macarena Ponce de León y Francisca Rengifo, que con su Historia de la Educación en Chile de tres volúmenes, buscaron dar respuesta a las incógnitas o “lagunas” de un ámbito poco estudiado en la historia nacional. De esta manera, el ensayo El Liceo. Relato, memoria, política se desprende de la magna empresa de Serrano, Ponce de León y Rengifo, en donde invitan a reflexionar sobre aspectos presentes en el establecimiento educacional de la primera mitad del siglo XX. Antes que todo, cabe señalar un aspecto esencial de la configuración social del Liceo, para la primera mitad del siglo pasado, casi la totalidad de los matriculados fueron hombres provenientes de la incipiente clase media y, en consecuencia, gran parte de aquellos luego de su egreso tendrían una gran importancia en el escenario político chileno. Leia Mais

Elementos de Didática da História | Alfredo Braga Furtado

Alfredo Braga Furtado

Elementos de Didática da História, como o próprio título sugere, foi escrito por Alfredo Braga Furtado para subsidiar o trabalho docente dos estudantes de bacharelado e licenciatura em História e auxiliar na formação continuada dos profissionais da área. (p.47). Faz parte de uma extensa coleção do próprio Furtado, que abrange manuais do mesmo gênero (e com igual título) para diversas áreas, como a “Didática das Ciências Sociais”, “Didática das Engenharias”, “Didática do Turismo” e a “Didática da Psicologia.

Elementos de Didatica da Historia 2Tal fertilidade em termos de manuais de ensino é explicada pelo autor em longo relato autobiográfico. Com graduação e mestrado na área da computação, foi no doutorado em Educação Matemática que Furtado despertou para a Pedagogia e a Didática, áreas nas quais atuou, ministrando disciplinas de “Estrutura e Funcionamento da Educação Básica”, “Didática Geral”. Depois de produzir os Elementos de Didática da Computação, encorajou-se a replicar o modelo nas outras áreas e literalmente submeteu o seu trabalho “à avaliação do leitor”, que é o que fazemos agora, principalmente em relação às duas áreas que tenho maior familiaridade: a licenciatura em história e as questões que envolvem o mundo digital e a educação. Leia Mais

Uma brevíssima História da UFS | Itamar Freitas

Itamar Freitas posse FAPESE

Como afirmo acima, o título é dissimulado, mas não enganador. Uma brevíssima história da UFS não faz o percurso clássico da fundação da Universidade Federal de Sergipe, nos idos de 1968, aos dias atuais, empregando narrativa curta ou suporte de poucas folhas. O breve tem a ver com o recorte temporal. É uma história de dois dias de experiência da instituição. Os dias de anúncio da intervenção e da posse da interventora – Liliádia da Silva Oliveira – designada pelo ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, ocorrida em 23 e 24 de novembro de 2020.

Uma brevissima historia da UFS 2

Conversei com o autor a respeito do gracejo do título e ele me explicou se tratar de um texto produzido para a sala de aula, destinada às suas turmas de História da Educação em Sergipe. A disciplina ganha um tema a cada período e tem orientação ativa, no que diz respeito à pesquisa histórica. Os alunos não apenas leem histórias da educação, mas também são convidados a escreverem histórias ou memórias sobre a sua experiência educacional, como faz o professor Fábio Alves, na disciplina Introdução à História da Educação. Naquele período, o tema era a Universidade Federal de Sergipe. Assim, uma das tarefas dos alunos era escrever narrativas sobre objetos de natureza diversa que retratassem experiências da e/ou na Universidade. Poderia ser a história de um aluno, um grupo de alunos, um professor, uma autobiografia, uma memória, a história de uma edificação, de um grupo de animais que circulam o campus ou uma efeméride. Leia Mais

Experiências formativas não escolares: História & Teoria da Educação | Matheus da Cruz Zica

A proposta do ebook “Experiências formativas não escolares: história & teoria da Educação”, lançado em 2021, é colocar em evidência outras instituições que promovem a educação não legitimada, como é o caso da instituição escolar, mas que contribuem para a formação dos indivíduos, das suas subjetividades. Essas outras instituições são: o Estado, a medicina, o meio de comunicação jornalístico impresso, os livros, instituições religiosas, o meio social, como a família, a vizinhança etc. O ebook está dividido em três partes, com sete capítulos, onde os autores/pesquisadores corroboraram com a temática principal de pensar a educação e sua história a partir de lugares comuns, ou seja, fora da escola. Organizado pelo historiador, pesquisador e professor Matheus da Cruz e Zica, que tem estudado a “formação” dos indivíduos nos mais diferentes espaços, este ebook apresenta justamente este aspecto formativo das subjetividades em lugares inimaginados.

Assim, na parte I são destacadas as experiências que “a morte” pode proporcionar nesse lugar incomum, fora dos espaços escolares propriamente ditos. De autoria de Thiago Rafael Oliveira, o primeiro capítulo intitula-se “A desinstrução do corpo antes da chegada a Auschwitz: a emergência do homo läger nas narrativas de Primo Levi e Miklós Nyszli (1935-1944)”. Ao traçar um contraponto entre as tristes lembranças dos sobreviventes de Auschwitz e o esfacelamento das bases humanas construídas no decorrer da vida, o autor destaca como o Estado também participa da formação da subjetividade humana. Amparado em Foucault, Oliveira afirma que “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados” e que, por vezes, o Estado busca produzir “corpos submissos”. Leia Mais

IV Jornadas Académicas de Historia de la Educación Argentina Reciente: Investigaciones y Enseñanzas

Luego de su forzosa postergación en 2021 por la pandemia de COVID-19, las IV Jornadas Académicas de Historia de la Educación Argentina Reciente se llevaron a cabo en La Plata durante el 10 y 11 de marzo de 2022, acompañando así la reiniciación de las actividades presenciales en el ámbito universitario. Leia Mais

Educación, historia y sociedad: el legado historiográfico de Antonio Viñao | Pedro Luiz Moreno Martínez

O alentado livro, organizado por Pedro Luiz Moreno Martínez, não é apenas uma homenagem, mas um balanço historiográfico dos mais profícuos da História da Educação recente, desde o ponto de vista dos pesquisadores espanhóis. Com a competência e seriedade que lhe é peculiar, o autor-organizador passa a limpo a produção historiográfica espanhola a partir do diálogo de 16 historiadores da educação com o legado de Antonio Viñao. Justa homenagem nascida a partir da aposentadoria deste autor das suas funções junto ao ‘Departamento de Teoria e Historia de la Educación’da Universidad de Murcia, no sudeste espanhol.

A obra oferece ao leitor interessado nos estudos historiográficos uma constelação de temáticas desenvolvidas por diferentes historiadores, em diálogo rigoroso e criativo com a obra do homenageado. Iniciando com um olhar de Dollores Garrillo Gallego e Damián Lópes Martínez, professores da Universidad de Murcia, para a trajetória de Viñao quem, formado no campo do Direito converteu-se em uma referência nos estudos em história da educação não apenas na Espanha. Na sequência, é analisadoo lugar ocupado pela Universidad de Murcia na reconfiguração e renovação do campo a partir da década de 1980, em um capítulo assinado por María José Martinez Ruiz-Funes e Ana Sebastián Vicente, professoras da mesma universidade. Aquela renovação, da qual fizeram parte vários dos autores presentes na coletânea, demarcaria a independência dos estudos históricos da educação em relação ao campo pedagógico. Por certo isso contribuiu para que dali surgisse um dos mais vigorosos veios de estudos históricos sobre os fenômenos educativos, reconhecido em praticamente todo o mundo pela força dos seus pressupostos empíricos, teóricos e metodológicos. Leia Mais

Sujeitos e Artefatos: territórios de uma história transnacional da educação | Diana Gonçalves Vidal

Nos últimos anos, é crescente o interesse por abordagens transnacionais no campo historiográfico. Diante da frequência com que o termo tem aparecido em títulos de livros, artigos e palavras-chave, Struck, Ferris e Revel (2011) levantam a possibilidade de a história transnacional representar uma mudança metodológica significativa na historiografia, tal como aconteceu com a história social, a partir dos anos de 1950, e com a micro-história, nos anos de 1970 e 1980. Não surpreende, portanto, que venha recebendo atenção de pesquisadoras e pesquisadores do campo da História da Educação, que, pelo menos desde os anos oitenta, têm buscado o alinhamento e o diálogo com a historiografia.

Demonstrando o potencial das abordagens transnacionais para investigações que tomam como tema a educação e a escola, em suas múltiplas perspectivas e interfaces, foi recentemente publicado, em formato E-book, pela Fino Traço Editora, o livro Sujeitos e Artefatos: territórios de uma história transnacional da educação, organizado por Diana Vidal. A obra é parte da Coleção Estudos Brasileiros, do Instituto de Estudos Brasileiros, e resultado de um conjunto de pesquisas que, desenvolvidas no âmbito do projeto temático Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-…), privilegiam os movimentos, a circulação, os intercâmbios de sujeitos e objetos elucidativos de experiências e processos educacionais, ao longo dos séculos XIX e XX [1]. Leia Mais

Perspectivas actuales sobre Historia de la Educación en el Uruguay | History of Education in Latin America | 2021

El dossier que ponemos en sus manos, Perspectivas actuales sobre Historia de la Educación en el Uruguay, organizado en el marco de la Sociedad Uruguaya de Historia de la Educación (SUHE), pone a disposición una serie de artículos diversos sobre la historia de la educación que reúnen alguna de las siguientes características o enfoques y/o relaciones entre ellos:

  1. Diálogos transnacionales que intentan superar la mirada exclusivamente nacional y muestran los mecanismos de circulación de ideas, personas y/o objetos materiales, así como la actuación de instituciones y la configuración de redes de alcance transnacional. En este sentido, se pone el acento en escalas de análisis que no se reduzcan a Uruguay y que sean sensibles a la comprensión de dinámicas complejas de circulación, apropiación y reapropiación local de lo educativo.
  2. Giro afectivo y estética escolar. En alguna medida algunos de los artículos abordan el llamado “giro afectivo” en los estudios de historia de la educación y colocan como objetos de estudio las emociones, sentimientos, la estética, la educación del cuerpo y las sensibilidades en la educación.
  3. Estudios de género, sexualidades o interseccionales. En esta línea, se presentan artículos que en alguna medida abordan la historia de la educación con perspectiva de género, al pensar en la construcción de la diferencia sexual en el ámbito educativo. Por otra parte, abordan con diferentes modulaciones los vínculos entre sexualidad y educación, las masculinidades, feminidades y sexualidades en la educación, y la intersección de distintos marcadores de diferencia (género, nivel socioeconómico, edad, raza/etnia, discapacidad, diversidad sexual, entre otros), entre los aspectos más relevantes.

Leia Mais

42 International Standing Conference for the History of Education – ISCHE

La 42Conferencia Internacional de Historia de la Educación (ISCHE) tuvo lugar del 11 al 24 del pasado junio bajo la consigna Looking from Above and Below: Rethinking the Social in the History of Education. La misma debió haberse realizado durante el año 2020, en la Escuela de Humanidades, Educación y Ciencias Sociales de la Universidad de Orebro, en Suecia, pero tuvo que ser suspendida por un año debido a la pandemia de Covid-19. Leia Mais

Circulaciones/ tránsitos y traducciones en la historia de la educación | E. Galak, A. Abramowski, A. Assaneo, I. Frechtel

Circulaciones, tránsitos y traducciones en la historia de la educación es un libro digital fruto del trabajo conjunto entre la editorial de la Universidad Pedagógica Nacional (UNIPE) y la Sociedad Argentina de Investigación y Enseñanza en Historia de la Educación (SAIEHE). Inaugura una colección denominada Nuevos enfoques en historia de la educación, que se propone reunir las producciones de un campo en crecimiento y renovación. En este caso, la obra expresa una perspectiva transnacional desde la que se analizan formas de circulación de personas y de saberes a través de diferentes soportes materiales y en diferentes coyunturas de los siglos XIX y XX. Leia Mais

XXI Jornadas Argentinas de Historia de la Educación Argentina y Latinoamericana

La celebración de las XXI Jornadas Argentinas de Historia de la Educación Argentina y Latinoamericana se realizó en la Ciudad de Buenos Aires entre el miércoles 20 y sábado 23 de octubre de 2021. Las instituciones convocantes fueron la Universidad Pedagógica Nacional y la Sociedad Argentina de Investigación y Enseñanza en Historia de la Educación, siendo su Presidenta Honoraria la Dra. Adriana Puiggrós. El Comité Científico reunió colegas de diversas regiones del país vinculados a las siguientes Universidades: Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires, Universidad Nacional de Córdoba, Universidad Nacional de Entre Ríos, Universidad Nacional de General Sarmiento, Universidad Nacional de Jujuy, Universidad Nacional de la Patagonia Austral, Universidad Nacional de Luján, Universidad Nacional de Río Negro, Universidad Nacional de Rosario, Universidad Nacional de San Luis, Universidad Nacional del Comahue, Universidad Nacional del Nordeste, Universidad Nacional La Plata y Universidad Pedagógica Nacional. Leia Mais

Historia de la Educación y tecnologías visuales/Historia de la Educación. Anuario/2021

El uso de imágenes y demás artefactos visuales ha sido corriente en educación escolar desde sus orígenes. El soporte de las imágenes en láminas, postales, fotografías, vistas cinematográficas, pinturas, ilustraciones de todo tipo, diapositivas, video, etcétera, así como el uso de tecnologías al servicio de la mirada como pizarrones, frisos, linternas mágicas, lupas, microscopios, telescopios, televisores, proyectores de fotografías y de cine, retroproyectores, y tantos otros, dan cuenta de las múltiples experiencias con tecnologías visuales que se desplegaron en las prácticas educativas, dentro y fuera de la escuela, a lo largo del siglo XX. Leia Mais

Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México – VAUGHAN (RBHE)

VAUGHAN, M. K.. Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México. Aguascalientes, MX: Universidad Autônoma de Aguascalientes, CIESAS, 2019. Resenha de: ACERVES, M. T. F. Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México (Reseña). (2020). Revista Brasileña de Historia de la Educación, 20, 2020.

Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México es una obra de la historiadora Mary Kay Vaughan. Ella reconstruye la vida de Pepe Zúñiga desde la perspectiva de la nueva biografía a lo largo de 423 páginas, una introducción y 10 capítulos. Vaughan es una historiadora que ha sido pionera en diversos campos en la historia, especialmente en la historia social de la educación en México.

Las diversas investigaciones históricas de la Dra. Vaughan muestran no sólo cómo ella ha utilizado diferentes miradas para examinar a la escuela como una institución fundamental en la modernización de México del Porfiriato a la época cardenista, sino también cómo la historia se ha transformado desde la década de 1970 al presente, de una visión marxista estructuralista a una perspectiva cultural y de género.

En su primer libro sobre la educación en México, El estado, las clases sociales y educación en México, 1880-1928 publicado en 1982 por la SEP y el FCE, se interesó por examinar cómo se construyó la política educativa durante el Porfiriato y en el gobierno posrevolucionario que estableció la SEP en 1921. Evaluó los alcances y limitaciones de la puesta en marcha de la política educativa de la educación vocacional, los libros de texto y el movimiento del nacionalismo cultural en la década de 1920.

En el libro colectivo Las mujeres del campo mexicano, 1850-1990 que editó junto con Heather Fowler-Salamini, publicado en inglés en 1994 y en español en 2004, utilizaron la categoría de género y pusieron en el centro del análisis a las mujeres del campo desde la Reforma liberal en el siglo XIX hasta el neoliberalismo de finales del siglo XX. Con esta obra rompieron con la invisibilidad e imagen sumisa de las mujeres de las zonas rurales. Examinaron cómo mujeres de diversas clases sociales y trayectorias enfrentaban, acumulaban, descartaba y reformulaban valores, conocimientos, experiencias, habilidades y costumbres. Entre los aportes de esta obra están el fino análisis de las cambiantes relaciones de género y las prácticas en la política agraria de la Revolución Mexicana entre 1910 y 1940. En concreto, Vaughan arguye que las nuevas políticas posrevolucionarias generaron cambios dentro de la familia patriarcal y contribuyeron a erosionar el poder de la familia patriarcal. Las mujeres y los jóvenes tuvieron nuevos espacios y funciones a través de una política desarrollista enfocada en la familia, que permitió su movilización y su empoderamiento. Los líderes revolucionarios burgueses extendieron la definición de domesticidad por medio de la modernización de la familia patriarcal y disminuyeron las desigualdades de género.

En su tercer libro La política cultural de en la Revolución: maestros, campesinos y escuelas en México, 1930-1940, publicado en inglés 1997 y en español en 2000, dio un giro substancial para analizar la política educativa de una perspectiva desde arriba a una mirada de abajo hacia arriba, para desmenuzar cómo se construyó, implementó y negoció el proyecto de la educación socialista. La política educativa progresista de la década de 1930 buscó nacionalizar y modernizar la sociedad rural. Desde una mirada posrevisionista de la Revolución Mexicana, que entreteje posturas teóricas subalternas, de género y culturales, Vaughan reconstruye con gran detalle las voces multifacéticas, el lenguaje revolucionario de los hacedores de la política pública, maestros, campesinos en dos regiones contrastantes Puebla y Sonora. Por medio de estos dos estudios de caso incorpora la noción de la racionalización de la domesticidad, debate sobre la construcción hegemónica del Estado posrevolucionario y deconstruye el ‘discurso oculto’ de los campesinos. Su argumento central “[…] es que la verdadera revolución cultural de los años treinta no se encontró en el proyecto del Estado sino en el diálogo entre Estado y sociedad que ocurrió en torno de este proyecto” (Vaughan, 2000, p. 42). En esta obra recibió el Herbert Eugene Bolton Prize como el libro más sobresaliente en la historia de América Latina en 1997, otorgado por la Conferencia de la Historia Latinoamericana de los Estados Unidos; también ganó el Bryce Wood Award de la Asociación de Estudios Latinoamericanos (LASA).

En 1998 editó junto con Susana Quintanilla, Escuela y sociedad en el periodo cardenista, para reflexionar por qué la educación socialista no tiene paralelo con ninguna otra reforma educativa en México, se preguntaron ¿es posible transformar el sistema educativo? ¿cuáles son las estrategias para lograrlo? ¿cómo se comportan las instituciones políticas y civiles en un proceso de transición? ¿qué cambia y qué permanece dentro de la escuela? Contribuyen al entendimiento cómo fue aplicado en diferentes entidades, regiones y comunidades. Ponen especial atención a las dinámicas y procesos locales que marcaron de manera distinta la implementación de la educación socialista.

Durante la década de 1990, en especial a finales de ésta, Vaughan fue una entusiasta promotora de los estudios culturales y de género en la historia de México, mientras se daba el álgido debate en la academia norteamericana sobre el giro lingüístico y de la nueva historia cultural. La nueva historia cultural brinda herramientas para analizar los discursos, prácticas y representaciones de hombres y mujeres en su contexto. Las narrativas de sus experiencias son un vehículo para entablar un diálogo entre las fuentes primarias y las discusiones teóricas sobre discurso, experiencia, género, memoria, narrativa y subjetividad. Esta interlocución se ha dado en el campo de la historia a partir de la influencia de la antropología cultural, invitó a los historiadores a examinar las formaciones socioculturales como textos y a poner atención en los usos del lenguaje y el análisis del discurso; promovió el acercamiento a la antropología y estimuló a los historiadores a considerar a los artefactos culturales como perfomativos, más que simples expresiones. La nueva historia cultural también fue receptiva a los postulados feministas; éstos sensibilizaron sobre los vínculos entre las vidas públicas y privadas y entre ficciones e ideologías. Así mismo la nueva historia cultural se acercó a los estudios literarios para examinar las nociones como intertextualidad (una historia siempre alude a otra historia) y la recepción de los lectores. Es precisamente en esta postura que Vaughan se ha identificado. Colaboró en el debate entre varios historiadores norteamericanos mexicanistas que reflexionaron en la perspectiva cultural, poscolonial, y de género. Este debate fue publicado en un número especial en el Hispanic American Historical Review llamado ‘La lucha libre’, en 1999.

En 2006 editó junto con Steve Lewis, The eagle and the virgin: cultural revolution and national identity in Mexico, 1920-1940. Esta obra colectiva se centra en un análisis cultural y de género para deconstruir cómo la nación es inventada y reinventada, examina como el proyecto masivo de la construcción del Estado se llevó a cabo entre los decenios de 1920 y 1940. Hay un fino análisis de cómo la identidad nacional se forjó entre diferentes grupos sociales, católicos, trabajadores industriales, mujeres de la clase media y comunidades indígenas. En este libro Vaughan sopesa los debates opuestos entre el águila (el Estado secular modernizador) y la Virgen de Guadalupe (la defensa católica de la fe y la moralidad). Argumenta que, a pesar de enfrentamientos violentos y discusiones álgidas, el repertorio simbólico creado para promover la identidad nacional y su memoria al final el águila y la virgen lograron coexistir pacíficamente.

En 2006 editó junto con Gabriela Cano y Jocelyn Olcott el libro colectivo Sex in revolution, publicado en español en 2009 bajo el título Género, poder y política en el México posrevolucionario. En este libro avanzó en los debates sobre la historia de mujeres y de género en México y en América Latina porque centró su análisis en el orden de género y los cambios generados por la Revolución Mexicana y el proceso revolucionario en la sexualidad, trabajo, familia, prácticas religiosas y derechos civiles.

En 2015, Vaughan publicó en inglés la biografía del pintor Pepe Zúñiga en la editorial Duke University Press y en 2019 la versión en español1. En este estudio biográfico ha sintetizado por qué los historiadores de la cultura han dado el ‘giro a la biografía’. Pero ¿qué implicó reconstruir la vida de Pepe con base en la nueva biografía que parte del “[…] principio de que las personas están situadas ‘dentro de las estructuras sociales y los regímenes discursivos, pero no están presas dentro de ellos’”? (p. 25, énfasis añadido). De acuerdo con la autora, esta perspectiva biográfica “[…] permite ver la manera en la que las personas negocian los procesos y los encuentros educativos” (p. 25). Para el lector y/o público en general, utilizar esta perspectiva podría parecer que implica una labor sencilla. Por el contrario, Mary Kay Vaughan emprendió un trabajo titánico. Con base en un andamiaje teórico y metodológico de la nueva biografía; del análisis de Nobert Elias sobre la generación alemana después de la posguerra y su rebeldía; las propuestas de Jürgen Habermas sobre la construcción de la esfera pública; de la filosofía fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty, y una gran sensibilidad, reflexión histórica y gran empatía de la autora, ella logra entender y construir narrativas intersubjetivas para darle voz a personas que generalmente han quedado fuera de las grandes narrativas históricas. Es decir, en esta obra, Pepe, sus hermanos, sus amigos y la autora construyeron una narrativa intersubjetiva de la experiencia y la memoria selectiva, sensorial, emotiva y generacional. Con ese ejercicio de la memoria colectiva y de ir más allá de las entrevistas, de etnografías históricas y fuentes primarias (como la letra y melodía de algunas canciones, películas y producciones teatrales; textos escolares, libros, revistas, y las crónicas periodísticas de sus exposiciones; tarjetas postales; álbumes; y fotografías) y secundarias (como el arte, la educación, la música, lo urbano, historias sobre el deporte, ensayos sobre la cultura popular y las biografías de sus amigos artistas), Mary Kay Vaughan logra reconstruir cuidadosamente las experiencias de tres generaciones de las familias materna y paterna de Pepe; de los hombres y las mujeres, sus oficios, costumbres, su vida cotidiana, prácticas religiosas, su trabajo, su sensualidad, su sexualidad y de su entretenimiento en Oaxaca y la Ciudad de México.

Para lograrlo, la autora se nutre de varias historiografías como de la vida cotidiana; de la familia; del cine (del mudo, de Hollywood, alemán, italiano y mexicano); de la infancia; social de la educación (la escuela, los libros de texto, las escuelas vocacionales, la autoformación y la Escuela La Esmeralda); de la radio; de la música; del baile (como el fox-trot, tango, sima, Charleston, tap, rumba, danzón, exóticos –Tongolele—y el rock and roll); del teatro de Pánico; de la pintura (de la Escuela Mexicana de Pintura de realismo social, basada principalmente en la pintura mural y las artes graficas; del movimiento de ‘La Ruptura’ que no enfatizaba la política social y el compromiso democrático; y la ‘generación olvidada’ de pintores distinguidos de manera aislada, nacidos entre 1935 y 1945); historia de mujeres y de género; de las masculinidades; historia social del trabajo (de sastres, costureras y técnicos del radio), y por si no fuera suficiente, la historia de las emociones, de las sensibilidades y los afectos.

La autora las entreteje estas diversas historias con una historia transnacional y global de distintos procesos históricos de corta, mediana y larga duración para ubicar a Pepe, su familia, su barrio, amigos, escuelas, aprendizaje y sensibilidades en un ‘tiempo y espacio vivido’ en la ciudad de Oaxaca y la Ciudad de México. La narrativa intersubjetiva en esta obra se mueve en distintas escalas: la emocional – corporal – subjetiva– intersubjetiva, la familia, el barrio, las generaciones, el género, lo local, regional, nacional y transnacional.

Con base en este minucioso análisis, la autora identifica las experiencias que Pepe cuenta y sostiene que éstas aclaran cuatro procesos: 1) “[…] una movilización después de la Segunda Guerra Mundial por el bienestar de la niñez y el desarrollo personal […]”; 2) el florecimiento del entretenimiento; 3) “[…] la domesticación de masculinidad violenta relacionada con la política social y el cambio político, las cambiantes estructuras económicas, sociales, comerciales y con los medios masivos de comunicación […]” (p. 31). y 4) “[…] la formación de un publico critico de jóvenes en la década de 1960, mismo que después de 1970 catalizó el surgimiento de una esfera pública democrática de discusión política, de expresión artística y de entretenimiento. Esa esfera pública cada vez más democrática conformó y ha sido conformada por la apertura de los regímenes políticos y sociales, y por los cambios en los mercados y en las tecnologías […]” (p. 31-32).

Mary Kay Vaughan identifica los goznes, los quiebres, los turning points que Pepe Zúñiga experimentó y cómo “[…] su narración es, en sí misma, el entrelazamiento entre el proceso socioeconómico y los discursos aprendidos para interpretar este proceso” (p. 27). La autora sostiene que

La historia de Pepe muestra la manera en la que los medios de comunicación, sus mensajes y sus tecnologías, sugieren la formación de una subjetividad más crítica y exigente, y una nueva noción sobre los derechos, algo totalmente opuesto a lo que Habermas predijo en 1962 y más de acuerdo con la noción de Elias sobre un espacio cualitativo para la comunicación y el desarrollo personal en el período inmediatamente posterior a la Segunda Guerra Mundial. […] Los medios de comunicación, argumentaba él, creaban desdén y apatía hacia las instituciones públicas y la vida política (p. 32, 37)

Pepe Zúñiga proviene de una familia pobre de la ciudad de Oaxaca que migró a la Ciudad de México en 1943; él buscó y luchó su superación personal y profesional para cambiar la condición social de su familia. Para analizar estas transformaciones (familiares, culturales, educativas, laborales, emocionales y sensoriales), la autora examina distintos espacios de aprendizaje como la música, el baile, el barrio popular (Carmen Alto en la ciudad de Oaxaca y la Colonia Guerrero en la Ciudad de México), la familia (nuclear y extendida), las escuelas, la iglesia, el cine, la radio, el teatro, entre otros.

Considero que uno de los aportes más importantes de Mary Kay Vaughan en Retrato de un joven pintor es a la creciente historiografía de la historia de las emociones en Estados Unidos, Europa y América Latina. De acuerdo con la historiadora Laura Kounine, los cuatro hilos principales de la historia de las emociones son la emocionología (emotionology Peter Stearns y Carol Stearns); comunidades emocionales (Barbara H. Rosenwein); regímenes emocionales (William Reddy) y prácticas emocionales (Monique Scheer) (Kounine, 2017). En conjunto, estas metodologías examinan la forma en que las emociones se han definido, gobernado y expresado en una sociedad y período determinado y cómo han cambiado a lo largo del tiempo.

Investigar, documentar y analizar los cambios emocionales no es una tarea fácil. Mary Kay lo logra al demostrar y argumentar que “[…] hubo transformaciones en la domesticación de la masculinidad violenta, la suavización de la dureza masculina, y la feminización de su sensibilidad” (p. 44). Las fuentes que generaron estos cambios provinieron del cine, la escuela, los libros de texto, las canciones de Cri-Cri, entre otros elementos, los cuales dieron paso a la ‘ternura’. Gustavo Sainz utilizó esta palabra para describir “[…] el despertar emocional y el apalcamiento de su salvaje delicuente, el ‘Compadre Lobo’” (p. 48, énfasis añadido). Para Mary Kay Vaughan, éste es un sentimiento “[…] que estaba surgiendo entre la juventud de la Ciudad de México desde finales de la década de 1950” (p. 48). Para mi, aquí está el centro del argumento de la autora y su aportación significativa a la historia del movimiento del 68 y su rebeldía. En sus palabras, “[…] la misma privatización del sentimiento impulsó la apertura de la esfera política”. Y concluye que,

En gran medida, los jóvenes rebeldes de la década de 1960 generaron la presión, la subjetividad, y, a medida que maduraban, se convirtieron en los ciudadanos de esta democratización. Ellos, a pesar de que no lograron liberarse totalmente de los comportamientos y convenciones que denunciaban, contribuyeron a una transformación de la política, las conductas sociales y la expresión artística (p. 382).

Finalmente, considero que este libro establece puentes para entablar un diálogo desde la perspectiva histórica con las participantes de los movimientos de la ‘Diamantina Rosa’ y los performances del Colectivo de las Tesis de Chile que se han realizado en diversas ciudades del mundo, ‘Un violador en mi camino’, que han confrontado con mucha fuerza las prácticas patriarcales. Considero que las jóvenes de estos movimientos pueden aprender que ‘el patriarcado’ debe historiarse, ubicarlo en su contexto (tiempo y espacio). Por tanto, entender e identificar las transformaciones de las prácticas masculinas de poder, ayudará a no dar por sentado que el patriarcado es omnipresente. Por el contario, debemos preguntarnos cómo ha sido su construcción social histórica. Así lo hace Mary Kay Vaughan en esta obra al señalar los cambios y las herramientas (el cuchillo, las tijeras y el pincel) que utilizaron tres generaciones de los hombres Zúñiga para construir su masculinidad, ejercer la violencia, el poder y expresar sus sensibilidades.

Quedan muchas cosas más en el tintero, mi reseña es una probadita de este libro que recurre a una gran diversidad de perspectivas historiográficas, fuentes primarias y secundarias. Recomiendo su lectura no sólo para académicos interesados en la biografía y en la educación, sino también para un público más amplio.

Referências

Kounine, L. (2017). Emotions, mind, and body on trial: a cross-cultural perspective. Journal of Social History, 51(2), 219-230.

Vaughan, M. K. (2000). La política cultural de en la Revolución: maestros, campesinos y escuelas en México, 1930-1940. México, MX: Fondo de Cultura Económica.

Vaughan, M. K. (2015). Portrait of a young painter: Pepe Zúñiga and Mexico city ‘s rebel generation. Durham, NC: Duke University Press

Notas

1 Para el título en ingléses ver: Vaughan (2015).

María Teresa Fernández Aceves – Es doctora en historia de América Latina por la Universidad de Illinois en Chicago, con especialidad en historia de mujeres y de género. Se desempeña como profesora e investigadora en el CIESAS Occidente desde 2001. Su investigación se ha centrado en la historia laboral, la historia de mujeres y de género en México en el siglo XX. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

III Jornadas Académicas (HEAR -UNR). Historia de la Educación Argentina Reciente: investigaciones y enseñanzas

Los días 7 y 8 de noviembre de 2019, la Universidad Nacional de San Luis fue sede de las III Jornadas Académicas (HEAR-UNR) Historia de la Educación Argentina Reciente: investigaciones y enseñanzas. El encuentro estuvo organizado por la Facultad de Ciencias Humanas de la UNSL, a través del Proyecto de Investigación “Hacer la historia, construir la memoria. Su impacto en las Ciencias Humanas”, el Programa de Historia y Memoria y el Archivo Histórico y Documental UNSL y el Centro de Estudio e Investigación en Historia de la Educación Argentina Reciente (HEAR) de la Facultad de Humanidades y Artes de la Universidad Nacional de Rosario. El evento fue coordinado por la Dra. Carolina Kaufmann y la Dra. Sonia Riveros en el que participaron importantes referentes de diferentes campos disciplinares e investigadores que compartieron sus producciones. Leia Mais

Palabras claves en la historia de la educación argentina | Flavia Fiorucci, José Bustamante Vismara

De la A a la Z es un criterio de clasificación conocido para lectores modernos familiarizados con artefactos culturales tales como diccionarios o enciclopedias. Como afirma Robert Darnton (2002), el afán por reordenar la manera de pensar, de delinear las fronteras entre lo conocido y lo desconocido, puede rastrearse desde la época de Aristóteles, pero fue a partir del siglo XVI que con el “debate acerca del “método” y la “disposición” correcta del ordenamiento del conocimiento (…) surgió la tendencia a comprimir el conocimiento en esquemas” (Darnton, 2002: 194), lo que fundamentaría las manifestaciones del enciclopedismo, desde Ramus, Bacon, Comenius hasta Diderot y d’Alambert, entre otros. Leia Mais

Da cadeira ao banco: escola e  modernização (séculos XVIII – XX) – MAGALHÃES (RHHE)

MAGALHÃES, Justino. Da cadeira ao banco: escola e  modernização (séculos XVIII – XX). Lisboa: Educa;  Unidade de I&D de Ciências da Educação, 2010. 644p. Resenha de: CARVALHO, Bruno Bernardes. Da cadeira ao banco: escola e  modernização (séculos XVIII – XX). Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, Brasil, v. 3, n. 9, p. 198-204, setembro/dezembro de 2019.

A obra “Da Cadeira ao Banco: Escola e Modernização (Séculos XVIII – XX)”, de autoria de Justino Magalhães, professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, é leitura essencial aos pesquisadores da História da Educação. Partindo da metáfora que dá título ao livro, o autor faz uma incursão pelos séculos XVIII ao XX, munido pela erudição que lhe é peculiar. Além do profundo trabalho de pesquisa, o autor nos oferece uma visão sobre a “história da longa duração”, isto é, o processo histórico de constituição da escola e da educação escolar enquanto instituintes e institutos da Modernidade na Europa. Adotando a perspectiva da síntese historiográfica, pela visão ampliada do processo de escolarização, o conjunto de análises e reflexões apresentadas na obra são importantes contribuições à historiografia educacional, pois faz emergir categorias de análise, que servem de aporte para outras investigações, como por exemplo: estatalização; nacionalização; governamentação; regimentação; cultura escrita; e munícipio pedagógico, discutidas em artigos e livros anteriores por Justino Magalhães.

O livro divide-se em três partes: Questões Introdutórias; Parte I – História do Educacional Escolar Português; e Parte II – Da Cadeira ao Banco. A primeira é composta por ensaios que versam sobre a História da Educação, enquanto área de pesquisa, e a escola como objeto historiográfico. Magalhães (2010) ressalta o vínculo existente entre história e educação, e entre educação e sociedade. Coloca em relevo a educação e o educacional escolar como elementos basilares da Modernidade, aqui entendida como o longo ciclo histórico que abrange os séculos XVIII a XX. Também destaca que a escola e a cultura escolar, no desenvolvimento histórico, tornaram-se constitutivas e instituintes da Modernidade, desempenhando papel de relevo na modernização da sociedade e no processo de constituição dos estados nacionais. Nesse âmbito, a educação, e mais especificamente a educação escolar, mediante a generalização da cultura escrita, forneceu as bases de legitimação para constituição e afirmação do Estado em relação à sociedade. Pensada e institucionalizada como forma de regenerar a sociedade via consecução da cidadania, a escola evoluiu assentada no paradoxo modernização-tradição, de preparar o futuro pela reafirmação do passado. Questões que ele procura demonstrar tomando por mote a análise do caso português, objeto do capítulo seguinte. Além deste argumento central, o tópico introdutório contém reflexões sobre a História, a prática historiográfica e a pesquisa em História da Educação, sendo que o autor defende uma perspectiva epistemológica que perpasse diferentes dimensões espaço-temporais: curta, média e longa duração; local, regional e nacional; em escalas micro, meso e macro.

Já na Parte I, História do Educacional Escolar Português, Magalhães procura “reconstituir” a gênese e desenvolvimento da escola  em Portugal, buscando estabelecer a cronologia desenvolvimento do sistema educativo português, tomando sempre em consideração o educacional escolar, como resultante da relação escola-sociedade. O período analisado (séculos XVIII – XX) é caracterizado por ciclos: es-tatalização, nacionalização, governamentação e regimentação. Progressivos e integrativos, cumulativa e lentamente resultaram na institucionalização da escola em Portugal, numa perspectiva da História enquanto processo.

A estatalização compreende o período que vai de 1752 quando Marquês de Pombal assume o poder, até 1820, com a Revolução Liberal do Porto. Compreende, assim, o seguinte feixe de características e processos: a ênfase da escrita como elemento de estruturação e organização do social; a escolarização do ensino e da cultura escrita; a escrita e a escola enquanto condição e instância de civilidade, ou seja, a emergência de “um proto-sistema escolar”, conforme nominado pelo autor, pois com esta estrutura “embrionária” se estabelece o “Subsídio Literário”. Neste cenário a instrução adquiriu centralidade, tornando-se matéria de interesse público, desígnio a ser assumido pelo Estado. Iniciava-se a transfiguração da educação em tecnologia do social, como meio de racionalização da sociedade e do estado nacional.

A partir da implantação do liberalismo em Portugal (1820), o desenvolvimento histórico educacional português promove um processo de nacionalização, já que a ênfase passa a recair na consolidação da nacionalidade portuguesa. A instrução pública acena com centralidade na construção de uma identidade pátria, a escola e a cultura escolar são nacionalizadas, mediante alguns processos a se destacar: a nacionalização curricular; a burocratização da estrutura escolar; a normalização pedagógica; protagonismos das instâncias locais, em especial as paróquias e municípios; adoção e reforço da língua vernácula como base da cultura escrita e da cultura escolar. Escola e nacionalidade caminharam associadas no período em questão, valorizando-se o nacional, as tradições e os valores pátrios, visando a construção de uma portugalidade.

O terceiro período histórico do desenvolvimento educacional português, trabalhado por Magalhães, século XIX, é caracterizado como ciclo em que a educação escolar se estrutura num sentido de maior organização e burocratização. Para Magalhães a escola nacional, além de reconfigurar o sentido do escolar, instala a governamentação, ou a burocratização do educacional escolar, com vistas a modernizar a escola e, por conseguinte, transformar a sociedade. O Estado português assume maior protagonismo na organização da escola, instituindo normas de escrituração escolar, uniformizando o currículo, criando órgãos de governo para inspeção do ensino, ampliando o aparelho pedagógico-administrativo, profissionalizando o magistério, enfim, variadas ações no sentido de conferir uma racionalidade burocrática à educação. Organizando a escola, pretendia-se o ordenamento e a regeneração da sociedade.

Há que se destacar também neste ciclo de governamentação, o papel desempenhado pelos municípios na organização da instrução em Portugal. Muito embora as ações empreendidas pelo governo português indiquem uma centralidade, com o estado nacional promovendo a normatização do escolar, os municípios portugueses contavam com certa porção de autonomia, resultado da descentralização administrativa, constituindo-se como “municípios pedagógicos”, espaços não somente de ação e decisão política, mas territórios essencialmente pedagógicos, educacionais, envolvendo-se diretamente na organização da instrução em seus domínios. É possível afirmar que exista uma autonomia regulada, ou seja, uma descentralização normatizada, em que as instâncias locais contavam com certo grau de autonomia, ao passo que o estado nacional, sobretudo, por meio da inspeção de ensino, normatizava e conferia uma racionalidade burocrática a educação escolar.

Por fim, o quarto ciclo histórico caracterizado pelo autor, a regimentação, define um período de vínculo e condicionamento entre escola e regime político. Trata-se de uma aproximação, ou mesmo de uma fusão entre os ideais do regime político instituído e a educação, entre a escola e o Estado. A escola é literalmente regimentalizada, ou nas palavras de Magalhães (2010), tem-se a “prevalência do Estado, arrastando e arrestando a escola para si” (p.349), uma aliança entre escola e regime com vista ao progresso do país. O período de regimen-tação abrange tanto a República quanto o Estado Novo em Portugal1. Durante o período republicano a tônica recai em republicanizar a escola, a fim de se republicanizar o país. Fundem-se neste sentido os ideais de cidadania, republicanismo, nacionalismo, patriotismo. A escola republicana objetivava formar o cidadão republicano, o homem novo. A escola emerge neste período consolidada enquanto tecnologia do social, como meio de ordenação e progresso da sociedade. pela via da escolarização pretendia-se a regeneração do social. E no que se refere ao chamado Estado Novo em Portugal, tais concepções são ainda mais acentuadas durante a administração salazarista: reforça-se a ideologização do ensino, com forte apelo cívico-nacionalista. Conforme metáfora do autor, “do velho se fez novo”, o Estado Novo se apropria da regimentação do educacional republicana, reincidindo sobre o teor nacionalista.

Na Parte II da obra, “Da Cadeira ao Banco”, o autor retoma os quatro ciclos históricos apresentados na seção anterior, agora tomando por argumento central a cultura escolar e seu processo histórico de constituição. Somente aí temos claramente apresentado o conceito presente na metáfora da “Da cadeira ao Banco”: assim como a criança, que ao entrar na escola levava consigo sua própria cadeira, e ao passo de seu desenvolvimento intelectual ascendia à bancada e à mesa central, a escola enquanto instituição social, também pode ser entendida metaforizada num processo de crescimento, que perpassa segundo o autor, dois séculos de história. Nesta parte da obra a cronologia não é mais o ponto principal da análise, mas sim os aspectos gerais e mais profundos que caracterizam o desenvolvimento da escola em sua relação intrínseca com a sociedade. Magalhães destaca que: “O processo de passagem da cadeira ao banco/ bancada espelha a evolução da instituição escolar, no plano interno e na sua relação com a sociedade (…)” (p. 414).

Da cultura escolar em Portugal, instituída historicamente e instituinte do social, são indicados os vetores centrais do processo de constituição do escolar em Portugal: a universalização da escola e da cultura escrita ao longo destes dois séculos; a escola concebida como como tecnologia do social, via de legitimação e consolidação do Estado-Nação; o paradoxo escolar de construção do futuro pela preservação da tradição, ou em outras palavras, a contradição escolar de pretensamente fornecer os meios de regeneração e progresso da sociedade, mediante a reafirmação de valores pátrios e da tradição; o crescente processo de regulamentação e burocratização do educacional escolar, aliado as ideologias dos regimes políticos; o caráter essencialmente educacional da Modernidade, na estreita e complexa relação existente entre modernidade, cultura escrita, escola, cidadania e estado-nação. Em linhas gerais, esta segunda parte da obra cristaliza a concepção de que a cultura escrita como meio, e a escola como centro, caracterizam a Modernidade enquanto processo civilizacional, destacando a relevância e o significado histórico do processo de escolarização como instância de modernização da sociedade portuguesa.

Importante mencionar que o autor dedica um capítulo especial para análise da realidade educacional brasileira, demonstrando inclusive diálogo fértil com pesquisadores brasileiros. Empreendendo uma análise comparada, analisa os ciclos históricos do educacional no Brasil, tomando por base as mesmas categorias do caso português: estatalização, nacionalização, governamentação e regimentação. Dentre outras questões, Magalhães (2010) destaca o papel desempenhado pelos municípios na organização da instrução primária brasileira, apontando para uma municipalização da instrução.

Numa inapropriada síntese, dada a complexidade e profundidade da obra em tela, aos que se interessarem pela leitura e pelo vai-vém “Da Cadeira ao Banco”, será possível ter uma melhor compreensão da relação existente entre escola, sociedade e Modernidade. Enquanto tecnologia do social a escola é instituto e instituinte, fator de modernização. À imagem da criança que adentra à escola com sua cadeira, somos conduzidos pelo autor, que espelhando a ação do mestre nos insta a aprofundar nosso entendimento sobre o processo de escolarização, tomando nosso lugar na bancada ao centro da sala.

Notas

1 A implantação da República em Portugal data de 1910, enquanto o Estado Novo tem sua origem em 1926, perdurando até 1974, sendo também este último período denominado de salazarismo.

Bruno Bernardes Carvalho – Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (Brasil). Contato: [email protected].

Acessar publicação original

A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924) – MEURER (RBHE)

MEURER, S. S.. A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba: Appris, 2018. Resenha de: MORAES, L. C. L., GOMES, L. do C., & MORAES E SILVA, M. O lugar da educação das sensibilidades e dos sentidos – apontamentos sobre o livro A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Revista Brasileira de História da Educação, 19. 2019.

A obra A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924) foi publicada no ano de 2018 pela editora Appris. Escrita pelo professor Dr. Sidmar dos Santos Meurer, tal obra trata-se da pesquisa realizada por ele durante o mestrado, desenvolvido na linha de história e historiografia da educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O autor apresenta aos leitores um livro que tem o propósito de colocar os recreios escolares no Paraná, no início do século XX, como objeto de investigação histórica. Para alcançar tal intento, a obra divide-se em apresentação, prefácio, introdução, duas partes principais compostas de três subtítulos cada, tópico conclusivo e, ao fim, um capítulo dedicado à apresentação das fontes primárias da pesquisa.

Sidmar Meurer graduou-se em educação física pela UFPR em 2005, obteve título de mestre em Educação pela mesma universidade em 2008 e defendeu seu doutoramento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2019. O autor é professor assistente no setor de educação da UFPR, atuando na formação de professores e no âmbito da pesquisa, no qual faz investigações sobre escolarização, história da educação, história da escolarização, história da educação dos sentidos e das sensibilidades e história da educação do corpo.

A apresentação, registrada pelo próprio autor, complementa-se pelo prefácio, escrito pelo professor Dr. Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, o qual foi orientador de Sidmar Meurer durante a graduação, o mestrado e o doutorado e atualmente é docente titular do departamento de ciências aplicadas à educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMG. No prefácio, Taborda de Oliveira reconhece as contribuições e qualidades do trabalho realizado pelo seu orientando, indicando a

importância da obra para o campo da história da educação. Cabe destacar que as ponderações levantadas, tanto na apresentação quanto no prefácio, trazem à tona a pretensão da obra como um todo, que é fazer com que o leitor reflita sobre o fenômeno social da escolarização, mais especificamente sobre a história do recreio no Paraná na temporalidade de 1901 a 1924.

A introdução traz como premissa o olhar e o cuidado do autor ao manusear as documentações das instituições de ensino. Esse tipo de procedimento possibilitou a construção da narrativa de sua investigação, a qual, conforme enfatizado pela própria autoria, apresenta preocupações com as práticas e ações típicas da ambiência escolar, que ainda não eram uma problemática para os estudos de uma historiografia mais tradicional da educação. Com o intuito de embasar o entendimento do leitor sobre o trato com as fontes, Meurer explora trechos dos relatórios de docentes, apresentando inúmeras interpretações e potencialidades desses exemplares. O autor potencializa tais fontes em diversos momentos, manifestando as peculiaridades do período, da escola e dos comportamentos, o que acaba por auxiliar a responder e/ou alimentar um debate sobre os diversos elementos que contribuíram para a consolidação dos recreios nas escolas paranaenses no início do século XX.

A parte I, intitulada ‘Justificativas pedagógicas para os recreios escolares; expectativas sociais para a escola primária’, inicia-se com o subtítulo ‘Forjar a ‘alma’, descansar o ‘espírito’, fortalecer o corpo: a educação como empreendimento moral, intelectual e físico’, que trata das pretensões tanto dos professores quanto dos políticos para com as implementações e reformas do ensino primário, além de enfatizar como surgem os denominados ‘recreios’ e/ou ‘intervalos’. Para realizar tal feito, o autor utilizou-se de relatórios de docentes, disponíveis no Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná/DEAP-PR, provenientes de diversos lugares do Paraná, deixando explícitas as metamorfoses das ideias sobre o entendimento do que e de como seria a escola primária em um período de republicanização, a qual deveria prezar por uma educação do físico, do intelecto e da moral e cívica, surgindo, então, a intenção de desenvolvimento integral do aluno.

A autoria aponta que nesse período existia certa confusão de significados e propostas em relação aos recreios. Afinal, eram atribuídos tempos distintos em cada instituição e o espaço (jardins, salas de aulas, quarto, pátio) e os exercícios implementados (gymnastica, respiração, canto, declamação) também variavam. Na sequência de seus argumentos, o autor indica que o tempo do recreio foi adequando-se às demandas que o ensino primário em reforma procurava, ou seja, a um projeto de escolarização que proporcionasse conhecimentos úteis a uma vida ativa e prática.

Já o segundo subtítulo, intitulado ‘A escola primária como instituição cardeal da sociedade paranaense: quando um projeto de escolarização pretende ser motor de mudança social’, baseia-se em dois conjuntos de fonte: os relatórios de autoridades do ensino paranaense e a revista A escola. A autoria apoiou-se em tais materiais para contextualizar o período de reforma do ensino primário, que deveria ser alicerçado de acordo com a tríade da formação física, intelectual e moral dos alunos. A preocupação apresentada nos documentos sobre a educação gratuita e universal, bem como a formação de indivíduos conscientes, aborda tópicos relevantes para se refletir sobre o processo de organização escolar, a relação entre educação e política e as questões relacionadas ao papel utilitário da educação.

Para esmiuçar esse amplo repertório de colocações, Meurer apresenta algumas referências na área da história da educação, destacando as contribuições de Marta Carvalho, numa perspectiva interpretativa de documentos das instituições de ensino, atribuindo à escola a preparação de mão de obra, e de Mirian Jorge Warde, que chama atenção para a ampliação do sentido e a função dada à escola, indo ao encontro de um entendimento de que a ação reguladora da instituição está mais associada à construção de hábitos, desenvolvimento de comportamentos e sensibilidades humanas. Diante dessas duas concepções, o autor apresenta fontes que favorecem a posição levantada por Mirian Jorge Warde.

O autor menciona que, para explicitar sua percepção, foram acionados os trabalhos de Jean Hérbrard, que tratam da escola francesa, e conceitos de ‘ferramentas mentais’, de Lucian Febvre. Com base em tais concepções, Meurer indica que a escola do período de republicanização desejava produzir maneiras de sociabilidades e construir conjuntos de sensibilidades e espírito prático que poderiam levar a sociedade a um suposto progresso. Os recreios surgiram como parte desse projeto de construção de sensibilidades, vistos como uma prática útil e necessária.

Em ‘Os recreios escolares e a ‘marcha do ensino’: por uma escola ‘moderna’, ‘útil’ e ‘atraente’’, última fração da primeira parte da obra, sobressaem-se resquícios do material empírico utilizado, que contém, além dos citados anteriormente, artigos do jornal A República, trecho da revista Pátria e Lar e um texto do médico José Maria de Paula. Contudo, o autor lembra que a escola era alvo de críticas oriundas dos segmentos médicos, pedagógicos e políticos, sobretudo por apresentar um ensino marcado pela memorização de conteúdo sem praticidade. A desaprovação mais eminente, constatada por Sidmar Meurer, relaciona-se à falta de cientificidade no ensino. Essa discussão repercutiu na racionalização de uma rotina escolar mais estruturada da qual o recreio fazia parte, contando, nesse momento, com o apoio de pressupostos pedagógicos para ser legitimado.

Todavia, o autor, analisando os discursos médico e pedagógico, indica que os médicos culpabilizam os professores pela pouca aproximação do ensino com aspectos científicos. Muitos dos relatórios traziam breves declarações que englobavam nomes influentes no âmbito pedagógico, como Spencer, Pestalozzi, Froebel, Rousseau e Locke, demonstrando pelo menos uma ligação e/ou uma tentativa com tópicos mais científicos para serem abordados na escola, como psicologia, ciências naturais e higiene. Meurer reconhece ainda que os documentos analisados apontavam que o público infantil apresentava especificidades que deveriam ser levadas em consideração no processo de ensino na escola primária paranaense.

A segunda parte do livro, intitulada ‘Dispositivos de institucionalização e normatização dos recreios escolares. Tempos, espaços e modos de proceder’, apresenta o quarto subtítulo, denominado ‘Da conformação dos espaços, um lugar para recrear – os pátios de recreio’. Para adentrar os espaços que se constituíram durante o período, o autor retoma as noções e os significados de recreios e/ou das formas de se recrear que foram encontradas na pesquisa. Tais significações apresentam uma ligação com a modernização do ensino, porém, sem pertencer ao currículo escolar formal, utiliza-se de um momento pedagógico, constituído por atividades de canto, exercícios de ginástica e desenhos. Meurer chama atenção para que se entenda o processo de mudança nos recreios como um movimento não linear. Além disso, o autor dá sentido de institucionalização ao recreio, pois, com o passar do tempo, aquele se diferencia de outros componentes escolares.

Entretanto, a disponibilidade de recursos para se investir em um espaço para os recreios era escassa e o movimento de instalações de grupos escolares, com o intuito de modernizar o ensino paranaense, acabou por ganhar força, surgindo como novo modelo para o processo de organização de um sistema público de educação. A Escola Xavier da Silva, primeiro grupo escolar do Estado do Paraná, teve relatórios de seus docentes frequentemente analisados pelo autor, visto que a instituição buscou realizar uma ampla reforma educacional, revelando preocupação com espaços específicos para os recreios, o que a tornou um exemplo a ser seguido. Foi somente em 1915, com o Código de Ensino, que ocorreu a normatização do recreio com seu respectivo espaço, recuado para as laterais e para os fundos das estruturas, que deveria seguir parâmetros de higiene e ser arborizado e composto de flores. Por fim, o autor demarca que os fatores e desejos que compunham esse espaço foram racionalizados, priorizando-se os aspectos higiênicos e estéticos, vistos como potencializadores da percepção dos alunos, que dispunham de esperada espontaneidade e intuição imprescindíveis para a modernização do ensino.

O quinto tópico, intitulado ‘Da contagem e demarcação do tempo de recrear – a passagem dos ‘intervalos’ ao ‘recreio’’, trata especificamente da delimitação temporal para os recreios. Uma fonte bastante explorada pela autoria, nessa parte do livro, foi o Código de Ensino do Estado do Paraná de 1915. Documento este que apresentava inúmeros elementos para se pensar a organização escolar, desde o controle temporal das atividades até as determinações de séries graduais do ensino. Mesmo com todos os pontos colocados por essas normatizações, que tinham o propósito de dar caráter mais educativo e disciplinar às escolas, poucas eram aplicáveis às outras instituições escolares. Com todo esse processo de mudanças e anseios por ‘inovações’, conforme enfatiza o autor, tentou-se, no modus operandi da época, constituir um conjunto de sensibilidades em relação ao tempo (otimizado) na escola a partir do pleito legal.

Por fim, no último subtítulo do livro, denominado ‘Modos de proceder na escola – os recreios como rotina escolar’, analisou-se o recreio sob a perspectiva dos modos de comportamento e das funções dos envolvidos nesse determinado tempo e espaço que salvaguardavam sua distinção perante os demais componentes curriculares. Ao se entender que todo espaço com a aglomeração de pessoas denominava-se ‘recreio’, passou-se a prescrever ações que diferenciavam os ‘recreios’ dos períodos de entrada e saída das aulas. As novas significações produzidas em relação a esses intervalos visavam atender às demandas fisiológicas e psicológicas dos alunos, além de enfatizar uma noção de recompensa pelo desempenho obtido nas atividades escolares. Abria-se também uma lacuna para que se utilizasse essa gratificação como castigo, apoiando-se na privação deste quando fosse necessária. Posteriormente, o recreio passou a tratar-se também de um espaço-tempo apropriado para a realização da merenda/alimentação.

Ao retomar alguns trechos dos relatórios, o autor enfatiza que os recreios passaram a conter uma disciplina diferenciada da exigida em sala de aula, consistindo em um ordenamento não silencioso, permitindo brincadeiras, atividades espontâneas e a concentração de todas as classes em um único espaço e tempo, sob a fiscalização dos agentes das instituições. Porém, conforme constata o autor, nada tem a ver com a disposição e o desenvolvimento da liberdade e autonomia do aluno, visto que todos os elementos constitutivos do recreio se unem para a formação de sensibilidades e na racionalização de um sistema que permite a aquisição de um ethos almejado.

Por último, em ‘Palavras finais – Pensar a escola e sua organização a partir de seus processos e práticas’, o autor faz ponderações sobre a sua pesquisa, apresentando reflexões para a área da educação. Diante disso, suas considerações finais apresentam aportes teóricos de filósofos como Michel Foucault e Theodor Adorno e dos historiadores Edward Thompson e Cristopher Hill. Um eixo importante do livro, que é válido mencionar, reporta-se à diversidade dos materiais empíricos, utilizados na construção da narrativa do livro, fazendo com que as fontes guiassem as análises que foram distribuídas nas partes e que conseguiam embasar ao leitor o contexto relacionado à temática principal, além de responder às problemáticas evocadas antes de assinalar os saberes e sentidos mobilizados pela oferta dos recreios num projeto de escolarização paranaense.

A título de apontamentos finais, observa-se que a leitura da obra convida o leitor a repensar no desenvolvimento dos recreios no Paraná, além de possibilitar aos interessados na história da educação e das sensibilidades que tenham um material qualificado para embasar novos estudos, visto que o livro é amparado numa abordagem historiográfica que facilita a realização de futuros trabalhos com tais características, constituindo-se, portanto, em uma leitura atrativa para pesquisadores interessados na temática da escolarização e dos diversos processos de educação do corpo.

Referências

Meurer, S. S. (2018). A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba, PR: Appris.

Letícia Cristina Lima Moraes – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Leonardo do Couto Gomes – mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Marcelo Moraes e Silva – professor doutor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Saúde e educação: um encontro plural – BERTICCI; SCHRAIBER (TES)

BERTICCI, Liane Maria; MOTA, André; SCHRAIBER, Lilia B.. (Orgs.). Saúde e educação: um encontro plural. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2017. 326 p.p. Resenha de: RUELA, Helifrancis Condé Groppo. Encontros e diálogos entre a saúde e a educação no Brasil. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.17, n.1, 2019

Saúde e Educação: um encontro plural é o nome da obra organizada por Liane Maria Bertucci, André Mota e Lilia Blima Shraiber que foi publicada pela Editora Fiocruz em 2017. O livro promove o encontro de historiadores, educadores, médicos e cientistas sociais que se dedicam e dialogam com o processo histórico de construção da relação entre a saúde e a educação, sobretudo no Brasil do século XX, e que têm como referencial condutor a historiografia brasileira. Os 14 capítulos estão agrupados em três partes temáticas que trataremos na sequência, quais sejam: Formação Profissional; Campanhas e Práticas de Prevenção; e O Universo Escolar.

A primeira parte, composta por quatro capítulos, inicia com “Saúde e Educação: a formação profissional entre princípios do século XX e do XXI”. Neste capítulo a autora analisa as influências do Relatório Flexner na formação médica na América Latina e como a maioria das instituições incorporou as recomendações sugeridas pelo documento, a saber: privilégio da biomedicina, incorporação de tecnologias, ensino por disciplinas e divisão dos currículos por ciclos. Aponta também que houve uma importante mudança depois da segunda metade do século XX, quando organismos como a OPAS e a OMS passaram a sugerir uma revisão nos currículos dos cursos da área da saúde, visando uma formação que superasse a proposta de ciclos (básico, pré-clínico e clínico) e promovesse uma integração e harmonização entre os conteúdos e a inserção mais precoce dos estudantes nos serviços de saúde locais.

O texto seguinte, intitulado “Educação, Higiene e Profissão em Debate nos Congressos de Medicina Latino-Americanos e Brasileiros”, resgata a realização dos Congressos científicos de medicina no continente latino-americano na virada do século XX para o XXI e suas participações na consolidação profissional do médico no período. Com base nos documentos desses eventos foi possível demonstrar a tensão no processo de regulamentação e construção do campo de atuação enquanto áreas autônomas não só da profissão médica, mas também de outras áreas profissionais como a farmácia, a odontologia e a enfermagem.

Já o terceiro capítulo, “Diplomadas de 1946: o novo modelo de formação norte-americano e a Escola de enfermagem do Centro Médico da Faculdade de Medicina de São Paulo”, tem como objetivo contribuir para a análise histórica do movimento político e social que alterou a formação e a identidade profissional no Brasil pós-1930. Para isto foram tomados depoimentos das 16 egressas da primeira turma da Escola de Enfermagem de São Paulo.

No último capítulo dessa primeira parte, intitulado “A Cooperação Opas-Brasil na Formação de Trabalhadores para a Saúde (1973-1983): instituições, agendas e atores” são resgatadas as bases, o desenvolvimento, os desdobramentos e resultados da cooperação técnica Opas-Brasil e sua influência no cenário dos recursos humanos em saúde no Brasil. Destaca-se o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS) e o apontamento de que o legado da cooperação não se restringiu ao tema da formação de recursos humanos para a saúde e acabou influenciando e contribuindo para o próprio movimento de articulação que culminaria na formulação do Sistema Único de Saúde anos mais tarde.

A segunda parte, de uma maneira geral, trata do modo como determinadas populações enfrentaram doenças específicas e o quadro de saúde no final do século XIX e nas primeiras sete décadas do século XX. É iniciada com o capítulo “Morte aos Ratos!” que contextualiza o surgimento da epidemia de peste bubônica na Europa e sua chegada e disseminação no Brasil. São descritas também as estratégias de combate aos surtos e epidemias e suas relações com os ideais civilizatórios e de nação moderna da conjuntura do período.

O capítulo 6 da coletânea que tem como título “Os materiais educativos para a Prevenção do Câncer no Brasil: da perspectiva histórica à dimensão discursiva” discute os aspectos da educação em saúde para o controle do câncer no século XX, sobretudo através da publicação de impressos sobre o tema, elaborados entre as décadas de 1940 e 1960. Seus autores mostram como a mudança no padrão de morbidade fruto da transição epidemiológica impactou nas estratégias e práticas de combate ao câncer e como ele ganhou espaço na agenda da saúde pública brasileira depois da década de 1950.

“Saúde e educação na reforma dos Costumes dos Jovens Rurais mineiros (1952-1972): a experiência dos Clubes 4-S” é o terceiro capítulo dessa segunda parte. Os autores discutem a organização dos clubes de jovens rurais e sua ação de extensão rural em Minas Gerais, desenvolvida por funcionários da Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar-MG). O projeto buscou uma “reforma dos costumes que tinha a sua centralidade na prescrição de preceitos morais e de saúde para uma parcela significativa da população rural de Minas Gerais, levadas à cabo por iniciativas de educação social” (p. 185).

O texto que fecha essa segunda parte é “Saúde pública, Mudança de Comportamento e Criação: da educação sanitária à emergência da inteligência coletiva em saúde” que realiza uma breve recuperação histórica da educação em saúde nas práticas de saúde pública no Brasil ao longo do século XX passando pela educação sanitária, a educação popular e a inteligência coletiva. São abordadas suas diferentes formas de interface com a comunicação, com os comportamentos e estilos de vida e como esses foram respondendo às mudanças do perfil epidemiológico de cada período.

A terceira e última parte do livro está estruturada em seis capítulos que tratam do tema da saúde no universo escolar. O texto “Saúde e Educação no Contexto Escolar” é o primeiro deles e busca demonstrar o desenvolvimento do movimento higienista e sua relação com a escola entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Ele aponta como a higiene passou a condicionar os aspectos da infância, da adolescência, da organização escolar e consequentemente promover uma medicalização da escola. Segundo a autora, “a atual educação para a saúde no universo escolar herdou muitos aspectos da antiga higiene das escolas e dos escolares” (p. 224).

O capítulo seguinte, “Para a Sanidade do Corpo: ginástica e educação física nas actas e pareceres do congresso de Instrucção Publica – Rio de Janeiro, 1883”, analisa o material reunido para o congresso que, por falta de recursos, acabou não acontecendo. As Actas e Pareceres acabaram sendo publicados em 1884 pela Typographia Nacional. São feitas considerações sobre a higiene individual e da escola e a importância da ginástica para meninos e meninas como meio de moldar corpos saudáveis.

O terceiro capítulo dessa última parte é “Em Prol do Ofício, da Salvação Pública e de uma Comunidade Produtiva: higiene e saúde na formação de professoras primárias”, que se baseia no estudo de dois compêndios de higiene destinados à formação de professoras na escola normal da capital da República. O primeiro foi Noções de Hygiene, de Afrânio Peixoto e Graça Couto, e o segundo Compendio de Hygiene, de José Paranhos Fontenele. As publicações analisadas buscavam preparar as futuras professoras primárias com relação à higiene e aos conhecimentos elementares relacionados à saúde.

O capítulo seguinte “A Saúde pela Educação na Escola (Nova) Primária: artigos de José Pereira de Macedo na Revista Médica do Paraná, início dos anos 1930” traz considerações sobre os artigos publicados pelo médico professor da Faculdade de Medicina que dissertavam, entre outras coisas, sobre a necessidade de inspeção das instalações escolares como as cantinas e a “importância da instrução dos professores pelos médicos e a relevância da atuação desses professores bem formados para inculcar nos alunos noções sobre saúde e prevenção de doenças” (p. 282).

O penúltimo capítulo da coletânea é “Educação Rural, Eugenia e o Caso da Galinha Preta” que apresenta a experiência da Escola Rural do Butantã, mais especificamente da atuação da professora normalista Noêmia Saraiva de Mattos Cruz e suas estratégias de ensino que estimulavam os alunos a refletirem sobre o mundo do trabalho rural, patriotismo e higiene eugênica.

O livro termina com o capítulo “Formação de Cidadãos Higienizados para a Construção do Progresso Nacional: produção e circulação de livros escolares de higiene na primeira metade do século XX”, que segue a linha da última parte e trata da relação da higiene com o universo escolar. Nesse caso específico são abordados os livros escolares utilizados para disseminação de saberes e práticas higiênicas nas escolas primárias e nos cursos de formação de professores no referido período.

O percurso da obra que foi aqui traçado mostra o processo histórico de construção da relação entre saúde e educação sob uma perspectiva de forte base empírica. É digno de nota o rigor das pesquisas e a abrangência das experiências em termos geográficos, institucionais e áreas de atuação profissional, que são fruto do referencial teórico metodológico guia do livro.

Esse referencial, se por um lado traz uma riqueza de detalhes sobre as pessoas, os lugares e as datas, por outro pode deixar a desejar na análise conjuntural do período analisado. Ainda que em alguns momentos os autores se preocupem em relacionar a saúde e a educação com o momento político-econômico do país, em outros fica pouco evidente ou velada a relação dialética que esse binômio saúde-educação estabelece com o modo de produção social vigente do período. O referencial da determinação social do processo saúde-doença (Breilh, 2013) nos parece central para a realização dessa tarefa.

Assim, reafirmamos a importância da obra como base empírica da história da relação saúde-educação, ao mesmo tempo em que convidamos os pesquisadores para que em futuros estudos sobre o tema tenham em vista a não neutralidade e a intrínseca relação com o modo de produção social que esses dois campos de atuação possuem.

Referências

BREILH, Jaime. La determinación social de la salud como herramienta hacia una nueva salud pública (salud colectiva).Revista Faculdad Nacional de Salud Pública, Antioquia, n. 31, supl. 1, p. 13-27, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/pdf/rfnsp/v31s1/v31s1a02.pdf> [ Links ]

Helifrancis Condé Groppo RuelaFundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Escolas italianas no Rio Grande  do Sul: pesquisas e documentos – RECH; LUCHESE (RHHE)

RECH, Gelson Leonardo; LUCHESE, Terciane Ângela. Escolas italianas no Rio Grande  do Sul: pesquisas e documentos. Caxias do Sul, EDUCS, 2018. Resenha de: FERNANDES, Cassiane Curtarelli. Escolas italianas no Rio grande do Sul: pesquisas e documentos. Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, Brasil, v. 2, n. 6, p. 241-245, setembro/dezembro de 2018.

Escolas italianas no Rio Grande do Sul: pesquisas e documentos, é o título da obra composta pelos pesquisadores Gelson Leonardo Rech e Terciane Ângela Luchese, publicada em 2018, pela editora EDUCS. O escrito é fruto da continuidade das pesquisas empreendidas pelos autores em torno dos processos educativos entre imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul, assim como dos diálogos mantidos no Grupo de Pesquisa História da Educação,  Imigração e Memória (GRUPHEIM) da Universidade de Caxias do Sul/RS.

De uma forma acessível, Gelson e Terciane partilham seus empreendimentos de pesquisa com o público interessado na temática da imigração italiana no estado gaúcho. As páginas, escritas a quatro mãos, reúnem três movimentos: narram uma história das escolas italiano no estado, apresentam uma reflexão metodológica e transcrevem documentos primários, alguns até então inéditos para a área da História da Educação.

O livro, organizado em três capítulos, inicia com prefácio elaborado pelo Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara, que aborda brevemente o processo imigratório italiano no Rio Grande do Sul. Em seguida, há uma apresentação da obra pelos autores, desejando que “a leitura das páginas que seguem possa inspirar outros investigadores e interessados pela temática a pensarem os processos educativos étnicos como uma importante singularidade no contexto brasileiro” (RECH; LUCHESE, 2018, p. 12).

No primeiro capítulo intitulado O processo escolar entre imigrantes italianos e descendentes no Rio Grande do Sul (1875-1938), os pesquisadores apresentam os resultados das investigações realizadas nos últimos anos acerca do processo escolar entre imigrantes e descendentes de italianos no estado, nos anos finais do século XIX, mais especificamente nas colônias da Serra gaúcha e na capital Porto Alegre.

O texto inicia com um panorama histórico acerca do processo imigratório italiano no estado, apontando brevemente as causas da imigração, o interesse do governo brasileiro no fenômeno migratório, assim como a formação das diversas colônias estabelecidas a partir de 1870. Em seguida, apresenta o contexto educacional do Rio Grande do Sul entre o século XIX e o XX. Depois, direciona o olhar para o processo escolar entre imigrantes italianos e os seus descendentes, apontando que “diversas foram as iniciativas dos imigrantes na organização de escolas” (RECH; LUCHESE, 2018, p. 25). Entre estas iniciativas, os pesquisadores destacam as escolas étnico-comunitárias rurais, as escolas étnico-comunitárias mantidas por Associações de Mútuo Socorro e as escolas ligadas a congregações religiosas. Ainda, ressaltam que às escolas públicas – isoladas, grupos escolares e colégios elementares, foram também requisitadas pelos imigrantes. No entanto, ressaltam que:

Essa escola frequentada pelos imigrantes, seus filhos e netos, mesmo sendo pública, era marcada por elementos étnicos. O próprio prédio escolar e a terra onde estava localizada, muitas vezes, foram doados pela comunidade, assim como os móveis. As comunidades frequentemente interferiam na nomeação e/ou indicação do professor, como averiguou Luchese (2007). As práticas pedagógicas e o sotaque dialetal, bem como outros elementos culturais étnicos, marcavam presença nas salas de aula. (RECH; LUCHESE, 2018, p. 37).

Após, os autores apresentam algumas iniciativas de escolarização tendo como pano de fundo à capital Porto Alegre. Assim, evidenciam a organização do Instituto Médio Ítalo-Brasileiro que funcionou como um colégio-internato, entre os anos de 1917 a 1930, fundado pelo Professor Augusto Menegatti e sua esposa Linda Menegatti, como também a reorganização das escolas étnicas na capital.

Concluem este primeiro capítulo elencando algumas dificuldades encontradas para se manter as iniciativas das escolas étnico-comunitárias, bem como as influências do governo fascista de Mussolini a partir de 1922, sobre as escolas étnicas italianas e a preferência dos imigrantes e descendentes pela escola pública.

Análise documental histórica: considerações metodológicas sobre a história da escola entre imigrantes italianos e seus descendentes é o título do segundo capítulo organizado pelos autores, tendo como objetivo compartilhar considerações sobre os caminhos teóricos e metodológicos de suas investigações (RECH; LUCHESE, 2018). Sendo assim, destacam a utilização do aporte teórico-metodológico da História Cultural, a importância de tomar os documentos como monumentos nas pesquisas e o trabalho com a análise documental – organização e interpretação dos dados.

Nesta segunda parte do livro, os autores partilham com os demais pesquisadores da área, seis preocupações necessárias trabalho com a análise de documentos textuais, a saber: 1) as condições de produção do documento; 2) os procedimentos internos; 3) as condições de circulação do documento; 4) a materialidade do documento; 5) a apropriação; 6) a preservação. Da mesma forma, demarcam a importância do cruzamento das fontes selecionadas nas pesquisas, a diversificação das mesmas – textuais, orais e iconográficas, o diálogo com a teoria e o cuidado com as referências de localização dos vestígios com compõe o corpus documental da investigação. Desse processo, emerge “a tessitura da escrita”, nas palavras de Rech e Luchese (2018, p. 74). Para ambos:

Nesse jogo de vida e morte, de passado e presente, de documentos e monumentos, não podemos esquecer que as narrativas históricas da educação, derivadas das pesquisas que produzimos, são resultados de trabalho com questões de pesquisa possíveis no tempo em que vivemos e que, para respondê-las, construímos um corpus empírico. Destarte, indícios, rastros, sinais que são ordenados, montados, questionados na análise, na inter-relação e contextualização que procedemos para escrever história, escrever um possível sobre o passado educacional, reconhecendo a precariedade e a necessidade de revisitar documentos, munidos por novos questionamentos. É o movimento constante da pesquisa. (RECH; LUCHESE, 2018, p. 77).

No terceiro e último capítulo denominado Repertórios documentais, Gelson e Terciane, de forma generosa, compartilham quatro documentos que auxiliam na compreensão da história da escola entre imigrantes italianos e descendentes no estado do Rio Grande do Sul.

O primeiro documento apresentado pelos autores é um relatório elaborado pelo italiano Ranieri Venerosi Pesciolini, que em visita aos estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina, escreve no ano de 1912, sobre a vida nas colônias italianas, incluindo um tópico sobre a as escolas e a instrução. A segunda fonte também é um relatório e foi produzida em 1923, pelo professor italiano Vittore Alemanni que escreve sobre as escolas italianas no Brasil. O terceiro do-cumento é um recorte do texto apresentado no livro Cinquantenario della colonizzazione italiana nel Rio Grande del Sud (1875-1925) por Benvenuto Crocetta em 1925, onde o mesmo compõe um pequeno escrito sobre as escolas. O último vestígio é uma carta de Celeste Gobbato, intendente de Caxias do Sul, endereçada a Benito Mussolini, no ano de 1927, “pedindo a intervenção do Duce para que os padres salesianos implantassem um ginásio em Caxias do Sul” (RECH; LU-CHESE, 2018, p. 150). Os documentos disponibilizados são apresentados na sua versão original em língua italiana e acompanham as res-pectivas traduções realizadas pelos autores do livro.

A obra escrita por Rech e Luchese (2018) é uma importante contribuição para os estudos historiográficos em torno dos processos educativos nas colônias de imigrantes e descendentes de italianos. A partir das investigações dos autores é possível perceber que a escola foi alvo de desejo e de interesse por parte das famílias italianas desde os anos iniciais de formação dos núcleos coloniais.

Sendo assim, além de compartilhar os conhecimentos construídos sobre a temática do livro, os autores dividem com os jovens pesquisadores da área da História da Educação os seus modos de trabalhar com a análise documental e narrar uma história. Refletem acerca do problema de pesquisa e do uso de documentos, apontam autores dentro do referencial teórico-metodológico da História Cultural e sugerem caminhos para a metodologia da análise documental. Ao final, ainda nos brindam com a reprodução de quatro documentos que tratam sobre a escolarização. Escolas italianas no Rio Grande do Sul: pesquisas e documentos é uma publicação inspiradora e que merece nossa atenção.

Cassiane Curtarelli Fernandes – Doutoranda em Educação pela Universidade de Caxias do Sul, UCS (Brasil). Contato: [email protected].

Acessar publicação original

Cartografias da cidade (in)visível: setores populares, cultura escrita, educação e leitura no Rio de Janeiro imperial – VENÂNCIO et al (RHHE)

VENÂNCIO, Giselle; SECRETA, Maria; RIBEIRO, Gladys. Cartografias da cidade (in)visível: setores populares, cultura escrita, educação e leitura no Rio de Janeiro imperial. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2017. Resenha de: SILVA, Giuslane Francisca da. Revista de História e Historiografia da Educação. Curitiba, v. 2, n. 5, p.234-239, maio/agosto de 2018.

A obra Cartografias da cidade (in)visível: setores populares, cultura escrita, educação e leitura no Rio de Janeiro imperial é organizada por Giselle Venâncio, Maria Secreta e Gladys Ribeiro. Está dividida em duas partes e é composta por um total de onze textos escritos por pesquisadores de instituições distintas.

Cada texto traz abordagens inovadoras, visto que resgatam aspectos da cidade do Rio de Janeiro, muitas vezes relegados pelos pesquisadores, ao mesmo tempo em que desconstroem a ideia de que as camadas populares estavam distanciadas ou mesmo excluídas do mundo letrado. Para tanto, “cartografar um Rio de Janeiro ainda invisível” (SECRETO; VENANCIO, 2017, p. 9) constitui o objetivo central da obra.

A partir de fontes como os periódicos, os autores mostram que muitos populares na cidade do Rio de Janeiro Imperial tinham acesso à cultura escrita. Ampliando os sujeitos de suas pesquisas, os autores demonstram que escravos, forros, migrantes pobres, estiveram de alguma forma expostos a cultura escrita. É possível conjecturar que casos assim podem ter ocorrido em outras cidades também.

O livro está dividido em duas partes, a primeira delas, “Usos populares da leitura e escrita”, reúne quatro textos em torno dessa temática. A segunda parte, “Práticas educativas de populares no Rio de Janeiro oitocentista”, agrega um total de sete artigos. Para uma melhor explicitação do livro como um todo, realizo uma breve análise de cada um dos textos.

No primeiro texto, “Em primeira pessoa”, de Giselle Venancio, a autora vai analisar a carta que a liberta, Maria Rosa, escreveu à Princesa Isabel na ocasião de seu aniversário quando era comum alforriar alguns escravos. A carta assinada por Maria Rosa solicitava à Imperatriz que interviesse junto à Câmara Municipal para que sua filha, Ludovina, que era mãe de três filhos, fosse alforriada. Os dados que a autora levantou demonstram que escravos e libertos eram alfabetizados e não muito raro investiam também na formação de seus filhos.

No segundo capítulo, “Posta em cena: educação moral e estética e heterogeneidade social e teatro oitocentista”, cujas autoras são María Secreto e Viviana Gelado, a abordagem recai sobre o letramento popular e/ou negro na cidade do Rio de Janeiro, a partir de um ângulo não muito casual: o teatro, visto como mecanismo de educação moral e estética do público carioca.

Segundo as autoras, não sendo o escravo doméstico e especialmente o urbano, almejado pela cidade das letras, via no teatro a chance de depreender uma moral pragmática, assim como também lições de retórica e boas maneiras que “poderiam coadunar para desobstruir o improvável caminho da ascensão social dentro dos limites jurídicos impostos” (SE-CRETO; GELADO, 2017, p. 44-45).

Em “Saber ler, contar e poupar: reflexões entre economia popular e cultura letrada no Rio de Janeiro, 1831/1864”, de Luiz Saraiva e Rita de Cássia Almico, os autores partem de um consenso da historiografia brasileira, o de que as camadas mais baixas da sociedade teriam tido acesso limitado ao mercado financeiro, além do que a baixa circulação financeira teria restringido os trabalhadores pobres e escravos dos conhecimentos mais “sofisticados no âmbito da economia e de uma monetarização crescente” (SECRETO; GELADO, 2017, p. 49), a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro no decorrer do século XX. Partindo desse ponto, os autores apresentam evidências de um maior protagonismo das camadas populares em atividades ligadas aos setores financeiros, destacam ainda o impacto dessas atuações na economia da cidade.

A partir de anúncios de jornais, os autores levantaram a hipótese de que havia um mercado de bens financeiros e que poderia ser usado por setores populares. Ressaltam também a importância da economia popular para a cidade.

Carlos Eduardo Villa, em “Escrever como curso de transação dos pequenos agentes do Rio de Janeiro na metade do século XX”, parte de dados cartoriais e evidencia que a cultura escrita aumentou consideravelmente ao longo do século XIX, o que leva crer que houve um aumento também dos grupos alfabetizados. Outra defesa do autor é que o aumento de trabalhadores, que ofertavam seus serviços nos jornais que circulavam na cidade, permite afirmar também que houve um incremento da cultura escrita entre os populares.

O texto “Ler, escrever e contar: cartografias da escolarização e práticas educativas no Rio de Janeiro oitocentista”, de Alessandra Shueler e Irma Rizzini, abre a segunda parte do livro. Nele, as autoras trazem questões ainda pouco debatidas e/ou conhecidas pelos historiadores, pois afirmam que a população pobre e seus filhos, assim como os negros, compunham o grupo escolar da cidade, isto é, frequentavam escolas e que, portanto, uma parcela de populares era alfabetizada.

As pesquisas das autoras contrariam uma ideia durante muito tempo hegemônica na historiografia, a de que não havia escolas noturnas e ensino primário voltado ao atendimento do público trabalhador, além de desmitificar a clássica afirmação de que grande parte da população brasileira no Brasil oitocentista era analfabeta, como se vê, essa não é a realidade da cidade do Rio de Janeiro. O trabalho dessas autoras e alguns outros desconstroem totalmente essas ideias.

Em “Educação no Rio de Janeiro joanino nas páginas da Gazeta do Rio de Janeiro: espaços abertos para a mobilidade social”, Camila Borges da Silva numa perspectiva que se aproxima do artigo anterior, analisa o formato dos espaços educacionais durante a presença da Corte no Brasil. Ela explora também como as aulas noturnas abriam condições de ascensão social às camadas intermediárias da sociedade, formadas em sua maioria por pardos, mulatos e portugueses pobres (SILVA, 2017).

Jonis Freire e Karoline Karula, em “Camadas populares e higienismo no Rio de Janeiro em fins dos anos de 1870”, analisam um grupo social composto por alunos que frequentavam a Escola Noturna da Lagoa, na ci-dade do Rio de Janeiro, no final da década de 1870. Nessa escola foram ofertadas conferências sobre higiene popular, o curioso é que grande parte do público que frequentava essas conferências era composto por alu-nos dessa instituição. As autoras, levando em consideração o fato de que essas conferências ocorriam nos dias em que não havia aula, afirmam que é muito provável que esses alunos iam porque o assunto lhes interessava.

Em “Cidade solidária: beneficência educacional no cotidiano popu-lar da Corte Imperial”, de Marconni Marotta, discute-se a instrução popu-lar financiada por associações, com destaque para a Sociedade Jovial e Ins-trutiva. Aponta também algumas políticas públicas voltadas para a educa-ção primária das camadas populares.

No texto “Aulas do Comércio: mundo da educação versus mundo do trabalho livre e pobre na cidade do Rio de Janeiro”, Gladys Sabina Ribeiro e Paulo Cruz Terra analisam as aulas do Comércio e o mundo do trabalho na cidade do Rio de Janeiro. Eles enfatizam também as transformações sofridas pela instituição a partir da data de sua fundação até a Reforma de 1854.

Tomando uma instituição de ensino como enfoque de seu trabalho, Alexandro Paixão, em “A educação popular no Rio de Janeiro oitocentista: o caso do Liceu Literário Português (1860-1880)”, discute os primeiros anos do Liceu Literário Português do Rio de Janeiro.

A presente instituição foi fundada no ano de 1868 sob os auspícios de alguns membros do Gabinete Português de Leitura e tinha por objetivo atender os ideais de “’comunidade’ relacionados à questão da cultura por-tuguesa, filantropia e instrução popular” (PAIXÃO, 2017, p. 215) no Rio de Janeiro. Foi talvez a primeira instituição na capital do Império a oferecer cursos noturnos gratuitos de instrução primária.

O Liceu também oferecia aulas de comércio para jovens e adultos que se mostrassem interessados na aprendizagem e no trabalho, logo em seguida passava a compor a classe caixeiral, muito comum naquele mo-mento. Entre os anos de 1868 a 1884, o Liceu formou cerca de 6.500 alu-nos.

O autor destaca a fundação de uma escola noturna que atendia jo-vens e adultos que não podiam frequentar escolas em outros horários. A escola era mantida pelo Gabinete Português. Há também a citação de ou-tra instituição, o Collegio Victorio da Costa, com o externato para meninos pobres, de propriedade de um dos membros do gabinete.

O último texto “Pelos caminhos da liberdade: sujeitos, espaços e prá-ticas educativas (1880-1888)”, Alexandra Lima da Silva e Ana Chrystina Mignot abordam as iniciativas de educação de escravos e libertos, bem como ressaltam o papel do Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, que foi criado por funcionários do jornal Gazeta da Tarde e que era, então, dirigido por José do Patrocínio, uma importante figura dentro do movi-mento abolicionista.

Essa perspectiva, defendem as autoras, alarga a compreensão sobre a educação de cativos e libertos para além das escassas escolas que exis-tiam Brasil afora. O Centro Abolicionista, além de abrir e manter escolas primárias noturnas, promovia outras atividades como festas, espetáculos teatrais, musicais etc.

Através da análise de diversos periódicos que circulavam na cidade, as autoras encontraram várias escolas gratuitas que instruíam “menores e adultos livres, libertos e escravos, sem distinção de cor, nacionalidade ou religião” (SILVA; MIGNOT, 2017, p. 245).

Ao analisarem as ações do Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, as autoras trouxeram à tona nomes como José do Patrocínio, José Ferreira de Menezes, Israel Soares, dentre outros, que compunham o quadro dos membros do movimento abolicionista. Ressaltam também que figuras como essas, ao escreverem em jornais, pretendiam conquistar a simpatia das elites para benefício de suas causas. No entanto, escreviam também para muitos libertos e descendentes de escravos que possuíam acesso a esses escritos.

Os textos que compõem a obra discutida aqui, com uma linguagem clara e objetiva, levantam questionamentos e desconstroem muitos mitos que se firmaram na historiografia brasileira, no caso específico, o de que as camadas populares no oitocentos estiveram alheias à cultura escrita, ou que sequer entendiam o valor da educação. É justamente isso que os textos buscam desmistificar ao mostrar que havia escolas noturnas, muitas delas mantidas por associações de dentro do movimento abolicionista. Tais escolas eram voltadas ao atendimento de trabalhadores, escravos e libertos, consequentemente uma parcela significativa de populares estavam inseridos no universo da cultura escrita e que, portanto, eram alfabetizados.

Giuslane Francisca da Silva – Doutoranda em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil). Contato: [email protected].

Acessar publicação original

 

Fontes Documentais | IFS | 2018

Fontes Documentais1

A Revista Fontes Documentais (Aracaju, 2018-) é uma publicação científica com periodicidade quadrimestral e de fluxo contínuo, organizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História das Bibliotecas de Ensino Superior – GEPHIBES, vínculado ao Instituto Federal de Sergipe – IFS, com o objetivo de atuar como um veículo difusor e fomentador da produção acadêmica. Destina-se à divulgação de trabalhos gerados a partir de pesquisas originais, relatos de experiência, estudos bibliográficos, pesquisas em andamento, resumos expandidos e entrevistas desenvolvidas tanto no estado de Sergipe quanto em outras regiões brasileiras e/ou em outros países. As áreas de abrangência são:

  • Ciência da Informação
  • Biblioteconomia
  • Documentação
  • Arquivologia
  • Museologia
  • História da Educação
  • Áreas afins relacionadas com cultura, memória e representação

Periodicidade quadrimestral

Acesso livre

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Vozes em defesas da ordem: o debate entre o público e o privado na educação (1945-1968) – GOMES (RBHE)

GOMES, M. A. O. Vozes em defesas da ordem: o debate entre o público e o privado na educação (1945-1968). Curitiba: Editora CRV, 2018. Resenha de: BARBOZA, Marcos Ayres; TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut. O público e o privado na educação brasileira. Revista Brasileira de História da Educação, 18, 2018.

As políticas de privatização da educação não são recentes no Brasil. Elas possuem uma historicidade. Essa proposta adquiriu ao longo dos anos significados diversos, buscando legitimar demandas diferentes dos grupos hegemônicos. Diante desse contexto, os estudiosos da história da educação não podem ignorar, em sua formação, os movimentos em defesa da privatização da educação, tendo em vista sua decisiva influência nas políticas para o setor, especialmente na atualidade.

Os grupos hegemônicos exercem pressão sobre as políticas públicas educacionais para que o investimento estatal seja direcionado para o setor privado. A compreensão desse movimento histórico é essencial no debate em defesa da escola pública e universal. O autor, em sua obra, analisa o debate sobre os anos de 1945 e 1968, entre a escola pública e privada, visando analisar as estratégias utilizadas pelos diferentes grupos sociais hegemônicos para a privatização da educação.

O autor, Marcos Antônio de Oliveira Gomes, atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual de Maringá (UEM), lotado no Departamento de Fundamentos da Educação e membro do corpo docente do Programa de Pós-graduação em Educação, na linha da pesquisa História e Historiografia da Educação. Participa do Grupo de Pesquisas em Fundamentos Histórico-Filosóficos da Educação – UFSC/CNPq – e do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade (UEM).

Para alcançar seus objetivos, organizou o livro em sete capítulos. No capítulo 1, ‘A Igreja diante do Estado Republicano: o repúdio ao liberalismo e ao laicismo’, o autor discute as origens do projeto de restauração católica. Segundo ele, o processo de secularização e de laicização, promovido no Estado brasileiro com a Proclamação da República (1889) e a consequente defesa do ensino laico, ascendeu ao estabelecimento de um amplo debate no interior da igreja, que visava o projeto de reforma e modernização do catolicismo no Brasil.

A tarefa seria a redefinição do papel da igreja na sociedade brasileira. Esse projeto de restauração foi reiniciado com a chegada das diversas congregações religiosas para atuarem em projetos assistenciais e educacionais. Essas atividades buscavam o fortalecimento da Igreja Católica na sociedade brasileira.

A Carta Pastoral, elaborada por D. Sebastião Leme, em 1916, como arcebispo de Recife e Olinda, marcou esse período de reforma religiosa no Brasil. Na Carta, D. Leme defendia que a reforma católica deve levar os cristãos a ter consciência de seus deveres religiosos e sociais. Para tanto, foi criada uma rede de instâncias apropriada ao debate e divulgação do pensamento católico, em especial por meio da revista A Ordem (1921) e do ‘Centro D. Vital’, criado em 1922 por Jackson de Figueiredo.

Essas instituições buscaram representar o pensamento católico por meio de um núcleo de intelectuais leigos que se apresentavam como os porta-vozes orgânicos dos interesses do catolicismo; dentre eles, destacou o trabalho intelectual de Jackson de Figueiredo e de Alceu Amoroso Lima, ligado ao ministro Gustavo Capanema, na época ministro da Educação e Saúde (1934-1945). Defendiam, entre outras coisas, a restauração dos valores morais e culturais. Era importante combater o liberalismo fundamentado em ideias pluralísticas e agnósticas, principais princípios de degeneração da ordem cristã, e, segundo a igreja, esse projeto, no campo educacional, defendia a implantação do ensino religioso para a recuperação moral dos indivíduos e da sociedade.

No capítulo 2, ‘O Epílogo de uma época: a crise dos anos 20 e a ruptura reformista’, o autor mostra que a Revolução de 1930 no Brasil possibilitou quebrar as estruturas arcaicas e esgotadas da República Velha. A crise externa pela qual passou o sistema capitalista mundial, decorrente da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, trouxe consequências negativas para a economia brasileira.

Segundo ele, foi necessário quebrar a hegemonia da oligarquia cafeeira. O golpe de 1930 significou uma rearticulação do poder dos setores dominantes com a finalidade de rever a estrutura econômica do país, pelo questionamento da ordem liberal e agravamento dos conflitos sociais.

Três movimentos sociais marcaram o período: o movimento tenentista; a Semana de Arte Moderna; e a revolução espiritual desencadeada pelo Centro D. Vital. Além deles, houve o crescimento da insatisfação das classes médias e da classe operária. Ainda não havialegislações de proteção dos trabalhadores e de assistência social. As eleições do primeiro período da Primeira República eram marcadas por fraudes.

Nesse cenário, surgiu o movimento da Escola Nova, em defesa de uma escola laica, voltada para o desenvolvimento da ciência e para atender às demandas da indústria, como uma maneira de democratizar as relações sociais. Esse discurso, no entanto, colaborava para a ocultação das desigualdades sociais. A igreja, por sua vez, também buscou a democratização e via o espaço educacional como um instrumento de poder. Os intelectuais ligados a ela propuseram uma formação moral para educar a sociedade. Num ponto, os escolanovistas e os católicos convergiam: defendiam, no debate educacional, a educação como um direito do cidadão, que competiam ao Estado a sua garantia e destinação de fundos orçamentários destinados ao seu funcionamento, inclusive a rede privada.

No capítulo 3, ‘O Mundo pós-guerra: o idioma desenvolvimentista’, o autor esclarece que a Segunda Guerra Mundial pôs em discussão o nacionalismo, o desenvolvimentismo, a reconstrução da paz, a democracia, a questão social, entre outros temas. Muitas dessas questões tomaram parte da política da Organização das Nações Unidas (ONU), e também pela ação de sua representante na América Latina, a denominada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), criada em 1948, após a Segunda Guerra Mundial.

O progresso econômico ocorreu em maiores proporções no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960), em particular com o favorecimento para a entrada de capital estrangeiro. Com o crescimento econômico, veio também a ampliação das disparidades regionais e desigualdades sociais. A ideologia do desenvolvimento nacional, preconizada pela CEPAL, foi defendida por intelectuais vinculados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado no governo de Café Filho, em 14 de julho de 1955.

Com a expansão da indústria veio uma forte reação operária em defesa de seus direitos. E, como o ‘fantasma da revolução comunista’ rondava o cenário nacional, setores empresariais, militares e setores da Igreja Católica organizaram-se contra os avanços dos movimentos sociais associados, na visão deles, ao comunismo. O movimento estava em defesa da ‘ordem’, das ‘tradições cristãs’ e da ‘propriedade privada’ e contribuiu para o estabelecimento do governo militar em 1º de abril de 1964.

No capítulo 4, ‘O diálogo com a república: a ação política da Igreja e a convergência com o Estado autoritário’, o autor afirma que o governo Vargas abriu espaço para a influência da igreja na área educacional. A igreja buscou ampliar os seus espaços para manter a supremacia espiritual. Muitas das reivindicações da igreja foram incorporadas à nova Constituição de 1934, por influência do pensamento de D. Leme e de Alceu Amoroso Lima, vinculados à Liga Eleitoral Católica (LEC).

O surgimento de novas correntes de pensamento no catolicismo, na década de 1950, significou um movimento de reestruturação do catolicismo no Brasil por meio da Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Estudantil Católica (JEC).

A criação da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), em 1952, possibilitou a elaboração de novos planos pastorais pela igreja e a fez se distanciar da política tradicionalista. Entendiam os bispos que o desenvolvimento econômico seria o caminho mais eficaz para combater o comunismo. Apesar das mudanças, na medida em que os movimentos sociais ganharam força, houve um despertar nos setores da igreja para a adoção de medidas conservadoras no combate à desordem social e ao comunismo, como a ‘Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade’, que impulsionou o golpe de Estado em 1964. Segundo o autor, esse discurso ideológico escondia as faces do autoritarismo, expresso com maior vigor pela ditadura.

No capítulo 5, ‘O golpe militar de 1964 e a estratégica de privatização da educação’, o autor defende que o Golpe de Estado de 1964 favoreceu o processo de internacionalização da economia brasileira. Em nome dos interesses do povo, a configuração autoritária do Estado possibilitou a criação indiscriminada de cursos superiores privados.

Na visão dos representantes do MEC, ligados aos grupos privatizantes, foi necessário direcionar recursos da educação pública para a expansão da rede privada de ensino. Concomitante ao avanço das políticas privatizantes, no ensino público superior se verificaram a demissão de reitores e a extinção de programas educacionais, professores e estudantes foram expulsos de suas respectivas instituições. Até as campanhas de alfabetização foram consideradas subversivas, em clara referência ao trabalho desenvolvimento por Paulo Freire.

Pelo acordo MEC-USAID (United States Agency for International Development), a organização da educação superior no Brasil objetivava formar mão de obra para atender às necessidades do mercado por meio de uma formação generalista. A proposta de educação idealizada estava subordinada aos interesses do capital, e, para consolidar essa visão, o regime militar contou com o apoio de intelectuais e de parte da imprensa.

No capítulo 6, ‘Fé e política: uma nova perspectiva dentro do catolicismo’, de acordo com o autor, a crescente disparidade entre ricos e pobres, a discriminação dos mais pobres e a violência contra os movimentos populares fizeram com que alguns intelectuais da igreja, como D. Hélder Câmara e Alceu Amoroso Lima, buscassem demonstrar as ações reacionárias e autoritárias do governo militar.

Diversos segmentos ligados à Ação Católica Brasileira elaboraram críticas ao modelo econômico da ditadura. A concepção liberal do Estado militar reduzia os direitos sociais. Na visão dos movimentos universitários vinculados àigreja era necessária a transformação das estruturas econômicas vigentes. A CNBB elaborou um documento em 1968 em que questionava as ações autoritárias da Doutrina de Segurança Nacional. Os setores progressistas da igreja questionavam as ações do Estado autoritário. Tal posicionamento significou perseguições e pesadas críticas dos militares e de seus aliados aos religiosos ligados aos movimentos estudantis.

No capítulo 7, ‘A escola como espaço estratégico para a consolidação dos projetos em disputa: a conciliação de interesses’, para o autor, na compreensão do debate entre o público e o privado na educação, que precedeu a primeira LDB n. 4.024 de 1961, os grupos em jogo entendiam a educação como instrumento necessário para provocar mudanças sobre os homens e a esfera social.

As orientações em defesa da escola privada reuniam a Igreja Católica e os proprietários das escolas privadas. Segundo esses dois grupos, os pais tinham o direito de escolher a melhor escola para o seu filho. No grupo em defesa da escola pública, havia três correntes: os liberais-idealistas, os liberais-pragmáticos e o grupo liderado por Florestan Fernandes.

A igreja lutava para que os pais tivessem a liberdade de escolha para os seus filhos entre o ensino laico ou religioso. Em vários artigos veiculados na Revista de Cultura Vozes (RCV) havia o discurso ideológico de que o público e o privado eram espaço de convergência. Dentro da perspectiva católica, o financiamento público da escola privada seria em função de uma delegação recebida das famílias e de uma missão recebida de Deus.

O Estado deveria oferecer às condições às escolas católicas, uma vez que o fim delas era a promoção do bem comum. “Ainda que a escola católica se caracterizasse como uma instituição nitidamente privada, o discurso a associava como ‘escola do povo’” (Gomes, 2018, p. 134, grifo do autor).

Nesse sentido, segundo o autor, a caracterização da ampliação da rede privada como um processo de democratização do ensino era um engodo, visto que não levava em consideração as condições de vida das populações pobres. Essa visão demonstra, com maior clareza, o caráter desigual da educação escolar no Brasil, ela não altera as relações estruturais excludentes, nem se pode compreendê-la como equitativa.

A concessão de recursos às escolas privadas era vista como uma ação de caráter democrático, pois estava em consonância com a política internacional. Para o autor, era incompatível uma educação democrática vinculada à manutenção de escolas privadas pelos cofres públicos. A democratização do acesso, em seu entendimento, ocorreu pela manutenção da escola pública pelo Estado. Nesse cenário, o investimento estatal de instituições escolares privadas se caracterizava, e ainda se caracteriza, como um retrocesso.

Nas ‘Considerações finais’ o autor afirma que vivemos em um contexto de hegemonia do discurso neoliberal, no qual se questiona o papel do Estado nos mais diferentes segmentos da sociedade. A educação aparece nesse discurso como um importante papel na redefinição da economia do país. Nesse cenário, a privatização da educação é veiculada nos meios de comunicação como um caminho possível de democratização da educação escolar. O debate sobre o público e o privado na educação brasileira, nos anos de 1950 e 1960, do século XX, ainda é um tema atual em nosso contexto histórico, uma vez que, no debate educacional, tem prevalecido o discurso liberal e privatizante. Para o autor, esse posicionamento mascara as mazelas e desigualdades sociais, tornando a educação ainda mais excludente e para poucos. É necessário, segundo ele, lutar em defesa da escola pública, garantindo o Estado como provedor dessa educação. Ela não pode se caracterizar como um serviço prestado, mas como um direito assegurado constitucionalmente. Para isso, o autor acredita na necessidade do fortalecimento dos trabalhadores da educação, bem como na participação da sociedade, buscando todos, em conjunto, denunciar os privilégios presentes em nossa sociedade e a defesa constante da educação pública e de qualidade, para todos.

A obra de Gomes é um importante estudo sobre o debate educacional entre o público e o privado na educação brasileira. Trata-se de uma obra de referência para os estudiosos da área de educação e afins que anseiam pela compreensão das estratégias utilizadas pelos grupos hegemônicos e sua luta para a privatização da educação brasileira, entre os anos de 1945 e 1968, sob a influência das teses liberais. A obra sinaliza para a importância do estudo dessas questões, em defesa da educação pública e para todos, já que o modelo de educação privatizada impõe a exclusão de significativos segmentos da população do direito à educação. A discussão é fundamental para a compreensão da história da educação no Brasil. Estudá-la é tarefa essencial aos trabalhadores da educação, uma vez que as teses neoliberais de privatização da educação adquirem significados diferentes de acordo com os grupos hegemônicos, principalmente no que se refere às pressões exercidas sobre o Estado para legitimar o direcionamento de investimento financeiro estatal da educação pública para o setor privado.

Marcos Ayres Barboza – mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2007). Aluno do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, (PPE-UEM). Psicólogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, câmpus de Paranavaí. Membro do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – possui Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1996). Atualmente é professor associado no Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Religião, Filosofia, Educação, Educação Brasileira, século XVI, século XVII, século XVIII, Fundamentos da Educação, Jesuítas e Franciscanos. Líder do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

A emergência da escola – GONDRA (RBHE)

GONDRA, J. A emergência da escola. São Paulo: Cortez, 2018. Resenha de: COSTA, A. L. J., & SCHUELER, A. F. M. A emergência da escola. Revista Brasileira de História da Educação, 18, 2018.

As reformas instauradas através da ação dirigente do grupo de conservadores que lideravam a construção do Estado Imperial, sob a administração de Luiz Pedreira do Couto Ferraz – (Regulamento das Escolas de Primeiras Letras da Província do Espírito Santo, de 1848, Regulamento da Instrução Primária na Província do Rio de Janeiro, de 1849, e Regulamento do Município da Corte, de fevereiro de 1854) – constituem o ponto de partida de A emergência da escola, que reúne reflexões sobre o governo das escolas, as casas de educação, os espaços, o tempo escolar, os sujeitos governáveis, os limites e a extensão do governo, os saberes disseminados e os modos de ensinar, os professores habilitados, as teias disciplinares do poder estendido através da imposição de um modelo de socialização escolar e as formas de resistência dos professores.

A análise da reforma de 1854 não surge aqui reduzida à interpretação do texto legal, mas desloca a atenção para as várias dimensões da lei como ordenamento jurídico, linguagem, prática social ordenadora das relações sociais e campo de expressão e de construção das relações e lutas sociais. Tratou-se de ‘acontecimentalizar’ a reforma, considerando-a na sua ‘singularidade’. Seguindo as pistas teórico-metodológicas, sugeridas por vasta obra filosófica e histórica de Michel Foucault, o ‘acontecimento’ reforma foi apanhado por meio dos processos múltiplos que o constituem, de maneira a compor um ‘poliedro de inteligibilidade’, cujo número de faces não é previamente definido e nunca pode ser considerado legitimamente concluído. Como argumentam os autores, a ‘instrução reformada’, através da proliferação de regulamentos, normas e leis educacionais no período, contribuiu para gerar uma efetiva ‘cultura da reforma’ no Brasil que, via de regra, operava de acordo com a retórica da ineficácia, insuficiência ou inexistência de iniciativas.

Segundo os autores, períodos de reformas são privilegiados para discussão de projetos de sociedade, quando geralmente os modelos vigentes se encontram em exaustão. Nesse sentido, o projeto de Couto Ferraz evidencia o esforço regulador do Estado, que se quer afirmar como único, envolvendo toda a sociedade em suas malhas. Por esse motivo decreta que nenhuma iniciativa particular poderia se estabelecer sem licença do presidente de província. Porém, a manutenção da liberdade de ensino é um exemplo de como a reforma não se faz por mera imposição, sendo necessária a negociação com interesses privados.

Na primeira parte, é analisado o modo como as ações de governar, moralizar, disciplinar, higienizar e civilizar o povo articulavam-se no projeto de reforma da instrução e da escola como fórmulas que condensavam ambiciosos objetivos de ‘governo das multidões’. A hipótese, então defendida, é a de que a instrução foi uma estratégia civilizatória de governo através da escola, máquina de civilizar, com vistas a constituir um modelo de formação do povo que funcionasse em sintonia com o modelo de sociedade aspirado. Governo que se materializava nos espaços das escolas; na definição dos indivíduos escolarizáveis, o público escolar; no esquadrinhamento de saberes a ensinar; nos métodos e materiais de ensino; nos tempos e horários discriminados; e, ainda, nos processos de formação, certificação, qualificação, seleção e controle do corpo de professores.

O governo dos professores foi analisado a partir da decomposição do processo de profissionalização em níveis ou temporalidades profundamente articulados. Um primeiro nível, o da formação anterior ou inicial (tanto prática, através da aprendizagem do ofício no interior da escola, quanto escolar, através da disseminação do modelo de formação pelas Escolas Normais), enfocou a análise dos requisitos e exigências considerados necessários para a realização do trabalho docente. Um segundo nível, o tempo de ingresso, foi examinado através dos aspectos do processo de seleção de professores. Por fim, o nível do exercício docente, no qual sobressai a investigação das forças que constrangiam o professor quando este já se encontrava em pleno exercício de suas funções. Nas palavras dos autores, esses três níveis de análise, as três temporalidades, dão a ver os dispositivos ativados para assegurar a modelação do ‘bom professor’, como expressão e modelo de virtude.

Formação científica, processos de seleção e regulação do ofício. A emergência da escola possibilita perceber como o modelo escolarizado de formação de professores primários foi legitimado com a criação da Escola Normal representada como dispositivo que asseguraria maior qualificação para esse novo profissional, o que era buscado por meio do conjunto de saberes prescritos, do tempo de dedicação aos estudos, das exigências e do controle pelos exames anuais. Entretanto, apesar da crença de que o modelo escolarizado era o que melhor servia, naquela época, houve continuidades e permanências em relação ao modelo de formação pela prática, pela utilização dos alunos aprendizes (professores adjuntos), no interior da escola, com o sistema de aprendizagem do ofício. O modelo de formação escolar não se impôs de forma linear e sem contradições e/ou contestações, não tendo sido aceito facilmente em todos os espaços sociais. Não por acaso, a convivência e, sobretudo, as disputas entre diversos modelos de formação docente se fazem ecoar, ainda, no presente, apontando para a complexidade das temporalidades históricas, para o peso de ‘tradições inventadas’ que buscam legitimar determinadas representações docentes.

Os professores, ao se apresentarem para os concursos e seleções, ou ainda para solicitar a isenção de provas e o ingresso no magistério pelas vias alternativas abertas pelos regulamentos (nomeações de adjuntos, pedido de vaga, entre outros), produziam representações sobre si, sobre a sua trajetória, seu perfil e sua adequação ao ofício pretendido. A prévia de si, documentada pelos atestados de moralidade, das certidões de batismo e das provas de concursos, contribuiu para a produção de representações sobre a docência, nas quais os candidatos procuravam produzir sua imagem próxima à do tipo ideal considerado ‘desejável’ pelas prescrições e normas então validadas.

A regulação do ofício não se fazia apenas no tempo de ingresso. Em exercício, novos dispositivos de governo dos professores entram em cena. Ao estudar as condições de aparecimento e de funcionamento das Conferências Pedagógicas, evento organizado com o objetivo de reunir professores primários para discussão de assuntos pertinentes à instrução e ao ensino, os autores nos ajudam a compreender aspectos dos projetos e debates relacionados à Instrução Pública, na segunda metade do século XIX, no que se refere à construção e à imposição de um ideal de professor. A hipótese defendida é a de que as conferências pedagógicas funcionavam como uma estratégia do Estado Imperial, para assegurar a homogeneização da classe docente, tendo em vista instaurar um bom modelo de professor, por meio do estabelecimento de um código profissional que deveria ser partilhado pelo conjunto do professorado. Para explicar o funcionamento desse dispositivo, a partir dos estudos de Foucault, os autores sintetizam os objetivos do Estado: conhecer, dominar e utilizar. “Conhecer as práticas e perspectivas do corpo docente. Dominar por meio do que se estabelecia pelas normas, sobretudo, o controle das discussões e encaminhamentos nos limites do que o governo define como ‘necessário e profícuo’, e utilizar o corpo docente para difusão do que era desejado por aqueles que se encontravam em pontos centrais e estratégicos do aparato escolar” (p. 75-76, grifo do autor). A própria prática de recompensar os professores, premiando-os pelos trabalhos apresentados, pôde ser entendida como dispositivo de ajustamento ao modelo de instrução forjado pelo governo.

Os professores, sujeitos governáveis, contudo, não se restringiam a participar das conferências, referendando os modelos impostos. No exame dos trabalhos e dos debates ocorridos em algumas conferências pedagógicas, os autores apontaram contradições, fissuras, brechas, opiniões divergentes, reações, produção de tensões, silenciamentos e censuras. No exame de tais encontros tornou-se possível perceber outros efeitos que as conferências terminaram por engendrar: a promoção de uma reflexão promovida pelos professores acerca do próprio dispositivo, sua organização e funcionamento. Demonstração, segundo os autores, do inesperado da norma, do impensado, de uma arte de superação por intermédio de ações dos sujeitos envolvidos. Assim, assistimos à movimentação dos professores, exercitando um papel bem determinado no próprio processo de configuração da profissionalização docente na Corte Imperial, ao interferirem no andamento das conferências em outros tempos e espaços, discutindo a respeito das políticas voltadas para sua própria formação.

O governo, por meio das escolas, não poderia deixar de fora, é claro, o controle preciso sobre as aulas, os livros, os saberes e os métodos de ensinar. Embora a aula e a cultura escolar possam ser concebidas como espaços de criação, são também lugares submetidos a prescrições, dispositivo de governo para atingir, de um mesmo modo, as pequenas multidões que passam a frequentar as aulas na Corte Imperial. Pela análise dos processos de adoção de livros escolares, especificamente os debates relativos ao compêndio Fábulas, de Justiniano José da Rocha, e, como contraponto, Lições moraes e religiosas, de José Rufino Rodrigues, os autores defendem a hipótese de que “[…] os livros funcionavam (e funcionam) como um dos principais instrumentos para concretização dos projetos educacionais em curso, sendo utilizados pelos professores como uma espécie de ‘guia’ no ensino dos saberes que se pretendia escolarizar, e, por extensão, dar a ver o que se pretendia dos alunos em suas práticas ordinárias” (p. 89, grifo do autor). Os livros escolares constituem, portanto, objetos privilegiados para se tentar compreender o que em determinado momento se pretendeu ensinar, os saberes prescritos, os modelos pedagógicos e os interesses sociais de determinada época.

A prescrição de saberes é objeto de investigação dos autores no que se refere à construção de um modelo elitista de ensino secundário, representado pelo Colégio Imperial Pedro II, cuja referência fundamental foi constituída pelo exemplo e pela influência cultural exercida pelas reformas educacionais e pelas culturas literária e humanística francesa, que circulavam e foram apropriadas e reelaboradas nos trópicos. O ensino secundário no Colégio Imperial Pedro II erigiu-se em espaço exclusivo das elites. Ao criar um modelo de escola graduada, seriada e mais alongada, esta passou a se constituir em um privilégio para poucos, visto que as classes populares não tinham condições de prescindir do tempo de trabalho. Funcionavam, assim, como sinal de distinção entre os mais polidos e os mais rudes, fazendo da escola mais um espaço de afirmação e de produção das hierarquias sociais.

O governo das multidões, das aulas, dos saberes, dos livros, dos professores também suscitou, no que se refere aos professores, movimento significativo, ações, intervenções e tentativas concretas de estabelecer e construir um ‘governo para si’. Ao analisar o conjunto de manifestos redigidos por um grupo de professores primários da Corte, no início da década de 1870, os autores afastam-se da sedução em erguê-los como monumento – embora aqueles professores tenham usado a prática de monumentalizá-los, por meio da reedição, fora do contexto inicial, das reivindicações neles contidas, como forma de promover a construção da categoria. Tais documentos se constituíram em instrumento necessário para a compreensão das formas de participação organizada de professores nos rumos da educação, naquele contexto histórico, em interlocução com o poder público e com a sociedade. Os manifestos, presentes ao longo da história da educação brasileira, são expressões de movimentos mais ou menos organizados, constituidores de identidades, tendo funcionado como articuladores de seus signatários. Como bem argumentam os autores, as práticas de ‘manifestar-se’ não podem ser encaradas como uma invenção exclusivamente republicana.

O estudo dos Manifestos dos Professores Públicos da Corte (1871) amplia o espectro de observação a respeito dos problemas e da situação do ensino na cidade Corte, bem como nos faz compreender as questões que mobilizavam os professores, em torno das quais eles buscavam forjar a organização e a associação do grupo como classe profissional. Tal iniciativa, a prática de manifestar-se, criou condições para o nascimento das primeiras associações profissionais, da imprensa pedagógica e para a construção de um movimento em direção ao associativismo docente, a uma espécie de autogoverno.

Para fechar a obra, um presente para os leitores, estudiosos, curiosos e pesquisadores da educação: as fontes primárias, documentos analisados no decorrer do percurso de pesquisa, foram transcritas, na íntegra, incluindo o regulamento da província do Espírito Santo (1848), o regulamento da província do Rio de Janeiro (1849), o regulamento da Corte (1854), além das preciosidades Cartas ao professor da Roça (1864), do professor primário Manoel Pereira Frazão, e Manifesto dos Professores Públicos (1871), assinado por este e outros dois companheiros de ofício.

A emergência da escola, obra coordenada por José Gondra e produzida em coautoria com a equipe de pesquisadores do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEPHE/UERJ), composta por Pedro Paulo Hausmann Tavares, Marina Natsume Uekane, Inára Garcia, Angélica Borges, Giselle Baptista Teixeira, Pollyanna Gomes Pinho e Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos, vem a público, editada pela Cortez após revisão e atualização feitas pelo autor, revelando a riqueza de um trabalho de pesquisa realizado de forma articulada e integrada, abrindo um vasto campo de possibilidades interpretativas e novos caminhos de investigação.

Leitura indispensável, não apenas para aqueles que desejam compreender os processos históricos de construção da instrução primária e da secundária no Rio de Janeiro oitocentista, mas para todos aqueles que estudam a ‘emergência’ da escola como um problema específico da modernidade – um problema de ‘governo’. Governo de multidões. Governo de professores. Governo de aulas e livros. Governo de indivíduos, tornados ‘alunos’. Governo de si.

Ana Luiza Jesus da Costa – Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2012). Professora de História da Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/ FEUSP, onde atua nos cursos de Pedagogia e Licenciaturas e no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação/USP. Integra o Grupo Interdisciplinar de Ensino e Pesquisa em História da Educação (NIEPHE/FEUSP). E-mail: [email protected] http://orcid.org/0000-0001-6917-2917

Alessandra Frota Martinez de Schueler – Doutora em Educação (2002) e Mestre em História (1997) pela Universidade Federal Fluminense. Professora de História da Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, instituição na qual atua nos cursos de Pedagogia e Licenciaturas. Vice-líder do Grupo de Pesquisa História Social da Educação/FEUFF. Participa também como pesquisadora associada junto ao Grupo de Pesquisa “Gêneros, Sexualidades e Diferenças nos Vários EspaçosTempos da História e dos Cotidianos” – GESDI, coordenado pela Professora Dra. Denize de Aguiar Xavier Sepulveda, no Programa de Pós-Graduação em educação e na Faculdade de Educação da FFP\UERJ. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

A liturgia escolar na idade moderna – BOTO (RBHE)

BOTO, Carlota A liturgia escolar na idade moderna. CAMPINAS, SP: PAPIRUS. Dóris Bittencourt Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, 2017. Resenha de: Almeida, D. B. A liturgia escolar na Idade Moderna. Revista Brasileira de História da Educação, n.18(48) 2018.

“A escola é a sua existência. E, portanto, a escola é sua história […] para pensar na escola que desejamos, é necessário meditar na escola que recebemos” (p. 23). É a partir dessas palavras que Carlota Boto faz um convite ao leitor a ingressar em outra temporalidade e aprofundar os conhecimentos acerca da constituição do processo de escolarização, como fenômeno social que marca os séculos XVI e XVII, no continente europeu.

Ao mobilizar uma vasta quantidade de autores, clássicos e contemporâneos, a autora produz um texto que contempla dois atributos: densidade teórica e generosidade acadêmica. Preocupada constantemente em didatizar, a pesquisadora, aos poucos, mas em um crescente, esclarece ao leitor como emerge na Europa um novo modelo de escola, “[…] com uma fisionomia própria, que a diferencia de suas antecessoras” (p. 21). O livro destina-se a todos os interessados em história da educação, sobretudo, a estudantes e professores, envolvidos com o ensino/aprendizagem/pesquisa nesse campo de conhecimento.

Ainda na introdução, apresentam-se, para além dos objetivos, preceitos teóricos e metodológicos presentes na obra, como se pode notar na referência a Norbert Elias, no sentido de aproximar o discurso pedagógico à construção de um modelo civilizador europeu, entre os séculos XV a XVII. Metodologicamente, o texto se constitui por meio de revisões bibliográficas, estudo de textos de autores clássicos no período estudado.

O livro está dividido em seis capítulos, inicia pela reflexão acerca do contexto europeu renascentista que fomentou o advento do livro impresso e a constituição de um conceito moderno para a infância. Na sequência, uma discussão acerca do processo civilizador, engendrado na Europa, atrelado a uma nova concepção que se delineava referente à educação escolarizada. Nesse sentido, tematiza-se o pensamento pedagógico, preconizado por Erasmo, Montaigne, Vives e Comenius, considerando-se as afinidades entre todos eles. Por fim, apresentam-se os colégios jesuíticos e as escolas lassalistas, emblemas de muitos preceitos da educação escolar, dos quais somos herdeiros.

Em termos contextuais, a autora demonstra as condições que permitiram a emergência da modernidade europeia. Discute a relação entre escola, Reforma Protestante e cultura escrita. Importa lembrar que um dos princípios da Reforma Protestante era a leitura das Escrituras, que não mais passaria pela clivagem de qualquer mediador. O advento da cultura impressa também imprimiu alterações em relação aos modos de apreender o mundo, por meio de crescente formação de novas comunidades leitoras. O aumento de leitores, atrelado ao desenvolvimento da cultura impressa, paulatinamente, teve profunda ressonância no modelo de escola que se instituía, tendo em vista que o ensino se colocava entre duas práticas: a oralidade, herança do passado medieval, e a escrita, que representa a modernidade.

Ainda sobre o cenário europeu, o livro reconhece as inter-relações entre a gênese do capitalismo comercial, princípios de secularização e regulação de costumes. Todas essas são evidências que conduzem a uma maior privacidade nos estilos de viver, afetando diretamente os conceitos de família nuclear e os entendimentos que se tinha a respeito da criança. Mesmo ainda não se conhecendo em profundidade as singularidades da criança, percebiam-se suas diferenças em relação aos adultos e essas percepções inscrevem-se nesse ambiente da Europa dos séculos XVI e XVII.

Nessa perspectiva, enfatiza-se que a família moderna não dispunha de instrumentos para educar, sozinha, as gerações mais jovens. A escola, como instituição educativa, constitui-se como lugar intermediário entre família e escola, legitima-se e passa a ser solicitada pelas populações de diferentes países da Europa, a ela caberá “[…] instruir, formar, educar” (p. 21). E é assim que, em vários países da Europa, multiplicaram-se os colégios, assumindo significados distintos na modernidade. No passado, entre os séculos XIII e XIV, eram espécies de asilo para estudantes pobres, mantidos, sobretudo, por ordens religiosas. No início do século XV, passam a ter caráter formativo, mantendo um rigoroso sistema disciplina, aliando instrução e moralização, tendo como referências a proteção à criança, por meio do isolamento do convívio comunitário.

Constituída sobre dois pilares, ensinar saberes e formar comportamentos, a nova escola tem na produção de civilidades um eixo forte de sustentação, atrelado ao movimento humanista que se fortalecia a partir do século XVI, valorizando as individualidades, em um processo singular de secularização da vida humana. Assim, à educação, em uma perspectiva moderna, cumpriria produzir, transmitir e reproduzir determinado padrão cultural e intelectual das pessoas, por isso a importância do refinamento dos costumes, atrelado a determinado modo de ser europeu. É possível dizer que a cultura da escola moderna do Ocidente é imediatamente conectada ao processo civilizador.

De acordo com Boto, “[…] há uma pedagogia da escrita na Renascença” (p. 80), o reconhecimento das especificidades da criança faz emergir os manuais de civilidade, desde o século XVI que circulavam em larga escala, prescreviam e regravam os cuidados com essa infância, até então praticamente desconhecida, sob a máxima “[…] educar os filhos, torná-los civis” (p. 85). Entretanto não passa despercebido pela autora o fato de que, apesar do alargamento da ideia de infância, apenas algumas crianças serão atingidas por tal sentimento, filhas de nobres e burgueses, “[…] havia outra criança, aquela que é identificada ao povoe para a qual não há proteção” (p. 51).

Inúmeros foram os tratados que, sob o gênero de civilidade, tiveram lugar na produção impressa. O tratado de Erasmo, A civilidade pueril, foi o primeiro texto da era moderna dirigido às crianças, diretamente voltado à formação civil e às boas maneiras e que evidencia o surgimento da moderna sensibilidade social da infância.

Outro pensador a quem é dado destaque no livro é Montaigne. Entre seus postulados, condena o fato de o ensino das atitudes estar secundário em relação ao ensino de outros saberes. Sobre a didática de seu tempo, afirma que o aprendizado precisaria ter significados, “[…] saber de cor não é saber” (p. 81), a competência livresca, para ele, pode servir de ornamento, mas não de fundamentos. Defende a importância de um preceptor, destacado pela civilidade, mais do que por sua competência intelectual.

Na sequência, a autora inclui o pensamento de Vives, um dos poucos humanistas a se preocupar com a formação dos comportamentos e da instrução na perspectiva do ensino coletivo. Este acreditava no valor intrínseco das práticas de escolarização, quando a maior parte dos humanistas ainda condenava o ensino coletivo como algo que corromperia os costumes.

Considerado precursor de Comenius na sistematização dos métodos de ensino, censurava a escola de seu tempo, por não conseguir acompanhar o desenvolvimento da cultura letrada. Afirmou que “[…] pouco era ensinado, quase nada era aprendido” (p. 133). Enfatizava a necessidade de se fertilizar a memória com o exercício, bem como a importância do método, que confere significados ao processo de ensinar. Para Vives, o segredo do aprendizado estaria posto na capacidade de anotar as informações ministradas pelo mestre ou as informações colhidas no livro durante a aula.

Além disso, antecipava a ideia do edifício escolar construído para fins pedagógicos, como ícone do moderno conceito de escola. Discutia as condições arquitetônicas necessárias para o prédio escolar, tendo como características a vigilância e o isolamento. Por fim, ainda cabe lembrar que, para Vives, educar e ensinar eram habilidades que requeriam o conhecer os estudantes, bem como o conhecimento da matéria a ser ensinada. Sua obra abordava o cotidiano da escolarização, defendia o aprendizado pela imitação, daí a importância do exemplo de pais e mestres. Entusiasta do lugar progressista que a escola ocupava no tabuleiro social, dizia que lá também era lugar de fazer amigos. Considerava imprescindível observar comparativamente produções escritas do mesmo aluno em épocas diferentes para avaliar o desenvolvimento do seu aprendizado. Seguindo as ideias da produção de civilidades, afirmava que a escola era a instituição precípua para habilitar o sujeito a portar-se bem em sociedade.

Chega-se, então, ao século XVII, e os escritos de Boto realçam o pensamento de Ratke e de Comenius, pela relevância de ambos nas concepções de escola, sobretudo da didática. Ratke, precursor de Comenius, antecipa em 40 anos a idealização de uma escola para todos, pautada em um ensino coletivo. Assim como fez Vives e como fará Comenius posteriormente, Ratke desenvolve uma percepção das escolas de seu tempo, pautada em uma série de questionamentos. Procura compreender por que eram diminutas as iniciativas em prol da escolarização, por que as escolas que existiam não tinham sucesso e por que havia tanta evasão escolar. Acredita que boa parte desses problemas seria sanada se houvesse maior preocupação com os métodos de ensinar.

E, finalmente, Comenius comparece no texto, considerando as reflexões de seus antecessores, sistematiza o conceito de um saber estritamente pedagógico, materializado com a Didática magna. Para ele, “[…] o método era a chave para a escolarização moderna” (p. 186). Imbuído de princípios cartesianos de acumulação progressiva de conhecimentos, afirma a importância do encadeamento dos conteúdos, partindo do simples até atingir maior complexidade. Valendo-se da metáfora do relógio, prevê um reordenamento do tempo e do espaço escolar, assim, os alunos seriam divididos em classes conforme níveis de aprendizagem e as matérias, distribuídas por horários. É um precursor do método simultâneo, declara que o “[…] professor deveria imitar o Sol” (p. 188), e, assim, irradiar-se igualmente sobre todos os seus alunos. Critica aos exercícios de memorização que não viessem acompanhados pela prévia compreensão. É contrario ao excesso de horas na escola, acreditando que o exagero do tempo escolar acarreta perda da concentração. Desse modo, pode-se dizer que Comenius confere determinada precisão à vida escolar, por meio da colocação de regras claras que deveriam ser internalizadas por discentes e docentes.

O texto avança e apresenta concepções dos colégios jesuíticos, no século XVI, e das escolas para crianças pobres concebidas por La Salle, em fins do século XVII. Em comum, os discursos dessas instituições, que disciplinam o saber, modelam corpos e mentes, como produtos do pensamento pedagógico anteriormente discutido no livro. A autora afirma que os colégios jesuíticos constituem referência para pensar a acepção de colégio que ainda há hoje, e o modelo lassalista constitui iniciativa pioneira para projetar aquilo que tempos depois seria denominado de escola primária.

Entre os objetivos primordiais dos colégios jesuíticos, estava o de formar uma elite letrada, eram, portanto, instituições destinadas às camadas sociais superiores, preocupadas em adquirir uma cultura geral. As aulas eram organizadas em explicações teóricas e em disputas, desdobradas em preleção, repetição, declamação, memorização e imitações literárias. Como princípios básicos, a subtração do tempo de convívio familiar, a ambientação em um espaço especificamente pedagógico, tendo-se em vista que os colégios eram geralmente internatos. Pretendia-se criar uma espécie de ambiente purificado, marcado pela vigilância no sentido de moldar os estudantes. O primeiro colégio jesuítico estabeleceu-se na cidade de Messina, em 1548, teve como inspiração os métodos de ensino da Universidade de Paris, pautados na preleção e repetição. Em 1599, sistematiza-se o Ratio studiorum, por influência de Erasmo e Vives, sobretudo, constitui-se em um programa escolar, pautado na ordem e na divisão dos estudos. É o produto de dezenas de anos de debates, um texto produzido a partir da recolha do que se acreditava serem as experiências de ensino bem-sucedidas.

Com relação às escolas dos Irmãos das Escolas Cristãs, liderados por La Salle, explica-se que foram iniciativas originais para as crianças do povo, raras naquela temporalidade. Tratava-se de um projeto de ensino elementar para as camadas populares, entretanto atraiu crianças de outras camadas sociais. Denominadas escolas de caridade, fundamentadas nos ensinamentos de leitura, escrita e cálculo, concebiam o princípio da simultaneidade e sucessão do ensino. Assim, primeiro se aprendia a ler, só depois as crianças seriam apresentadas à escrita, sendo primeira a letra bastão e depois a cursiva. Por último, os cálculos. Todos esses ensinamentos aconteceriam em meio a um ambiente permeado pela catequese e civilidade. Boto explica que, diante da falta de conhecimento de como ensinar tudo a todos, procurou-se separar grupos de alunos liderados por monitores mais avançados, essa prática seria o embrião do ensino mútuo, método de ensino desenvolvido posteriormente. Em termos da liturgia escolar, valorizava-se o silêncio que reverenciava, ao mesmo tempo, Deus e a instituição. A escola colocava-se como um local intermediário da vida: entre os assuntos mundanos e os divinos estaria a essência do conhecimento.

O livro se encaminha para o final, e sua autora produz uma reflexão acerca da quase invisibilidade das transformações que acontecem nos processos de escolarização, no passado e no presente. A escola moderna cria, em alguma medida, seu ritual de organização, trabalhando simultaneamente saberes e valores, estabelecendo rotinas, disciplina, hábitos de civilidade, permeados de racionalização. Reforça a tese da inscrição da instituição escolar no processo de construção do Estado moderno. Alerta para a construção desse novo lugar social ocupado pela escolarização, em uma Europa que se urbaniza sob a égide do capitalismo comercial, da Reforma Protestante e do advento da cultura impressa. Nesse sentido, a escola é a instituição que se dá a ver como lugar primeiro do cultivo da racionalidade e da civilidade.

Para concluir, desafia o leitor a problematizar a escola contemporânea, conduz a pensar naquilo que pode parece natural a todos nós, sujeitos escolarizados, mas que carrega marcas da historicidade dos processos educativos. A liturgia escolar, que comporta ritualidades, é tramada pela autora, ao longo das páginas desse livro. Por meio de uma apropriação de sentidos do texto, que se traduz na resenha, pretende-se incitar o leitor a ir além dessas palavras e desenvolver a leitura da obra em questão. Encerramos, como iniciamos, trazendo as palavras de Carlota Boto, “[…] é preciso mudar o que estiver obsoleto. É preciso preservar o que considerar valoroso. É fundamental haver o fortalecimento de projetos políticos-pedagógicos democráticos. A transformação desejada é obra dos próprios agentes envolvidos na instituição escolar” (p. 293).

Notas

1. B Almeida foi responsável pela concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito, revisão crítica do conteúdo e aprovação da versão final a ser publicada.

Dóris Bittencourt Almeida – Doutora em Educação, Professora Associada I de História da Educação da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

A emergência da escola | José Gonçalves Gondra

José Gonçalves Gondra é professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com Mestrado e Doutorado em Educação. Pesquisador na área de História da Educação, escreveu “A emergência da escola” como resultado de uma pesquisa realizada no âmbito do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEPHE/UERJ), integrado pelos pesquisadores Marina Natsume Uekane, Giselle Baptista Teixeira, Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos, Pedro Paulo Hausmann Tavares, Pollyanna Gomes Pinho, Inára Garcia e Angélica Borges, citados como coautores do texto.

O livro é dividido em 5 capítulos. O primeiro deles é intitulado “O governo das multidões”; o segundo, “A instrução reformada”; o terceiro trata do “Governo dos professores”; o quarto do “Governo das aulas”; e, por fim, o quinto capítulo que tem como título “Um governo para si”. Cabe ainda destacar a transcrição literal de documentos em anexo, podendo servir para futuras pesquisas na área de História da Educação. Trata-se do Regulamento da Província do Espírito Santo (1848), o Regulamento da Província do Rio de Janeiro (1849), o Regulamento da Corte (1854), Cartas do professor da roça (1864) e Manifesto dos Professores Públicos da Instrução Primária da Corte (1871). Leia Mais

History of Education in Latin America | UFRN | 2018

Histtela2

A revista History of Education in Latin America – HistELA (Natal, 2018-) é um periódico vinculado ao Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, exclusivamente eletrônico, de acesso aberto e publicação contínua de pesquisas com temas associados à história e à historiografia da educação.

A revista aceita manuscritos do tipo artigos, resenhas, entrevistas e documentos em português, francês, espanhol e inglês na área de história da educação e áreas correlatas.

[Periodicidade anual].

[Acesso livre].

ISSN 2596-0113

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850) – SOUSA NETO (HU)

SOUSA NETO, M. de. 2013. Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2013. 336 p. Resenha de: FONTINELES FILHO, Pedro Pio. Entre a fé, a política e a educação: Padre Marcos e traços da história do Piauí, na primeira metade do século XIX. História Unisinos 21(2):278-281, Maio/Agosto 2017.

Marcelo de Sousa Neto é um importante historiador da nova e consolidada geração de historiadores piauienses, levando-se em consideração a periodização proposta pela historiadora Teresinha Queiroz (2006) sobre a historiografia piauiense. Dentre seus muitos trabalhos de pesquisa, o que mais se destaca, sem dúvida, é Entre Vaqueiros e Fidalgos. Trabalho de excelente lavra, fruto de sua tese de Doutorado, concluída na Universidade Federal de Pernambuco.

Foi publicado após vencer, em primeiro lugar, o Concurso Novos Escritores, na categoria Realidade Histórica, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, da cidade de Teresina, Piauí. O mesmo texto havia sido escolhido pelo Colegiado da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, para ser publicado pela editora daquela instituição, mas preferiu fazer a publicação pela Fundação Cultural, como mais uma demonstração de sua ligação com o Piauí. Os comentários contidos no Prefácio, na orelha e na quarta-capa do livro, escritos por renomados historiadores, atestam a qualidade e a profundidade da obra, que amplia os horizontes da história do Piauí do século XIX, em suas dimensões sociais, políticas, econômicas, educacionais e culturais.

Ao tomar a figura de Padre Marcos, Sousa Neto demonstra a habilidade na construção da narrativa histórica, pois liga a trajetória do sujeito em amálgama com a história da sociedade, considerando as nuances de espacialidades e temporalidades. Nesse sentido, a obra é desenvolvida nos lastros da proposta de uma biografia histórica, que toma o sujeito como uma forma de compreender as intrigas e ranhuras que constituíram a sociedade piauiense e brasileira no período oitocentista. Para tal empreitada, o autor faz diálogo teórico-metodológico com autores especialistas na discussão sobre sujeito, sociedade e biografia. Realiza isso sem perder de vista as discussões sobre tempo e temporalidade, entendendo que o sujeito deve ser percebido em suas interrelações entre o micro e o macro, entre o passado e o presente. A estrutura de organização do livro revela, também, a astúcia do autor, não somente como pesquisador, mas como exímio escritor, pois torna a leitura técnica mais acessível, inclusive para o público não especializado ou acadêmico. Está dividido em seis capítulos, distribuídos em três partes temáticas, ou melhor dizendo, eixos temáticos: A Serviço de Deus e dos Homens; Entre o Gado e as Letras: a instrução escolar no Piauí; e Nos Bastidores do Poder: Política e Família no Piauí do Século XIX. Na primeira parte, encontram-se os dois primeiros capítulos. O primeiro, intitulado “Entre o (Re)Criado e o Esquecido”, aborda aspectos do caráter lacunar da História, enfatizando a memória, no que se refere ao lembrar e ao esquecer. Ao clamar as reflexões sobre memória, o autor chama atenção para o fato de que a inscrição do Padre Marcos de Araújo da Costa está cravada na figura de “benemérito educador”. As suas identidades de atuação política e social encontram-se, na historiografia piauiense, esquecidas, ou, pelo menos, colocadas em um plano de pouca expressividade. Segundo Sousa Neto, isso se deu em decorrência do lugar social daqueles que produziram uma memória escrita, que centra e concentra seus olhares sobre um “Padre educador”, muito embora haja um caudaloso mar documental que falem do “Padre político” e do “Padre religioso”. O estranhamento inicial se dá em decorrência de que, ao se falar de um Padre, a priori, se esperaria uma memória escrita com destaque para o viés religioso. Tentando compreender esses “esquecimentos” ou “silenciamentos”, o historiador aponta o botânico inglês, George Gardner, que teria sido o primeiro a escrever sobre o Padre Marcos. Gardner foi o único memorialista e historiador a conviver com o Padre Marcos, pois teria visitado, em 1939, a fazenda de Boa Esperança, onde também funcionava a escola de mesmo nome, de propriedade do Padre. Escola essa que se firmava, “para toda a Província, como a principal escola de Primeiras Letras e de Instrução Secundária” (p. 40). Ao falar dessa visita, Sousa Neto aproveita para traçar o panorama da situação econômica e, principalmente, na Instrução Pública da Província, que passava por uma severa crise. O autor, assim, considera o botânico como o primeiro biógrafo do padre, minimizando “sua atuação como artífice político e como religioso, ressaltando apenas sua importância como educador” (p. 38). Assim, criou-se uma espécie de “tradição” historiográfica, na qual os escritos posteriores tomavam as informações fornecidas por Gardner e as reproduziam ou as endossavam. Sousa Neto, então, afirma que essa memória escrita e narrada “cria um espaço de ficção que, mais que descrever, realiza um golpe, um movimento que (re)cria o sujeito como ‘benemérito educador’, renascido entre o lembrado e o esquecido” (p. 38). No lastro dessa memória escrita sobre Padre Marcos, Sousa Neto destaca atuação de Fernando Lopes Sobrinho, José de Arimatéia Tito Filho, Antonio Reinaldo Soares Filho, Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, Marcos de Araújo Costa Ferro, Odilon Nunes, Francisco Augusto Pereira da Costa, Itamar Brito, Celso Pinheiro Filho, Wilson Carvalho Gonçalves, José Patrício Franco e Cid de Castro Dias. Dentre todos os seus biógrafos, segundo Sousa Neto, apenas Lopes Sobrinho e Castelo Branco teriam dedicado obras completas ao Padre Marcos. Os demais mencionam o Padre de forma secundária e periférica, mas todos enfatizando a atuação do Padre na perspectiva educacional, seguindo a memória escrita iniciada por Gardner. Ir além dessa “tradição” escrita sobre o Padre Marcos, como educador, não seria difícil, como afirma Sousa Neto. Para ele, “basta, para tanto, acompanhar alguns registros em documentação preservada no APEPI, mesmo que de forma não organizada” (p. 46). Assim, o historiador destaca suas atuações em funções públicas, como a vice-presidência do Conselho de Governo da Província e vice-presidência da Província, membro do Conselho Geral da Província, a presidência da Câmara de Jaicós, dentre outras ocupações, em diferentes anos e situações, de 1924 a 1950, quando veio a falecer.

No capítulo 2, “Padre Marcos e seu sacerdócio sagrado e profano”, o autor amplia as reflexões de que “Como membro de uma importante rede familiar, Padre Marcos destacou-se em diversos espaços do cenário sócio-político piauiense. Entretanto, suas ações como sacerdote são, indubitavelmente, as menos discutidas” (p. 53). Descendente de influente grupo familiar piauiense, Padre Marcos teria transitado por diversos e diferentes espaços sociais e políticos do Piauí, mas a sua atitude de homem mais reservado seria, segundo Sousa Neto, uma das razões que dificultam mapear a sua trajetória para além da memória escrita inaugurada por Gardner. Para o historiador, para compreender a sua atuação no sacerdócio é indispensável que se observe e se analise a própria atuação do catolicismo e da religiosidade no Brasil, com suas estruturas, ligações, conflitos, disputas de poder e os aspectos do padroado. É somente no tópico “De Reza e de Política: Padre Marcos e seu sacerdócio”, ainda do segundo capítulo, que Sousa Neto traça as primeiras linhas do que seria da biografia propriamente dita do Padre. Ele apresenta o ano de nascimento do padre, 1778, mencionando seu avô materno, bem como seu pai e sua mãe. Dá destaque para a atuação política de seu pai, Marcos Francisco, que teria ocupado cargos importantes na Capitania. Nesse sentido, afirma que “Filho de pais cuja atuação política e social já se destacava, Padre Marcos herda bens e prestígio que soube multiplicar, sabendo valer-se de sua condição de “homem das letras” e “homem do Sagrado”, agregando elementos de ordem econômica e política à sua atuação sacerdotal, que, por sua vez, resultou em novos proveitos para si e para o grupo familiar ao qual pertencia” (p. 66). O autor ainda discute sobre as discordâncias entre os biógrafos acerca da formação sacerdotal do padre, notadamente sobre a realização do curso de formação em Coimbra, Portugal, ou no Seminário, em Olinda. Sousa Neto fala que há registros relativos à permanência do padre em ambos espaços, concluindo que “a atuação em um espaço não exclui a participação no outro”, diferente de como sugeriam os outros autores. O autor aproveita a ocasião para discutir sobre o papel do Seminário de Olinda, inaugurado em 1800, seguindo os moldes do Iluminismo português. O Seminário, então, assumiu importante tarefa, além das funções religiosas, na formação educacional no Brasil, pois “constituiu-se na primeira instituição de ensino do Brasil a possuir uma estrutura escolar em que as matérias apresentavam uma sequência lógica, trabalhadas de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido, em cursos que possuíam uma duração determinada e com alunos agrupados em classes, procurando ainda reunir em seu plano de estudos, o ensino clássico e moderno” (p. 71).

Isso possibilitou, em larga medida, a formação dos filhos dos grupos dirigentes, a formação ideal e necessária para o ingresso nas universidades europeias. E é nesse Seminário que Padre Marcos teria se matriculado. O autor chama a atenção para o fato de que os sacerdotes no Brasil e no Piauí do século XIX eram mal remunerados, o que lhes levava à busca de outras formas de complemento no sustento. No Piauí, os sacerdotes se afastavam do sacerdócio, “dedicados aos cuidados com suas fazendas de gado” (p. 81). Padre Marcos era um desses “padres fazendeiros”, mas, como afirma o pesquisador, não se afastou de suas obrigações sacerdotais. Ordenou-se Padre em Coimbra, no ano de 1805, retornando ao Brasil naquele mesmo ano, para Recife. Teria ido, também, para o Rio Grande do Norte, depois Oeiras e se mudou definitivamente para a fazenda Boa Esperança, em 1820. Nesse mesmo capítulo, Sousa Neto ainda destaca o trabalho de Padre Marcos nas construções arquitetônicas, com ênfase na capela de Santo Antônio, na fazendo de Boa Esperança, e a igreja matriz de Jaicós. Além dos aspectos de se inscrever por meio dessas obras, Padre Marcos teria atuado no sacerdócio, movendo-se, também, pelo sonho da criação de um Bispado no Piauí, sendo “o seu maior sonho e com certeza a sua maior decepção sacerdotal, em virtude da veemente recusa que impediu a sua criação” (p. 111).

No capítulo 3, “Entre o Gado e as Letras: a instrução escolar no Piauí”, Sousa Neto ressalta que discutir a instrução formal no Brasil do período colonial e imperial, mesmo diante do crescente número de pesquisas acadêmicas, ainda é um grande desafio, sobretudo por causa da escassez das fontes documentais. Ao falar dos “trôpegos passos”, diferente do que se costuma esperar de uma região na qual a oferta do ensino formal não era uma prioridade para grande parcela da população, o autor assevera que “a documentação consultada pôs em destaque a preocupação governamental com as chamadas Aulas Públicas” (p. 120), que começou a ter maior relevância no início do século XIX. Os baixos salários pagos ao magistério, contudo, constituiu-se em um dos entraves para a instrução pública, não só no Piauí, mas em outras províncias, levando-os a se dedicarem a outras atividades, inclusive o magistério particular. Como enfatiza Sousa Neto, a baixa remuneração fazia “parte de uma conjuntura política e econômica, na qual, com um discurso contraditório, os gestores da Instrução reconheciam a importância social do trabalho dos professores, mas, por outro lado, isso não correspondia a ações para melhor qualifica-los e remunerá-los” (p. 136).

Assim, o autor comenta inúmeras leis e decretos que impactaram nos rumos da Instrução Pública, que versavam sobre remuneração, oferta de cadeiras e currículos. É nesse cenário que a escola de Boa Esperança “distinguiu-se no cenário piauiense, atraindo o interesse de muitos pais e alunos, despertando uma forte demanda por vagas” (p. 171). Em relação a Padre Marcos, o autor diz que “a história da Escola toca e se confunde com a história do Padre” (p. 174), ao passo que discutir um implica transitar pela história do outro, pois a Escola “é tomada com um dos pontos de contato e de troca entre o indivíduo e o coletivo” (p. 174).

Dessa maneira, no capítulo 4, “Mão de ferro em luva de pelica: Padre Marcos e sua escola”, trata especificamente da escola de Boa Esperança e como ela se tornou referência de Instrução no Piauí, sendo “considerada a primeira instituição de instrução formal a funcionar efetivamente no Piauí” (p. 173). O autor afirma que, mesmo a parte da população mais interessada nas atividades de subsistência, a escola tornou-se a “mais importante e bem sucedida experiência educacional no Piauí, até a primeira metade do século XIX, tendo seus reflexos ultrapassando as fronteiras da Província e da própria educação, ajudando a formar boa parte de seu corpo dirigente e marcando significativamente a história local” (p. 173). Mesmo nos momentos em que assume funções na vida política, sobretudo a partir de 1824, quando assume a Vice-presidência da Província, suas ausências não comprometeram o funcionamento ininterrupto da Escola, até mesmo porque utilizou monitores, que eram os alunos mais avançados, para o acompanhamento dos alunos iniciantes. Outro aspecto da Escola, que permitiu o seu funcionamento durante as ausências de Padre Marcos, foi o formato de internato, ofertando, também, um ensino prático ligado às atividades mais desenvolvidas na região, notadamente as das fazendas.

No capítulo 5, “Nos bastidores do poder: política e família no Piauí do século XIX”, Sousa Neto analisa que as muitas facetas de Padre Marcos, como “clérigo, fazendeiro, intelectual, educador, político” (p. 219) devem ser compreendidas no seio das redes de poder nas quais ele estava imerso. Isso é pertinente, pois Padre Marcos foi “herdeiro político da elite dirigente do Centro-Sul piauiense, constituída a partir das redes familiares, que se alicerçavam” (p. 219) nas bases do parentesco e favores mútuos. Nesse sentido, o autor faz uma acurada discussão teórica e metodológica sobre a produção historiográfica pautada nas relações entre família, sociedade, política, economia e poder. A partir disso, traça o panorama das redes familiares, Estado e patrimônio no Brasil e no Piauí, do século XIX. Por esse viés, “Padre Marcos representou, assim, sujeito dos mais importantes nas relações de poder no Norte do Império, expressivo representante das redes familiares do Centro-Sul piauiense” (p. 246). Segundo o pesquisador, “o sucesso da escola de Boa Esperança deveu- -se, em muito, ao prestígio desfrutado por seu idealizador e à sua condição de mantenedora da ordem social vigente, ao oferecer aos jovens uma educação apropriada aos interesses dos grupos familiares da elite da época” (p. 247).

No capítulo 6, “Tempo de Semear; Tempo de Colher”, o autor menciona as diversas manifestações a favor da Independência, que ferviam por todo o Brasil e, também, no Piauí, sobretudo nas vilas de Parnaíba e Oeiras.

A Insurreição de 1817 atingiu, além de Pernambuco, as capitanias da Bahia, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Piauí. Nessa última o movimento “não ganhou maiores contornos nem firmou raízes” (p. 253), muito embora tenha havido um envolvimento concreto. Durante esse movimento de insurreição, conforme Sousa Neto, o Padre Marcos teria ficado afastado, pois não era de interesse de seu grupo familiar aderir à Insurreição, visto que, “de maneira geral, não havia entre os grupos familiares que compunham a elite piauiense, o desejo de ruptura com Portugal” (p. 254). As reverberações da Insurreição foram sentidas em momento posterior, com a agitação causada pela Revolução do Porto, em 1820. No Piauí, a inquietação se deu no ano de 1821, principalmente em Oeiras e nas vilas de Parnaíba e Campo Maior. Esse estado de agitação se prolongou durante todo o ano de 1822, cujo “projeto vitorioso de Independência foi o das elites locais, formadas a partir de influentes grupos familiares e que já faziam parte da administração provincial” (p. 266). E, no período, Padre Marcos “firmou-se como o grande articulador dos grupos familiares do Centro-Sul piauiense e da adesão da capital à Independência do Brasil” (p. 274). Para endossar seus argumentos de que Padre Marcos detinha muita influência, o historiador também fez análises de correspondências trocadas entre clérigos contemporâneos do Padre. Segundo Sousa Neto, “percebe-se que os argumentos usados por Padre Marcos foram tomados em consideração mais por seu prestígio pessoal”, em suas tentativas de intervir contra movimentos de insurreição. O respeito que o Padre possuía era de tamanha envergadura que a sua casa, “na fazenda de Boa Esperança, funcionou muitas vezes como ‘tribunal’, no qual muitas contendas políticas ou desavenças pessoais foram resolvidas” (p. 294).

Em Entre Vaqueiros e Fidalgos, Sousa Neto inscreve sua marca na historiografia como astuto pesquisador de História, desbravando as trilhas dos pensares e fazeres de uma temporalidade e de uma espacialidade circunscritas nos vários “entre” que engendram a construção de sua narrativa, contemplando os limiares entre o sujeito e a sociedade, bem como entre a história, a religião, a política e a educação.

O historiador Marcelo de Sousa Neto, de forma corajosa e competente, conseguiu construir uma narrativa esclarecedora sobre a história do Piauí e Brasil do século XIX, tomando as aproximações entre Padre Marcos e o seu período. Ele teceu “uma imagem que procurar recuperar, na narrativa, o macro através da poeira de acontecimentos minúsculos” (p. 315), com o intuito de demonstrar que, “por meio de uma trajetória individual, como as singularidades relacionam-se e podem expressar as regularidades coletivas” (p. 315). Assim, como ressalta o próprio autor, “o fato é que não era possível ignorar as páginas da história do Piauí que Padre Marcos ajudou a escrever e que continuam sendo reescritas” (p. 313) e relidas, reinterpretadas. E Entre Vaqueiros e Fidalgos é um indício provocador para novas reflexões sobre a história e a historiografia brasileira do século XIX.

Referências

QUEIROZ, T. de J.M. 2006. Historiografia piauiense. In: T. de J.M.

QUEIROZ, Do singular ao plural. Recife, Edições Bagaço, p. 141-170.

Pedro Pio Fontineles Filho – Universidade Estadual do Piauí. Campus Clóvis Moura. Rua Des. Berilo Mota, s/n, Dirceu Arcoverde I, 64001-280, Teresina, PI, Brasil. E-mail: [email protected].

Mulheres em trânsito: intercâmbios, formação docente,  circulação de saberes e práticas pedagógicas – SILVA et al (RHHE)

SILVA, Alexandra lima da; ORLANDO, Evelyn de Almeida; DANTAS, Maria José. Mulheres em trânsito: intercâmbios, formação docente,  circulação de saberes e práticas pedagógicas. Curitiba: CRV, 2015. Resenha de: VARELLA, Jacqueline de Albuquerque. Mulheres viajantes: olhares femininos sobre a educação. Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, Brasil, v. 1, n. 2, p. 304-311, maio/agosto de 2017.

O livro organizado por Alexandra Lima da Silva, Evelyn de Almeida Orlando e Maria José Dantas tem como objetivo lançar novos olhares sobre a temática das mulheres viajantes e a historiografia da educação. São questões que problematizam a trajetória dessas mulheres: “Como viajavam? Para quê? Quais os desdobramentos das viagens nas trajetórias dessas mulheres? Qual a dimensão educativa presente nas mulheres em trânsito?” (p. 9).

Estão reunidos trabalhos de pesquisadores brasileiros e de outras nacionalidades sobre a atuação de mulheres que romperam barreiras geográficas, legitimando a ação feminina em diferentes aspectos da sociedade. Os autores trazem novas pistas sobre as experiências educativas dessas mulheres através de suas viagens. Ao contrário dos homens, quase sempre precisavam de justificativas e apoio para a realização destes deslocamentos. O livro “Mulheres em trânsito” apresenta investigações a respeito das especificidades que envolviam o universo das mulheres viajantes de acordo com os capítulos descritos a seguir.

* * *

Viajeras y educación femenina en el siglo XIX”, de Sara Beatriz Guardia, aborda a luta pelo direito feminino à educação no Peru, pelas trajetórias das intelectuais Mercedes Cabello de Carbonera e Clorinda Matto de Turner. A autora mergulha no contexto político e social perua-no do século XIX, período onde novos discursos e análises sociais davam, gradativamente, maior visibilidade à mulher.

A intelectualidade peruana, num processo de mudança de mentalidade, teve homens de letras como Manoel Gonzales Prada, que denunciava a abusiva autoridade da Igreja Católica. Prada discursa em favor da educação laica como uma ferramenta, um caminho, para emancipação feminina no Peru. Eram mulheres dominadas pelos dogmas católicos e pelo cerceamento da Igreja.

Pode-se mencionar algumas revistas que foram fundadas por mulheres (ou que as tinham como colaboradoras), como El Album, por Jua-na Manoela Corriti e Carolina Freire de Jaimes, e a Revista Semanal pa-ra el Bello Sexo (1874-1875), com a colaboração de Juana Manuela Lazo de Elespuru, Mercedes Cabello de Carbonera, entre outras escritoras. Guardia destaca a viagem realizada por Clorida Matto à Europa, que também viajou ao Brasil e fala sobre suas impressões do Rio de Janeiro e de sua visita á Coelho Netto.

Mujeres en misión: la participación femenina en las misiones protestantes de América del Sur”, que tem Paula Seiguer na sua autoria, aborda a temática das viajantes desde uma perspectiva religiosa. Caracterizam-se por mulheres que viajam em missão religiosa no contexto protestante. Essas mulheres viajavam acompanhadas de figuras masculinas, seus maridos, que em alguns casos faziam parte da conjuntura da Igreja ao qual pertenciam. O intuito dessas viagens era de expandir o movimento protestante, evangelizar através da assistência aos mais necessitados, na tentativa de alcançar, em especial, a população indígena.

Este grupo de mulheres possuía uma justificativa para essas viagens que se inscrevia desde uma lógica patriarcal, encaixando-se no modelo feminino burguês do século XIX. O texto traz os aspectos das viagens de mulheres como Mary Bridges e Alice Wood.

Encuentros con un mundo rural: história de una maestra errante”, de Blanca Susana Veja, põe em foco a biografia da professora mexicana Petra Hernandez Martínez, professora viajante e atuante na zona rural de San Luiz Potosí, no México. A partir da história de vida de Petra Martínez, surgem questões sobre viagens pedagógicas, educação rural (as demandas e especificidades geográficas, culturais e pedagógicas) e formação de professores no contexto histórico rural mexicano de meados do século XX. Fotografias, documento de identificação, documento profissional da professora e relatos de viagens são algumas das fontes utilizadas para a pesquisa, que abarcam a infância e as experiências da maestra dentro e fora do espaço escolar.

Ana Maria Magaldi e Maria João Mogarro, por sua vez, analisam os estudos biográficos na história da educação em “Mulheres de letras e educação feminina no espaço luso-brasileiro: ligações em torno da infância nos escritos de Júlia Lopes de Almeida e Emília de Souza Costa”. As autoras abordam as redes de sociabilidade e a ligação entre as duas intelectuais, assim como as similaridades de ideais entre elas, levando em consideração o contexto político-social português e brasileiro no início do século xx.

A viagem realizada por Emilia de Souza Costa ao Brasil, para conferência no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, é destacada no texto. A conferência intitulada “Mulher” destinava-se às mães e possuía a temática da educação infantil na sua centralidade. O texto destaca ainda a ação excepcional das duas mulheres num contexto social onde a figura masculina predominava no campo literário. Destaca-se a ascensão destas  mulheres na produção de uma literatura voltada ao público feminino, escritas por mulheres e destinada a mulheres, tendo foco a educação feminina, a relação mãe e filho, e a educação infantil e higienista.

“Itinerários de uma professora em fins do século XIX”, de Carla Chamon, analisa a trajetória da professora Maria Guilhermina Loureiro de Andrade e sua viagem feita aos Estados Unidos. Nascida em Minas Gerais, mas atuante no norte fluminense quando se muda ainda menina, Maria Guilhermina possuía uma característica diferenciada em relação às mulheres criadas no século XIX, no Brasil. Incentivada pela família, segue ainda jovem os passos de sua mãe, fundadora do Colégio de Instrução Feminina, em Vassouras, Rio de Janeiro. Guilhermina não se casou, nem teve filhos, mas foi “professora, tradutora, escritora, conferencista, parecerista de congressos e diretora de escolas” (p. 61). Participou da fundação do Colégio Andrade, no Rio de Janeiro.

A autora traça a trajetória da educadora a partir de suas viagens e dos vestígios de seu trabalho pedagógico em jornais do período. Destaca a viagem feita aos Estados Unidos, o abandono da religião católica e sua relação com os missionários e educadores presbiterianos. As viagens da professora e seus itinerários caracterizam sua busca por novos métodos educacionais e sua tentativa de fundar, no Brasil, um jardim de infância. Tem como modelo o método intuitivo e, posteriormente, os modelos da Educação Nova.

“Literatura de viajante: Chiara Lubich, uma professora italiana no Brasil”, de Maria José Dantas, analisar a biografia da supracitada professora, utilizando-se de diferentes fontes, como diários, livros e cartas, desde a perspectiva da história da educação. Num primeiro momento, Maria José Dantas contextualiza aspectos da vida de Chiara no cenário político e social da Itália do fim da primeira metade do século XX. Destaca a trajetória escolar da professora, seus estudos numa escola católica, a dificuldade financeira da família e sua formação como professora, na cidade de Trento.

Segundo a autora, “a educação na Itália, neste período, era caracterizada pela reforma do ministro Giovanni Gentile e pelas propostas metodológicas de Maria Montessori, que sublimou a experiência sensório motora das crianças e Maria Bochetti Alberti, responsável por instituir a escola serena” (p. 128). O texto aborda ainda as mudanças vividas por Chiara por conta dos bombardeios à sua cidade, durante a Segunda Guerra Mundial. A atuação junto aos frades Capuchinhos marca a trajetória social e religiosa da professora, com a fundação do movimento chamado Falcolano, que se difundiu no mundo todo, incluindo o Brasil. Chiara viajou ao Brasil por duas vezes, sendo uma vez em Recife e outra, já no fim de sua vida, em São Paulo, promovendo o movimento Falcolano no Brasil e a educação católica.

Em “As viagens da advogada e professora Maria Rita Soares de Andrade (1904-1998): vivências formativas em busca da emancipação feminina”, Anamaria Freitas lança seu olhar para as correspondências trocadas entre a advogada, professora e feminista Maria Rita Soares de Andrade, Bertha Lutz, Carmem Portinho e Maria Luiza Bittencourt. Destaca a luta feminista pela emancipação feminina no Brasil, o preconceito e a repercussão em jornais sergipanos e cariocas sobre as discussões feministas.

Sergipana, Maria Rita de Andrade formou-se em Direito, tendo uma trajetória marcadas por lutas e emancipação, diferente da maioria das mulheres sergipanas no início do século XX. “Andava pelos cafés, espaços predominantemente masculinos, em Aracajú, nas décadas de 1920 e 1930. Costumava viajar sozinha” (p. 144). As cartas, organizadas cuidadosamente pela autora, traz à luz as redes de sociabilidade entre essas mulheres, evidenciando seus trabalhos, conferências, discursos e estratégias de luta, como a reivindicação do direito feminino ao voto, na década de 1930.

“Um olhar feminino sobre Mato Grosso (1897-1899)”, de Carolina Lima, interpreta a trajetória da escritora viajante Maria de Carmo de Melo Rego, em viagem realizada à Cuiabá. A partir da rota traçada em viagem de navio pelo Rio da Prata, Maria de Carmo Rego deixou registros do seu olhar em cada lugar que passou, e descreve sua relação com a cultura mato-grossense e indígena naquela região. Foi casada com o presidente da província o Coronel Francisco Rafael de Mello Rego.

Através de um mapa ilustrativo da viagem, organizado pela autora e mostrando as cidades visitadas por Maria do Carmo e seu marido, podemos analisar o itinerário com início no Rio de Janeiro, seguindo por São Paulo, Rio Grande do Sul, Uruguai, algumas cidades da Argentina, Paraguai, Bolívia, e Mato Grosso. A escritora fez apontamentos em suas cartas durante a viagem ao Mato Grosso, descrevendo as casas e suas arquiteturas, a cidade de Cuiabá, o contato com as mulheres indígenas e as mulheres escravizadas.

Em “Quase tudo: educação entre música e emoções nas viagens da pianista Magdalena Tagliaferro”, Ednardo Monti apresenta as viagens da pianista a partir dos estudos sobre a escrita biográfica, autobiográfica e escritas de viagens. O autor apresenta um panorama da vida de Magdalena Tagliaferro, pondo em foco a influência que ela recebeu de seus pais franceses para a música, assim como sua formação ao longo da vida adulta. Uma trajetória de constantes viagens e amor pela música, pelo Brasil e suas memórias afetivas sobre a França. Ednardo mergulha nas memórias da pianista, suas redes de sociabilidades, os estudos no conservatório Nacional de Música de Paris e a contribuição musical e pedagógica da pianista para o ensino de música no Brasil.

Montserrat Sanuy: la introducción de la aplicación del método Orff en escuelas de España en los años 60”, de Maria de Rosário Rodri-guez, tem como foco a trajetória da musicista desta professora catalã. Destaca a educação recebida por Monserrrat, seu contato desde criança com a música, as viagens realizadas à Espanha, França e Alemanha. Na Alemanha, a professora estudou no Institut Orff, que se apresentou como um divisor de águas na sua vida profissional e nas suas contribuições pedagógicas e metodológicas para o ensino de música nas escolas da Espanha.

Junto ao reconhecido músico e professor Carl Orff, a musicista insere uma metodologia que vê “la música como algo natural, que todos los niños pueden hacer con facilidad porque lo llevan dentro, y que se aprovecha para desarrollar un laboro educativo integral, centrada en el leguaje, em la creación colectiva y en la felicidad” (p. 203). Monserrat obteve destaque no rádio e na televisão, apresentando uma nova perspectiva de ensino de música na Espanha.

O texto de Evelyn Orlando, “Quando o mundo cabe na bagagem às experiências de formação e distinção de Maria Junqueira Schimidt no cenário educacional brasileiro”, apresenta a trajetória intelectual e profissional da educadora supracitada, com foco nas suas diversas atuações no campo educacional. Ao longo de sua vida, a educadora fez diversas viagens, realizando seus estudos no Instituto Santa Úrsula, na Suíça francesa. De família católica, Schimidt destacou-se, inicialmente, como professora no Colégio Jacobina, no Rio de Janeiro, e como professora e diretora do Colégio Amaro Cavalcanti, considerando-se que em 1933 poucas eram as educadoras que conseguiam ocupar um cargo de gestão em espaços escolares.

Schmidt também foi orientadora escolar e participou como membro da Comissão Nacional do Livro Didático. Ao longo de sua vida, realizou parcerias com Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto e Aracy Freire. Parcerias essas que resultaram em diversas viagens pedagógicas aos Estados Unidos, em meados dos anos 1930.

Em “Histórias cruzadas? Mulheres viajantes e o ensino da educação”, Alexandra Lima da Silva problematiza histórias de mulheres viajantes que foram silenciadas, trazendo novos olhares e perspectivas para as temáticas sobre viagens e viajantes no âmbito da história da educação. Destaca as histórias de três viajantes: Amanda Berry Smith, negra e lavadeira, que saiu dos Estados Unidos como missionária para os continentes africano, europeu e asiático; Ina Von Binzer, alemã que viajou ao Brasil para dar aulas e ser preceptora de crianças da elite brasileira durante o período Imperial; e Leonowens, uma mulher indiana, naturalizada inglesa, que viajou à Ásia, tornando-se professora dos filhos do rei no Sião.

* * *

O livro “Mulheres em trânsito: intercâmbios, formação docente, circulação de saberes e práticas pedagógicas” contribui de forma significativa para a historiografia da educação, trazendo em sua composição  pesquisas de qualidade que privilegiaram diferentes e amplas fontes. Os autores reunidos nesse livro lançam seus olhares sobre diários de viagens, escritas biográficas, escritas (auto)biográficas e sobre periódicos, além de outras fontes citadas ao longo da resenha. O livro contribui para dar visibilidade a trajetórias muitas vezes esquecidas, ou mesmo silenciadas.

Mais que recomendada a sua leitura, o livro “Mulheres em trânsito” reúne trabalhos consolidados de pesquisadores do Brasil, do México, da Espanha, do Peru e da Argentina que tratam sobre a atuação feminina em contextos geográficos, sociais e históricos distintos. No entanto, quando reunidos e lidos no seu conjunto, ressignificam a identidade e a atuação destas mulheres que, por diferentes motivos, podem ser consideradas pioneiras em suas respectivas práticas pedagógicas viajantes.

Jacqueline de Albuquerque Varella – Mestranda em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil). E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

Das aulas avulsas ao Lyceu Provincial: as primeiras configurações da instrução secundária na Província da Parahyba do Norte (1836-1884) – FERRONATO (RBHE)

FERRONATO, C. J. Das aulas avulsas ao Lyceu Provincial: as primeiras configurações da instrução secundária na Província da Parahyba do Norte (1836-1884). Aracaju, SE: Edise, 2014. Resenha de: MARIANO, Nayana Rodrigues Cordeiro. ‘GLORIOSO TEMPLO DE SABEDORIA’: O Lyceu Provincial e a Instrução Secundária na Parahyba do Norte. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 17, n. 2 (45), p. 277-282, abr./jun. 2017.

O Lyceu Provincial e a instrução secundária na Parahyba do Norte. Esta é a temática central abordada pelo historiador Cristiano Ferronato no livro Das aulas avulsas ao Lyceu Provincial: as primeiras configurações da instrução secundária na Província da Parahyba do Norte (1836-1884), publicado em 2014, pela Universidade de Tiradentes e pela Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe. A obra é fruto de sua tese de doutoramento realizada junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, defendida em 2012. Atualmente, Ferronato atua como professor do curso de licenciatura em História e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes – SE. Nos últimos anos, realiza pesquisas sobre instrução no Nordeste oitocentista.

O livro que chega ao grande público discute as configurações da instrução secundária na então Província da Parahyba do Norte desde a oferta de aulas avulsas, enfatizando esse processo histórico do ensino liceal. Em 1836, foi criado o Lyceu Provincial da Parahyba do Norte, instituição de ensino secundário longeva, um precioso artefato da memória educacional paraibana que carrega consigo uma força de preservação, de interação e de germinação, representado pela elite provincial, ao longo do século XIX, como um ‘glorioso templo de sabedoria’1. A instituição carecia de um trabalho de fôlego, e Cristiano Ferronato nos brindou com este estudo que abrange 48 anos, visto que delineou seu recorte entre os anos de 1836, com a criação do Lyceu, e 1884, quando este foi transformado em Escola Normal. Nesse processo, além do ensino liceal, o autor discute as aulas avulsas públicas e particulares na Província. O livro é composto de cinco capítulos e nele, a partir das primeiras páginas, sentimo-nos convidados a bater à porta e entrar nesse universo instrucional, morada de tantas histórias.

‘Um tempo, um espaço e um objeto’. Neste capítulo inicial, o autor enfoca as questões teórico-metodológicas e, com base nelas, aponta a trajetória percorrida para a realização da pesquisa. Fiel à sua formação,estabelece um diálogo rico com o núcleo documental, composto por leis, regulamentos, decretos, correspondências, dados estatísticos, listas de alunos, programas de ensino, jornais, manuscritos, dentre outros, com destaque para os relatórios e falas dos presidentes de Província direcionados à Assembleia Legislativa. Respaldado pelos aportes teóricos e metodológicos de uma abordagem cultural, explora de forma fecunda o fenômeno da escolarização secundária, com o auxílio de formulações elaboradas por Bourdieu, como as noções de ‘configuração, representação’ e ‘poder simbólico’. Realiza também um maduro investimento no mapeamento dos estudos liceais no Brasil e em Portugal e na interlocução com a historiografia.Em consonância com a abordagem de Dolhnikoff, alavanca as elites locais à condição de elites políticas, partícipes de um ‘arranjo institucional’, que considera resultado das negociações entre as elites de diversas regiões da nova nação. Tal arranjo foi concretizado nas reformas liberais da década de 1830 e não foi modificado com a revisão conservadora dos anos de 1840, que não anulou a autonomia provincial. Ao tornar visível essa dimensão política, Ferronato traz à tona a complexidade das relações entre centro e regiões, no processo de construção do Estado nacional e nas experiências de escolarização secundária estudadas.

As primeiras configurações do ensino secundário, com suas aulas avulsas públicas e particulares e com a criação do Lyceu Provincial, são discutidas a partir do segundo capítulo. Problematizando esse processo,o autor aponta algumas análises importantes acerca do ensino superior no Brasil, mencionando a fundação dos primeiros cursos, a exemplo de Direito em São Paulo e Recife em 1827. Destaca também a influência da educação coimbrã na formação jurídica homogênea da geração inicial de administradores da nação recém-independente. Com a criação dos primeiros cursos no Brasil, ficava a cargo dessas instituições a formação da elite que ocuparia cargos na burocracia imperial. Nesse contexto, a constituição de instituições de ensino secundário era importante, pois auxiliaria na formação da elite local para atuar no aparato burocrático provincial.

Inicialmente, as aulas avulsas compunham o ensino secundário e eram denominadas pelo conteúdo a ser ministrado, ou seja, aulas de latim, de retórica. De acordo com Ferronato, com a criação do ensino liceal, houve uma organização, reunião ou complementação das aulas isoladas. Na província em questão, as referidas aulas funcionavam nas principais vilas e cidades, a exemplo das vilas de Sousa e Pombal, nas casas dos próprios professores. Os relatórios de presidentes da Província ou diretores da instrução pública contêm dados mais abundantes sobre o número de alunos matriculados e sobre os gastos para o seu funcionamento, não explicitando o cotidiano de funcionamento das mesmas.

Para Ferronato, a institucionalização do Lyceu Provincial influenciou a criação, em 1849, da Diretoria da Instrução Pública, uma vez que transformações se efetivaram com sua instalação, o funcionamento das aulas, sua localização, a utilização de relatórios etc. No entanto, essa nova forma de organização escolar coexistiu com a anterior até 1877, ano de extinção das aulas avulsas. Nessa convivência, o ensino liceal representaria o poder da capital, a Cidade da Parahyba, e a modernização do ensino secundário; já a outra modalidade de ensino, seria encabeçada pelo poder local, vista como uma organização tradicional. As aulas particulares, afirma o autor, funcionaram reservadamente na Província. É interessante destacar a relevância de trabalhar com as aulas avulsas públicas e particulares, especialmente por serem restritos os estudos sobre essa forma educativa.Vale ressaltar a riqueza dos organogramas e quadros sobre a Diretoria da Instrução Pública;sobre as aulas avulsas de latim em vilas e cidades da Província;sobre os alunos matriculados;os mapas de despesas com a instrução secundária;os salários dos professores, entre outros,estruturados ao longo do capítulo.

No livro, duas temporalidades ganham contorno com base na visão do autor. A primeira abrange a criação do Lyceu ocorrida em 1836, sua estruturação e sua consolidação, destacando-se os estatutos, elaborados em 1837 e 1846, e a tentativa de sua equiparação com o Colégio Pedro II. Essa fase estende-se até o ano de 1873, quando foi publicado o Decreto nº 5429, a partir do qual um processo de centralização do ensino marcaria o declínio e fim das aulas avulsas públicas no interior da Província. De 1873 a 1884, uma segunda fase se estruturaria, com um significativo aumento do número de alunos matriculados e com o fim de exames gerais de preparatórios nas províncias, em 1877. Um ciclo se findaria com a sua transformação em Escola Normal. Com a restauração da instituição, em 1885, passou a se denominar Lyceu Paraibano.

A ascensão do ensino liceal no Brasil é o foco do terceiro capítulo, no qual o autor examina diversos traços desse ensino no Império, mostrando que ele seria integrante de um projeto civilizatório mais amplo. Fazendo jus à memória da instituição em discussão,ele recua ao ano de 1831, com a criação do Curso de Humanidades, uma espécie de embrião da estruturação do ensino secundário. Um destaque é dado ao Ato Adicional de 1834, quando foi colocada nas mãos do governo provincial uma série de atribuições tributárias, coercitivas e legislativas, o que proporcionou a descentralização na gestão da instrução e impulsionou na Província o desenvolvimento do ensino liceal. O autor aborda também as discussões sobre os exames preparatórios no Brasil e na Parahyba do Norte como mecanismo de acesso ao ensino superior e, no tocante aos objetivos formativos dos liceus, um debate entre ensino técnico e estudos humanísticos.

Uma parcela da historiografia amalgamou uma representação sobre o Imperial Colégio Pedro II, criado em 1837, apresentando-o como uma instituição modelo para o ensino secundário no Brasil. Estruturando sua problematização, a partir do Lyceu Provincial da Parahyba do Norte, Cristiano Ferronato apresenta outra leitura dessa imagem. Ele identifica, com os programas de ensino, que a instituição não seguiu integralmente o modelo proposto pela Corte.

Nos capítulos finais entra em cena o ‘glorioso templo de sabedoria’, criado para formar a elite dirigente da Província. Inserida no movimento da Cidade da Parahyba e instalada no conjunto arquitetônico jesuítico, a instituição enfrentou inicialmente problemas decorrentes da falta de recursos financeiros, estiagens prolongadas, epidemias, poucos matriculados e ausência de prédio próprio. Apesar dos entraves iniciais, o Lyceu conseguiu se solidificar e tornou-se símbolo da instrução secundária. Com base em um levantamento dos livros que compunham a biblioteca da instituição, o autor confirma a perspectiva propedêutica, já que o acervo era composto por obras de filosofia, retórica, latim, entre outras. Com os agentes envolvidos nessa ação educativa, alunos, professores, autoridades e funcionários em geral, Cristiano Ferronato vai finalizando seu estudo. Descortina um espaço disciplinador, a íntima relação com o ensino das aulas avulsas e, dialogando com os estatutos do Lyceu, apresenta-nos as principais normatizações e atribuições propostas para o funcionamento cotidiano da instituição, com regulamentações sobre matrícula, exames, férias, premiações, deveres dos funcionários, dentre outras questões.

Felizardo Toscano de Brito, Manoel Pedro Cardoso Vieira, Diogo Velho Cavalcante de Albuquerque, Manrique Victor de Lima, Fr. Fructuosoda Soledade Sigismundo, Antonio da Cruz Cordeiro, Pe. José Ignácio de Brito Machado, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, foram alguns dos professores que fizeram história na instituição e a partir dela. Um corpo docente composto por religiosos, advogados, médicos, literatos e por homens ligados à imprensa figura entre tantos outros nomes arrolados pelo autor. São eles os responsáveis pela instrução de parte da mocidade paraibana, isto é, os filhos da elite econômica e política da Província e também alguns membros de grupos intermediários, como chama a atenção Ferronato, os quais ocupavam cargos como presidentes de Província, deputados, diretores da instrução pública, professores do Lyceu, médicos da Santa Casa de Misericórdia e outras funções, como visto nos itinerários traçados no livro. Aí temos exemplificado o papel que lhes foi conferido ao adentrar essa casa liceal.

Estes são alguns aspectos que, analisados ao longo do livro, consolidam a abordagem inovadora apresentada. O autor abandona análises generalistas sobre a instrução no Brasil do Oitocentos, apresentada sob o signo da falta, e traz para o palco o processo educativo como uma prática social e histórica.A História da Educação, que tem passado por um prodigioso desenvolvimento, ganha, com a escritade Cristiano Ferronato, mais um trabalho que contribui de maneira criativa e fecunda para a reflexão sobre as configurações da instrução secundária na  Parahyba oitocentista. Apresentando-nos um cenário rico, complexo, inovador, o autor aponta caminhos que estão descortinando esse universo instrucional. As diversas qualidades do livro, aliadas a uma escrita atraente e instigante que suspende percepções simplificadas em favor de uma compreensão que atrela a escolarização secundária a um jogo social mais amplo, indicam-nos uma obra indispensável para os leitores interessados na história das instituições educativas no Brasil.

Nayana Rodrigues Cordeiro Mariano – Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Brasil.

Acessar publicação original

Uma gota amarga: itinerários da nacionalização do ensino no Brasil / Claudemir de Quadros

A obra intitulada Uma gota amarga: itinerários da nacionalização do ensino no Brasil, organizada pelo professor Claudemir de Quadros, é um convite à leitura para os pesquisadores interessados na temática da nacionalização do ensino no Brasil. Publicado em 2014, o livro é composto por onze capítulos que apresentam como recorte temporal o período que vai da Primeira República até a consolidação do Estado Novo, utilizando como cenário os estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de São Paulo.

A partir de diferentes olhares de pesquisadores consagrados no campo da História da Educação no Brasil, a obra apresenta as marcas e as representações construídas na história da escola, por meio da campanha de nacionalização implantada pelo Presidente Getúlio Vargas, em época em que a escola foi vista como um espaço privilegiado de disseminação da cultura nacional, com o intuito de se forjar uma nova identidade brasileira.

No primeiro capítulo, Etnias e nacionalização no Sul do Brasil, o historiador René Ernaini Gertz discute as relações existentes entre as con-cepções de Estado e de Nação no Brasil, especialmente em relação à cam-panha de nacionalização implantada nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O texto chama a atenção para as medidas nacionalizadoras que atingiram de diferentes formas e em diferentes momentos o meio educacional dessas Regiões.

O segundo capítulo, organizado por Dorval do Nascimento, intitulado Brasilidades, Lusitanidades, Germanidades: a política de nacionalização do ensino primário e as disputas em torno da Nação (1934-1945), reflete sobre as medidas de nacionalização do ensino que foram implanta-das durante o Ministério de Gustavo Capanema. Medidas que visavam, entre outras questões, instaurar o sentimento de brasilidade nas novas gerações, motivo que levou a escola primária a ter “um papel fundamental em todo o processo” (NASCIMENTO, 2014, p. 65).

A nacionalização do ensino e a renovação educacional no Rio Grande do Sul é o título do terceiro capítulo, escrito por Maria Helena Camara Bastos e Elomar Callegaro Tambara. No texto, são abordadas questões referentes ao processo de nacionalização e renovação pedagógica no estado na primeira metade do século XX, que produziram modificações no trabalho docente, na legislação escolar, nos métodos de ensino, no currículo, nas finalidades da educação, entre outras transformações atravessadas também pelo discurso da Escola Nova.

Claudemir de Quadros é o autor do quarto capítulo, intitulado O discurso que produz a reforma: nacionalização do ensino, aparelhamento do Estado e reforma educacional no Rio Grande do Sul (1937-1945). José Pereira Coelho de Souza, quando assume a Secretaria de Educação e Saúde Pública do Rio Grande do Sul, dá início a um intenso processo de reformas educativas no estado, visando, entre outras questões, ampliar a rede de ensino, orientar, supervisionar e inspecionar o trabalho desenvolvido nas escolas estaduais, objetivando contribuir para a campanha de nacionalização implantada por Vargas em todo o território nacional.

Além de discorrer acerca das escolas estrangeiras, representadas como um perigo no período em questão, Claudemir de Quadros apresenta ao leitor que o processo de reforma educacional, ocorrido no estado, favorecido pela campanha de nacionalização do ensino, alterou intensamente as formas de gestão do sistema escolar no Rio Grande do Sul, especialmente a partir da organização do Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais – CPOE/RS.

Ao analisar as políticas públicas de nacionalização das escolas étnicas no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1900 a 1940, o professor Lúcio Kreutz, autor do quinto capítulo, intitulado A nacionalização do ensino no Rio Grande do Sul, medidas preventivas e repreensivas, aponta as características e a constituição dos primeiros cem anos das escolas étnicas no estado, bem como escreve sobre a nacionalização progressiva dessas instituições apontando as medidas preventivas e repressivas implantadas pelo governo gaúcho, com o intuito de formar uma identidade nacional desejada.

O texto Abrasileirar os coloninhos: histórias e memórias escolares na região colonial italiana do Rio Grande do Sul (1937-1945), de autoria da professora Terciane Ângela Luchese, compõe o sexto capítulo do livro apresentado. O trabalho de Luchese permite compreender os discursos e as práticas de nacionalização que estiveram representadas na história da educação da região colonial italiana a partir de três enfoques abordados pela autora: as políticas públicas para a educação, o ensino e o uso da língua portuguesa e as práticas de nacionalização efetivadas no cotidiano escolar.

Dóris Bittencourt Almeida, ao narrar à história do Colégio Farroupilha, fundado por imigrantes alemães, na cidade de Porto Alegre/RS, escreve o sétimo capítulo, que intitula como As marcas do novo: do Colégio Alemão ao Colégio Farroupilha. Nesse capítulo, Almeida apresenta as relações entre a campanha de nacionalização e as transformações ocorridas na história institucional do Colégio a partir do olhar de ex-alunos e dos periódicos escolares analisados por ela. Compreende também que, embora o Estado Novo tenha deixado marcas na trajetória da instituição, ele não fez com que a cultura alemã desparecesse completamente daquele espaço educativo.

O oitavo capítulo, escrito por Elaine Cátia Falcade Maschio, intitu-lado Os imigrantes italianos, seus descendentes e suas escolas frente às campanhas de nacionalização do ensino em Curitiba/Paraná (1900-1930), atenta para a história da colonização italiana em Curitiba e o pro-cesso de escolarização das colônias, bem como reflete sobre as medidas de nacionalização ocorridas no estado do Paraná, com ênfase nas escolas ita-lianas.

Versando sobre a imigração de poloneses e ucranianos no no Paraná, Valquíria Elita Renk é a autora do nono capítulo, O processo de naciona-lização das escolas étnicas polonesas e ucranianas no Paraná. Valquíria objetiva analisar “como as escolas e as comunidades étnicas garantiram a manutenção da identidade étnica e quais foram as formas de resistência ante a nacionalização simbólica” (RENK, 2014, p. 292).

O décimo capítulo, intitulado História com muitos poréns: a nacio-nalização das escolas criadas por imigrantes alemães em São Paulo, de Maria Cristina dos Santos Bezerra, reflete acerca do impacto causado pelas políticas de nacionalização na organização das escolas germânicas do es-tado paulista.

Encerrando a obra, o décimo primeiro capítulo, produzido por Eli-ane Mimesse Prado, intitulado Vislumbre acerca da nacionalização do ensino: o enigma das escolas que italianizaram a cidade de São Paulo, investiga a constituição das escolas italianas paulistas, nas primeiras dé-cadas do século XX, e aponta as medidas criadas pelo governo para nacio-nalizar a infância.

Ao finalizar a leitura desta obra, depois de entrar em contato com as pesquisas desenvolvidas ao longo dos últimos anos por cada um dos auto-res acima, é inegável a importante contribuição do livro para a história da escolarização no Brasil, especialmente no que tange o período da naciona-lização do ensino. Um momento que marcou profundamente o cotidiano e as culturas escolares de muitas escolas brasileiras, especialmente aque-las localizadas nas zonas rurais dos estados, organizadas pelas comunida-des de imigrantes e seus descendentes.

Destaco a relevância da temática abordada para as investigações no campo da história da educação, sobretudo para a área da história das ins-tituições escolares, por oferecer um embasamento teórico consistente acerca dos motivos, dos reflexos e das transformações ocasionadas pela campanha de nacionalização do ensino, principalmente entre os anos de 1937 a 1945, quando se torna compulsória.

Cumpre ressaltar a riqueza do estudo para se pensar as dinâmicas de vida dos sujeitos escolares, sobretudo, de alunos e de professores, atraves-sadas pela imposição do uso do português, pela comemoração das festas e celebrações cívicas, pelo silenciamento de suas identidades e culturas, pelo culto aos heróis nacionais, entre outras práticas, repletas de traumas e in-seguranças para os imigrantes e descentes, uma vez que a gota amarga derramada por muitos, fez parte do processo escolar e da história de mui-tas famílias das Regiões colonizadas por estrangeiros.

Como apresento no início do texto, a obra organizada por Quadros é um convite à leitura para a compreensão da dimensão do projeto de naci-onalização do ensino no Brasil.

Cassiane Curtarelli Fernandes – Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (Brasil). E-mail:  [email protected].


QUADROS, Claudemir de (org.). Uma gota amarga: itinerários da nacionalização do ensino no Brasil. Santa Maria: Editora UFSM, 2014. Uma gota   Resenha de: FERNANDES, Cassiane Curtarelli. Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 257-261, janeiro/abril de 2017. Acessar publicação original.

Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica – BONTEMPI JR. (RBHE)

BONTEMPI JR., Bruno. Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Uberlândia: Edufu, 2015. Resenha de: BOTO, Carlota. Entre planos de aula e projetos de universidade: Laerte Ramos de Carvalho revisitado. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 3 (42), p. 353-359, jul./set. 2016.

Em boa hora é publicada a tese de doutorado de Bruno Bontempi. Trata-se de livro recém-saído do prelo, sob o título Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Fruto de tese de doutoramento defendida na PUC de São Paulo, o livro reconstitui com maestria o percurso de uma investigação sólida, muito bem ancorada em fontes documentais diversas, que, a partir de inúmeros acervos, investiga a trajetória do intelectual, dando atenção à história oral, indagando o conteúdo de discursos de formaturas, cartas trocadas com os amigos e colegas, documentos administrativos, publicações periódicas, livros publicados por Ramos de Carvalho e artigos registrados no jornal O Estado de S. Paulo. Bruno Bontempi resgata aquilo que considera ser a “identidade cognitiva” da disciplina História e Filosofia da Educação, dada a partir de um processo de embates, conflitos e acordos entre os sujeitos que estavam à volta dela.

A pesquisa de Bontempi demonstra como se articulavam os processos de constituição de um campo do saber e de uma matéria de ensino, mediante a regência de Ramos de Carvalho.

Além disso, o estudo volta-se para indagar como essa prática da história da educação marcou e foi marcada pelo lugar social de Ramos de Carvalho enquanto articulista do grande jornal paulistano. Isso, segundo Bontempi (2015, p.16), teria dado à disciplina História e Filosofia da Educação “uma feição particular, inédita e diferenciada da que fora inicialmente forjada nos currículos dos cursos de formação do magistério”. A tese agora transformada em livro parte do pressuposto segundo o qual o estudo de uma disciplina acadêmica deve ter como alicerce, não apenas o estudo interno de seus temas, seus programas de curso e procedimentos didáticos, mas também as relações institucionais que cercam a constituição da mesma matéria, suas “interferências políticas e sociabilidades” (Bontempi, 2015, p.17).

Como bem argumenta Maria Lúcia Hilsdorf no prefácio da obra, a tese de Bruno comprova o rigor e o vigor da ação pedagógica e político-institucional de Laerte Ramos de Carvalho, posto que, como intelectual, ele conseguiu “demolir uma tradição disciplinar, construir outra, instituir um saber científico, ensinar novas práticas, constituir discípulos, colocar a história da educação no debate público e dar-lhe um novo significado” (Hilsdorf, apud, Bontempi, 2015, p.13).

Remetendo-se, no início do livro, à historiografia da educação brasileira, Bontempi evidencia o quanto a orientação de Laerte Ramos de Carvalho teria marcado toda uma geração de pesquisadores, os quais produziram obras clássicas, que, assim como o trabalho de seu orientador, também impregnariam a constituição e o percurso da história da educação brasileira. A tese de Bontempi possui, como hipótese central, a suposição de que as marcas na produção acadêmica no campo da história e filosofia da educação derivariam em larga medida de uma formação disciplinar distinta e da “preocupação com a formação de conhecimento novo em história por parte de Laerte Ramos de Carvalho” (Bontempi, 2015, p.33).

O trabalho elabora um minucioso estudo do discurso predominante na USP sobre sua própria missão. Desde a fundação, passando pelos anos 40 e chegando aos 60, havia a clara compreensão de um ideal civilizatório, como se a Universidade tivesse por meta regenerar o país de suas defasagens no que toca à cultura letrada. A análise dos discursos de formatura mostra as semelhanças existentes entre os ideais de universidade, mas mostra também as diferentes interpretações que tinham os universitários da época a respeito da vocação cultural da vida universitária. Assim, o discurso técnico-profissional dos politécnicos iria na direção contrária do discurso eminentemente propedêutico produzido pelos sujeitos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O discurso de Ramos de Carvalho, como representante de turma em sua formatura, no ano de 1942, por sua vez, abordava a dramaticidade do tempo de guerra que envolvia os formandos, o Brasil e o mundo naquela época. Assim, se havia um debate dominante, havia também vozes singulares; e Bontempi – como exímio historiador que é – sabe buscar tanto as similaridades quanto, sobretudo, as diferenças.

O livro também aprofunda a relação de Laerte Ramos de Carvalho com a pesquisa em história e com o campo da filosofia, tanto no âmbito da própria USP quanto de sua tensa relação com o Instituto Brasileiro de Filosofia. Para tanto, a pesquisa esmiuçou o modo pelo qual se constituíram as cátedras na USP e o conflito existente entre esse regime de trabalho e o sistema de contratos temporários celebrado para a recepção dos professores estrangeiros, em particular os da missão francesa. Depoimentos de intelectuais do porte de Florestan Fernandes e Antonio Cândido evidenciam o quanto os catedráticos escolhiam aqueles que consideravam ser os seus sucessores naturais. Entre os alunos, assim, o tratamento dado privilegiava relações que fariam parte de um aprendizado externo à sala de aula, o qual poderíamos chamar de “currículo oculto” da instituição, posto que estava para além das aulas, além dos seminários, representando o que Florestan Fernandes considerava ser um “treinamento muito mais avançado e muito mais rigoroso” (Fernandes, apud, Bontempi, 2015, p.109). Esse processo extra-classe tinha consequências: “a competência e qualidade intelectual que o assistente ostentava no momento de sua nomeação desfazia qualquer aparência de „compadrio‟ por ocultar o fato de que a própria excelência do escolhido era produto de uma educação especial e privilegiada” (Bontempi, 2015, p.110).

Laerte Ramos de Carvalho – como diz Bontempi – foi um desses “alunos incomuns” que assumiu a função de assistente de Cruz Costa por uma longa temporada na Universidade de São Paulo. Seu período como assistente durou de 1943 até 1955. Nesse período, Ramos de Carvalho seguia as diretrizes do programa de investigação de Cruz Costa, centrado no estudo da história das ideias no Brasil. Bruno Bontempi demonstra quais são as convergências de ideias entre os dois pensadores e quais teriam sido as premissas que singularizavam o trabalho de Ramos de Carvalho frente ao catedrático com o qual ele trabalhava. Já o Instituto Brasileiro de Filosofia, que era liderado por integrantes da Faculdade de Direito não reconhecia a relevância do trabalho de Ramos de Carvalho. Poucas são as menções a ele na Revista Brasileira de Filosofia; e, quando aparecia alguma remissão à sua obra, havia algum tom de desdém. As divergências que teve com Miguel Reale, do ponto de vista teórico e no que toca à atuação política, são também objeto do trabalho de Bontempi, mostrando as contradições entre esquerda e direita, bem como as tensões em cada um desses grupos no Brasil daquela época.

O livro resgata a intrincada relação existente entre o jornal O Estado de S. Paulo e a Universidade de São Paulo, desde 1934, quando de sua fundação. Como se sabe, Julio de Mesquita Filho pertencia a um setor das elites paulistas que criticava as então oligarquias, anquilosadas no PRP. Próximo da herança da Liga Nacionalista e dos integrantes do Partido Democrático, o jornal foi protagonista no movimento de 32, mas sempre com um tom crítico, pontuando com insistência a necessidade de se superar o modelo político então existente através de uma vasta ação cultural, que possibilitasse a ascensão de novos grupos ao poder. Para Julio de Mesquita Filho, havia de se criar uma nova elite: uma elite cultural, capaz de mobilizar os maiores talentos em todas as camadas da sociedade. Esse seria o papel da USP. Como diz Bontempi (2015, p.145) sobre o assunto: “à universidade, cujo centro integrador seria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, caberia a tarefa de formar as elites ilustradas, único grupo social capaz de realizar positivamente a obra de regeneração política da sociedade brasileira, mas também de formar o profissional secundário e superior”.

A partir de 1946, Ramos de Carvalho torna-se colaborador do jornal O Estado de S. Paulo. Na ocasião, consta que dois filhos de Julio de Mesquita Filho teriam comentado com o pai sobre a qualidade acadêmica e didática de Ramos de Carvalho, que fora professor deles. Uma versão alternativa – mostra Bontempi – diz que outros ex-alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que já trabalhavam no jornal, dentre os quais Lourival Gomes Machado, teriam convencido Mesquita Filho de que as ideias expostas por Ramos de Carvalho em suas aulas seriam bastante próximas dos ideais perfilhados pelo grupo d‟ O Estado de São Paulo.

Outro aspecto bastante original do trabalho de Bontempi é a discussão trazida a propósito da perspectiva de Laerte Ramos de Carvalho sobre o ensino secundário. Professor que foi de ginásios paulistanos, Ramos de Carvalho valeu-se da sua pena como articulista do Estadão para comentar sobre as insuficiências e sobre o que ele acreditava ser as irregularidades do ensino secundário paulista, em especial nos estabelecimentos particulares de ensino. Esses não eram submetidos a uma inspeção rigorosa do governo; e, além do mais, aviltavam a profissão de professor, com o esquema de “salário-aula”.

Em 1948, Laerte Ramos de Carvalho assumiu como assistente a cadeira de Filosofia e História da Educação. O trabalho de Bontempi demonstra que, desde então, a cadeira sofreria uma profunda mudança em seu funcionamento. Antes de Ramos de Carvalho, a matéria era ministrada por José Querino Ribeiro e Roldão Lopes de Barros, que imprimiam a ela apenas a estatura de ensino. Não havia para esses professores a articulação do ensino com a pesquisa ou produção do conhecimento. Bruno Bontempi faz um criterioso resgate da maneira pela qual os programas das disciplinas de Filosofia e História da Educação eram organizados. A despeito de não ter havido preocupação em formalizar as alterações no programa de curso oficial, os diários de classe evidenciam as mudanças que Ramos de Carvalho imprimiria à disciplina. Houve a inclusão e o desenvolvimento de inúmeros temas e problemas relativos à história da educação brasileira, dentre os quais a discussão contemporânea sobre os trâmites da LDB e a elaboração do Manifesto de 1959. Houve a substituição, por exemplo, das sabatinas por arguições. Houve a introdução de seminários e trabalhos práticos, que passam a ser considerados tão importantes quanto as preleções teóricas. Houve também a inclusão no curso dos textos clássicos, na tradição que vinha do modelo europeu adotado pelos professores da missão francesa. A partir dali os estudantes seriam contemplados com o acesso aos próprios escritos dos autores estudados; sem que houvesse, como anteriormente, o privilégio de comentadores.

Há preocupação, por parte de Bontempi, em vistoriar as redes de sociabilidades que engendravam relações institucionais e lugares de poder. Nesse sentido, são evidentes as estreitas relações de Laerte Ramos de Carvalho com dois intelectuais que também foram decisivos na história da Faculdade de Educação da USP: Roque Spencer Maciel de Barros e João Eduardo Villalobos. Ambos haviam sido alunos de Ramos de Carvalho no curso secundário e ambos teriam também um papel destacado de liderança intelectual tanto na futura Faculdade de Educação da USP quanto no jornal O Estado de S. Paulo.

O livro apresenta, de maneira extremamente arguta, as ideias centrais dos trabalhos teóricos de Ramos de Carvalho; em especial, daquele que se tornaria seu clássico e que foi apresentado como tese quando o docente concorreu a concurso de provimento da cátedra de Filosofia e História da Educação, em 1952: As reformas pombalinas da instrução pública. Esse livro – fruto de investigação rigorosa na Biblioteca Nacional, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca da Universidade de Coimbra e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa – desenvolvia a hipótese de que as reformas pombalinas traduziram – como diz Bontempi – o espírito de seu tempo, tomando, portanto, a fisionomia política do período histórico no qual estavam inscritas. A tese de Ramos de Carvalho foi reconhecida e aplaudida não apenas pelo campo da filosofia e da educação, mas fundamentalmente – nas palavras de Eduardo de Oliveira França (apud, Bontempi, 2015, p.237) pela “confraria dos historiadores”.

Finalmente, o trabalho de Bontempi ilumina o papel de Ramos de Carvalho como organizador de um amplo programa de pesquisas, que envolveu a elaboração de inúmeras teses, articuladas a um determinado modo de conceber a história, a educação e a periodização da história da educação. Ramos de Carvalho mostrava a necessidade de fazer com que a organização dos períodos nos quais se escreve a história da educação não fosse um decalque da periodização da história política. E isso seus orientandos aplicaram em seus trabalhos; com Jorge Nagle, por exemplo, mostrando o papel que os anos 20 tiveram na consolidação do que chamou de “entusiasmo pela educação”. O lugar do orientador Ramos de Carvalho era sistemático, envolvendo reuniões de seu grupo de pesquisadores, com pautas que envolviam partilha dos trabalhos dos pesquisadores entre si, troca de informações e possíveis reformulações conjuntas dos rumos de cada investigação.

Ao estudar o caso específico de Laerte Ramos de Carvalho, Bruno Bontempi recupera o que havia de melhor em sua geração, trazendo elementos preciosos para que se compreenda a história da Universidade de São Paulo e, mais particularmente, uma parte da história de um campo de investigação que posteriormente se bifurcou nas áreas de Filosofia da Educação e de História da Educação. Por isso, trata-se de uma leitura fundamental para quem estuda a história das disciplinas, para quem estuda a história das instituições e para quem queira compreender a universidade. Bruno Bontempi é um historiador ainda jovem; mas essa tese foi escrita em momento inicial de sua carreira. Por ser assim, é absolutamente surpreendente a maturidade de sua análise, a argúcia de seus comentários, a precisão de suas conclusões. Trata-se de um trabalho para ser lido por historiadores, por pedagogos e por todos que pretendam compreender melhor como se deu a história da universidade, tal como ela foi arquitetada em terras brasileiras.

Carlota Boto – Pedagoga e historiadora, mestre em História e Filosofia da Educação pela FEUSP, doutora em História Social pela FFLCH/USP e livre-docente em Educação pela FEUSP. Professora de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras – LUCHESE (RBHE)

LUCHESE , T. Â. (Org.). (2014). História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras. Caxias do Sul: Educs, 2014. Resenha de: MOTIM, Mara Francieli; ORLANDO, Evelyn de Almeida. História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 1 (40), p. 413-419, jan./abr. 2016

O livro História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras, organizado por Terciane Ângela Luchese, é fruto de investigações produzidas pelo grupo de pesquisa História da Educação, Imigração e Memória, da Universidade de Caxias do Sul. Além de textos de pesquisadores de universidades italianas, a publicação reuniu trabalhos sobre as experiências escolares de imigrantes italianos e seus filhos, entre o final do século XIX e início do século XX, nas regiões Sul e Sudeste. Esta obra permite um olhar para a escolarização desses sujeitos, caso a caso, contribuindo, conforme destaca Emilio Franzina no prefácio deste volume, para uma possível revisitação da história imigratória italiana no Brasil, em seus processos de interação e desenvolvimento.

Nesse panorama das discussões a respeito dos processos culturais dos imigrantes, no primeiro capítulo do livro, Lúcio Kreutz aborda o tema Identidade étnica e processo escolar. Na conceituação do autor, o pertencimento étnico expressa uma composição entre sujeitos e grupos, cujas práticas, ao longo do tempo, vão se reconfigurando, podendo diferenciar e determinar uma organização social. Ele enfatiza que o étnico não é uma herança constituída, mas sim um processo, uma vez que culturas não são realidades mudas. Dessa forma, afirma que a pesquisa sobre a escola nesse contexto étnico é de fundamental importância, uma vez que tal ambiente pode ser produtor ou reprodutor da cultura.

Kreutz apresenta um balanço histórico sobre como a etnia e o processo escolar foram sendo tratados e afirma que, entre os diversos projetos, perpassa a construção de uma nacionalidade, manifestada na Europa no final do século XVIII e que chega à América, pouco tempo depois, como uma construção monolítica, sem diferenciação étnica. O autor defende que a escola precisa compreender como o étnico se constrói nas práticas sociais, não podendo quantificar um valor para determinadas culturas, mesmo que estas tenham conseguido se impor nos processos históricos concretos.

No segundo capítulo, “Governo italiano, diplomacia e escolas italianas no exterior”, a pesquisadora italiana Patrizia Salvetti discute a legislação da Itália em relação às escolas subsidiadas no exterior.

Abordando a Lei Crispi, de 1889, explica que um de seus objetivos era a construção de uma política italiana no exterior com subsídios destinados à instrução dos imigrados italianos. Ela aponta algumas divergências nesse financiamento, principalmente em relação às escolas laicas e às escolas confessionais. A problemática girava em torno de conflitos não resolvidos entre Estado e Igreja, na Itália, os quais foram exemplificados no artigo com base em relatórios como o de Pasquale Villari (1901). Salvetti afirma que a Sociedade Dante Alighieri, uma das principais organizações colaterais do governo, tinha como função acentuar e organizar essas relações escolares entre a Itália e o exterior.

Em seguida, a autora analisa a Lei Tittoni, de 1910, na qual se tentou amenizar a relação entre Estado e Igreja, estabelecendo o ensino religioso como facultativo e financiando escolas confessionais. Ela afirma que a Reforma Gentile, de 1923, ocorrida no contexto do regime fascista, não modificou sensivelmente a organização das escolas no exterior, porém, sua administração passou a ser controlada, em sua maior parte, por funcionários ligados ao Partido Nacional Fascista. Por fim, salienta que até os dias de hoje as escolas italianas no exterior são a principal forma de difundir a língua e a cultura desse país.

No terceiro capítulo, “Instrução pública e imigração italiana no estado do Espírito Santo, no século XIX e início do século XX”, Regina Helena Silva Simões e Sebastião Pimentel Franco propõem uma discussão sobre a educação capixaba e a relação entre os imigrantes italianos que chegaram ao Espírito Santo, no período de 1850 a 1920.

Por meio de relatórios da província e do estado do Espírito Santo, os autores demarcam o contexto da instrução pública nas terras capixabas, onde, desde 1850, existia um discurso a favor da educação, considerando o contexto da grande diáspora italiana na segunda metade do século XIX e suas consequências, como o preenchimento dos vazios demográficos no Espírito Santo. Não obstante esse discurso, os autores ressaltam as diversas dificuldades da instrução pública local e destacam a pressão que, ao desembarcar no Espírito Santo, os imigrantes italianos exerciam sobre o governo no sentido de garantir a educação de seus filhos, embora suas colônias estivessem localizadas na parte mais desassistida da instrução pública.

À pesquisadora Maysa Gomes Rodrigues coube o capítulo 4, “Imigração e educação em Minas Gerais: histórias de escolas e escolas italianas”. A autora aborda a educação mineira, entre o final do século XIX e início do século XX, como um lugar em que foi possível relacionar a escolarização italiana e a formação cultural de outros espaços. Ela utilizou como fontes os acervos da Secretaria do Interior e da Secretaria da Agricultura e Obras Públicas, além de Relatórios dos Presidentes da Província, de Inspeção de Ensino, Mensagens dos Presidentes do Estado, jornais e estudos feitos sobre a imigração em Minas.

O contexto educacional mineiro e sua escolarização, com base nos regulamentos consultados, não se referem a escolas de imigrantes ou escolas estrangeiras. Assim, a autora constata que, nos núcleos coloniais, que tinham por objetivo a assimilação étnica, as escolas públicas foram um meio de oferecer a instrução oficial. A ênfase do texto recai sobre essa modalidade de ensino nas colônias como um caminho da nacionalidade brasileira para os filhos de imigrantes, embora, como destaca a autora, existisse uma escola mantida por uma Sociedade Italiana que se destinava a atender uma camada privilegiada economicamente de italianos de Belo Horizonte. Dessa forma, a autora põe em evidência que ambas as realidades escolares foram importantes no processo de instrução desses imigrantes, e de modo geral, na educação de Minas Gerais.

“A formação das escolas italianas no Estado do Rio de Janeiro (1875 – 1920)”, constitui o capítulo 5, escrito por Carlo Pagani. O autor chama a atenção para a presença de imigrantes italianos em quase todas as áreas mais importantes do Rio de Janeiro, os quais contribuíam para o desenvolvimento industrial, para os movimentos operários, além de trabalhar na produção de carvão e no comércio, na área central. Pagani descreve o cenário da escolarização destes imigrantes e das escolas italianas no Rio de Janeiro, considerando sua relação com a educação primária italiana, no final do século XIX. Em ambos os casos, ele aponta um grande número de analfabetos e, com base na legislação, demonstra que os resultados da escolarização no período, no Rio de Janeiro, não foram muito satisfatórios.

Destaca a influência anarquista na imigração italiana, que, nas reivindicações fabris, deparava-se com o analfabetismo dos operários e passava a promover a escolarização dos líderes. Consultando relatórios de escolas italianas no exterior, além de jornais do período, o autor constrói a origem das escolas italianas em algumas cidades cariocas. Essas instituições de ensino foram fruto das necessidades desses imigrantes, que colaboraram para a escolarização de massa, atendendo a toda a população próxima destas escolas, sejam elas italianas ou não.

No capítulo 6, “Acondicionamento das escolas de primeiras letras paulistas no período que compreende os anos de 1877 e 1910”, Eliane Mimesse Prado descreve o processo de criação das escolas de primeiras letras em São Paulo, as quais eram frequentadas pelos imigrantes peninsulares e seus descendentes. A autora explora o processo de imigração em alguns dos núcleos coloniais paulistas. Constam no texto quadros comparativos a respeito da criação dos núcleos coloniais entre 1877 e 1907, em São Paulo. A autora chama a atenção para o grande número de imigrantes e para a demanda de criação de um número maior de escolas de primeiras letras, nem sempre atendida pelo governo, o que levava os próprios colonos a organizar e criar escolas.

Os esforços desses imigrantes também eram sustentados pelos religiosos, de forma que a educação acabava por adotar funções mais amplas, regidas pelos preceitos do catolicismo. Algumas dessas instituições de ensino foram resultantes de iniciativas coletivas, com o apoio do governo italiano, por meio das Sociedades de Mútuo Socorro. Mesmo com iniciativas escolares específicas, a autora constata que uma grande parcela desses imigrantes e de seus filhos esteve nos bancos escolares das instituições públicas de ensino de São Paulo.

No capítulo 7, “Escolas da imigração italiana no Paraná: a constituição da escolarização primária nas colônias italianas”, a pesquisadora Elaine Cátia Falcade Maschio apresenta um panorama do processo imigratório italiano no Paraná. A autora explica que esse processo teve início na região litorânea, primeiramente na Colônia Alexandra e posteriormente na Colônia Nova Itália. Além de enfrentar a má administração dessas colônias, os imigrantes não se adaptaram à região e foram realocados nos arredores da capital, na produção de produtos cultivados na terra e comercializados em Curitiba.

Caracterizando a educação primária no Paraná com base em relatórios e regulamentos, Maschio constata que inúmeros foram os abaixo-assinados desses imigrantes solicitando escolas e, com a demora no atendimento dessas solicitações, eram organizadas instituições de ensino particulares, comunitárias ou subvencionadas. Além dessas modalidades escolares, a autora apresenta as escolas étnicas, mantidas por associações ou por instituições religiosas. Maschio deixa claro que, nesses locais, procurava-se manter e difundir a italianità com base principalmente na moral católica, mas, mesmo assim, predominavam as escolas públicas, pois esses colonos também valorizavam a aprendizagem da língua portuguesa. Um destaque do texto é que, com as reivindicações para abertura de escolas públicas, esses imigrantes contribuíram para o processo de expansão do ensino primário paranaense em geral.

Clarícia Otto, responsável pelo capítulo 8, “Escolas italianas em Santa Catarina: disputas na construção de identidades”, apresenta as escolas como estratégias para a manutenção de uma identidade cultural. Otto explica que as primeiras iniciativas escolares para esses imigrantes catarinenses foram particulares e que, no final do século XIX, essas ações passaram a ser da Igreja Católica, da diplomacia italiana e do governo republicano brasileiro. Otto defende que o processo escolar foi resultante de uma articulação com outros campos, como o político, cultural e religioso, os quais influenciaram as estruturas sociais desses sujeitos.

Pautando-se em um conjunto de correspondências, Otto ressalta ainda a disputa pelo controle do campo educacional entre uma organização religiosa e a Dante Alighieri. Com as medidas nacionalistas do governo republicano brasileiro, esses conflitos foram ainda maiores, sobretudo a partir de 1911, quando a inspeção escolar em Santa Catarina passou a ser efetiva, o que levou muitas escolas estrangeiras a ser fechadas. A autora conclui o texto marcando que, mesmo com os investimentos na construção de uma educação nacional, as diferenças culturais continuaram a existir, sendo colocadas em pauta em 1975, no centenário da imigração, para despertar o sentimento de ser italiano.

O último capítulo do livro, dos pesquisadores Terciane Ângela Luchese e Gelson Leonardo Rech, “O processo escolar entre imigrantes italianos e descendentes no Rio Grande do Sul (1875 – 1914)”, é destinado ao processo escolar desses sujeitos nas terras gaúchas, destacando as

Iniciativas escolares, suas organizações e especificidades. Segundo os autores, no processo imigratório italiano no Rio Grande de Sul, os imigrantes saíram da Itália como excluídos e chegaram ao Brasil como civilizadores. Durante o Império, na Província de São Pedro do Rio Grande, as políticas educacionais constavam apenas no papel e não nas práticas; com a proclamação da República e a influência de um grupo gaúcho calcado no positivismo, a escola passou a ser vista como um local de modernização. Assim, a expansão do ensino primário no Rio Grande do Sul, por iniciativa do Estado, das Igrejas, associações e/ou particulares, tornou-o um dos locais brasileiros com o menor índice de analfabetismo em 1920.

Os autores destacam ainda as escolas étnico-comunitárias rurais, que surgiram pela necessidade e pela ausência de escolas nas colônias, as escolas étnicas, mantidas por associações, geralmente laicas, que recebiam subsídios do governo italiano, e as escolas mantidas por congregações religiosas, que, mesmo não sendo consideradas étnicas, mantinham os valores culturais do país de origem da congregação. As escolas públicas também foram muito requisitadas pelos imigrantes, principalmente para a aprendizagem do português, mas estas também eram marcadas por características étnicas.

O leitor interessado em conhecer o processo escolar dos imigrantes italianos e seus descendentes, no final do século XIX e início do século XX, encontra nos capítulos deste volume uma rica reflexão a respeito da relação entre esses sujeitos, o governo brasileiro, o governo italiano e a Igreja Católica. A obra é significativa para os estudos de história da educação brasileira, por trazer à tona diversas fontes históricas que possibilitam um aprofundamento em estudos na área, além de descrições que permitem traçar algumas características destes imigrantes na construção de uma nova vida no outro lado do Atlântico. Além disso, por se tratar de uma obra que reúne pesquisadores de diferentes lugares, ela apresenta uma multiplicidade de práticas e de representações da educação e da cultura italiana em diferentes contextos de produção. Essa perspectiva plural permite ampliar as lentes para compreender melhor os modos de ser e se fazer italiano em diferentes espaços.

Mara Francieli Motin – E-mail: [email protected]

Evelyn de Almeida Orlando – E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Democratização ou cerceamento? Um estudo sobre a reforma do ensino médio técnico dos anos 1990 – ARRUDA (TES)

ARRUDA, Maria da Conceição Calmon. Democratização ou cerceamento? Um estudo sobre a reforma do ensino médio técnico dos anos 1990. Rio de Janeiro: Interciência, 2013, 170p. Resenha de: RAMOS, Marise. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.1,  jan./abr. 2015.

O título deste livro anuncia o caminho traçado pela autora para demonstrar que a tese da reforma do ensino médio técnico realizada no Brasil nos anos de 1990 se revelou, na prática, na sua antítese. Tratou-se de uma reforma que teve o autoritarismo como base, apesar de abrigada por um Estado formalmente democrático. Muito ao contrário de ter sido uma estratégia de universalização do ensino médio, a reforma partiu do pressuposto de que aos que vêm dos segmentos populares resta somente uma alternativa: o ingresso no mercado de trabalho o quanto antes, cerceando-lhes, assim, outras perspectivas, como o ensino superior acadêmico e de qualidade, já que a história e a cultura do país tende a legitimar esse direito aos que chamam de ‘elite’.

O livro cumpre o que promete. Apresenta um estudo sobre a referida reforma com bases teóricas e empíricas. Ao mesmo tempo em que o estudo redunda numa produção científica, ele se torna um instrumento político, pois o desvelamento dos fundamentos da reforma é também uma denúncia. Afinal, a autora conclui que tanto a arquitetura da reforma foi pensada de modo a restringir o acesso das camadas médias às escolas técnicas federais, quanto privilegiou o estabelecimento de trajetórias educacionais diferenciadas — leiam-se trajetórias que levam alguns à universidade e muitos outros ao mercado de trabalho — e circunscreveu o ensino técnico a uma formação restrita para o trabalho. Poderíamos considerar que este problema no Brasil teria sido superado com a revogação do decreto n. 2.208/97 pelo de número 5.154/2004 e a introdução de seu conteúdo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Trata-se, entretanto, de uma superação formal, pois a concepção educacional dualista, por ser produto da cultura escravocrata que caracteriza a formação social brasileira, ainda encontra, nos dias atuais, defensores influentes no debate sobre os rumos da nossa educação. Conhecer o conteúdo deste estudo é, portanto, um meio de aprender com a história para que esta não seja reinventada como tragédia ou como farsa.

Outra razão que justifica conhecer a obra e o viés empírico imprimido ao estudo. A autora faz este esforço ao investigar o perfil social e cultural, bem como interesses e expectativas de estudantes matriculados no terceiro ano do ensino médio de três escolas técnicas localizadas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esses, portanto, já teriam ingressado nas escolas sob a vigência do decreto n. 2208/97. A escolha das escolas, explica a autora, se baseou na representação que a sociedade tem sobre sua qualidade, além de seus estudantes demonstrarem bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Deve-se, ainda, ao fato de serem escolas que selecionam os estudantes mediante um concurso público.

Os resultados e a análise do estudo empírico são apresentados no quarto capítulo, tendo sido orientado por algumas hipóteses. A primeira delas considerou que a reforma não democratizou o acesso das camadas populares ao ensino técnico federal, mas, ao contrário, as distanciou dessas instituições, posto que para cursar os ensinos médio e técnico concomitantemente os estudantes precisavam dispor de dois turnos, o que se contrapõe à necessidade de os jovens das camadas populares trabalharem desde cedo. Ao mesmo tempo, cursar o ensino técnico após o ensino médio significaria prolongar o tempo desses jovens na escola, o que se confronta com a mesma necessidade.

A outra hipótese se contrapôs ao argumento dos defensores da reforma de que as camadas médias da sociedade não se interessam pelo ensino técnico, mas procuram as escolas técnicas como ‘trampolim’ para as universidades. A autora alerta que a existência de escolas técnicas privadas destinadas às camadas médias poderia ser um indicativo do interesse desse estrato social pelo ensino médio técnico. Além disso, ressalta, as políticas neoliberais, longe de terem favorecido essas camadas médias, teriam contribuído para seu empobrecimento, o que torna a formação técnica também uma alternativa que visa à qualificação para o trabalho.

Finalmente, reencontramos no livro a conclusão de que a reforma teria restabelecido a dualidade educacional dissociada de um projeto de democratização do ensino, mas vinculada a uma concepção de educação que vê na formação para o trabalho a trajetória escolar mais adequada aos alunos das camadas populares. Diríamos, porém, que a natureza dessa dualidade se modifica em relação àquela em que o ensino profissional não tinha equivalência ao de formação geral (anterior à lei n. 4.024/61) e à existência dos dois ramos do ensino de 2° Grau — propedêutico e profissionalizante — típica da lei n. 5.692/71 após o parecer do Conselho Federal de Educação n. 76/75.

A leitura dos dados obtidos pela autora e as respectivas análises são um ponto alto da presente obra. Destacamos, por exemplo, no caso das escolas estudadas, que seus estudantes pro-veem, em sua maioria, das camadas médias e não das elites, fazendo cair por terra a ideologia da ‘elitização do ensino técnico’ propalada pelos defensores da reforma. Bem colocada pela autora é, ainda, a crítica à associação das camadas médias com as elites. Segundo ela, trata-se de uma retórica utilizada para justificar o restabelecimento da dualidade e apresentar a reforma como supostamente justa.

Esses estudantes optaram por realizar o curso técnico concomitantemente ao ensino médio e justificam tal escolha pela intenção de prosseguirem os estudos em nível superior e também de trabalharem, considerada esta possibilidade seja simultaneamente à formação superior, seja como alternativa temporária a este. A autora conclui que o ingresso no ensino superior é uma trajetória frequente entre os concluintes das escolas técnicas, imediatamente ou após algum tempo de exercício profissional como técnico de nível médio. Assim, diz ela, ironicamente, que o pecado das escolas técnicas federais teria sido a associação, bem sucedida, entre formação geral e formação para o trabalho, que permite a seus estudantes autonomia na articulação dos conhecimentos recebidos e, consequentemente, autonomia para irem além, caso desejem. Não estaria aqui a tese de Dermeval Saviani (1997) de que essas escolas, por conterem os elementos de uma educação politécnica, contêm também os germens de sua construção?

Neste livro, então, encontramos, pelo estudo empírico, as justificativas para considerarmos que a possível integração entre os ensinos médio e técnico não se confunde com a educação politécnica e omnilateral, mas pode ser uma travessia em direção a ela. Trata-se de uma necessidade conjuntural — social e histórica — para que a educação tecnológica se efetive para os filhos dos trabalhadores (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005). É preciso ver que uma conquista legal nesse sentido está, antes, no texto da LDB quando, no parágrafo 2° do artigo 36, prevê que o ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas. Vemos que aqui se apregoa tanto um direito — cursar o ensino técnico com o ensino médio — como uma condição, qual seja, o asseguramento da formação básica. Isto é, a formação técnica não pode substituir nem sacrificar a formação geral e, portanto, em nenhuma hipótese, concorrer com ela. Antes, precisam, necessariamente, convergir para os princípios do direito social e subjetivo.

O caráter dual da educação brasileira, como bem demonstra a autora com quem dialogamos, e a correspondente desvalorização da cultura do trabalho pelas elites, ainda orientadas pela cultura escravocrata presente na formação social brasileira, que Maria da Conceição Calmon Arruda também resgata, torna a escola refra-tária a essa cultura e suas práticas. Assim, a não ser por uma efetiva reforma moral e intelectual da sociedade, preceitos ideológicos não são suficientes para promover o ingresso da cultura do trabalho nas escolas, nem como contexto e, menos ainda, como princípio. Desta forma, uma política consistente de profissionalização no ensino médio, dadas as outras razões e condicionada à concepção de integração entre trabalho, ciência e cultura, pode ser a travessia para a organização da educação brasileira com base no projeto de escola unitária, tendo o trabalho como princípio educativo. A contribuição da análise presente nesta obra é inestimável para a compreensão do problema e para a construção de estratégias que o enfrentem na difícil e contraditória relação entre Estado e sociedade civil que a política pública implica.

O livro é produto da tese de doutorado da autora, concluída no Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 2008, orientada por Leandro Konder, que nos deixou em 12 de novembro de 2014. Seu legado, porém, se imortalizou em suas obras, nas ideias e nas pessoas que ajudou a formar. Apresentar este livro neste momento torna-se, coincidentemente, uma homenagem a este grande filósofo e educador.

Referências

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. LDB, limite, trajetória e perspectivas. 8. ed. São Paulo: Autores Associados, 1997. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. [ Links ]

Marise Ramos – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil – NOSELLA (TES)

NOSELLA, Paolo. Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil. Vitória: Edufes, 2012, 288 p. Resenha de: ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.3, set./dez. 2015.

Paolo Nosella é italiano de nascimento (1942), mas mora no Brasil desde a década de 1970. Veio ao Brasil para trabalhar com educação popular, participando da criação das primeiras Escolas da Família Agrícola (EFAs). Aqui fez mestrado (1977) e doutorado (1981) em Filosofia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e fixou residência no município de São Carlos, em São Paulo.

Nosella compõe uma geração de pesquisadores que constituiu a educação como um campo de pesquisa científica no Brasil, ainda nos anos 1970. É um dos pioneiros da Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa em Educação (ANPEd), onde teve (e tem) participação destacada no GT09 – Trabalho e Educação, do qual é um dos fundadores. Por isso recebeu homenagem no Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e Educação (Intercrítica), em 2014, por sua contribuição à área e em alusão aos 22 anos de publicação do livro A escola de Gramsci, obra de referência para o campo.

É professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos e hoje leciona na Universidade Nove de Julho. Pesquisador sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), publicou inúmeros artigos, livros e capítulos de livros sobre educação popular, história da educação, trabalho e educação e, em particular, sobre Antonio Gramsci, de quem é um estudioso e apaixonado pela obra e história.

O livro Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil é fruto do trabalho desenvolvido no mestrado de Nosella, com dissertação defendida em 1977, sob o título Uma nova educação para o meio rural: sistematização e problematização da experiência educacional das escolas da família agrícola do movimento de educação promocional do Espírito Santo(1977), sob a orientação de Dermeval Saviani (que escreveu o prefácio do livro). Sua publicação resgata um texto que trata de temática muito relevante no Brasil atual, a Pedagogia da Alternância, recuperando as suas origens, algumas de suas conformações em diferentes países e sua experimentação brasileira na EFA, revelando também diferentes problemas neste uso.

A justificativa para esta publicação, 36 anos depois da defesa da dissertação que lhe deu origem, se revela na afirmação de Miguel Arroyo (2004), que destaca a necessidade de conhecermos mais profundamente a construção histórica da educação promovida pelo movimento social do campo, pois esta pode nos mostrar muito sobre a educação pensada sobre outras bases, o da formação humana integral. Também evidencia a sua relevância o crescimento no Brasil, nas últimas décadas, dos movimentos sociais do campo, com o protagonismo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que tomam a educação como parte de seus objetivos estratégicos de transformação social e que assumem a Pedagogia da Alternância como uma opção metodológica.

Na sua pesquisa Nosella buscava sistematizar a experiência de Pedagogia da Alternância da EFA. Para isso, utilizou o método fenomenológico existencial, que ele traduz como um movimento dialógico entre a observação-reflexão do autor e a situação analisada.

O autor faz a opção de no livro não atualizar o texto da dissertação, deixando ‘as marcas do tempo’. Nele o autor defende a tese de que a Pedagogia da Alternância pode ser identificada a partir de seu princípio fundamental de articulação entre escola e vida e de sua vinculação com os movimentos sociais dos trabalhadores. Pedagogicamente caracteriza-a como uma pedagogia vocacional e não profissionalizante, a serviço dos jovens do meio rural, orientada pelo objetivo fundamental de mudança social, fazendo uso de um plano de estudo, em um ambiente educativo com pequenos grupos, tendo assegurada a participação dos pais agricultores.

Ao tratar das origens da Pedagogia da Alternância, no primeiro capítulo do livro, o autor destaca que ela surge com a tarefa de enfrentar o problema colocado de que a terra seria o oposto da sabedoria, da ciência, e de que ao jovem de origem rural não restaria outra alternativa a não ser sair do campo se quisesse alcançar ‘a sabedoria’. A oposição entre a terra e a sabedoria, ciência e sucesso exigia, portanto, que fosse criada uma nova educação.

Registra a ação do sacerdote Abbé Granereau, que criou a primeira escola em alternância na França, em 1935, com o objetivo de reunir jovens de diferentes localidades que precisavam trabalhar no campo. O aspecto singular desta origem é a articulação entre esta Pedagogia com a ação e com o que hoje poderíamos chamar de desenvolvimento local. “A ‘Maison-Familiale’ nunca foi uma escola isolada da ação e do desenvolvimento sócio-econômico de seu meio” (p. 49).

O autor relata a expansão das Maisons Familiales na França, a experiência na Itália e na África para depois relatar a experiência brasileira nas EFAs por meio do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes).

Sem abrir mão do seu senso crítico, marca de sua personalidade, o autor destaca um problema com o qual se defrontava a Pedagogia da Alternância desde a sua origem (e que ainda permanece), a ideia de se tornar uma escola “sem abertura para a cidade ou para outras formas de educação”. Criticando Abbé Granereau, diz que “ele queria uma formação rural totalmente fechada, que perfizesse todo o sistema escolar, do primário até a universidade rural” (p. 51). Para o autor, esta é uma “tentação”, a de realizar uma obra em si, uma escola para os camponeses, uma espécie de “reserva indígena” ou de “redução jesuítica agrícola” e que tal ideia seria contrária ao ideal de liberdade que a proposta carrega.

Nosella fecha o primeiro capítulo falando da criação da Associação Internacional das Escolas das Famílias Rurais, em 1975, no Senegal, identificando os objetivos da Associação e informando o quadro geral das EFAs no mundo. Para ele, as EFAs têm variadas possibilidades de materialização, mas foi aplicável em diferentes regiões do mundo mantendo suas características fundamentais, o princípio da alternância e a vinculação com os movimentos sociais, o que lhe conferiria um caráter avançado.

No segundo capítulo do livro, ao tratar do plano pedagógico das EFAs partindo da experiência do Mepes, faz uma descrição geral das escolas e revela a origem da necessidade de construção de um plano pedagógico. Explica que este plano se constituiu de um conjunto de documentos que define as linhas gerais para a organização das EFAs; nele se enuncia que o objetivo fundamental da escola é a mudança social e que esta deva se orientar pelas ideias de participação, igualdade, conscientização, democracia e fim da exploração entre as classes. Assim, a EFA é definida como uma escola vocacional e não profissionalizante, a serviço dos jovens do meio rural.

Do ponto de vista metodológico, seriam três as suas principais características: a alternância; o ambiente educativo com pequenos grupos, internato e convivência; e a participação dos pais agricultores. Define o autor que a função da alternância é proporcionar a reflexão sobre a vida e a experiência real. Para o Mepes, “a vida da família e da comunidade de cada aluno representa o ponto de partida da educação nas escolas-família” (Mepes apud Nosella, p. 85).

Para a alternância, o plano de estudo ganha centralidade, pois se constitui no

instrumento fundamental da Escola-Família, ele é a pedagogização da alternância; é a forma concreta de efetivar as potencialidades educativas da alternância; é o veículo que leva para a vida as reflexões, as questões, as conclusões (…) O Plano de Estudo é um guia (questionário) elaborado pelos alunos juntamente com a equipe dos professores, ao findar uma semana de aula, a fim de investigar, com seus pais, um aspecto da realidade cotidiana da família, seu meio e suas vivências. As respostas ao Plano de Estudo, que o aluno anota em seu caderno de propriedade ou do lar, são postas em comum ao voltar à Escola no início da nova sessão de aula (Mepes apud Nosella, 1977, p. 86).

A alternância e o plano de estudo não se constituem, como se pode ver, numa estratégia de instrumentalização na realidade concreta dos conteúdos discutidos na escola. Sobre isto, Nosella conclui:

Note-se que o Plano de Estudo jamais é uma aplicação técnico-agrícola, no sentido da escola ensinar aos alunos técnicas cada vez mais aprimoradas para ele, em seguida, aplicá-las na propriedade de sua família. O enfoque do Plano de Estudo é a conscientização: “é um compromisso dos alunos e de sua família para analisar sua própria vida” (p. 86).

Toma-se a participação como um ponto realmente essencial da escola, mas a ela se associa o conceito de responsabilidade, rejeitando-se a participação formal.

Nosella finaliza este capítulo destacando a prática de avaliação nas EFAs, onde esta atividade é compreendida como “tudo aquilo que se faz para conscientizar”. A avaliação assim compreendida se revela como uma atitude constante, exame de consciência, revisão de vida, onde a avaliação da aprendizagem é apenas mais um componente. O autor registra que na experiência estudada avaliam-se tudo e todos, grupal e individualmente, a cada momento, avaliam-se as atitudes, as aptidões e a aprendizagem dos alunos, a integração e a participação do aluno na comunidade local, o ambiente educativo, a capacitação e a integração dos monitores, a participação dos pais e tudo mais que se relaciona à vida da escola e dos alunos. Nesta experiência, todos são os agentes avaliadores, e o plano pedagógico determina o que e como cada agente pedagógico irá avaliar.

No terceiro capítulo é tratada a experiência do Centro de Formação e Reflexão (CFR), que realiza um curso de formação específica para os docentes das EFAs. O Mepes tomava este como se fosse uma “Escola-Família de grau superior” tendo como objetivos a conscientização, a fundamentação teórica e a capacitação técnica. Nesta experiência, o docente era pensado como um agente educacional que deveria realizar mudanças sociais no meio ambiente de sua escola.

No quarto e último capítulo, o então mestrando Paolo Nosella identifica alguns dos principais problemas verificados na experiência e ensaia uma “tentativa de análise”, não exaustiva, sobre cada um deles. Entre os problemas observados pelo autor destaca-se a ideia de intercâmbio econômico-cultural entre Brasil e Itália que funcionou em um único sentido, apenas Itália-Brasil. Apoiando-se em Darcy Ribeiro, o autor coloca a possibilidade de esta experiência ter sido acompanhada de um processo de invasão cultural.

Nosella questiona a forte concentração de poder existente na EFA e a consequentemente pouca participação da comunidade nas decisões. Como terceiro problema, o autor destaca o impasse da expansão das EFAs, que encontra resistência dos pais que, supõe o autor, “temem a escolarização por ser um meio de êxodo do seu filho da lavoura e, portanto, causa da perda de mão de obra” (p. 120).

O quarto problema identificado por Nosella refere-se ao dilema existente entre o uso do plano de estudo ou do currículo oficial, pois este pode levar à perda da especificidade metodológica da EFA.

Também o centro de formação é verificado em uma situação-problema, já que não fica claro se o seu papel é de formar para a metodologia já elaborada ou se colocar aberto para experimentações.

O sexto problema identificado relaciona-se à fuga dos técnicos agrícolas que assumem a função docente, mas que abandonam o movimento em busca de outras oportunidades profissionais.

Por fim, Nosella destaca o sétimo problema, a dificuldade financeira de manutenção das EFAs, que dependem do apoio das comunidades e de recursos municipais, estaduais e federais.

Em seu capítulo conclusivo, Nosella observa, entre outras coisas, que a EFA do Mepes é uma iniciativa fundamentalmente positiva “por ser ela uma crítica radical ao sistema tradicional de ensino do meio rural contrapondo-se a ele como uma alternativa estrutural e metodológica, intencionalmente revolucionária” (p. 146).

Ao registrar a sua ambiguidade, pois não nasceu como obra da classe agrícola brasileira, observa que possibilidades futura da Pedagogia da Alternância estariam articuladas às perspectivas da própria classe, já que interessa apenas aos dominados um projeto de mudança social, conteúdo desta pedagogia.

O livro em tela também traz como anexos diferentes documentos, de estatuto a planos e organograma do Mepes, preservando assim a sua história e favorecendo o trabalho de novos pesquisadores interessados na experiência estudada.

O livro é finalizado com um ‘posfácio de atualização’, escrito por João Batista Begnami e Thierry De Burghgrave. Nele são atualizadas algumas informações relativas ao número de associações regionais e de EFAs no Brasil, com dados de 2012, e apresentadas algumas fases da Pedagogia da Alternância no Brasil. Também são feitas considerações acerca das EFAs em relação aos movimentos de Educação do Campo no Brasil.

Este livro de Nosella, além da descrição que faz da experiência de Pedagogia da Alternância nas EFAs e dos problemas que identifica nesta experimentação, contém uma defesa de um projeto de formação humana, de conteúdo revolucionário, que toma a mudança social como principal finalidade.

Sua leitura é necessária para todos os educadores, mais ainda para aqueles que se comprometem com os projetos de educação que se articulam à ideia de mudança social e que tomam a liberdade como referência.

Sua característica descritiva não impede que o autor deixe clara a sua leitura comprometida, de quem esteve envolvido com aquela experiência, prática e teoricamente, que se revelou e se mantém crítico de qualquer perspectiva de instrumentalização da formação humana e de sua conformação à realidade dada. Nosella olha sempre para o futuro, para uma escola de educação inteira em uma sociedade sem classes, e é articulada a este projeto que ele situa a Pedagogia da Alternância.

Referências

ARROYO, Miguel. O direito do trabalhador à educação. In: GOMES, Carlos M. (org.). Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 2004. [ Links ]

NOSELLA, Paolo. Uma nova educação para o meio rural: sistematização e problematização da experiência educacional das Escolas da Família Agrícola do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo. Dissertação (Mestrado em Filosofia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1977. [ Links ]

Ronaldo Marcos de Lima Araujo – Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Pará, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

História da Educação e História Regional Paulista / Cadernos de História da Educação / 2015

O dossiê História da Educação e História Regional Paulista, ora apresentado aos Cadernos de História da Educação, resulta do esforço de pesquisadores que vem agindo coletivamente em diversos âmbitos: no interior de um grupo interdisciplinar de pesquisas, na participação conjunta em congressos das áreas de História, História da Educação, Sociologia e Geografia, na orientação de trabalhos cujas temáticas se avizinham e, agora, na publicação de um dossiê temático. Fato é que dentre as muitas aproximações possíveis entre as investigações desenvolvidas pelos pesquisadores do grupo, uma em especial merece ser ressaltada: o fato de que examinamos, direta ou indiretamente, a história da educação no interior paulista. Olhamos para “o rio da minha aldeia”, conforme queria Alberto Caieiro / Fernando Pessoa, buscando estabelecer as relações possíveis entre o nosso rio e os outros rios do Brasil e do mundo. Campeamos, igualmente, as singularidades locais dos espaços por onde passam nossos córregos e riachos.

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia (Alberto Caieiro)

Vimos trabalhando com o interior paulista numa perspectiva tributária da obra de Pierre Monbeig, o geógrafo francês que entre os anos de 1935 e 1946 integrou o grupo de professores franceses que formou a Universidade de São Paulo, e que escreveu Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo – obra clássica para os estudos regionais paulistas. Nela, Monbeig estudou as zonas pioneiras do estado para além de uma perspectiva local, identificando-as como sociedades em movimento: regiões interligadas entre si e constituídas por fronteiras que progrediram irregularmente desde a segunda metade do século XIX.

O autor procurou problematizá-las a partir de um olhar relacional entre o fenômeno histórico que observava in loco e o que acontecia no restante do mundo ocidental. Ele dizia que numa zona pioneira “tudo é alvoroço”: derrubada de floresta, criação de fazendas, cidades e constante instabilidade demográfica gerada pelo intenso afluxo de migrantes e imigrantes; rápida construção de redes de comunicações, representadas pelas icônicas estradas de ferro, pelas estradas de rodagem e pelos veículos de comunicação de massa, como o rádio, as revistas, os cinemas e os jornais; edificação de simbologias regionais, como àquelas relacionadas ao caipira e ao bandeirante; intensa miscigenação racial e diversos outros elementos que caracterizam o contraditório desenvolvimento do capitalismo paulista da primeira metade do século XX.

Tanto “alvoroço” fazia Monbeig se espantar com a rapidez das transformações às quais assistia. No entanto, para além do espanto, interessa destacar o empenho do autor na compreensão do dito “alvoroço” com as ferramentas analíticas que dispunha no período – e também com àquelas que inventou em pleno campo de pesquisa.

Assim demonstrarão Laurent Vidal e Paulo César da Costa Gomes, ao analisarem a experiência dos jovens Pierre Monbeig e Roger Bastide, quando vieram lecionar Geografia e Sociologia na USP, nos anos de 1930. No artigo Déplacement des savants, déplacement des savoirs, ou le glissement des concepts sur le sol meuble du Brésil: les exemples de Roger Bastide et Pierre Monbeig, os autores discutem o surgimento de temas pouco usuais nas áreas da Geografia e da Sociologia a partir da inserção de Monbeig e Bastide no Brasil, destacando a contribuição de ambos, a partir da experiência brasileira, para a criação de conceitos até então inexistentes.

Rosa Fátima de Souza, por sua vez, discute justamente a necessidade de desnaturalização e problematização de uma ferramenta de análise largamente utilizada por historiadores da educação para delimitação de espaços de pesquisa no interior paulista: a divisão do território por regiões econômicas e demográficas. Em Educação e civilização nas zonas pioneiras do estado de São Paulo (1933 – 1945) a autora problematiza a relação duvidosa existente entre região econômica e região escolar, além de discutir a situação educacional das zonas pioneiras no período.

No caso do “oeste paulista”, em particular da cidade de Ribeirão Preto, ícone da riqueza gerada pelo café, não por acaso à época reconhecida como Petit Paris, Sergio César da Fonseca problematiza, em Ribeirão Preto e a chegada da assistência institucional à infância ao Oeste Novo, o aumento do abandono de crianças na localidade, bem como o processo de interiorização da assistência por aquelas plagas; enquanto Alessandra Cristina Furtado, em História de uma Instituição Escolar Católica: O Colégio Nossa Senhora Auxiliadora de Ribeirão Preto no cenário do interior paulista (1918-1944) reconstrói a história daquela instituição, uma das mais importantes escolas confessionais da localidade. Ambos demonstram a intrínseca relação existente entre o incremento do complexo capitalista verificado no interior paulista e o aumento de instituições destinadas à conformação de pessoas, quer sejam escolares ou não.

Ainda sob a égide do “oeste” simbólico ribeirão-pretano, Sauloéber Tarsio de Souza e Wagner Teixeira da Silva discutem em O café, a indústria e a escola: reflexões acerca da educação pública no interior paulista (Franca: 1889-1970) não apenas a institucionalização da rede pública de ensino na cidade de Franca, região de fronteira com Minas Gerais, mas avaliam as representações recorrentes sobre a importância da escola para uma localidade distante da capital, mas que passava por inexorável processo de dinamização econômica.

Representando a chamada Cuesta de Botucatu, mais especificamente a cidade de São Manoel, Marcelo Augusto Totti reflete, à luz da sociologia de Florestan Fernandes, sobre Educação, civilização e implementação capitalista no interior paulista, demonstrando as contradições inseparáveis entre os discursos sobre a modernidade em voga e o recrudescimento de antigos problemas sociais.

Resta destacar que sob a influência de Pierre Monbeig e da sua ideia de sociedade em movimento, o dossiê apresentado aos Cadernos de História da Educação busca desbastar a temática educacional em meio ao “alvoroço” verificado nas frentes pioneiras pelo geógrafo, além de compartilhar os resultados, por ora obtidos, com a comunidade acadêmica. Acreditamos que para além da qualidade das análises empreendidas pelos pesquisadores que se dedicaram à arquitetura deste dossiê, destaca-se o esforço conjunto na mobilização de um amplo espectro de fontes regionais que foram, em sua maioria, trazidas à luz pela primeira vez pela iniciativa dos membros do grupo: jornais, revistas, fotografias, relatórios oficiais, atas de câmaras municipais, discursos, registros civis e memória, dentre outros vestígios do passado, que passaram a existir a partir do nosso recorte, adquirindo um novo significado.

Raquel Discini de Campos

Sérgio César da Fonseca

Organizadores


CAMPOS, Raquel Discini de; FONSECA, Sérgio César da. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 14, n.2, maio / ago., 2015. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Realidades da Educação Profissional no Brasil – BATISTA; MÜLLER (TES)

BATISTA, Eraldo Leme ; MÜLLER, Meire Terezinha (Org.). Realidades da Educação Profissional no Brasil. Campinas: Alínea, 2015. 290 p.p. Resenha de: LIMA, Julio Cesar França. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.2, maio/ago. 2015.

O livro Realidades da Educação Profissional no Brasil está estruturado em duas partes: “Aspectos da Educação Profissional” e “Movimentos Pontuais na Educação Profissional”, respectivamente, e organizado em torno de 13 capítulos que abordam diferentes aspectos teórico-práticos e períodos históricos da formação para o trabalho e da educação profissional no país. Seus organizadores são vinculados ao grupo de estudos e pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Abrindo a primeira parte da coletânea, Romeu Adriano da Silva discute a tendência de determinados estudos da área trabalho-educação, que, a partir de uma certa leitura da ´ontologia do ser social´ de Lukács, tomam a categoria trabalho como central para as pesquisas educacionais, porém com um viés predominantemente essencialista do trabalho. Dialogando com esses estudos, para os quais a práxis educativa não é trabalho, confronta seus argumentos com o de outros autores também tributários do pensamento de Lukács e com o próprio Lukács, para afirmar que o raciocínio daqueles autores opera sob a lógica da exclusão e não da contradição, a partir de uma leitura imanente e ahistórica da categoria trabalho. Para Romeu esse tipo de ´ontologia’, entre outras consequências, “parece afastar a possibilidade de uma concepção pedagógica cujo pressuposto seja a tese da combinação da instrução com o trabalho, uma tese marxiana” (p. 28), o que leva não só ao imobilismo, mas na impossibilidade de se avançar em direção a uma educação de caráter emancipatório.

Em “Educação para a práxis”, de Hélica Silva Carmo Gomes e Eraldo Leme Batista, o foco são as contribuições de Gramsci para uma pedagogia da educação profissional. Partindo da crítica à pedagogia das competências que se ancora na filosofia do pragmatismo, os autores se propõem a repensar e buscar alternativas para a construção de uma nova pedagogia fundada na filosofia da práxis e que tem na escola unitária proposta por Gramsci o seu lócus de realização. Uma perspectiva antagônica ao pragmatismo, que se baseia no princípio da unidade teoria e prática, na articulação do saber para o mundo do trabalho com o saber para o mundo das relações sociais, que se preocupa com a autonomia, com o pensamento novo e independente do trabalhador, com a construção de uma nova forma de sociedade e que compreende três aspectos principais: a práxis técnico-produtiva, a práxis científico-experimental e a práxis histórico-política. Os autores reconhecem que a implementação dessa proposta no contexto atual está muito distante do real, o que não impede a necessidade de discutir a construção de caminhos possíveis para uma pedagogia da práxis que vai contra a adaptação ao existente e a coisificação do trabalho, a favor da formação de sujeitos sociais ativos e educados para a crítica da sociedade atual e da lógica compulsiva do mercado.

Justino de Souza Junior propõe atualizar o debate teórico da relação trabalho-educação com a discussão sobre “O princípio educativo da práxis”. Partindo do pressuposto de que a valorização da categoria trabalho acabou por subtrair o estatuto teórico da categoria práxis, Souza Junior resgata a sua importância para a reflexão dessa relação. Dialogando com Kosik, Konder, Paulo Netto e Vásquez, o autor aponta para a obscuridade conceitual das definições da práxis e do trabalho, na qual a primeira é reduzida a trabalho e a segunda definida como práxis. Ao contrário, vai apontar que a práxis determina muito mais globalmente que o trabalho o ser social, pois, além do momento laborativo, a práxis envolve também o momento existencial. Baseado em Lukács, diz que “o trabalho é a práxis primeira, mas esta abre um processo que se complexifica cada vez mais e desenvolve o ser social criando outras formas de práxis que não são trabalho e se distinguem dele, mas atuam na formação e desenvolvimento do ser social (…)” (p. 77, grifo nosso). Enfim, para o autor, no debate marxista em torno da relação trabalho-educação, “a prioridade ontológica do trabalho não anula a importância da práxis social em geral para a formação do ser social, logo, ela não pode conduzir à ideia de exclusividade da importância do trabalho como princípio educativo” (p. 80). Entretanto, ao apontar que as outras modalidades de práxis, entre elas a educativa,não são trabalho fica a questão se estamos diante (ou não) de uma posição que contraditoriamente pode afastar a possibilidade de uma concepção pedagógica cujo pressuposto seja a tese da combinação da instrução com o trabalho, tal qual discutida no primeiro texto dessa coletânea.

No texto “Problematização, trabalho cooperativo e auto-organização: possibilidades de procedimentos de ensino integrado”, o debate é sobre a didática da educação profissional sob a perspectiva integradora, ou da unidade indissolúvel teoria-prática sob a perspectiva dialética. Refutando tanto o tecnicismo como o politicismo, Ronaldo Marcos de Lima Araújo e Maria Auxiliadora Maués de Lima Araújo compreendem que as técnicas de ensino são mediações das relações professor-aluno, são condições necessárias, mas não suficientes do processo de ensino, pois devem estar subordinadas, política e metodologicamente, às finalidades e práticas sociais que a conformam. No caso, articuladas com um projeto educacional integrador e emancipador. Daí que tomam como referências para o trabalho didático a problematização, o trabalho coletivo e a auto-organização. Descartando a perspectiva de neutralidade da técnica, sustentam a possibilidade de sua ressignificação e seu potencial de desenvolvimento de emancipação social e da autonomia e capacidade criativa dos discentes. Desse ponto de vista, abordam o potencial de diversas estratégias de ensino-aprendizagem, tais como, a aula expositiva dialogada, os laboratórios e oficinas, o estudo do meio: trabalho de campo, o estudo dirigido e o jogo, e as estratégias e critérios para a avaliação do processo de aprendizagem.

A preocupação de Paulo César de Souza Ignácio em “A acumulação flexível no Brasil e suas demandas de qualificação da força de trabalho” é demonstrar que o grau de desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas no Brasil na atualidade, apesar de ajustar os sistemas de formação do trabalhador no sentido da polivalência e flexibilidade, permite dialeticamente que a politecnia seja uma alternativa concreta a essa concepção de educação. Após discutir a crise estrutural do capital nos anos 1970, a emergência do novo padrão de acumulação flexível e a consequente linearização da produção, que está na base da flexibilização do trabalho operário, sua desespecialização e polivalência, o autor analisa o comportamento do mercado de trabalho no Brasil, a partir dos anos 1990, e as demandas do capital industrial pela universalização da educação básica aliada à formação profissional de base polivalente. Com base nessa análise, sustenta que a mesma materialidade histórica que impõe o perfil de formação de caráter polivalente também é a que permite que a concepção politécnica de ensino seja trazida novamente ao debate no âmbito das políticas educacionais.

Roberto Leme Batista discute “Trabalho, educação e a ideologia da cidadania” com base na análise de documentos que serviram de referência para a reforma do ensino médio e da educação profissional no Brasil a partir dos anos 1990. Da análise o autor destaca o uso de conceitos que supostamente seriam um passaporte para a construção, desenvolvimento e consolidação da cidadania, e outros que são omitidos ou desaparecem no discurso dos teóricos do capital. Para ele, os documentos da reforma do ensino médio e da educação profissional no país são impregnados de determinismo tecnológico e ancorados fundamentalmente nas necessidades do capital.

Encerrando a primeira parte da coletânea, Zuleide S. Silveira aborda a temática da educação tecnológica, indicando que desde o pós-Segunda Guerra Mundial esse ensino vem sendo progressivamente subordinado à dinâmica da política de ciência, tecnologia e inovação articulada com o movimento de internacionalização da economia brasileira, bem como voltando a escola para as necessidades estritas do mercado. Isso ocorre por meio das reformas educacionais, do processo de ‘cefetização’ e atualmente se expressa na instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, inspirada no modelo anglo-saxão de universidade moderna. Após identificar as duas concepções de sociedade e escola em disputa no país – o projeto liberal-corporativo e o projeto que visa a emancipação política do trabalhador, e o tipo de capitalismo dependente que articula o moderno e o arcaico, a autora aponta para a contradição do capital que, de um lado, exige maior qualificação para o trabalho, ou formação para o trabalho complexo, e de outro lado, a sua desqualificação, ou a formação para o trabalho simples.

O texto “A educação profissional no Brasil: análise sobre o centro ferroviário de ensino e seleção profissional – década de 1930”, de Eraldo Leme Batista, abre a segunda parte da coletânea com a experiência de formação profissional para esse setor, a partir da trajetória de Roberto Mange e dos estudos realizados na revista do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), do qual era representante, ao mesmo tempo que era diretor do Centro Ferroviário. Identificado como o principal intelectual orgânico da burguesia industrial brasileira nesse período e com grande prestígio junto aos educadores escolanovistas, Mange era um entusiasta das propostas de formar o ´trabalhador ideal´, ´comportado´, ´civilizado´, e ´colaborador´, fundamentada nos princípios da Organização Racional do Trabalho, de base taylorista/fordista, e no desenvolvimento do método psicotécnico e na racionalização dos métodos de ensino industrial. O seu projeto pedagógico era formar uma nova classe trabalhadora nacional, dócil, amável, educada, disciplinada e que vestisse a camisa da empresa, mas também difundir o discurso de uma nova sociedade capaz de enfrentar o atraso e o subdesenvolvimento.

O texto seguinte, de Meire Terezinha Müller, complementa a discussão acima na medida em que se debruça sobre a educação profissional realizada pelo Senai, criado em 1942, e, particularmente, sobre as Séries Metódicas Ocupacionais (SMO), introduzidas no Brasil sob a liderança de Roberto Mange. Como ´método´, as SMOs “são definidas como o modelo que propõe o aprendizado a partir da decomposição das funções em várias fases, com grau crescente de dificuldade às quais os aprendizes iam tendo acesso ao vencer a série anterior” (p. 181). Eram utilizadas tanto nas disciplinas instrumentais como nas disciplinas de formação geral. Para a autora, esse ´método´ se aproxima dos postulados de Comte, Dewey e Comenius, mas se distancia do modelo de educação praticado pelas Corporações de Ofícios e das propostas de Pistrak e Makarenko. Desde sua implantação no Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional, do qual Mange foi diretor na década de 1930, até a atualidade, as SMOs vêm sendo modernizadas em decorrência das mudanças operadas nos processos produtivos, mas não deixaram de ser uma educação subordinada às necessidades do capital, de base pragmática e necessária à neutralização da resistência operária e à despersonalização dos indivíduos, já que funcionam como uma barreira aos ´inaptos´ e minimiza qualquer postura crítica à rotina produtiva das empresas.

“Tempos ´Modernos’ no Brasil? O parque fabril brasileiro e as iniciativas senasianas”, de Desiré Luciane Dominschek, analisa alguns aspectos da constituição das escolas do Senai, fundado em 1942, tendo como pano de fundo o processo de industrialização na era Vargas e sua palavra de ordem ´a disciplinarização do trabalho’, bem como a reforma educacional de Gustavo Capanema. Aqui reaparece novamente a figura emblemática de Roberto Mange, primeiro diretor regional do Senai em São Paulo, e sua pedagogia industrial, baseada no método psicotécnico, na formação sequencial e nas séries metódicas. Essa proposta burguesa de aprendizagem profissional de forte apelo ideológico e que implica a taylorização e alto grau de padronização dos métodos de ensino está na base da constituição das escolas senasianas.

Talita Bordignon, em “O ´intento diferenciador´ das ações governamentais por meio do ensino técnico a partir de 1946”, discute o papel da Comissão Brasileiro-Americana para o Ensino Industrial (CBAI) e a influência do sistema educacional voltado à formação para o trabalho nas diversas esferas da vida do cidadão comum, a partir da segunda metade dos anos 1940, no contexto da ideologia nacional-desenvolvimentista. A partir da análise do Boletim do CBAI, órgão que funcionou entre 1946-1961, a autora indica que a preocupação central não se restringia à formação profissional, mas à formação moral, ideológica e cultural dos indivíduos inspirada no modelo norte-americano de viver. Além disso, aponta para o papel reservado aos médicos e psicólogos do trabalho em ´ajustar´ os indivíduos à sociedade e ao trabalho industrial, mesmo aqueles que tivessem ´capacidades reduzidas´ em relação à maioria considerada ´normal´.

O texto “O empresariado industrial nacional e seus projetos educacionais: a dialética da formação humana entre as décadas de 1970 e 1980”, de Jane Maria dos Santos Reis, problematiza a categoria formação humana na perspectiva dialética, a partir das demandas de trabalhadores pelo empresariado industrial no período considerado, visando identificar as representações dos empresários acerca da educação dos trabalhadores. Partindo da hipótese de que “os projetos educacionais do empresariado mineiro (…) são funcionais ao processo de acumulação do capital via desenvolvimento econômico de caráter dependente e combinado (…)” (p. 241), a autora conclui que os projetos educacionais visam subordinar o sistema educacional aos interesses do empresariado. Entretanto, considerando o debate proposto pela autora, a discussão ficaria mais rica com o aprofundamento sobre a improdutividade da escola produtiva, ou sobre os vínculos e desvínculos da relação trabalho-educação, e sobre a existência (ou não) de uma burguesia nacional.

Fechando a segunda e última parte da coletânea, Joice Estacheski e Rita de Cássia da Silva Oliveira discutem “A educação profissional de base politécnica: desafio para o estado do Paraná”, a partir de um olhar crítico sobre essa modalidade de ensino proposta pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Para isso, as autoras abordam as Diretrizes Curriculares da Educação Profissional do Estado do Paraná, construída em 2006, pautada no ‘trabalho como princípio educativo’ e nos pressupostos gramscianos da ‘escola unitária’ e apresentam uma pesquisa realizada com docentes dessa modalidade de ensino. Em relação ao primeiro aspecto, dizem que apesar das diretrizes apontarem para uma formação omnilateral, “as forças conjunturais do atual sistema de produção não permitiram sua concretude” (p. 263). O consenso predominante na estrutura da educação é o de se adequar às necessidades do mercado. Nesse sentido, a maioria dos cursos são na modalidade subsequente e não na modalidade integrada, se distanciando assim da perspectiva de romper com a lógica que articula a educação profissional diretamente ao mercado de trabalho. Em relação aos docentes pesquisados, na sua maioria dos cursos subsequentes, apontam que: não foram preparados para superar a visão mercadológica da formação humana; não há clareza sobre a visão ontológica do ser social e, consequentemente, da ‘educação politécnica’ e do ‘trabalho como princípio educativo’; se dividem quanto à existência ou não da dualidade educacional; e que as condições estruturais para a operacionalização dos cursos estão aquém daqueles necessários ao bom funcionamento de cursos que tenham por base a politecnia.

Julio Cesar França Lima – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

História da educação indígena e colonialidade – PESOVENTO et al. (RBHE)

PESOVENTO, A; SÁ, N. P.; SILVA, S. J. História da educação indígena e colonialidade. Cuiabá: EdUFMT, 2012. Resenha de: QUINTERO, Sara Evelin Urrea. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 3 (36), p. 325-330, set,/dez. 2014.

Los pueblos indígenas, sus saberes, tradiciones, formas de ser, hacer y habitar el mundo han estado silenciados o nombrados desde voces occidentales en la mayor parte de la historia; fenómeno que hapermitido construirla en clave europea, desde sus tiempos y espacios constituyendo como lo señala Lander (2000 apud PESOVENTO 2012) una gran narrativa universal.

En la superación de la visión eurocéntrica/colonizadora de esta narrativa, han venido configurándose nuevos marcos teóricos que permiten una lectura desde otras ópticas, haciendo emerger estúdios tanto de los mecanismos de imposición y colonialismo de las culturas, como de las resistencias de las mismas.

El libro História da educação indígena e colonialidade1 de Adriane Pesovento, Nicanor Palhares Sá y Sandra Jorge da Silva (2012, p. 11), se presenta en esa perspectiva utilizando como “[…] fundamento os conceitos relativos à colonialidade, como defendido por Lander (2005), Castro Gómez (2005), baseado em Quijano (2005)”. Para hacer sobresalir la presencia y la resistencia de los pueblos indígenas en la Provincia de Mato Grosso del siglo XIX.

A través de 7 capítulos los autores discuten el proceso educativo colonizador que supera lo escolar, creando mecanismos de subyugación los cuales incluyen discursos, prácticas e imaginarios; legitimadores del modelo modernizador eurocéntrico, como el único posible y verdadero.

En el primer capítulo titulado ‘Saberes locais e o processo civilizatório pós-colonial’ los autores dilucidan un interés por comprender los saberes indígenas a través del reconocimiento de la marginalización a la cual fueron sometidos. Partiendo del concepto ‘gnosis fronteriza’ de Walter Mignolo (2005 apud PESOVENTO, 2012) se presenta un abordaje al conocimiento desde las ópticas historicamente subalternizadas, más que desde las lógicas colonizadores las cuales han opacado y despreciado los saberes diferentes al proyecto epistemológico occidental. Sin embargo, es reconocida la dificultad del acceso a las fuentes, pues estas, en el caso indígena, son dispersas y escasas, además, el silencio es latente en este asunto; es por ello que la búsqueda por comprender esa historia de la educación, inicia entrelazándola con la perspectiva occidental para hallar en registros (como el realizado por Antonio Pires de Campos) y discursos oficiales indicios o datos que posibiliten ampliar la mirada reconociendo la presencia y el saber indígena. Este primer capítulo se vincula con el segundo ‘Aspectos da educação e colonialidade indígena’ ubicado espacio-temporalmente en la capitanía de Mato Grosso, fundada en el año 1748, teniendo al frente a Don Antônio Rolim de Moura. Los estudios, a través de los escritos de Don Antônio permiten comprender los imaginarios construidos por los colonizadores frente a los indios, escritos que los describen como brutales, salvajes, y sin raciocinio por su desinterés frente a la adquisición de bienes propios (teniendo en cuenta que para los colonizadores lusitanos, la ambición y el deseo de vivir com ‘comodidades’ era símbolo de civilidad). Los autores describen algunas medidas educativas del momento, como la sugerencia de enviar índios para Europa, quienes aprenderían a comportarse civilmente, convirtiéndose a su regreso en maestros de los demás, y la catequización por parte de los Jesuitas (A pesar de esta sugerencia la presencia de la Compañía de Jesús no es muy significativa en Mato Grosso; según los autores lo anterior no implica que no hubiese religiosos en el área, por el contrario es posible encontrarlos aún hoy). En este capítulo se reconocen las intenciones políticas detrás de las educativas, en el marco de um período cruzado por las luchas de dominación y ocupación del território entre españoles y portugueses. Por lo cual, para la capitanía Matogrossense y el Directorio de los Indios era fundamental la utilización de

los indígenas como ‘guardianes de las fronteras’, tornándolos fieles al rey de Portugal.

Para el análisis de los aspectos de la educación, los autores recurren al documento donde se informa sobre la creación de comitivas para la búsqueda de Minas de oro y destrucción de Quilombos, organizado por el señor Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

Las descripciones de este viaje permiten conocer un modelo de educación de las comunidades próximas al Rio do Piolho, en donde moraban indígenas, cerca de viviendas de negros, generando relaciones y trocas culturas. Citando a los autores, es posible afirmar que fue “[…] na confluência de culturas que se dava a educação por meio de trocas apropriações e ressignificações dos diversos elementos próprios de cad povo, tecendo e tramando suas histórias para além dos domínios ocidentais e dos saberes coloniais” (PESOVENTO, 2012, p. 35) configurando una circularidad de significados, que pueden ser pensados como micro resistencias.

Finaliza el segundo capítulo reconociendo la permanencia de la colonialidad en el siglo XIX, a pesar de no existir ya el colonialismo com respecto a Portugal. Tal como lo define Mignolo (2004 apud PESOVENTO, 2012) el proyecto para la modernidad no existe sin colonialidad, por lo cual en Mato Grosso que camina hacia esta debieron ser aniquilados y sustituidos los saberes y tradiciones indígenas considerados como saberes incivilizados. Lo anterior sustenta la necesidad de educar al indígena a través de la Catequesis y el trabajo.

El tercer capítulo ‘Thereza Cristina: de colonia militar a colônia indígena’, presenta no sólo los mecanismos colonizadores, sino las resistencias que el pueblo Bororo-coroado generó frente a los processos educativos colonialistas tanto en manos de los militares como posteriormente de los salesianos. Los autores presentan un estudio de los informes oficiales de la época (presentados desde la dirección de la Colonia, la presidencia de la provincia de Mato Grosso, la dirigencia del Directorio de los indios, entre otros entes gubernamentales) que permiten encontrar en los objetivos de la creación de la Colonia (año 1887) um proyecto modernizador que garantizaría el progreso de la provincia de acuerdo con los imaginarios eurocéntricos, en el cual la integración del indígena como mano de obra, serviría en la explotación de la vasta riqueza natural mato-grossense; integración que se daría en tanto e pueblo indígena estuviese ‘civilizado’.

Bajo un ideal evolutivo los indígenas pasarían de un estado primitivo y bárbaro a uno civilizado y euro-céntricamente ‘adecuado’, proceso del cual el colonizador se sentía responsable, esto justificaba no sólo la fuerza utilizada sino la imposición de una cultura sobre otra. Sin embargo, tal como es señalado en el libro, este proceso de subyugación  subalternización no se dio pacíficamente en la colonia Thereza Christina, a pesar de las prácticas violentas y la vivencia al lado del colonizador ‘civilizado’, el proceso educativo (civilizador) era insuficiente; incluso con la posterior incursión de las misiones catequizadoras salesianas y la educación de los hijos indígenas, que servirían como intérpretes, no se consiguieron los objetivos planteados por las élites de la época.

En la misma línea de análisis, en donde el trabajo se constituye no sólo como el medio educativo sino como el objetivo mismo en el proceso civilizatorio, se presenta el cuarto capítulo ‘O trabalho como possibilidade de educar os indígenas’. A través del estudio de registros históricos (informes y correspondencias oficiales de la época) es realizada una reflexión teórica sobre el trabajo y la educación indígena como conceptos enlazados en la colonización de los pueblos indígenas mato-grossenses. Educación que no se limita al escenario escolar, constituyéndose en un fenómeno que permea discursos y prácticas cotidianas buscando inserir a los indígenas en el mundo occidental a través del trabajo y para este mismo, ya que era reconocida la necesidad de mano de obra en la explotación de la riqueza natural del estado. Sin embargo, los autores encuentran cautelas y silencios en los documentos frente al uso de mano de obra indígena, presentándose como uma recomendación que auxiliaría la ‘civilización’; permitiendo visualizar nuevamente el imaginario colonialista, que ubica a sus autoridades em estatus de héroes, redentores de la provincia, velando por el progreso y el buen curso de Mato Grosso hacia la modernidad.

La cultura tradicional indígena calificada como bárbara, primitiva, perezosa y salvaje, reforzaba la idea de inferioridad con respecto al colonizador, que era dotado por tanto de legitimidad para ‘civilizar’ estos pueblos a través de diversas formas: la fe cristiana, el trabajo, la fuerza e incluso la violencia, como lo relatan los autores en este capítulo.

Dichos procesos civilizadores poseen, además, un claro interés em borrar las huellas de las tradiciones indígenas que estuviesen en contra de las formas eurocéntricas, sin embargo algunas voces pueden ser descubiertas, aún, en registros oficiales, para desentrañar saberes y costumbres de los pueblos indígenas; es así como en el quinto capítulo ‘Imbuére: educação Apiaká’ , los autores recurren al documento Sobre los usos, costumbres y lenguaje de los Apiaccás, y el descubrimiento de las nuevas minas en la provincia de Mato Grosso, publicado por e Instituto Geográfico Brasileiro en el año 1844, para estudiar los mecanismos utilizados en la enseñanza, y el sentido que los Pueblo indígenas daban a la educación. Es importante señalar que la publicación de este documento se da en el marco de la búsqueda por crear uma identidad nacional, con la incorporación de los indígenas a través de su ‘civilización’.

Los autores, reconocen en el documento un proceso educativo que se da en la vida misma de los Apiaká, no se reduce a la idea occidental de control de los procesos de aprendizaje, pues este se genera en la cotidianidad, en la interacción, transmisión y recreación de sus sabere tradicionales, por lo cual describen las diversas prácticas educativas y la importancia de ellas en la permanencia de la cultura a través del tiempo.

La creación de imaginarios sociales se constituye, también, en uma herramienta educativa; es así como en el sexto capítulo ‘Um nome Occidental para un Terena: Alexander Buenose presenta la configuración de una imagen del indígena ‘civilizado’ que comprende su lugar en la jerarquía social y lucha por los intereses colonialistas en Mato Grosso de finales del siglo XIX. De acuerdo a los autores, el estúdio sobre este capitán, altamente influyente debido a su origen indígena y posteriores acciones militares, trasparece los mecanismos de construcción de modelos de comportamiento para los indígenas, que permitirían no sólo la ‘pacificación’ y ‘civilización’ de estos, sino la creación de un ambiente tranquilo para la sociedad no india, en tanto demostraría la capacidad de las élites en transformar los hábitos, costumbres y conductas indígenas.

El capítulo final titulado ‘A educação pós-colonial em O Selvagem’ cierra esta publicación presentando un estudio sobre la historia de la educación indígena a partir del documento O Selvagem de Couto de Magalhães (apud PESOVENTO, 2012) de finales del sigl XIX; el cual representa un registro valioso para la comprensión de la propuesta civilizatoria de este período. Los autores señalan cómo e amplio conocimiento de Magalhães sobre el territorio mato-grossense le permitía hablar con mayor facilidad sobre las características de los pueblos indígenas y por tanto de sus ‘necesidades’ educativas, visión que estaba dada desde un lugar colonialista y occidental, el cual, a través de una racismo epistemológico, negaba los saberes y mecanismos de transmisión y aprendizaje de los indígenas, para imponer las formas eurocéntricas de educación, que a su vez se presentaban como las redentoras de la cultura en el proceso de modernización de Mato Grosso.

Esta publicación consigue, a partir de los anteriores estudios, su propósito de hacer emerger la historia de la educación indígena desde dos ópticas diferentes, tanto la educación para el indígena como herramienta fundamental en los procesos ‘civilizatorios’ y colonizadores, como aquella propia de los pueblos indígenas que hacía resistencia a la imposición eurocéntrica, y velaba por la permanencia de la cultura y saberes locales. Es por ello que el libro Historia da educação indígena e colonialidade se hace relevante y cobra notable importancia para la historia de la educación mato-grossense y brasilera, y para la apertura investigativa hacia nuevos territorios y objetos de pesquisa.

Notas

1Estudio originado de las discusiones e investigaciones realizadas en el Grupo de

Pesquisa en Educación, Historia y Memoria (GEM) de la Universidad Federal de

Mato Grosso.

Sara Evelin Urrea Quintero – Licenciatura em Gestão Educativa pela Universidade de San Buenaventura –USB (2011). Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade

Federal de Mato Grosso (PPGE/IE/UFMT) pelo Convênio Organização dos Estados

Americanos (OEA) Grupo COIMBRA. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), integrante do Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória (GEM) da UFMT. Email: [email protected]

Acessar publicação original

História de la Educación Adventista: uma visión global – GREENLEAF (RBHE)

GREENLEAF, Floyd. História de la Educación Adventista: uma visión global. Forda: Editora: Associación Casa Editora Sudamericana, Adventus, 2010. Resenha de: CARVALHO, Francisco Luiz Gomes de; CARVALHO, Dayse Karoline S. S. de. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 2 (35), p. 295-299, maio/ago. 2014.

Floyd Greenleaf é doutor em História pela University of Tenessee e sua obra tem marcas indeléveis de alguém que tendo participado da história da educação adventista reflete a partir de um lugar especial, do participante, que busca na investigação escrever a história além de debater assuntos fundamentais.

A primeira parte (Los Comienzos 1872 – 1920) compreende os primeiros nove capítulos e indica que neste período a Denominação se institucionalizou de forma a ter êxito no cumprimento da evangelização que fundamentava sua missão. Destaca-se a importância atribuída aos escritos de Ellen G. White para o surgimento das instituições educacionais adventistas e estabelecimento dos princípios fundamentais que lançaram as bases para a organização, identidade e propósito deste empreendimento denominacional.

A primeira parte do livro discorre sobre o surgimento das primeiras escolas, as dificuldades enfrentadas no estabelecimento das instituições escolares com princípios singulares, bem como inventaria as direções tomadas pela administração eclesiástica a fim de fazer da educação adventista um empreendimento pragmático e idealista com marcas próprias. Pois que,

Nada podría ser más idealista en términos filosóficos que basar la educación en la creencia de que los seres humanos necesitan la redención espiritual porque han caído del estado perfecto en el que fueron creados por Dios y de que es preciso que las instituciones educativas sirvan a la missión de la iglesia, […]. (GREENLEAF, 2010, p. 51).

Fica assinalado nesta primeira parte que o projeto denominacional e suas marcas foram produto não somente da filosofia de Ellen G. White e da disposição administrativo-eclesiástica, mas também do contexto cultural dos Estados Unidos que no século XIX apresentava-se permeado por uma tendência pragmática que começou a ser filosofia prevalecente na educação estadunidense. Afinal de contas,

Apoyándose en la filosofia del francés Jean Jacques Rousseau, el suizo Johann Pestalozzi y el alemán Friedrich Froebel, una generación de educadores de los Estados Unidos, dirigidos por John Dewey, debatieron la naturaliza de la niñez, las necesidades de los niños y su función en la sociedade, todo lo cual dio lugar a nuevas prácticas educacionales (GREENLEAF, 2010, p. 82).

A segunda parte do livro congrega os capítulos de dez a catorze e intitula-se Los Años Intermedios (1920 – 1945). Atenção é dada às dificuldades enfrentadas pelas instituições educacionais no período entre as duas guerras mundiais nos mais diversos contextos. Habilmente sucinto, mas com esmero de historiador, Greenleaf flagra o impacto das tensões sociopolíticas no incipiente sistema educacional adventista. Assim que, “Las escuelas compartián elementos en común pero no eran uniformes porque reflejaban las sociedades en las que funcionaban y respondián a las necesidades de su contexto cultural” (GREENLEAF, 2010, p. 223).

Diversas informações são apresentadas acerca de como as importantes mudanças sociais, políticas, econômicas e filosóficas ocorridas neste período afetaram a concepção de educação acalentada pelos lideres denominacionais, bem como seus desdobramentos influenciaram os rumos do empreendimento educacional. Afinal, “[…] las instituciones educativas y los docentes adventistas no deberían aislarse del campo más amplio de educación que trasciende los límites de la iglesia” (GREENLEAF, 2010, p. 303).

A segunda parte da obra se fecha com os reflexos das tendências de modernização que impactaram a educação adventista em seus diversos níveis. À época, a educação denominacional tinha três objetivos que a distinguiam, a saber: a) manter “dentro” da igreja os filhos de adventistas; b) preparar obreiros denominacionais; e c) ser pioneira na evangelização em países não cristãos e em desenvolvimento.

Años de Realizaciones y Desafios (1945 – 2000) titula a terceira parte e encerra a obra. Nela o autor com bastante escrutínio capta os principais desafios da educação adventista no período acima demarcado e indica que o que sempre esteve como pano de fundo das provas enfrentadas era o conceito de sistema educacional e sua fundamentação filosófica confessional.

Para o autor, o grande crescimento da educação superior adventista no mundo se bem que foi supervisionado pelo Departamento de Educação da Denominação, se produziu especialmente segundo as disposições dos governos que, por sua vez atuaram balizados pelo marco nacionalista pós-guerra. Tal realidade demandou medidas denominacionais cujo principal objetivo era gerar “[…] una similitud de prácticas educativas en la educación denominacional […]” (GREENLEAF, 2010, p. 380).

Ao registrar as dificuldades enfrentadas pelas instituições educacionais adventistas em países governados por regimes socialistas, especialmente aqueles com perfil restritivo e intolerante ao Cristianismo, o autor apresenta que, mesmo em ambientes adversos a educação adventista conseguiu implantar-se e lograr aparente êxito. Para tanto, o empreendimento denominacional não protagonizou movimentos de vanguarda, mas se aproveitou de concessões governamentais, como também identificou as fissuras das politicas socioeconômicas para delas desfrutar. Em suma, “[…] la educación adventista había sido parte de una resistencia silenciosa y pacífica […] más poderosa que la filosofia y la política del autoritarismo y la exclusión” (GREENLEAF, 2010, p. 456).

Entre os assuntos que ocuparam a pauta dos debates denominacionais e que exerceram uma forte pressão externa sobre o controle denominacional da educação destacaram-se: a liberdade acadêmica e a ajuda financeira do Estado. Se por um lado, a administração eclesiástica adotou uma postura restritiva e regulatória a fim de manter sob domínio a pesquisa e publicação de conhecimento dos professores dos mais renomados Centros Universitários Adventistas, por outro promoveu a criação de Institutos de Pesquisa e fomentou encontros acadêmicos. Tal estratégia contribuiu para consolidar crenças fundamentais da Igreja, ratificar a limitação de liberdade acadêmica e formular uma cosmovisão bíblica segundo a qual se reconhece o valor dos estudos científicos para as aulas nas instituições educacionais adventistas, no entanto, nega “[…] a la ciencia el derecho de ser el árbitro final de la verdad cuando los investigadores percibían desarmonía entre la interpretación de la Biblia y la información empírica […]” (GREENLEAF, 2010, p. 465).

No que se refere à ajuda governamental, a Igreja ao longo do tempo oscilou em suas recomendações e posturas, em alguns momentos proibindo em outros autorizando. Tal oscilação só pode ser mais bem compreendida à luz das concepções escatológicas que os adventistas mantém em seu escopo doutrinário.

Ao fazermos um balanço avaliativo podemos indicar as contribuições da obra, bem como seus pontos deficitários. Entre as contribuições no campo da história da educação adventista e historiografia, destacamos as seguintes:

  1. a) Com acuidade primorosa o autor flagra como o paradigma norte-americano de matriz colonial se constituiu como modelo para as escolas adventistas ao redor do mundo apesar das adaptações empreendidas. Mas com louvor, assevera as nuances das mudanças do modus operandi que se afirmaram nas mais diversas partes do mundo;
  2. b) Indica-nos vários paralelismos que caracterizaram as instituições educacionais adventistas no seu berço de nascimento (Estados Unidos da América), todavia, destaca que, mesmo entre as similitudes há diversidade na aplicação da filosofia expressada por Ellen G. White.
  3. c) Especialmente significante é perceber o empreendimento denominacional estreitamente relacionado às teias complexas do processo histórico em curso na segunda metade do século XIX na sociedade estadunidense, especificamente no que tange às reformas educacionais implementadas na época.
  4. d) autor aponta as tensões do processo histórico da expansão mundial de uma educação fortemente calcada em processos civilizatórios de moldes coloniais.

Entre os débitos da obra e que se configura inerente àquelas que pretendem apresentar a história na perspectiva global é passar por alto personagens e eventos que se abordados na perspectiva da micro-história ou mesmo do paradigma indiciário, certamente teriam o protagonismo reconhecido.

A abordagem das questões referentes aos confrontos culturais, étnicos e religiosos típicos de uma empreitada evangelizadora de moldes coloniais é feita na perspectiva triunfalista dos princípios e valores ocidentais propagandeados pelo empreendimento denominacional.

O autor não entrega em ‘pratos limpos’ seu referencial teórico, no entanto, o leitor atento perceberá que a obra rompe com a concepção histórica de explicações fundadas somente nos argumentos de cunho espiritual e orientados pela força matriz do sobrenatural, típicas do fazer histórico do insider da Denominação religiosa. Ao exercitar a acuidade o leitor identificará que o livro é iluminado por uma concepção histórica que considera o ‘ir o devir’ e que se apresenta atenta às tensões recorrentes do processo histórico, além de questionar as fontes revelando suas contradições. Além da dialética que subjaz o fazer do historiador, é possível identificar as marcas de reverberações weberianas que se entremeiam na tessitura da história institucional adventista.

Francisco Luiz Gomes de Carvalho – Doutorando em Ciência da Religião (UFJF), Mestre em Ciências da Religião (PUC-SP). E-mail: [email protected].

Dayse Karoline S. S. de Carvalho – Mestre em Educação: Psicologia da Educação (PUC-SP) Especialista em Psicopedagogia (UNASP). E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

Historia de la Educación en Chile (1810-2010) – SERRANO (RBHE)

SERRANO, Sol; LEÓN, Macarena Ponce de; RENGIFO, Francisca (Orgs.). Historia de la Educación em Chile (1810-2010). Santiago: Editora Taurus, 2012. Resenha De: GARRIDO, Felipe Andres Zurita. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 1 (34), p. 273-279, jan./abr. 2014.

Las publicaciones editadas bajo el nombre Historia de la Educación en Chile (1810 – 2010) son resultado de la investigación La educación ante el riesgo de fragmentación social: ciudadanía, equidad e identidade nacional (2008-2011) financiados por el Consejo Nacional de Investigación Científica y Tecnológica (CONICYT), como así también patrocinados por el Ministerio de Educación y la Pontificia Universidad Católica de Chile. La investigación fue realizada por un amplio y diverso grupo de investigadores dirigidos por la historiadora Sol Serrano.

A modo de consideración inicial, según las organizadoras, este trabajo no correspondería a una ‘historia general’ de la educación chilena, en tanto no tendría la pretensión de abordar todos los periodos y problemas de dicho fenómeno, por el contrario, declaran centrarse exclusivamente en identificar las motivaciones detrás de la instalación y extensión de la escuela, como así también del valor otorgado por diferentes actores a la destreza de la escritura, en otras palabras, su objeto de análisis central radica en responder el por qué y en qué circunstancias la escuela se fue haciendo ‘necesaria’. Por lo mismo la indagación se inicia ‘antes’ de que la escuela existiese fácticamente, apuntando así a recoger la ‘especificidad’ del fenómeno de la instalación y ampliación de la educación en Chile.

También es interesante informar que en este trabajo no hay uma intención por relevar a autores individuales en la elaboración de cada capítulo, de hecho estos no aparecen asociados a un o una autora em particular en gran parte del escrito, intentando así cuidar la idea de ‘obra unitaria’ a un trabajo realizado por varias personas.

En esta reseña se presentará y analizará el contenido de los dos primeros textos de esta colección publicados hasta ahora. El Tomo I Aprender a leer y escribir (1810 – 1880) aborda la características más sobresalientes de la educación desde la llegada de lo conquistadores españoles al actual territorio de Chile hasta fines del sigl XIX cuando lo educativo se mostraba como la política fundamental del Estado. El Capítulo I: Entre la oralidad y la escritura aborda el valor que tuvo la escritura en la ampliación y afianzamiento del Imperio Español em tanto poderosa ‘herramienta burocrático/administrativa’ vital en el control y organización del tiempo y el espacio colonizado, como así también ‘herramienta evangelizadora’ clave en el proceso de imposición del cristianismo. También se aborda la complejidad del encuentro de uma cultura letrada (española) y una cultura oral (indígena).

El Capítulo II: Una nueva comunidad política se centra en analisa el lugar que ocupó la educación en el contexto del proceso de independencia de Chile. Al instalarse un sistema político republicano qu concebía a su población como portadora de la soberanía popular, la educación pasó a ser considerada como la herramienta vital en la ‘formación moral del ciudadano’. Por esta razón, el naciente Estado jugó un claro papel en la organización y provisión educacional para la población. Esta es reconocida como la primera política propriamente pública del Estado chileno, que fue cimentando el camino de l instalación de un Estado Docente y un sistema nacional de educación, donde la Iglesia y la sociedad civil también tenían un espacio de participación importante.

El Capítulo III: Cuántos somos, cuánto saben. Estadística y alfabetización se centra en el análisis del rol jugado por la estadística como herramienta científica de cuantificación de la población y sus características. En ese marco, la escolarización y alfabetización como objetos de medición sufrieron cambios interesantes en la forma de ser abordadas.

En el Capítulo IV: Escuela, comunidad y Estado nacional se revisa la vinculación entre el Estado y la comunidad en torno a la figura de la escuela. Resalta en esta revisión la figura de un Estado que inicialmente más bien acompaña el esfuerzo y deseo de las comunidades locales por tener escuelas para sus hijos, autorizando el funcionamiento y financiando parte del costo de las mismas.

El Capítulo V: Hogar y estrategias familiares frente a la escuela s centra en la pregunta de por qué los niños y niñas no asistían a la escuela o lo hacían con mucha dificultad. A ojos del Estado y de los promotores de la escolarización esto se debía a una falta de compromiso de las familias con el desarrollo de sus propios hijos. Se plantea que la baja matricula y baja asistencia a la escuela se debía más bien a que esta se enfrentaba a la necesidad de las familias por sobrevivir económicamente, en tanto que su estructura precisaba del trabajo de los niños, mientras que por otra parte, el leer y escribir no eran habilidades necesarias aún para trabajar.

En el Capítulo VI: La escuela chilena en territorio mapuche se estudia el papel que jugó la escuela en el seno de dicha población indígena, desde las escuelas misionales creadas desde la época colonial hasta las escuelas del Estado chileno establecidas después de la intervención militar de este último en dicho territorio. En este proceso se muestra cómo la escolarización no fue identificada como una herramienta importante por las familias mapuches hasta antes de la ocupación militar, como así también se analiza cómo el Estado no construyó una política educacional específica para esta población debido fundamentalmente a que se esperaba una ‘integración’ que escondía un creciente proceso de invisibilización de la especificidad cultural del Pueblo Mapuche.

El Capítulo VII: Nuevos actores y nuevos vínculos trata de identificar las transformaciones que fueron realizadas en el proceso de ampliación de la escolarización y la alfabetización, centrándose en la emergencia de nuevos actores y dispositivos, tales como Preceptores, Visitadores e Inspectores, Textos Escolares, Aula. Estos nuevos actores y nuevos materiales son abordados en su complejidad interna y sus dificultades inherentes a un proceso fundacional y de incipiente expansión.

En el Capítulo VIII: Enseñar y aprender se abordan los diferente sistemas de enseñanza utilizados en esta etapa inicial de la escuela, poniendo énfasis en aquellos identificados como los más apropiados y más utilizados en la práctica pedagógica. También se aborda la estrutura curricular y características de los textos escolares entregados a los estudiantes en la escuela.

El Capítulo IX: El balance del siglo releva las características principales que tuvo la escolarización y la alfabetización hasta fines de siglo XIX. Dentro de estas resalta el carácter activo que jugó la población en la demanda social que hizo posible que el Estado levantara escuelas a lo largo del territorio. Se releva además el carácter diferenciado que tuvo la instalación de la escuela, tanto desde una perspectiva geográfica como social. También se identifica como algo importante el carácte centralizado que tuvo la dirección de la escuela en manos del Estado, tanto como oferente y a la vez como regulador. El Tomo II La educación nacional (1880 – 1930) aborda las características y problemas principales de la educación chilena en el passo del siglo XIX al siglo XX. En un contexto de grandes transformaciones económicas y sociales la escuela se comenzó a extender a lugares y sujetos nuevos. En dicho contexto la escuela creció y se institucionalizó, ayudó a democratizar al país en tanto se amplió su cobertura y permitió la emergencia de nuevos actores letrados, sin lograr transformar eso sí las estructuras de una sociedad económica y socialmente desigual.

En el Capítulo I: Liberalismo, democracia y nacionalismo de Sol Serrano se analiza el lugar que ocupó la educación en el contexto político de cambió del siglo XIX al siglo XX, caracterizado por la redefinición del Estado en un contexto de competencia regional y mundial, como así también por la ampliación y complejización del ordenamiento político marcado por la emergencia de nuevos actores. En esta línea, la educación asumió un lugar central en la discusión del tipo de país que se pretendia construir al cumplirse el primer Centenario de la Independencia.

El Capítulo II: Un Chile escolarizado y alfabeto de Macarena Ponce de León analiza las contradicciones y complejidades del importante proceso de ampliación de la cobertura escolar y alfabetización de la población, lo que contrastaba con los altos niveles de ausentismo y deserción escolar de los estudiantes de las familias más pobres del campo y la ciudad.

En el Capítulo III: Escuela y hogar de Francisca Rengifo se aborda la forma en que el Estado y la clase dirigente miró la pobreza de la población chilena. Frente a la situación de precariedad que impedía a las y los niños llegar a la escuela, se asumió el desafío de establecer política de carácter social viabilizadas a través de la institución escolar diversificando así las tareas de la misma. De esta manera, la acción estatal, en asociación a la iniciativa privada de corte caritativo, se reflejó en una limitada asistencia en salud, alimentación y vestimenta a una parte ínfima de los estudiantes más necesitados.

El Capítulo IV: Una nueva pedagogía: la lectura y los saberes de la escuela primaria de Rodrigo Mayorga recoge las discusiones en torno a los lineamientos pedagógicos a utilizar en la escuela, donde es posible observar la intención de ir avanzando desde una comprensión del aprendizaje en base a la memorización a un modelo más reflexivo y creativo. Esto se expresa de manera compleja y a veces contradictoria em la incorporación de lineamientos pedagógicos foráneos junto a la inclusión de nuevas asignaturas y herramientas de enseñanza de la lectoescritura.

En el Capítulo V: Institucionalización de la escuela primaria de Pilar Hevia se analiza el creciente proceso de diferenciación del especi educativo a través del establecimiento de normativas sobre la organización espacial y temporal del mismo. Junto a esto se analizan también transformaciones llevadas a cabo dentro de las escuelas mismas como la inclusión del mobiliario y el cuaderno, que marcaron el establecimiento de una organización material específicamente dedicada al proceso de enseñanza y aprendizaje.

El Capítulo VI: La fuerza de la patria: educación física y ritos cívicos de Josefina Silva y Alejandra Concha aborda las discusiones que acompañaron la incorporación y formalización de la asignatura escolar de Educación Física en la escuela. Estas discusiones se articularon d manera concreta con los proyectos de construcción de la nación y de la ciudadanía en boga.

En el Capítulo VII: El preceptorado como actor social de Iván Núñez y Julio Gajardo se analizan los cambios acaecidos en la formación, organización gremial, condiciones laborales y participación socio-polític de las y los docentes. En el cambio de siglo, este grupo tuvo la capacida de articularse y comenzar a influir en la orientación y elaboración d políticas educacionales, reflejando así su complejización y acumulació de poder en un contexto de ampliación y burocratización crecientes del sistema educacional.

En el Capítulo VIII: Sin tierras ni letras de Daniel Cano se aborda el papel de la escuela en el territorio mapuche apropiado por el Estado. Si bien la población mapuche sometida al nuevo orden político no asumió la escolarización de forma masiva, sí hubo un grupo minoritario que accedió a la escuela convirtiéndose en los primeros mapuches letrados. Estos, poseedores de la herramienta de la escritura, en el futuro y desde posiciones diferentes asumieron liderazgos dentro de su comunidad en la defensa de sus intereses.

En el Capítulo IX: La educación en el pensamiento del movimento obrero se aborda la mirada y valor de la educación que asumieron las organizaciones de trabajadores asociados de orientación anarquista y socialista. Se revisa la complejidad de la mirada hacia la escolarización por parte del movimiento obrero, como así también se reflexiona sobre el carácter letrado de muchos de sus líderes y de la mirada específica com que se evaluó la posesión de dicha destreza.

El Capítulo X: Liceo de hombres. El Estado de pantalones largos aborda la fundación, orientación académica/curricular, ampliación de la oferta, formación de docentes específicos e institucionalización de la escuela secundaria masculina. También se estudia el rol jugado por la misma en la formación de una reducida y a la vez significativa intelectualidad que actuó en el espacio público y productivo, mostrándose como ejemplo de un limitado proceso de movilidad social.

En el Capítulo XI: El liceo fiscal femenino se trabaja la especificidade que asumió la tardía y finalmente explosiva ampliación de la escuela secundaria femenina, marcada por la activa participación de las famílias en su dirección, como así también por el impacto sufrido a nivel social a partir de la emergencia de mujeres cada vez más educadas, tanto en e espacio profesional como político.

Finalmente en el Capítulo XII: La educación para el trabajo se analiza la compleja relación entre escolarización y trabajo, ressaltando principalmente la idea de que el sistema productivo de forma mayoritari no requirió de trabajadores instruidos, situación que favoreció a que la formación educativa no entregara una posibilidad de ascenso o mejoramiento social a los trabajadores, centrándose más bien en u ejercicio de alfabetización y moralización de estos sujetos, evidenciándose así el divorcio entre lo educativo y lo socioeconómico.

Desde una mirada panorámica, se puede afirmar que este trabajo presenta la fortaleza de lograr mantener la estructura de una obra unitária a pesar de ser el resultado de un trabajo colectivo, de esta forma, no se trata del agrupamiento de diferentes capítulos, sino que mantiene la coherencia y unidad necesarias para abordar aquello que es su foco de análisis: cómo y por qué la escuela y la escritura se fueron haciendo necesarias y qué circunstancias especificas la hicieron posible. Esta revisión se hizo a través de la consulta de un amplio e interessante conjunto de fuentes, donde resalta el riguroso y esclarecedor trabajo com indicadores estadísticos de una amplitud temporal importante. Por otra parte, este es un trabajo que presenta ideas e hipótesis propias, que se ponen en diálogo con parte importante de la producción historiográfica nacional e internacional. Si bien hay omisiones importantes, como uma revisión a la Educación Universitaria y a la Educación Pre-Escolar, lo que podría llevar a proponer una modificación del título de este trabajo a Historia de la Escolarización en Chile, se reconoce la calidad y profundidad de las ideas y reflexiones contenidas en el mismo, las que abren caminos de análisis y estudio muy interesantes, tanto para investigadores chilenos como de otros países.

Felipe Andres Zurita Garrido – Profesor de Historia y Ciencias Sociales y Magíster en Educación por la Universidad Academia de Humanismo Cristiano. Estudiante del Doctorado Latinoamericano en Educación de la Universidad Federal de Minas Gerais. Participa del Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação (GEPHE) de la UFMG. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação – FRANCO (RBHE)

FRANCO, Sebastião Pimentel; SÁ, Nicanor Palhares (Org.). Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação. Vitória: EDUFES, 2011. (Coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, 9) Resenha De: FORDE, Gustavo Henrique Araújo. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 2 (32), p. 249-255, maio/ago. 2013.

Há parcerias que apresentam resultados bastante profícuos: a Coleção “Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil” é um deles. Resulta de bem-sucedida parceria entre a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em comemoração ao aniversário de dez anos de existência da primeira.

Publicada pela Edufes, a coleção comprova o êxito notável desse projeto editorial, que busca refletir parte das pesquisas realizadas na última década em História da Educação no Brasil, e leva o leitor a percorrer, de maneira ampla e profunda, diferentes temáticas localizadas em espaços-tempos diversos, sob análises a partir de variadas perspectivas teórico-metodológicas. O volume 9 da coleção, organizado pelos pesquisadores Sebastião Pimentel Franco e Nicanor Palhares Sá e intitulado Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação, é o objeto desta resenha.

O primeiro capítulo do livro, “Mulheres preceptoras no Brasil oitocentista: gênero, sistema social e educação feminina”, de autoria de Maria Celi Chaves Vasconcelos, investiga a construção social do gênero feminino a partir da educação doméstica, realizada por mulheres preceptoras no Brasil. A pesquisa analisa o sistema societário vivido pelas mulheres durante a segunda metade dos Oitocentos (1850-1889) e seus papéis sociais como preceptoras, professoras ou mães/mestras dos filhos, em diálogo com o tipo de educação permitida e/ou negada nessa modalidade educativa.

O artigo de Vasconcelos apresenta as diferenciações de gênero na educação e na infância de meninos e meninas do Brasil e identifica o perfil das mulheres preceptoras e as possibilidades que elas viam para a educação formal. As análises revelam que tais mulheres colaboraram para iniciar as primeiras rupturas na ordem estabelecida, no que diz respeito aos limites e às possibilidades femininas de trabalho, sustento e independência no Brasil dos Oitocentos.

O segundo capítulo, “Gênero e partilha desigual: a escolarização de meninas e meninos nas escolas mineiras do século XIX”, de autoria de Diva do Couto Gontijo Muniz, de boa inspiração poética, com epígrafe em que é citado poema de Carlos Drummond de Andrade, nos convida a questionar a lógica da partilha binária do sistema sexo/ gênero. Com esse fio condutor, a autora observa que as salas mistas constituem uma mudança ocorrida apenas no regime republicano do País.

As análises percorrem os conflituosos processos de instruções públicas, problematizando a lógica de partilha binária e desigual de gênero na instrução pública, que separava meninas e meninos com um atendimento escolar diferenciado, em conformidade com as legislações da época, dedicadas à organização e ao funcionamento das escolas mineiras. A autora finaliza o trabalho, concluindo que, mesmo que o percurso escolar dos meninos oferecesse possibilidades para o mundo do trabalho e da política e o percurso das meninas fosse destinado ao mundo do lar e da família, muitas mulheres não se sujeitaram plenamente às imposições educacionais e sociais da época, tendo optado pelo exercício profissional e pela autonomia financeira a partir do ingresso no magistério.

“O sistema coeducativo nas escolas protestantes em São Paulo (séc. XIX/XX)”, de Jane Soares de Almeida, é o terceiro capítulo do livro. Contextualizando os anos iniciais do século XX a partir dos princípios liberais e da educação marcada pelo conservadorismo dos anos pré-republicanos, a autora afirma que, a partir de 1870, escolas protestantes adeptas da coeducação buscavam ampliar a sua atuação no nosso país, pautadas em seus objetivos igualitários e democráticos, tendo como missão não apenas evangelizar, mas, igualmente, educar os indivíduos no âmbito da moral e da ética.

O artigo ressalta que as missionárias protestantes eram ativas defensoras de ensino igual para os sexos, tendo sido, inclusive, adotado o sistema de classes mistas sob o princípio da coeducação, o que favorecia a igualdade de oportunidades educacionais entre meninos e meninas. Todavia, finaliza concluindo que, apesar das classes mistas e da coeducação, meninos e meninas, na vida social, eram educados separadamente, e o lugar das mulheres seria o lar, fossem elas católicas, protestantes ou de qualquer outra orientação religiosa.

Com foco nos estudos de gênero, o quarto capítulo, “A instrução feminina na visão dos presidentes de províncias do Espírito Santo (1845 – 1888)”, de Sebastião Pimentel Franco, investiga a ação do Estado em favor da ampliação da oferta de escolarização para as mulheres no século XIX. A pesquisa estuda os primeiros passos dados na instrução pública do Espírito Santo oitocentista, pautada na garantia e na ampliação da oferta da escolarização primária às mulheres.

O artigo destaca que a ideia da submissão da mulher foi instalada na sociedade brasileira desde o início da colonização. A partir da terceira década do período oitocentista, com o advento da ideia de que a instrução tiraria o País do atraso e da incivilidade, diz o autor, a mudança desse cenário tornou-se favorável, uma vez que, para formar bons homens, era preciso formar boas mães. Na visão dos dirigentes dessa época, as mulheres eram a força motriz que impulsionaria a sociedade, sendo elas as formadoras e as educadoras das gerações futuras. Esse fato fomentou ações dos dirigentes da província do Espírito Santo, no sentido de garantir o acesso das mulheres à instrução e a ampliação do número delas no magistério. Assim, até o final do século XIX, o magistério primário se transformaria numa atividade feminina.

Em “Educação e perspectiva de gênero no novo mercado de trabalho vitoriense”, o quinto capítulo do livro, de autoria de Maria Beatriz Nader, é analisado o processo que favoreceu, em fins do século XX, que as mulheres vitorienses deixassem a vida doméstica em busca do mercado de trabalho. O artigo faz breve abordagem sobre a história da educação feminina na perspectiva dos estudos de gênero e descreve as alterações na formação instrucional e profissional das mulheres, no período pesquisado, com base no novo segmento profissional terciário representado pelas indústrias de base.

A autora destaca que, ao lado da modernização urbana, que trouxe novas oportunidades educacionais e profissionais às mulheres, impulsionando-as a saírem do âmbito doméstico e a lançarem-se no mercado de trabalho, o período de 1990 a 2000 foi marcado por um maior grau de escolarização feminina, o que contribuiu para que o trabalho doméstico se tornasse algo desprezível para as mulheres. Nader finaliza, concluindo que a qualificação profissional veio a ser significativa na vida das mulheres, na medida em que lhes permitiu maiores e melhores oportunidades no mercado de trabalho, que propiciaram a sua emancipação estrutural, financeira e familiar.

Marcus Vinícius Fonseca é o autor do sexto capítulo do livro, “Entre o cativeiro e a liberdade: a educação das crianças escravas nos debates sobre a Lei do Ventre Livre”, que trata das conexões entre o processo de abolição do trabalho escravo e a educação dos indivíduos oriundos do cativeiro, questão esta que, na análise do autor, mobilizou a sociedade brasileira durante o século XIX, possibilitando, inclusive, algum tipo de instrução para as crianças nascidas livres, de mulheres escravas, a partir da Lei do Ventre Livre, em 1871.

As fontes investigadas pelo autor apontam para a preocupação, na época, com a necessidade de os indivíduos oriundos do cativeiro serem submetidos a uma formação diferente daquela ocorrida no bojo da escravidão, sinalizando que os debates tratavam a abolição da escravatura e a educação dos indivíduos originários do cativeiro como ações paralelas e complementares, ou seja, indicavam que era necessário um processo de educação diferente daquele levado a efeito na escravidão, acompanhando a libertação do ventre; do contrário, as vítimas libertas da escravidão se converteriam em uma ameaça à sociedade.

“Entre a enxada e a caneta: a educação entre imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul (Brasil)”, o sétimo capítulo, de autoria de Maria Catarina Zanini e Miriam de Oliveira Santos, investiga a importância da educação para imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul, analisando o quanto a educação esteve presente na constituição das italianidades desse grupo étnico.

As análises demonstram que a família, vista como instância socializadora e compreendida dentro do contexto religioso e do mundo do trabalho, foi o elemento-chave para a sobrevivência desses imigrantes e descendentes, assegurando a transmissão do capital cultural e econômico e operando como espaço de socialização e preservação de práticas culturais e organizativas responsáveis pela existência cotidiana desses indivíduos.

Na época, o catolicismo de origem rural configurava-se como a religião trazida pelos imigrantes italianos, e muitas das ordens religiosas foram responsáveis por fundar escolas que ofereciam uma educação pragmática e positivista. O ensino, ali, desprezava o excesso de teorias, aproximando-se da visão expressa pelo ditado italiano “a enxada é o mais nobre instrumento do mundo, mais do que o livro e que a espada”.

O oitavo capítulo, “Uma escola luterana nas décadas de 1920 e 1930 no Rio Grande do Sul”, de Martin N. Dreher, registra que, no campo religioso, naquela época, a população estava dividida entre católicos romanos e evangélicos luteranos. Entre os luteranos, havia a instrução primária e a secundária. O ensino era bilíngue; a alfabetização se iniciava com a língua materna alemã e, posteriormente, sob a perspectiva do Estado Novo, as escolas comunitárias das colônias alemãs “desnacionalizavam” as crianças.

O artigo traz uma possível reconstrução do currículo da Escola Allemã de Montenegro, na qual grande importância foi dada ao estudo da organização social e política do Rio Grande do Sul; e, igualmente, apresenta uma possível reconstrução dos métodos de ensino utilizados nessas escolas comunitárias coloniais. No primeiro ano escolar, por exemplo, elas se pautavam no lema “escrever menos e falar mais”, evitando, assim, o método utilizado nas escolas brasileiras da época, que estava assentado em “desenhar” e “copiar”. O autor finaliza, apontando a riqueza dessas escolas, que formavam pessoas para o uso perfeito de dois idiomas e para uma futura vida profissional.

O nono capítulo, “Educação, negros e racismo em Mato Grosso na Primeira República”, de Nicanor Palhares Sá e Paulo Divino Ribeiro da Cruz, é uma importante contribuição para suprir a lacuna acerca da história da educação de negros e de mestiços indígenas com negros, em Mato Grosso.

Os autores revisitam conceitos como eurocentrismo, colonialidade do poder e racismo epistemológico. Afirmam eles que, na passagem do século XIX para o XX, o sistema escolar em Mato Grosso foi marcado pela discriminação contra negros, pardos e brancos pobres, ao hierarquizar a sociedade a partir de uma lógica racial e eurocêntrica, numa época em que a população mato-grossense era majoritariamente composta por mestiços de negros e indígenas – as duas raças inferiores, segundo esse pensamento europeu.

As análises dos autores indicam que essa bipolaridade entre brancos e negros influenciava a constituição dos materiais didáticos e das carreiras educacionais do magistério, contribuindo fortemente para o processo de subordinação cultural e simbólica do negro brasileiro.

Em “Educação e lutas populares na história mato-grossense”, décimo capítulo, Artemis Torres investiga a dimensão pedagógica das lutas e dos movimentos populares em busca de seus direitos. Apesar de possuírem um caráter educativo reconhecido, tais movimentos e lutas raramente estão entre os temas de interesse para pesquisa. O autor destaca que várias ações educativas vinculadas aos movimentos sociais estão presentes nos currículos das Faculdades de Educação.

Os movimentos sociais, nessa pesquisa, são compreendidos como instâncias formativas e organizativas potentes para as mudanças sociais. Em vista disso, o autor se debruça a investigar as lutas sociais dos trabalhadores em Mato Grosso, representados pelo movimento popular conhecido como “banditismo”, e outras lutas sociais, como as do movimento dos “sem-terra”, das associações de agricultores, do movimento dos “sem-teto” e dos sindicatos urbanos.

Marlúcia Menezes de Paiva é autora do décimo primeiro capítulo, intitulado “Movimentos de educação popular no Rio Grande do Norte (1958-1964)”. Ela investiga duas experiências educacionais populares. A primeira trata das Escolas Radiofônicas, uma experiência em educação e cultura popular de alfabetização pelo rádio, e a segunda trata da campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, um movimento de educação voltado para as camadas populares; ambas as experiências foram realizadas na cidade de Natal. As Escolas Radiofônicas, destinadas prioritariamente à população rural, estavam assentadas no tripé: professoras-locutoras, monitores e rádio. Já a campanha “De pé no chão também se aprende a ler” esteve baseada na construção de escolas com cobertura de palha e chão de barro batido.

Esse último capítulo do livro ressalta que essas duas experiências de educação popular desenvolviam, ao lado da alfabetização, uma ação pedagógica conscientizadora. As análises priorizam os processos de formação dos professores, os materiais instrucionais e os conteúdos ditos conscientizadores, concluindo a autora que ambas as experiências representaram significativos movimentos sociais populares.

Por fim, o livro Gênero, etnia e movimentos sociais na História da Educação, organizado com maestria, reúne onze artigos que nos oferecem um bom panorama das pesquisas em História da Educação, orientados por três núcleos temáticos (gênero, etnia e movimentos sociais). Todavia, eles estabelecem conexões entre questões de gênero, classe, etnia e lutas sociais, conferindo significativa aderência aos trabalhos. Após a leitura do volume, é possível dizer, com tranquilidade, que se trata de obra imprescindível àqueles e àquelas que se dedicam ao estudo nesses campos de investigação que permeiam os “Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil”, título da coleção que resulta da parceria entre a Sociedade Brasileira de História da Educação e a Universidade Federal do Espírito Santo.

Gustavo Henrique Araújo Forde – Doutorando em Educação – PPGE/UFES. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas – ALVES (RBHE)

ALVES, Claudia; LEITE, Juçara Luzia. Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: MAIA, Manna Nunes. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 261-266, jan./abr. 2013.

Nas últimas décadas, a produção em História da Educação expandiu-se consideravelmente”, como resultado do papel desempenhado tanto pela pós-graduação quanto por instâncias de organização, debate e divulgação da pesquisa histórico-educacional. Ao mesmo tempo, há um processo de inflexão dos modelos interpretativos, referenciais teóricos, objetos de investigação, objetivos, temáticas, fontes documentais, periodizações e metodologias de pesquisa da área.

Articulada a esses processos, houve a publicação de vários estudos que, ao analisarem aspectos da pesquisa histórico-educacional, têm permitido a problematização e (por que não?) renovação de categorias já consagradas. Entre elas, a categoria “intelectual” tornou-se objeto de investigação dos historiadores da educação, cujos trabalhos possibilitaram questionar o viés tradicional de abordagem histórica do tema. Propiciaram, portanto, superar análises que se centravam na exposição das ações e feitos dos considerados grandes personagens, de um lado, ou centradas em perspectivas que apagavam a ação dos sujeitos, de outro. Insere-se, nesses trabalhos, a publicação de Claudia Alves e Juçara Luzia Leite, intitulada Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas, que integra a coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, em comemoração aos dez anos de fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação.

A primeira parte da coletânea procura iluminar o debate teórico com base nas contribuições de pesquisas dos autores que a compõem. No primeiro capítulo, Carlos Eduardo Vieira problematiza o conceito de intelectual a partir da análise das ideias e da trajetória do intelectual paranaense Erasmo Pilotto (1910-1992). A crença no protagonismo do Estado e no papel dos intelectuais, articulada à ideia de que o caminho para a modernidade seria trilhado por meio de investimentos na cultura e na educação, incentivou a militância de Erasmo Pilotto nos referidos campos, por meio da publicação de diferentes materiais, da ação enquanto educador, da criação de inúmeras instituições e grupos e, ainda, da ocupação de posições importantes na esfera política. Por meio do estudo dessa trajetória, o historiador põe em questão aspectos fundamentais do conceito em foco na coletânea, concernentes à construção da identidade dos intelectuais, envolvendo seu engajamento político e suas crenças na modernidade e no papel do Estado.

Em seu trabalho, Marlos Bessa Mendes da Rocha disserta sobre o Decreto-lei Couto Ferraz (1854) que instituiu, pela primeira vez, a educação como um sistema de política pública. Para analisar o referido decreto-lei, com foco na relação entre a história intelectual da política e a história institucional das práticas políticas, Rocha baseia-se em alguns pontos, dentre os quais: o vocabulário normativo da época; os axiomas herdados; os projetos de sociedade, Nação e Estado; a comparação entre o Decreto-lei Couto Ferraz e as leis que o antecederam e sucederam; a concepção de educação na época e a recepção da lei na sociedade. Além disso, o autor destaca a conjuntura da época, em especial o contexto intelectual em que as formulações do decreto-lei foram concebidas. Aqui, a questão conceitual margeia a história das ideias.

Na sequência, Claudia Alves analisa a formação da oficialidade do Exército no século XIX. Os sujeitos de pesquisa selecionados foram os intelectuais militares que desempenharam funções dirigentes e organizativas no Exército e em instâncias da sociedade e do Estado, atores não privilegiados na historiografia. Sem desmerecer o papel desempenhado pela Escola Militar e, a partir do conceito ampliado de formação (que englobaria a dimensão prática, dirigente e política), Alves demonstra que outros espaços no interior do Exército foram determinantes na formação da parcela intelectualizada da oficialidade durante o período investigado.

Amália Dias centra sua análise na dicotomia entre as funções de “intelectuais” e de “trabalhadores” que o magistério secundário enfrentou no pós-1930. De um lado, as leis e projetos implementados durante o Estado Novo puseram em marcha um projeto de profissionalização do magistério de ensino secundário, que o submetia aos parâmetros estatais, ao mesmo tempo que o requisitava como agente do “apostolado cívico”. Por outro lado, houve um movimento de reação organizada em sindicatos, efeito da condição de “trabalhadores do ensino” dos professores secundários, procurando garantir seus direitos e deveres. Nessa análise, Dias evidencia a defasagem entre o elevado prestígio social dos professores e a sua situação econômica, como trabalhadores assalariados, tratando de outra faceta da categoria intelectuais, associada à profissionalização do magistério.

A imprensa constituiu-se historicamente como locus de atuação dos intelectuais, estando fortemente imbricada à própria emergência social desse personagem no século XIX. Na segunda parte da coletânea, estudos que se debruçaram sobre a relação entre intelectuais e imprensa apresentam possibilidades de abordagem sobre esse aspecto. O capítulo de autoria de Bruno Bontempi Júnior aborda o Inquérito sobre a instrução pública em São Paulo, publicado em O Estado de São Paulo”, em que jornalistas e educadores teceram observações a respeito do ensino primário paulista. Uma série de aspectos validou a capacidade desses personagens de dissertarem sobre a situação educacional de São Paulo, que, somada à crescente influência do jornal mencionado, fizeram com que se produzissem e veiculassem discursos educacionais considerados legítimos acerca da situação e dos rumos da instrução pública nesse estado. Recorrendo à noção de expertos de Norberto Bobbio, o autor põe em questão a formação e o pertencimento dos respondentes ao Inquérito, que têm seus discursos potencializados pela ação do jornal.

Em seguida, Clarice Nunes reflete sobre como se tornou possível a afirmação de um grupo de mulheres como intelectuais na sociedade patriarcal do final do século XIX e início do XX. Em uma conjuntura de consolidação da imprensa como canal de difusão de ideias e de mudanças na indústria jornalística e literária, foram abertos espaços nas redações dos jornais e editoras para as mulheres. Por meio da publicação de seus escritos, algumas mulheres conseguiram ultrapassar as fronteiras da casa e da escola. Ou seja, ao se tornarem escritoras, as mulheres ganharam prestígio e visibilidade na sociedade, naquele período, constituindo um grupo novo, embora minoritário na categoria dos intelectuais, potencializado pelo trabalho no magistério.

Maria de Araújo Nepomuceno toma a revista Oeste como objeto de estudo e fonte de pesquisa. Iluminado pelos conceitos de Estado e intelectual de Antonio Gramsci, o estudo identificou que a citada revista foi, gradativamente, mudando sua proposta. Originalmente projetada no âmbito da “sociedade civil” para apresentar intelectuais goianos, a revista foi se constituindo em um veículo divulgador dos princípios político-ideológicos do Estado Novo e de propaganda de Goiânia e do interventor Pedro Ludovico. A ambivalência da atuação dos intelectuais, na sociedade civil e na sociedade política, transparece nas páginas do periódico.

Se a escrita é a forma de expressão evidente do intelectual, o livro é o objeto símbolo desse trabalho. A terceira parte da coletânea traz pesquisa que analisaram livros e seus escritores. André Luiz Bis Pirola faz uma reflexão sobre a obra didática Noções abreviadas de Geografia e História do Espírito Santo, escrita pelo professor Amâncio Pereira. Analisa-o como um documento privilegiado para compreender as disputas e as alianças em torno da correta leitura de história e de educação no esforço de forjar uma “identidade nacional”. Destaca os lugares de memória e os protocolos de pertencimento, em âmbito local, que organizaram a intelectualidade e os seus debates no processo de definição do cânone historiográfico.

No seu trabalho, Maria Arisnete Câmara de Morais estuda duas publicações da escritora Sophia Lyra: Vida íntima das moças de ontem e Rosas de neve. Nelas, Sophia Lyra exterioriza alguns questionamentos, costumes, linguajar, conflitos, problemas e a situação da mulher na década de 1930, assim como traça um painel dos hábitos, tradições e maneiras de ser da sociedade brasileira naquele período. Discorre, portanto, sobre vários assuntos latentes na sociedade na primeira metade do século XX. Por meio da análise desses ensaios, Morais consegue superar a recorrente noção de que as mulheres viviam alienadas da realidade do Brasil naquele período.

Dislane Zerbinatti Moraes toma como objeto de investigação os romances escritos por cinco professores-escritores entre os anos de l920 e l935. Apesar de terem interpretações e posições diferenciadas no campo do magistério, os autores analisados por Moraes têm em comum a utilização da ficção, mais especificamente do romance, como modo de expressão das tensões, expectativas e experiências desses intelectuais enquanto professores. Por conta disso, esses escritos destacam aspectos do contexto educacional da época, visando à produção de algum tipo de transformação na realidade escolar e à obtenção de reconhecimento profissional. O romance, como ferramenta intelectual, abre um campo de expressão de insatisfações, interditado no discurso pacificador dos historiadores da educação no mesmo período.

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira analisa o compêndio História da América, de José Francisco da Rocha Pombo, que inaugurou uma tradição de reflexões críticas à colonização europeia na América Latina, considerando o ensino de história fundamental para conhecer o passado de opressão dos povos latino-americanos, resistir aos padrões civilizatórios e reverter o quadro de atraso da América Latina. Entretanto, essa forma de conceber a colonização não se repetiu nas demais obras do autor. O texto de Taborda coloca, então, em cena, contradições que marcam uma trajetória de vida e produção intelectual, na qual, por vezes, a grande originalidade pode estar no ponto de partida.

As relações entre educação, civilização e modernidade dão o tom dos textos da última parte da coletânea. Em seu estudo, Juçara Luzia Leite assinala que o pós-Primeira Guerra fortaleceu a preocupação sobre a influência do ensino de história nas relações entre povos e nações. No caso dos livros didáticos, sua função educativa e moralizadora aparece nos cuidados de agências de Estado, tratados inclusive em convênios internacionais. A participação de intelectuais, políticos e professores, na construção desses convênios, permite observar o sentido de missão que se autoatribuíam na construção de um projeto civilizatório. Com isso, as reflexões de Leite permitem-nos perceber nuançes do uso social do trabalho intelectual, envolvido por questões que marcam uma época.

Em seu trabalho, Maria Helena Câmara Bastos analisa a atuação de Manoel Francisco Correia, intelectual representativo dos debates que propugnavam o progresso da sociedade brasileira, defendendo avanços na instrução popular. Membro da elite intelectual e política da época, Manoel Francisco Correia pretendia promover os conhecimentos úteis ao progresso da sociedade, assumindo a tarefa de remodelar o imaginário e as práticas pedagógicas no país. Para isso, organizou as Conferências Populares da Freguesia da Glória, espaços privilegiados de discussão de ideias educacionais na cidade do Rio de Janeiro no período de 1873 a 1890. Aspectos da Modernidade, que se anunciam em fins do século XIX, podem ser apreendidos na análise desse intelectual.

Iranilson Buriti de Oliveira estuda algumas imagens construídas por Belisário Penna sobre a educação sanitária, problematizando as aproximações entre os saberes médico e pedagógico. Em uma conjuntura em que os médicos assumiram a responsabilidade de remediar e educar a população, preocupados em mudar a nação a partir da escola, Belisário Penna denunciou as precárias condições sanitárias da maioria das unidades da federação brasileira e fundou a “Liga Pró-Saneamento do Brasil”, em 1918. Oliveira procura compreendê-lo a partir dos seus escritos, mapas de viagem, fotografias, retratos, buscando captar sua perspectiva crítica, mas, também, suas angústias, medos, tensões. O texto convida o leitor a perceber o que a produção de um intelectual projeta como imagem de si.

Ao final, Maria do Amparo Borges Ferro analisa a figura e a atuação do padre Marcos de Araújo Costa na primeira metade do século XIX, que teve grande influência nos diversos setores em Oeiras, antiga capital do Piauí. Embora não tenha ocupado cargos ou funções na burocracia estatal, esse intelectual piauiense lutou contra a ameaça de retorno do Piauí à condição de dependência político-administrativa da província do Maranhão e se dedicou à educação do povo, usando o patrimônio herdado na fundação e manutenção de uma escola para garotos, que se tornou referência para toda a região, entre 1820 e 1850. O texto da autora instiga a atenção para sujeitos que utilizam sua capacidade intelectual para fazer história por meio da educação.

Na presente resenha, tentamos assinalar a contribuição dessa coletânea para os estudos histórico-educacionais. São autores de diferentes regiões do país e de competência reconhecida no campo da História da Educação, que, com suas especificidades, clareza de objetivos e delimitação precisa de suas questões, proporcionaram-nos uma leitura rica e nos dão a oportunidade de pensar, questionar e enriquecer futuros estudos na temática. Ao mesmo tempo, as análises empreendidas em cada estudo são de grande valia para os interessados no passado educacional brasileiro, abordado pelo prisma da ação de um grupo específico de agentes, os intelectuais.

Ao traçar um espectro da pesquisa sobre o tema, Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas traz uma contribuição particular aos estudos sobre a categoria intelectuais, em uma conjuntura em que emergem, cada vez mais, discussões teóricas e metodológicas em torno dela. O livro incentiva os historiadores da educação a fazerem uma (re)leitura de seus trabalhos sobre intelectuais, assim como estimula aqueles que pretendem trabalhar com essa categoria. Para isso, os trabalhos nele publicados indicam vias que podem ser exploradas: itinerários de formação; redes de sociabilidade; escritos; ligações com a formulação de políticas públicas de educação; iniciativas de escolarização lideradas; representações e práticas culturais; contextos sócio-educacionais; itinerários pessoais e coletivos; ambiência cultural; constructos intelectuais de época; lugares frequentados; ideários, leituras e representações.

Manna Nunes Maia – Pedagoga formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Mestre em Educação também pela Universidade Federal Fluminense (UFF).  E-mail:[email protected]

Acessar publicação original

Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX – GALVÃO; LOPES (RBH)

GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; LOPES, Eliane Marta Teixeira (Org.). Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. 146p. Resenha de: LEON, Adriana Duarte. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.32, n.64, dez. 2012

O livro Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX, organizado por Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes, foi lançado recentemente e reúne cinco textos de pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação da UFMG, produzidos especialmente para compor a reflexão apresentada na obra. Os capítulos são diferentes abordagens sobre o mesmo objeto, o Boletim Vida Escolar, que circulou na cidade de Lavras (MG) entre maio de 1907 e novembro de 1908.

Os estudos sobre impressos educacionais são recorrentes no campo da História da Educação, pois possibilitam emergir detalhes das tensões presentes no debate educacional. A imprensa educacional foi produzida de forma mais intensa a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo como material de formação para os professores, considerando a quantidade limitada de compêndios para essa função. No século XX a imprensa educacional amplia sua abordagem e observa-se a criação de impressos vinculados a diferentes instituições.

Boletim Vida Escolar se encaixa nessa lógica, pois era uma publicação do Grupo Escolar de Lavras, inaugurado no dia 13 de maio de 1907. Seu diretor, Firmino Costa, era também o editor do Boletim. O impresso compunha-se de quatro páginas e tinha periodicidade quinzenal, e foram publicados ao todo 34 números. Os textos apresentados no impresso eram didáticos ou pedagógicos, e alguns tinham caráter informativo. Observa-se que o impresso circulou em diversos locais do município e do estado, o que indica ampla divulgação das ideias ali publicadas.

A fim de precisar quem eram os leitores visados pelo editor do Boletim Vida Escolar, Ana Maria de Oliveira Galvão e Mônica Yumi Jinzenji realizaram a análise do impresso sob três ângulos: estudaram as matérias direcionadas para um leitor específico, o conteúdo das temáticas abordadas e, por último, as estratégias discursivas utilizadas pelo editor.

Como estratégia metodológica as autoras categorizam o conteúdo do Boletim de acordo com as três abordagens destacadas, para posteriormente estabelecerem uma interpretação dessa categorização. Sob inspiração de Umberto Eco buscaram identificar os leitores presentes no impresso e concluíram que esse público era masculino e inserido no mundo da escrita, o que transparece, respectivamente, na identificação de formas de tratamento (caríssimos, prezados, conterrâneos e amigos) e no vocabulário utilizado.

Sobre os temas mais tratados no impresso observa-se que o próprio Grupo Escolar recebe o maior destaque, assim como seu diretor. Na construção discursiva, ou nas estratégias discursivas adotadas pelo impresso, percebem-se a valorização de Firmino Costa e o destaque às atividades por ele desenvolvidas em prol do Grupo. Firmino Costa busca convencer o leitor de que está colaborando para o êxito da reforma da instrução no estado, e que os grupos escolares são uma opção moderna e de acordo com o período.

Tratando das construções discursivas presentes no Boletim e buscando identificar o que constitui o bem viver no Grupo Escolar de Lavras, Eliane Marta Teixeira Lopes e Andrea Moreno indicam que parece emergir a valorização da educação na cidade. Acompanhando as preocupações da época, Firmino Costa anuncia o bom trato da saúde e o estímulo a bons hábitos de higiene como característica positiva da escola. Tal ênfase poderia estar relacionada à preocupação da escola em promover uma imagem moderna e atual, e diversos artigos tratam desse tema no Boletim Vida Escolar. Pode-se inferir que a divulgação dessa característica no veículo do Grupo Escolar segue o pensamento higienista da época.

Além disso, o Grupo Escolar anuncia nos seus princípios e métodos uma comparação entre a velha e a nova educação, e chama a atenção para algumas qualidades dessa nova escola: deve ser polida, justa, carinhosa, animada, atraente e prática. Pela análise de tais afirmações pode-se inferir que o Grupo Escolar integra a modernidade urbana como instituição educacional adequada à urbanização do país.

No final do século XIX e no início do século XX o urbano assume características de civilidade acentuada, em oposição ao rural que predominava anteriormente. Cynthia Greive Veiga aponta profundas mudanças nas formas de tratamento entre alunos e professores, pois os castigos e as imposições se tornam menos aceitos na lógica da civilidade. A necessidade de produção de uma matriz urbana de comportamento social está atrelada ao crescimento das cidades. A autora afirma que a escola sempre foi parte da história das cidades, e que o crescimento destas torna necessário reorganizar a vida social.

Considerando a necessidade de regrar a vida urbana e implementar/internalizar os códigos de postura, a “escola estatal pública se desenvolve como fator de alteração da própria rotina das cidades”. Esse é o caso do Grupo Escolar de Lavras, um dos primeiros grupos de Minas a proporem diversas mudanças, até mesmo nas relações entre alunos e professores. No Boletim Vida Escolar Firmino Costa estimula as manifestações de carinho e delicadeza como formas de relacionamento no ambiente escolar. Há uma demarcação das diferenças geracionais, especialmente entre adulto e criança, com destaque para o papel relevante da mãe como responsável pelo cuidado da criança. Enfim, são diversos movimentos que indicam um novo trato do indivíduo e uma atenção à constituição de suas sensibilidades. O Boletim advoga a construção desse novo indivíduo sociável, de acordo com os tempos de civilidade.

É interessante que o repertório pedagógico de Firmino Costa foi construído com base nas ideias circulantes em um espaço de ambiência cultural, mas não se tratava de uma apropriação passiva, era um processo de apropriação e reelaboração, como bem destacam Juliana Cesário Hamdan e Luciano Mendes Faria Filho.

Por intermédio do Boletim, Firmino consegue propiciar visibilidade e circulação às ideias por ele defendidas, dentre as quais destacam-se a defesa do regime republicano, do ensino mútuo e do ensino profissional e a valorização da criança e das relações estabelecidas no interior do Grupo Escolar, enfim, diversas questões que se relacionavam com o período e anunciavam o seu repertório pedagógico.

No primeiro relatório que enviou às autoridades mineiras como diretor, Firmino relata que inaugurou o grupo em 13 de maio e logo publicou o primeiro número do Boletim. Ressalta que no impresso deveriam ser tratados assuntos relativos à instrução e à história do município. Dentre os temas educativos, o ensino profissional é o que mais povoa os textos de Firmino Costa no Boletim. A ideia predominante era de que a educação deveria aproximar o sujeito do trabalho, e que por meio do ensino profissional o governo poderia resolver o problema da educação do povo.

A ideia de que a escola deveria educar para o trabalho começou, lentamente, a ganhar espaço no século XIX, via escolarização dos ofícios manuais, dos Liceus de Artes e Ofícios, das escolas particulares e das instituições filantrópicas. Carla Simone Chamon, Irlen Antônio Gonçalves e Bernardo Jefferson de Oliveira analisam as proposições para o ensino profissional presentes no Boletim Vida Escolar. O processo de escolarização do trabalho ocorre concomitantemente às transformações das relações de trabalho em curso em Minas Gerais e em vários outros estados do país. Com o processo de industrialização, na virada do século XIX para o XX, ocorre um movimento de criação de escolas profissionais que visava alcançar os trabalhadores livres.

O ensino profissional foi incluído na reforma da instrução pública nacional em 1906, e um ano após já se percebem nas páginas do Boletim Vida Escolar estratégias discursivas que buscam convencer os leitores sobre a importância do trabalho e da escola. Nesse caso, preparar para o trabalho podia ser uma estratégia de convencer as famílias a manterem os filhos na escola, pois os índices de evasão eram consideravelmente altos no período.

Nas falas de Firmino Costa transcritas para o Boletim o ensino profissional na escola primária se relaciona à ideia da formação de um sujeito útil a si e à sociedade. Embora se perceba certo destaque no ensino técnico para as classes populares, há também notas que buscam desconstruir essa ideia: “nunca é demais saber um ofício”, afirmava Firmino Costa.

Boletim Vida Escolar é uma possibilidade de investigação sobre diversos aspectos do processo de implementação e operacionalização dos grupos escolares em Lavras e em Minas Gerais. E ler o livro recém-lançado que analisa essa publicação é visitar, por meio do impresso, parte importante da história da escolarização no Brasil, considerando que a criação dos grupos escolares, no início do século XX, marca a ampliação e a complexificação da estrutura da escola pública brasileira..

Adriana Duarte Leon – Doutoranda, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha. 31270-901 Belo Horizonte – MG – Brasil. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

[IF]

Teoria da história e história da educação – Por uma história cultural não culturalista | Sérgio Castanho

CASTANHO S Teoria da História e H da Educação

O campineiro Sérgio Castanho é doutor em educação e professor de história da educação no programa de pós-graduação e nos cursos de graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Educação e Sociedade no Brasil” (HISTEDBR), publicou o livro Teoria da história e história da educação – por uma história cultural não culturalista, em 2010. Entre suas publicações, estão livros, artigos acadêmicos, capítulos de livros, resumos e trabalhos completos em anais de congressos nacionais e internacionais.

Com uma intensa vida acadêmica, Castanho busca despertar o interesse de leitores diversos pela história. Para isso, ele lança mão de uma escrita clara, objetiva e impregnada de um extraordinário gostar, cujo resultado envolve, empolga e, ao mesmo tempo, exige o entendimento de ideias trazidas de outros autores, nos remetendo à consulta de diferentes trabalhos.

A obra aqui resenhada traz uma apresentação da teoria da história em âmbito geral e específico e sua relação com a memória, o tempo presente e a prospecção do futuro, além da análise da história cultural – tratados com base no materialismo histórico de Marx.

É um livro composto de cento e dez páginas, divididas em prefácio, apresentação, dois capítulos, considerações finais, referências bibliográficas, nota sobre o autor e texto de quarta capa de Dermeval Saviani. O prefácio, escrito por José Luís Sanfelice,1 apresenta o conteúdo da obra de forma resumida e bastante envolvente, demonstrando a relevância que tem o estudo feito por Castanho, em especial para a área da história e de forma geral para as outras áreas do conhecimento. Já a apresentação elaborada pelo próprio autor sintetiza seus objetivos com o livro, bem como demonstra o caminho trilhado por ele na pesquisa que antecedeu a obra. Essas duas primeiras partes situam o leitor, dando-lhe subsídios para iniciar a leitura dos capítulos com maior segurança, antevendo o que virá.

O primeiro capítulo, intitulado “Teoria da história”, está subdividido em três partes: Marx e a história; Materialismo histórico, antiestruturalismo, projeto social e defesa da história diante do pós-modernismo; Memória, tempo presente e prospecção do futuro. Nele, Castanho discorre sobre a teoria da história sob o olhar de sua “postura marxiana genesíaca” e de influências vindas das obras de Edward Palmer Thompson e de Josep Fontana. Ele inicia esse capítulo fazendo uma provocação ao leitor, para isso cita Marc Bloch, questionando a utilidade da história. Afirma, logo em seguida, que a história serve, ao menos, para distrair-se e conta como sempre se sentiu entusiasmado ao ler narrativas. A partir daí, Castanho propõe um diálogo com diversas obras de Marx, nas quais se assentam o conceito do materialismo histórico e o da teoria da história produzida pelo historiador.

Afirmando que a história é a própria vida do ser humano (p. 4), o autor a considera, concordando com Marx, a partir de dois aspectos: o global (social) e o unitário (individual), que se fundem o tempo todo nas múltiplas e infindáveis relações sociais, as quais não ferem a unidade histórica, mas sim lhe conferem tendências e dimensões variadas e necessárias a cada contexto social, que servirão como categorias para explicá-lo ou historiá-lo.

No diálogo com Thompson, Castanho resgata o argumento de que “o materialismo histórico é válido […] como orientação geral de conhecimento, teoricamente orientado, de um processo, conhecimento esse que se origina no trato da experiên­cia histórica” (p. 47). De Fontana, o autor vai buscar a ideia de que o historiador deve sustentar seu trabalho com uma metodologia baseada na própria história, considerando, para isso, um tripé composto pela “história (narração), economia política (descrição científica e imparcial do funcionamento da sociedade) e projetos sociais (destinados a resolver problemas do presente)” (p. 49). Para Fontana, cada etapa da evolução social teve sua própria “roupagem”, estando contextualizada em uma visão histórica específica a ela, gerida pelos projetos sociais que expressam a proposta política daquele contexto, projetando seu futuro (evolução da sociedade). Castanho destaca que Marx já havia postulado essa evolução, “mas em harmonia com o desenvolvimento das relações sociais” (p. 50).

Castanho ainda menciona Ellen Meiksins Wood e John Bellamy Foster ao discutir sobre as ideias marxianas no contexto pós-moderno. Segundo uma das citações trazidas,

a lógica de transformação de tudo em mercadoria, de acumulação, maximização do lucro e competição satura toda a ordem social. E entender esse sistema “totalizante” requer exatamente o tipo de conhecimento totalizante que o marxismo oferece e os pós-modernos rejeitam. (Wood, 1999, p. 19)

Assim, Castanho deixa claro que olhar para o contexto social com base em sua totalidade e de dentro dele próprio é essencial. Novamente cita Wood (idem, p. 11) para justificar seu argumento: “[…] nenhum padrão externo de verdade, nenhum referente externo para o conhecimento existe para nós fora dos ‘discursos’ específicos em que vivemos”.

Sobre a memória, o autor constrói seu discurso destacando-a como o aspecto que define a identidade do sujeito e da sociedade, pois é um conceito que se assenta em conhecimentos acumulados pela história de vida de cada um e, portanto, de cada grupo. Já o tempo presente, “da minha geração” (p. 64), como ele afirma, configura-se como objeto da história ou como “fornecedor de categorias para análise da história passada” (p. 73). Ao futuro cabem prospecções, cujo objetivo é o de apontar tendências gerais (p. 71) que podem nortear a detecção de tendências específicas. Isso é possível de ser feito por meio das categorias de análise fornecidas pela memória e pelo tempo presente.

Ainda no primeiro capítulo, o autor explicita que, por suas especificidades, a história pode ser tratada em “dimensões diversas da realidade social” (p. 95), que legitimam seu aspecto específico, sem contudo quebrar a totalidade e a unidade, uma vez que ambas se articulam, gerando assim campos como o da história política, história demográfica, entre outros.

Ao segundo capítulo, cujo título é “História cultural e história da educação”, coube a seguinte subdivisão: Formação da história cultural e história cultural, educação e história da educação. Nessa parte, Castanho, além de explicitar os conceitos de história cultural e história da educação e suas relações, procura, assim como Marx, também ressaltar a “importância da dimensão cultural da existência da humanidade” (p. 75). O posicionamento do autor em relação à história cultural denomina-se contextualista, uma vez que considera imprescindíveis “as relações existentes entre o universo das ideias – ou intelectual – com o da sociedade” (p. 82), ou seja, as ideias têm valor e significação dentro do “contexto social em que são geradas” (p. 82).

A história da cultura e a história da educação constituem-se como campos autônomos, porém com profunda relação de mutualismo, buscando uma na outra (ou nas outras) elementos que tangenciem suas necessidades, auxiliando em suas interpretações e ressignificações.

Ao tecer suas considerações finais, Castanho didaticamente retoma os objetivos postos em sua apresentação no início da obra, dando um destaque para a legitimidade que a história da educação alcançou, em virtude de sua articulação com a “totalidade histórica” (p. 96). Assim, destaca ele, é possível estudar objetos mínimos e específicos, situados em um processo mais amplo, determinado pela história de uma maneira geral, e que em sua visão têm uma identidade marcada pelo materialismo histórico e suas relações de produção material.

Ler essa obra é de fato um deleite histórico, com ênfase em Marx e suas ideias, além de um verdadeiro passeio por importantes conceitos de serem compreendidos com rigor, embora também seja exigente por esses tantos conceitos e fatos citados. Trata-se, certamente, de uma leitura de grande valia aos especialistas ou estudantes da área de história e educação, e também para aqueles, de outras áreas, que queiram ampliar os conhecimentos sobre questões fundamentais para o entendimento da história humana.

Referências

Bloch, Marc. Introdução à história. 6. ed. Trad. de Maria Manuel e Rui Grácio. Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d.         [ Links ]

Fontana, Josep. História: análise do passado e projeto social. Trad. de Luiz Roncari. Bauru, EDUSC, 1998.         [ Links ]

Thompson, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Trad. de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.         [ Links ]

_____. A formação da classe operária inglesa. Trad. de Denise Bottmann. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 3 v., 1987a.

_____. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Trad. de Denise Bottmann. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987b.         [ Links ]

_____. Costumes em comum. Trad. de Rosaura Eichemberg. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.         [ Links ]

_____. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Organização de Antonio Luigi Negro e Sérgio Silva. Campinas, Editora da UNICAMP, 2001.         [ Links ]

Wood, Ellen Meiksins. “Introdução: O que é a agenda pós-moderna?”. In: ______.; Foster, John Bellamy (Orgs.). Em defesa da história: marxismo e pós-modernismo. Trad. de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999. p. 7-22.

Nota

1. Professor titular de história da educação na Faculdade de Educação da UNICAMP e pesquisador vinculado ao HISTEDBR.

Rita de Cássia Ventura Pattaro – É diretora pedagógica da rede particular de ensino na cidade de Indaiatuba/SP e mestranda em educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). E-mail: [email protected].


CASTANHO, Sérgio. Teoria da história e história da educação – por uma história cultural não culturalista (T). Campinas: Editora Autores Associados, 2010, 110 p. Resenha de: PATTARO, Rita de Cássia Ventura. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.17, n.51, set./dez. 2012. Consultar a publicação original [IF].

 

Memória docente: histórias de professores catarinenses (1890-1950) – SILVA; SCHÜROFF (Asphe)

No livro Memória docente: histórias de professores catarinenses (1890-1950), as organizadoras, Vera Lucia Gaspar da Silva e Dilce Schüeroff, transcrevem memórias de professores entendidas como singulares por serem constituídas ao longo da vida escolar em Santa Catarina. A obra foi publicada em 2010 pela editora da Udesc e é resultado do projeto de pesquisa Memória docente: histórias de professores catarinenses (1890-1950).

O livro é constituído pela transcrição de vinte e três relatos ou entrevistas de homens e mulheres que, hoje aposentados, exerceram o ofício de professores em escolas de diversas regiões de Santa Catarina. Leia Mais

Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889) – GONDRA (RBHE)

GONDRA, José Gonçalves. Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889). Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: PAULILO, André Luiz. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 3 (30), p. 235-241, set./dez. 2012

As dificuldades da compreensão histórica do que foi a educação no Império brasileiro são muitas e vão desde o trabalho cotidiano nos acervos públicos e as dificuldades de acesso à documentação até a sofisticada crítica da memória, constituída posteriormente, que o tema exige. É verdade que atualmente a tradição historiográfica republicana, que produziu o enorme vazio a respeito da educação organizada e mantida durante o Império no Brasil, foi superada por um sistematizado esforço de pesquisa e análise. A articulação de grupos de pesquisadores, em torno do período em eventos, como os Seminários de Fontes para a Pesquisa em História da Educação do Século XIX, e a publicação das conclusões de estudos sobre o oitocentos brasileiro vêm mostrando, há mais de uma década e com muita intensidade, que a educação brasileira oitocentista é um período fértil tanto para a problematização de questões atuais do campo educacional quanto da produção historiográfica.

No entanto, ainda há bastante o que fazer, conforme atesta o livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822‑1889). O mais recente esforço para pensar a educação e a instrução nas províncias e na Corte é a obra organizada por José Gonçalves Gondra e Omar Schneider, que reúne, em 15 artigos, uma plêiade de 23 especialistas no estudo da educação no tempo do Império, com o objetivo de “[…] visibilizar as experiências em termos de educação e instrução desenvolvidas na complexa malha provincial e na Capital do Império […]” (p. 13). Trata-se do terceiro volume da coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, iniciativa da editora da Universidade Federal do Espírito Santo e da Sociedade Brasileira de História da Educação. Embora o título delimite o período 1822-1889 como recorte, e a proposta de organização dos capítulos tenha se efetivado em função da abrangência das iniciativas regionais então projetadas e desenvolvidas, as histórias que este livro traz não se prendem aos limites da história institucional e político-administrativa.

As orientações diversas da escrita e a própria diversidade dos autores preservam uma pluralidade de perspectivas que contribui para a compreensão das possibilidades de análise hoje presentes na historiografia. Entre outros, estão presentes investimentos de pesquisa sobre a educação dos índios amansados, sobre o uso dos métodos, dos espaços e dos tempos escolares e acerca das estratégias populares de educação ou de resistência ao modelo oficial de instrução. Cotejar esses diferentes interesses revela um importante trabalho com as categorias da análise histórica. Sob esse aspecto, perpassam o livro desde abordagens ancoradas na utilização de categorias como cultura escolar e forma escolar até a elaboração de instrumentos de análise muito próprios como o de processo escolarizador.

Outra chave de entrada para a leitura é o escopo dos textos. Nos estudos que estão reunidos em Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, há, por um lado, o esforço de síntese e interpretação e, por outro, a organização de inventários empenhados na discussão historiográfica da pesquisa acerca da educação no período. Sobretudo nos textos em que predomina o primeiro tipo de expediente, é possível acompanhar a construção de quadros compreensivos capazes de mostrar os principais resultados das iniciativas educacionais dos governos provinciais. Para as províncias do Amazonas e Pará, Ceará e Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os autores indicam formas de abordar o processo de escolarização das suas sociedades e, principalmente, tecem relações entre o político e o cultural. De outro tipo é o entendimento que os mapeamentos da produção permitem ter. O levantamento dos estudos a respeito da história da educação no Maranhão e Piauí, no Rio de Janeiro, no Paraná, em Alagoas, em Goiás e Mato Grosso, e em Santa Catarina informa sobre a profusão dos objetos de pesquisa e dos meios de análise que vem sendo utilizada no trabalho com o oitocentos brasileiro. Por se tratar de uma diferença de ênfase e não de uma opção entre um expediente e outro, os 15 artigos reunidos neste livro auxiliam na tarefa de compreensão histórica, senão das realizações dos governos provinciais e da Corte, ao menos dos mecanismos explicativos que lhes indiciam as interpretações possíveis. Dessa perspectiva, o texto escrito por Maria Lucia Hilsdorf acerca de São Paulo é exemplar.

Mesmo que, de fato, se beneficie dos diferentes interesses de pesquisa e da pluralidade das perspectivas de análise dos seus autores, Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial é daqueles casos raros de coletânea cuja força está no conjunto, no arranjo obtido pelo livro. Conforme os organizadores esclarecem no prefácio, solicitou-se aos autores que procurassem contemplar a bibliografia existente sobre educação na região, mapear o tipo de documentação disponível e pensar as perspectivas e desafios para a pesquisa em história da educação e instrução nas províncias e na Corte. Outra orientação geral do livro foi observar o emprego dos termos educação e instrução à época. Considerando que, então, a distinção entre as ações sobre os variados aspectos da conduta dos sujeitos sociais e as medidas voltadas para organizar e legitimar a escola na sociedade brasileira pautaram o debate acerca das modalidades de intervenção educativa, sugeriu-se rever e observar o uso dos termos educação e instrução na literatura pedagógica do período. O resultado conseguido, efetivamente, contribui para melhor entendimento da organização do ensino nas províncias e na Corte Imperial e das premissas teórico-metodológicas da sua historiografia. Uma leitura transversal, articulada e integrada, das contribuições que o volume colige mostra-o bem, sobretudo nos quatro pontos indicados pelos organizadores.

Primeiro, a varredura que os artigos realizaram da bibliografia acerca da educação nas províncias e na Corte mostra um importante acúmulo de reflexões. Trata-se de obras que são já clássicos de referência, como nos casos do que José Veríssimo, José Ricardo Pires de Almeida e Primitivo Moacyr publicaram. Há, igualmente, um conjunto de obras que, provenientes do campo da história, tornaram-se referência fundamental para o trabalho com a história da educação, como O Tempo Saquarema de Ilmar Rhollof de Mattos e os trabalhos de Sidney Chalhoub e Eni de Mesquita Samara. No campo específico da história da educação, as produções de, por exemplo, Oscar Thompson, Archimiro Mattos, J. L. Rodrigues, João Craveiro Costa, José Calasans, J. B. Mello, José Mendonça e Abelardo Duarte constituem referências significativas para a historiografia das províncias. Principalmente, chama atenção a profusão das novas produções. Maria Stephanou, Maria Helena Câmara Bastos, Elomar Tambara, Luciano Mendes de Faria Filho, Heloisa Villela e Tarcísio Mauro Vago são nomes que, na última década e meia, vêm consolidando a pesquisa sobre a educação oitocentista com suas publicações. Seus estudos são amplamente referenciados nos artigos editados nesta compilação. Também as teses e dissertações elaboradas nos programas de pós-graduação das universidades de diferentes estados brasileiros vão contribuindo com novas perspectivas de estudo. Nesse aspecto, o levantamento realizado da produção aponta que, de Norte a Sul, há trabalhos representativos da renovação dos estudos sobre o Império. Além da rede de referências que articulam, é relevante dizer que as contribuições reunidas neste volume foram produzidas por autores que igualmente têm publicado trabalhos fundamentais para o entendimento da história da educação oitocentista. Junto aos organizadores, José Gonçalves Gondra e Omar Schneider, colaboraram Adriana Feitosa, Adriana Maria Paulo da Silva, Alessandra Schueler, Berenice Corsetti, César Augusto Castro, Cynthia Greive Veiga, Elizabeth Siqueira, Fátima Neves, Ione de Souza, Irma Rizzini, José Carlos Silva, Leonete Schmidt, Maria das Graças Loiola, Maria Lucia Hilsdorf, Mauricéia Ananias, Samuel Castellanos, Sandra de Abreu, Sônia Maria Araújo e Terciane Luchese.

Depois, o mapeamento das fontes disponíveis para pensar a educação nas províncias e na Corte Imperial esclarece acerca dos caminhos da pesquisa histórica a respeito da escola oitocentista. Sob esse aspecto, Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial constitui um testemunho do quanto têm sido diversificadas as estratégias dos historiadores para definir seus objetos de pesquisa. Todo seu conjunto repõe a profícua discussão sobre as fontes da história da educação que, da última década e meia para cá, orientou grande parte da renovação historiográfica no país. Por um lado, a cuidadosa lembrança dos limites impostos pelas fontes ditas oficiais, como o são os relatórios das inspetorias provinciais e suas comissões, as estatísticas e recenseamentos, as atas e a legislação, não deixa esquecer a necessária crítica das fontes. Por outro lado, acompanha a reflexão sobre o uso de outros tipos de documentação a necessária crítica dos métodos e das categorias de análise empregadas. Assim, mostra-se que o trabalho com impressos, inventários, prestação de contas, listas de compra e de despesas com educação, livros, utensílios e boletins escolares, cartões-postais, fotografias, abaixo-assinados, anais de congresso, entre tantas mais, não tem renovado apenas os temas de pesquisa e sua abordagem, mas a própria elaboração metodológica que a interpretação dessas fontes implica.

Há também a preocupação com as possibilidades e limites da pesquisa sobre os processos de escolarização durante o Império e os desafios que atualmente se impõem aos profissionais deste canteiro da história da educação. A varredura da bibliografia e o mapeamento das fontes que resultam do trabalho realizado para a composição do livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial delineiam-se numa espécie de estado da arte da investigação sobre os processos de escolarização do Brasil oitocentista. O avanço sobre os limites impostos pela historiografia produzida pelos renovadores escolanovistas e por uma certa história das ideias pedagógicas fica marcado tanto pela abrangência e natureza das fontes mobilizadas nas análises, quanto pela prática insistente da crítica historiográfica. No entanto, outras lacunas aparecem e, conforme orientação dos organizadores, são consideradas pelos autores. Não obstante a especificidade dos interesses e das expectativas de pesquisa em cada região, há preocupações muito gerais e indicativas dos espaços para a inovação. É recorrente, por exemplo, a constatação de que ainda se sabe pouco sobre a cultura material das escolas oitocentistas, compreende-se mal a história das redes de ensino constituídas fora das capitais e de que o conhecimento histórico sobre os processos de educação não formais continua precário. De outra parte, a pesquisa sobre a educação e os processos de aprendizagem entre escravos e libertos, as questões relativas aos povos indígenas, as dinâmicas educativas instituídas pelo viés do gênero, da etnia e da geração são igualmente campos ainda pouco lavrados. Também é significativo o número de relações que, segundo os autores, demandam investimento. Precisamente nesse sentido, reconhece-se o pouco que foi feito para se compreender, por exemplo, as relações entre as práticas prescritas e a atuação dos agentes do processo de escolarização; as táticas das populações consideradas escolarizáveis e as estratégias governamentais; a escolarização, a maçonaria e o ensino laico; e as relações das famílias e tutores com a questão da formação.

Finalmente, quarto ponto. A concepção do período em que a educação era um importante instrumento civilizador e a escola seu principal veículo se impõe às principais conclusões das pesquisas. Mesmo diante dos reduzidos números de atendimento escolar, foi por um hábil discurso acerca da educação que se procurou “superar a selvageria pela civilização” (p. 18), articular uma “estratégia civilizadora do povo” (p. 272) ou “promover os progressos civilizadores, materiais e políticos” (p. 446) da nação. E não só nos resultados, os estudos reunidos neste 3º volume da coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação expressam essa compreensão da época, a respeito das medidas tomadas para organizar as escolas e das ações efetuadas sobre a conduta de diferentes sujeitos sociais. Igualmente, os protocolos de leitura construídos pelos autores exploram o caráter civilizatório que então se queria dar à educação pública. A ênfase das análises nas iniciativas do poder público mostram sobretudo que a escola foi uma instituição constituída, justificada e disseminada no Brasil-Império como signo de civilização e progresso. Nesse sentido, além de delinear uma espécie de estado da arte da produção sobre a educação do período e apontar as ainda importantes lacunas da pesquisa, o livro organizado por Gondra e Schneider permite uma revisão das interpretações sobre as realizações da escola oitocentista no país. Trata-se, assim, de um livro útil tanto pelas referências de pesquisa e possibilidades de trabalho que sistematiza quanto pelas leituras que propõe.

A proposta deste volume determinou tarefas gerais a respeito do estudo da história da educação nas províncias e na Corte, que fizeram as análises individuais convergirem em pelo menos outros quatro aspectos. Por um lado, o trabalho de varredura e mapeamento se completa com a identificação dos grupos de pesquisa que atuam no estudo da educação no Império e dos arquivos e acervos que têm sido frequentados. Por outro, na reflexão sobre a história e a historiografia da educação à época, são insistentes a discussão da obra de Primitivo Moacyr e as preocupações com a distância entre o proclamado e prescrito em relação ao vivido e realizado. Assim, primeiro aspecto, o conjunto dos artigos compilados mostra uma rede de grupos de estudo e pesquisa, que indica a importância do trabalho coletivo na consolidação de um campo de investigação. Os relatos apontam que a atuação de pesquisadores vinculados ao GHIMEM/ MA, NEDHEL/MA, NEPHEPE/UFPE, GHENO/UFPB, HISTEDBR, CEDU/UFAL, GEPHE/UFMG, NEPHE/UERJ e GEM/UFMT, por exemplo, vem constituindo pontos de apoio e oportunidade de formação imprescindíveis para a consecução de investigações mais abrangentes e com capacidade comparativa. Decorre desse trabalho conjunto, um segundo aspecto das pesquisas sobre a educação oitocentista que os estudos demarcam com firmeza, o trabalho nos arquivos públicos estaduais. Os arquivos públicos de praticamente todos os estados do país são lembrados e têm uma parte do seu acervo analisada pelos autores. Terceiro aspecto: a obra de Primitivo Moacyr é presença marcante na análise de muitos dos artigos publicados neste livro. A compilação de fontes que ele produziu e as análises que articulou, num esforço de compreensão das iniciativas públicas na área da educação entre 1834 e 1889, são consideradas e discutidas em diferentes momentos e a propósito de diferentes províncias. Sobretudo, compreende-se, de diversas perspectivas, que as interpretações de Primitivo Moacyr precisam ser matizadas quando se quer analisar não só a história da educação no Império, mas também os programas a partir dos quais sua historiografia foi construída.

A respeito das preocupações com a sempre distante relação entre o prescrito e o realizado na educação brasileira, verificada em boa parte dos autores que colaboraram para as muitas realizações do livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, um último comentário. Essa grade de leitura acerca da instrução do oitocentos é o que me pareceu mais próximo dos instrumentos de interpretação de uma história vista do centro, institucional e político-administrativa, presente no livro. Pretender compreender o alcance das iniciativas do poder público e as alterações nas práticas educativas a partir da análise da legislação, dos discursos da prática legislativa e de toda a série de documentos administrativos é operação que continua produzindo resultados. Ao lado do estudo das práticas e instituições da educação nas províncias e na Corte Imperial, o trabalho de reexame e de reescrita da história da educação daquele período atualmente em andamento, e de que este livro é um testemunho, tem sido feito em meio à abordagem desse tipo de documentação. No entanto, o trabalho com esse tipo de fonte não impede a elaboração de outras operações de leitura e interpretação. Nesse sentido e a título de exemplo, a reflexão acerca da relação que os vários grupos sociais que frequentavam a escola mantinham com seu funcionamento e com os mecanismos que aí estavam à disposição, ou sobre os que lhe resistiam, também visibiliza elementos tão fundamentais da situação concreta do fazer ordinário da escola, quanto os que foram manejados sob as vistas das instâncias do poder administrativo. Uma vez mais se trata de evitar a produção de um vazio, agora a respeito das tensões que se estabelecem na sociedade entre as suas várias instituições, entre diferentes grupos sociais e entre os múltiplos sujeitos que vivenciaram o cotidiano escolar.

No momento mesmo em que é revista, a história da educação e da escola oitocentista recebe, com a publicação de Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, um tipo de contribuição que é característica dos períodos de reformulação dos problemas de pesquisa. Ao mesmo tempo em que insiste nos estados da arte e balanços, pratica modelos híbridos de compreensão dos objetos de investigação e sugere novos protocolos de análise e crítica.

André Luiz Paulilo – Professor na Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Thompson: história e formação – BERTUCCI (RBHE)

BERTUCCI, Liane Maria; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda de. Edward P. Thompson: história e formação.  Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. Resenha de: MAYOR, Sarah Teixeira Soutto. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 3 (30), p. 229-234, set./dez. 2012.

Partindo do pressuposto de que a produção de Edward Palmer Thompson pode ajudar, de inúmeras maneiras, a “indagar o fenômeno educacional” na contemporaneidade (p. 10), e de que pouco se recorre às obras deste historiador para pensar a história da educação no Brasil, o livro procura desenvolver uma reflexão sobre a educação, a escolarização e a sua história.

Cabe ressaltar a inserção acadêmica no âmbito da história da educação dos três autores do livro e o diálogo com as obras de Thompson em seus trabalhos. Liane Maria Bertucci é doutora em história pela Universidade Estadual de Campinas e professora de história da educação na Universidade Federal do Paraná; Luciano Mendes de Faria Filho é doutor em educação pela Universidade de São Paulo e professor de história da educação na Universidade Federal de Minas Gerais; e Marcus Aurélio Taborda de Oliveira é doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do programa de pós-graduação em história da educação e em lazer, na Universidade Federal de Minas Gerais.

O livro é dividido em três capítulos. Neles os autores dialogam com as contribuições de Thompson como historiador, com as noções-chave de cultura e experiência, para pensar a escolarização, e com a noção de “fazer-se”, construída pelo autor a partir do estudo da classe operária inglesa, a qual se mostra como possibilidade para pensar a cultura escolar.

Assim, no primeiro capítulo, intitulado “Thompson historiador: Teoria, método e fontes – contribuições para a história da educação”, o leitor tem acesso a “[…] um quadro de possibilidades de Thompson para pensar a produção do conhecimento histórico, seja na educação ou não […]” (p. 13). Já no segundo capítulo, “Experiência e cultura em Thompson: Contribuições para uma história social da escolarização”, o leitor encontrará a problematização do processo de escolarização como “[…] experiência histórica ainda aberta, e não predefinida […]” (p. 13). E por fim, no terceiro capítulo, “Formação como fazer-se, um legado Thompsoniano: Contribuições para a educação”, o livro se volta para a compreensão das formas como a escolarização

[…] pode produzir um sujeito que é, de alguma maneira, formado […] para perpetuar a sociedade, ao mesmo tempo que adquire uma base cultural que permite produzir as condições de resistência a essa mesma sociedade […] (p. 14).

Nos três capítulos, é realizado um diálogo com autores importantes do campo historiográfico, como Peter Burke, Eric Hobsbawm, Marc Bloch, Lucien Febvre e Carlo Ginzburg, assim como com autores que problematizam os currículos e as culturas escolares, a exemplo de Osmar Fávero, Ivor Goodson, Maria do Carmo Martins, André Petitat, Fernando Alvarez-Uria, Julia Varela e Diana Gonçalves Vidal. Há também o diálogo com outros dois importantes autores, principalmente em se tratando das noções de cultura e experiência: Raymond Williams e Walter Benjamin. Dentre as treze obras e textos de Thompson abordados no decorrer do livro, podem ser destacados: “A miséria da teoria” (1981), “A formação da classe operária inglesa” (1987), “Costumes em comum” (1998) e “Folclore, antropologia e história social” (2001).

Ao fim dos capítulos, os autores apresentam um conjunto de trabalhos publicados no Brasil sobre Edward Palmer Thompson e sua produção historiográfica. Vale destacar a importância desta iniciativa para o aprofundamento do debate para aqueles que se interessarem pelas contribuições desse historiador para a pesquisa em educação.

Os autores começam a discussão lançando as seguintes perguntas: “é possível pensar na possibilidade de um Thompson educador? Se sim, em que sentido” (p. 10)? Tomando o cuidado necessário de não “pedagogizar” o historiador, como os próprios autores ressaltam, com o “[…] intuito de preservar o contexto que viu nascer determinado conjunto de reflexões motivadas por um inventário muito particular de problemas […]” (p. 10), há um reconhecimento de que várias são as possibilidades para se pensar o fenômeno educacional e os processos de escolarização por meio do legado de Thompson, destacando-se o que os autores consideram como duas das noções-chave de seu pensamento: a de cultura e a de experiência.

Essas noções, trabalhadas pelo historiador, permitem um alargamento da própria noção de formação, o que de fato, torna-se uma grande contribuição deste livro. Os autores destacam uma ideia bastante defendida por Thompson, de que os diversos sujeitos se formam e se educam “[…] nas mais diversas circunstâncias em que vivem, seja no mundo do trabalho, da família, da comunidade de pares, do lazer, entre muitos outros […]” (p. 11). Nesta perspectiva, Thompson procurou demonstrar, utilizando-se de seus estudos sobre a classe operária inglesa, que as pessoas se autorreconhecem como um grupo com interesses próprios, a partir de suas lutas cotidianas, costumes, leis, práticas religiosas, entre outras.

Interessante destacar que o entendimento da formação para além dos limites da escola torna-se fundamental para a compreensão da própria cultura escolar e dos processos de escolarização, permitindo, assim, a ampliação do olhar sobre o fenômeno educacional. Este entendimento demonstra também a necessidade de se ampliar os olhares acerca dos próprios sujeitos, aspecto bem abordado pelos autores ao se referirem à noção de experiência de Thompson e à sua preocupação em estudar a vida cotidiana de homens e mulheres simples (p. 22). Recusando a superioridade do econômico sobre o sociocultural, o historiador questiona como uma abordagem exclusivamente economicista compreenderia aspectos desse cotidiano, como “[…] os ritmos habituais de trabalho e lazer (ou festas), […] os ritmos intrínsecos ao próprio ato de produzir […]”, as diversas crenças religiosas, entre outras formas de experiência humana (p. 28).

A própria consideração de Thompson sobre a amplitude das fontes e dos problemas torna-se de grande relevância para se pensar as questões propostas pelo livro. Como apontam os autores (p. 35):

[…] o fazer histórico de Thompson é um permanente questionar de nossa compreensão sobre o que considerar documento para o estudo histórico da escola e dos processos educacionais. Da legislação, tradicional, locus de pesquisa dos estudos da área, aos jornais diários de uma cidade, a gama de fontes e a forma de interrogá-las ganham nova perspectiva: aquela que aponta para a necessidade imperiosa de se perceber as relações e tensões sociais que um documento expressa; as marcas muitas vezes sutis das derrotas, as exuberantes expressões das vitórias dos que viveram e lutaram para construir a vida em sociedade.

O trecho final da citação revela um aspecto importante ressaltado pelos autores em outro momento do livro, quando relatam o que, segundo eles, seria uma grande lição deixada por Thompson: “[…] toda regulamentação da vida em sociedade é marcada por conflitos, cuja intensidade deve ser analisada nos termos de quem as viveu […]” (p. 43).

Assim, uma importante contribuição de Edward Thompson pode ser pensada em qualquer processo de formação. Ao propor que a história não é predeterminada, considerando a ação criativa dos homens e mulheres, contribui para pensar a escola, na medida em que aponta que sua ação não ocorre em um “vazio cultural”. Apropriando-se das ideias do historiador, os autores observam que a escola, ao se estruturar como instituição, age “[…] numa situação de grande densidade cultural, na qual as pessoas são produzidas e reconhecidas como sujeitos na e da cultura […]”, sendo preciso reconhecer, assim, “[…] que o processo educativo posto em ação na e pela escola entra em tensão com processos educativos já existentes […]” (p. 46).

Ao abordarem essa densidade cultural, os autores chamam a atenção para os processos históricos que constituíram e constituem a instituição escolar e a escolarização, também culturais, assim como as suas estratégias formativas. Como exemplo, citam a mobilização da sociedade a favor da escola, empreendida pela elite letrada, por meio da qual “[…] as culturas dos pobres e do aprendizado na e pela experiência deveriam ser abandonadas a favor das racionalizadas e racionalizadoras culturas escolares […]” (p. 47).

Os autores ressaltam, assim, que a emergência da escola criou novas formas e padrões de socialização, que tendiam a “[…] afastar as novas gerações, sobretudo das camadas mais pobres, da cultura cultivada pelos ancestrais […]” (p. 52); interrogam “[…] as formas pelas quais os tempos escolares vão ganhando legitimidade e provocando um crescente tensionamento do conjunto dos tempos sociais […]” (p. 61). Chamam a atenção, desta forma, para um longo percurso que precisa ser estudado, dando destaque ao modo como instituições sociais

“[…] vão inventando ou desautorizando tradições culturais e políticas as mais diversas, e sobre as formas como as escolas são chamadas a contribuir com a formação cívica e, por que não, com a espetacularização da política […]” (p. 61).

Com estas reflexões, o livro contribui para pensar novas possibilidades de pesquisa na história da educação e também para desnaturalizar a instituição escolar e os próprios processos de escolarização, inseridos em diferentes contextos históricos, marcados por inquietações de um tempo específico. Traz elementos também para pensar as dimensões da formação como “intimamente relacionadas ao conjunto das experiências dos sujeitos” (p. 52), uma das grandes possibilidades oferecidas pelos trabalhos de Thompson para pensar os estudos em educação. A noção de experiência, cunhada pelo historiador, implica o reconhecimento dos sujeitos como reflexivos, capazes de, em suas ações, construírem continuamente o movimento da história (p. 49).

E, no entendimento de uma educação que se faz nas relações sociais e que extrapola os limites da escola e da sala de aula, dimensão fundamental para a compreensão da própria instituição escolar, os autores retomam a ideia Thompsoniana de “fazer-se”, ou seja, os indivíduos são sujeitos de sua própria formação, de um processo que permite a ideia de emancipação (p. 66). Como observam os autores, fala-se de homens e mulheres, “[…] em sua vida material, em suas relações determinadas, em sua experiência dessas relações, e em sua autoconsciência dessa experiência […]” (p. 69).

Assim, outra importante contribuição é trazida pelo livro a partir das ideias de Edward Palmer Thompson: as diferentes formas de reação dos agentes, no caso os escolares, que precisam ser reconhecidas não como adesão cega às intervenções de diversas instâncias normatizadoras, mas como diálogo. Priorizando a experiência do indivíduo, que, como já referido, não se encontra em “um vazio cultural”, o diálogo “[…] deve considerar tanto a dimensão racional quanto a dimensão sensível postas em prática no ato de formação […]” (p. 71). A experiência consistiria, assim, em um elemento mediador, uma conexão entre processo histórico, determinações culturais e ação humana individual, em permanente tensão.

Entre a determinação e a apropriação, entre a estrutura e o processo, entre a singularidade e a generalização, medeia a experiência. Logo, esse autor não descartaria uma análise ideológica da cultura, mas não a reduziria também à lógica da conspiração, leitura que marca ainda hoje grande parte dos trabalhos em educação no Brasil. Ao propor a dialética entre educação e experiência o autor caracteriza o segundo termo como uma “exploração aberta do mundo de nós mesmos” (p. 80).

Desta forma, experiência é compreendida pelos autores como “[…] própria de indivíduos singulares e é incompatível com os cálculos que reduz homens e mulheres a insumos […]”. Ela é dialógica e “[…] se funda no ser sensível, que está em tensão permanente com as estruturas econômicas, políticas e sociais sintetizadas na cultura […]” (p. 84).

Finalizando, o livro sugere a importância de considerar a tensão entre formas de dominação e resistência, fundamental para se pensar a escola e a escolarização, já que “[…] os indivíduos são partícipes dessa luta, por adesão ou omissão, resistência ou conformação, mas o são em situação […]” (p. 91). Os autores problematizam as possibilidades de formação postas pelo mundo contemporâneo, pautadas pelas ideias de autoconsciência crítica, autodeterminação, autonomia, reciprocidade e mutualismo, que remetem à noção de autoformação trabalhada por Thompson, mas que ainda contrastam com um mundo que parece

[…] marcado pela heteronomia, pela indiferença, pela atualização sem precedentes das formas de dominação, seja pela força das armas ou pela educação dos sentidos, ou simplesmente pela negação do direito à dignidade a grandes contingentes da população mundial […] (p. 92).

E, assim, concluem que a formação, “[…] entendida como processo de autorreflexão, de autoconhecimento, de contínuo fazer-se, inclusive escolar, teria um lugar fundamental para que a sociedade pudesse se organizar em outras bases […]” (p. 93).

Nesse sentido, o livro cumpre o objetivo proposto e revela grandes contribuições para pensar a educação e a escolarização na contemporaneidade, a partir dos estudos do historiador Edward Palmer Thompson. A ideia de formação como um contínuo “fazer-se”, as noções de cultura e experiência e de educação para além do limite escolar podem possibilitar novos olhares para a própria escola e para os sujeitos que dela fazem parte, assim como para as tensões de uma cultura sempre em movimento, que não abarca apenas perspectivas de conformação, mas, como lembram os autores, possibilidades de reinvenção.

Sarah Teixeira Soutto Mayor –  Mestre em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Integrante do NUPES/UFMG (Núcleo de Pesquisas sobre a Educação dos Sentidos e das Sensibilidades), e do CEMEF/UFMG (Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer).  E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

História da educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI – XAVIER (RBHE)

XAVIER, Libânia; TAMBARA, Elomar; PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira. História da educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: CARVALHO, Fábio Garcez de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

O leitor interessado em conhecer os caminhos que a pesquisa em História da Educação vem trilhando nesse curto século XXI encontrará nos dez volumes da Coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil uma rica coletânea de artigos representativos do debate intelectual no campo. Aos organizadores coube a difícil tarefa de selecionar e organizar uma amostra dessa produção, que tem como marca identitária a pluralidade de abordagens teórico-metodológicas, fruto das mudanças de paradigmas nas Ciências Humanas.

Tal tendência renovadora se faz representar na seleção e organização do volume 5, denominado História da Educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI. O sumário é dividido em três partes que abrange o largo espectro de mudanças da historiografia da educação brasileira nas últimas décadas. A primeira parte é reservada às matrizes interpretativas. Nelas encontraremos os grandes sistemas de pensamento, que forjaram as tradições intelectuais que ainda hoje se fazem presentes no debate acerca da escrita da História em Educação. Na segunda parte privilegia-se o debate sobre métodos, onde são apresentados resultados de pesquisas em curso a partir do uso de diferentes fontes: oralidade, estatísticas educacionais e livro didático. Por último, a temática das novas abordagens se faz representar com a seleção de algumas pesquisas, representativas de tendências renovadoras.

No que se refere à primeira parte, o artigo Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil republicano, de Libânia Xavier, nos oferece um painel apropriado da trajetória da historiografia da educação em relação com o pensamento social brasileiro mediante a operacionalização da definição de matrizes, proposta por Wanderley Guilherme dos Santos. Assim, dispomos de uma grade interpretativa que se propõe a analisar a construção da disciplina História da Educação em sua relação com os intelectuais e sistemas de pensamento que influenciaram de alguma maneira o próprio campo da educação no Brasil, a saber: 1) matriz político-institucional; 2) matriz sociológica; 3) matriz político-ideológica; 4) matriz histórico-cultural (p.20). Além de servir como texto orientador para a organização e seleção dos textos da primeira parte, representa também uma iniciativa de contribuir para o debate acerca das relações da historiografia da educação com o campo educacional, propriamente dito.

Assim sendo, cada um dos textos refere-se a uma matriz específica, diferenciando-se entre si no tipo de abordagem, questão e recorte temático proposto. É o que podemos constatar na leitura de O centenário de Sérgio Buarque de Holanda diz respeito à história da educação, de Marcos Cezar de Freitas. O autor explora as possíveis conexões entre o pensamento educacional de Anísio Teixeira e a historiografia de Sérgio Buarque de Holanda, na concepção intelectual do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Proposta de análise fecunda uma vez que nos remete a uma reflexão acerca de quão complexas foram as imbricações intelectuais que percorreram a construção do campo da pesquisa educacional no Brasil.

Outra análise centrada no intelectual representativo de uma respectiva matriz está presente em Florestan Fernandes e a construção de um padrão científico na educação brasileira, de Marcelo Augusto Totti. Evidencia-se no artigo a função desempenhada por Florestan Fernandes em tornar a sociologia uma disciplina norteadora dos padrões de cientificidade a que carecia, a seu ver, o campo educacional brasileiro. Os artigos supracitados tratam, portanto, de tradições intelectuais que se forjaram no interior do campo da educação brasileira a partir da interseção entre diferentes áreas de conhecimento.

Já os dois artigos seguintes, espelham uma das vertentes de pensamento presente no campo da educação: o marxismo. Em Marxismo e culturalismo: reflexões epistemológicas sobre a pesquisa em História da educação, de Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Jr., o percurso do marxismo na pesquisa educacional – paradigma representativo da matriz político-ideológica – é abordado à luz de uma proposta interpretativa que leva em consideração a militância política e a formação teórica dos respectivos pesquisadores. Perspectiva que se evidenciou fecunda uma vez que os autores articularam a sua condição de testemunho da história com a sua prática de pesquisa no interior da Universidade. O marxismo, assim, torna-se um problema de pesquisa, conforme podemos atestar na própria opção em investigar a presença desse referencial teórico nas dissertações de mestrado da UFSCar entre os anos de 1976-1993. Tal pesquisa resultou no balanço crítico da produção fundamentada no corte temático das instituições escolares, que tem marcado intensamente o campo da história da educação no contexto da renovação historiográfica.

O leitor encontra outras considerações críticas acerca das tendências renovadoras da historiografia educacional em História cultural e educação: questões teórico-metodológicas, de Sérgio Castanho. O autor é claro em sua inquirição à influência da História Cultural na pesquisa em educação na medida em que sugere uma reflexão sobre os seus possíveis limites na abordagem de temas relativos “[…] à profissionalização docente, a temporalidade e a espacialidade escolar, o impacto da passagem da cultura ágrafa à alfabetização e outros âmbitos educacionais específicos” (p.109).

As questões propostas tornam-se instigantes em face da hegemonia da História Cultural nos estudos em História da Educação. Ao propor debater as relações entre os respectivos campos, o autor explicita a sua crítica às concepções que elevam a cultura à causa primeira dos acontecimentos sociais, subordinando o processo histórico a sua dinâmica. De modo geral, é uma questão teórica fundamental que tem colocado em lados opostos defensores e críticos da História Cultural.

Quanto à segunda parte da coletânea, dispomos de quatro textos representativos do impacto das tendências historiográficas renovadoras na escrita em História da Educação. O primeiro deles, Fontes e métodos na história da educação, de Elomar Tambara & Avelino Rosa Oliveira, segue na linha de questionamentos, a partir de uma abordagem marxista, à influência da Nova História. Concordando ou não com as concepções esposadas pelos autores sobre a construção do conhecimento histórico e as críticas às novas tendências historiográficas, o leitor tem em mãos os argumentos críticos às novas metodologias em história da educação que tem resultado na fragmentação do objeto de estudo e o ‘(…) relativo afastamento da idéia de totalidade”(p.160).

Por outro lado para demonstrar a vitalidade da renovação dos estudos em história da educação, o leitor dispõe de A História da Educação conjugada à história Oral em Imagem videográfica, de Bernadeth Maria Pereira. De acordo com a sua análise, a oralidade contribui para a renovação historiográfica sob três perspectivas: 1) destaca-se por sua especificidade metodológica à medida que problematiza a relação entre entrevistado e entrevistador; 2) a oralidade pode trazer à baila a voz dos “excluídos” e dos “esquecidos” para o âmbito da pesquisa acadêmica. Outrossim, a autora demonstra que a contribuição da história oral para a renovação da historiografia educacional não é tão recente quanto se parece, mas remonta aos anos 1970, a exemplo do trabalho de pesquisa de Zeila Dermatini (1979), que focado no estudo da memória de professores, “objetivou trazer à luz o conhecimento de um período ainda bastante desconhecido naquela época sobretudo no tocante ao aspecto educacional em áreas rurais no estado paulista” (p. 182)

Se uma das virtualidades do uso da história oral foi a deampliar o escopo documental dos pesquisadores para além dos dados quantitativos, no artigo Os limites das estatísticas educacionais por aqueles que os produziram, de Natália de Lacerda Gil, somos convidados a uma reflexão crítica sobre um tipo de fonte tradicional, que os historiadores de ofício denominam de fonte serial. No caso do estudo em questão, a autora se debruça sobre as estatísticas educacionais. As certezas quanto a sua objetividade e infalibilidade para orientar as políticas educacionais são postas em cheque a partir de uma investigação de alguns trabalhos estatísticos realizados pelo estado brasileiro no final do século XIX e a primeira metade do século XX. Ao explorar essa produção, a autora, tece a sua argumentação em duas direções: 1) as lacunas que envolvem os problemas técnicos de seleção e operacionalização de dados estatísticos; 2) analisa os discursos, fundamentados no universo simbólico de certezas científicas, que acompanha a construção do saber estatístico em sua aplicação na área da educação. As tensões advindas da interseção entre duas áreas distintas de conhecimento são exploradas com competência, a ponto de, ao final da leitura, ser possível refletir acerca da complexidade do campo educacional. Aliás, convite sugerido pela própria autora ao advogar uma postura crítica dos pesquisadores frente à “apropriação no meio educacional de qualquer conhecimento produzido no meio científico” (p.215).

A segunda parte da coletânea é finalizada com a apresentação de uma pesquisa de doutorado em andamento. O artigo: Pesquisa em História da Educação: localização e seleção de livros didáticos de história do Brasil no contexto republicano, de Kênia Hilda Moreira, é um relato de pesquisa cujo foco é a apresentação dos procedimentos metodológicos para a busca, seleção e construção do corpus documental que, no caso em questão, são os livros didáticos de História. Aliás, uma fonte que apresenta um enorme potencial a ser explorada, conforme defende a autora. Dispomos, então, de um artigo representativo da produção atual em história da educação que, por sua vez, segue os caminhos de renovação historiográfica a partir da incorporação de novas fontes.

Ao chegarmos à terceira parte da coletânea referente às abordagens, encontramos em As novas abordagens no campo da história da educação brasileira, de Antônio Carlos Ferreira Pinheiro, um texto-síntese acerca dos percursos da renovação da História da Educação. Esta é relacionada às mudanças no campo historiográfico, em que despontam três segmentos: a Nova História Cultural, a História Social inglesa e a Micro-história italiana; lugares a partir dos quais os historiadores da educação brasileira têm buscado os seus referenciais teóricos. As experiências de pesquisa com a história oral, de acordo com o autor, têm contribuído para os estudos de história de vida, bem como possibilitado uma “aproximação com as temporalidades mais contemporâneas, ou seja, produzir na perspectiva da história do tempo presente’. (p.257). Este insight nos faz refletir acerca das possibilidades futuras que envolvem o diálogo com a História do Tempo Presente – território ainda inexplorado na comunidade de historiadores da educação.

Em seguida, nos deparamos com dois artigos que corroboram a tendência marcante do uso da oralidade na pesquisa em História da Educação nos últimos dez anos. Sem dúvida é uma metodologia que vem norteando o debate e configurando linhas de pesquisa na pós-graduação. No entanto, o que chama a atenção são os distintos usos a que foi submetida. Em Histórias de vida de destacados educadores no contexto espaço-temporal da história do Rio Grande do Sul, de Maria Helena Menna Barreto Abrahão, a História Oral serve como suporte para a construção da metodologia em História de Vida. Ao advogar a relevância teórico-metodológica dos estudos em História de Vida, a autora trata das implicações desses estudos para a própria formação e profissionalização de professores. Ou seja, a História da Educação imbrica-se com a pesquisa educacional, conforme se explicita no diálogo com a produção bibliográfica de estudos de currículo e de formação docente. Já no artigo História oral e processos de participação nas culturas do escrito, de Ana Maria de Oliveira Galvão, há o relato do desenvolvimento da pesquisa sobre osprocessos de inserção de indivíduos e grupos sujeitos à oralidade na cultura escrita, onde são tecidas algumas considerações críticas acerca das potencialidades e limites dos testemunhos orais. “Afinal, se a ‘história’ oral tem o poder de desmistificar, pode também ser objeto de mistificação, como qualquer outro tipo de fonte” (p. 316). A pesquisa em questão estrutura-se em torno de forte diálogo com a História Cultural.

Seguindo na trilha desse diálogo, o artigo A teoria sobre associações voluntárias como matriz interpretativa das instituições escolares protestantes no Brasil, de Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento, reafirma a riqueza de possibilidades que a História Cultural oferece ao realizar uma pesquisa inovadora sobre as escolas protestantes no Brasil à luz dos escritos de Norbert Elias. Tendo a preocupação de romper com uma visão excessivamente mecânica da circulação das missões protestantes na América latina – vistas como representativa da crescente hegemonia norte-americana no continente -, a investigação traz questões instigantes referentes às conexões entre a dinâmica do protestantismo nos Estados Unidos e a sua expansão no Brasil.

A abordagem em História Cultural, a partir do conceito de representação de Roger Chartier, se faz presente no artigo Arquivo pessoal como fonte para a História da educação: Coleção professor Jerônimo Arantes, Uberlândia-MG (1919-1961), de Sandra Cristina Fagundes de Lima. Nele, a autora discorre sobre a formação do arquivo histórico da cidade de Uberlândia a partir do acervo pessoal do professor Jerônimo de Albuquerque; acervo esse que abrange documentos iconográficos, impressos variados, correspondências e documentos escolares. Esta dimensão da pesquisa, relatada pela autora, motiva uma reflexão acerca da relevância dos arquivos públicos municipais em cidades médias e pequenas em sua tarefa de preservar e organizar documentos locais. Tarefa indispensável para viabilizar os estudos em História Local, ainda ser explorado no País, bem como ampliar as possibilidades de diálogo da História da Educação com essa área de pesquisa.

A despeito das diferenças teórico-metodológicas e de suas polêmicas, cada um dos artigos, a seu modo, contribui para uma reflexão mais ampla sobre os aspectos teórico-metodológicos da escrita em História da Educação. Da mesma maneira que nos permitem refletir sobre questões específicas que acompanham as diferentes matrizes interpretativas.

Por tudo o que foi apresentado, podemos afirmar sem sombra de dúvidas que esta Coleção é um retrato da dimensão a que os estudos em História da Educação assumiram para a pesquisa educacional brasileira. Concordamos com Ângela de Castro Gomes, no prefácio da obra, quando afirma que este “[…] crescimento quantitativo e qualitativo é um ‘fato social’ a ser remarcado, seguindo-se a linha de se pensar a historicamente a História da Educação […]” (p. 13). Nesse sentido, é mister reconhecer a relevância da iniciativa editorial que cumpre o papel estratégico de apresentar para um público mais amplo um panorama do rico e complexo campo da produção intelectual realizada nos programas de pós-graduação em educação das universidades brasileiras.

No tocante ao volume cinco, este objetivo foi amplamente alcançado, pois algumas tendências podem ser destacadas após o término da leitura. A primeira refere-se ao estreitamento do diálogo com a produção historiográfica internacional como fato relevante na reconfiguração da escrita em História em Educação. Fato que se pode constatar de imediato após a consulta aos referenciais bibliográficos, geralmente vinculados à denominada Nova História, mas não exclusivamente. A segunda refere-se à vitalidade da produção nacional, oriunda dos programas de pós-graduação que tem servido como parâmetro para a elaboração de novos projetos, formulação de novas questões e uma reflexão sobre si mesma que demonstra o amadurecimento intelectual e a criatividade imperante nas pesquisas em curso.

Fábio Garcez de Carvalho – Doutorando em História da Educação na Universidade Federal do

Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Estado e políticas educacionais na educação brasileira – SAVIANI (RBHE)

SAVIANI, Dermeval. Estado e políticas educacionais na educação brasileira. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: CASTANHO, Sérgio. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011

Uma fecunda parceria entre a Universidade Federal do Espírito Santo, por sua editora, e a Sociedade Brasileira de História da Educação, para comemorar os dez anos de existência desta última, completados em 28 de setembro de 2009, resultou numa iniciativa editorial das mais importantes: uma dezena de volumes sobre dezeixos temáticos em torno da história da educação. O volume de número 6 é este de que aqui nos ocupamos. Organizado pelo renomado educador Dermeval Saviani, cuja contribuição à história da educação brasileira tem sido das mais relevantes, este livro acrescenta muito à reflexão histórica sobre o papel do Estado nas políticas educacionais no Brasil. Sem mais delongas, passemos ao conteúdo do volume.

Abrindo a coletânea, deparamo-nos com o capítulo de seu organizador, Dermeval Saviani, intitulado “O Estado e a promiscuidade entre o público e o privado na história da educação brasileira”. O autor revela essa “promiscuidade” (termo que ele próprio questiona, mas defendendo sua utilização) entre as esferas pública e privada na educação brasileira. Isso é feito rastreando a simbiose público-privada desde o período da “Educação pública religiosa (1549-1759)” até o atual, objeto da indagação “Educação pública: dever de todos, direito do Estado? (1961-2007)”, passando pelos momentos da “Educação pública estatal confessional” (1759-1827)”, da “Instrução pública e ensino livre (1827-1890)”, da “Instrução pública para os filhos das oligarquias (1890-1931)” e da “Educação pública e industrialismo: o protagonismo das três trindades (1931-1961). Ao chegar à atualidade, Saviani mostra o paroxismo dessa promiscuidade “assumindo novas e variadas formas que estão em curso”. O autor é incisivo na sua crítica: “Tudo se passa como se a educação tivesse deixado de ser assunto de responsabilidade pública a cargo do Estado, transformando-se em questão da alçada da filantropia”. Na conclusão, o caminho aventado por Saviani é o de radicalizar o caráter da educação como coisa pública (res publica): “Republicanizando a educação, estaremos radicalizando uma das promessas da burguesia liberal e, com isso, explorando seu caráter contraditório tendo em vista a superação dessa forma social”.

O segundo artigo, “Estado e cristandade nos primórdios da colonização do Brasil: implicações para a política educacional”, é assinado por José Maria de Paiva, autor clássico no estudo desse período de nossa história da educação. O capítulo traz a marca registrada de Paiva, que imprime a seus trabalhos invulgar profundidade de reflexão e análise, a par de um extremo cuidado no trato com as fontes. A gênese do Estado, na passagem do medievo para a modernidade, é estudada a partir de textos de Tomás de Aquino e John Locke. Referência central no pensamento histórico do autor é a necessidade de partir da cultura social para o entendimento do Estado. É por esse caminho que Paiva chega ao Estado português no período da colonização americana, ininteligível fora do âmbito da cristandade – que é o “modo de ser social” conformador da esfera pública. Como era a relação entre o Estado e a educação? Talvez uma passagem do texto em foco possa contribuir para responder a indagação: “Pela tradição, a escola refletia o religioso, como toda a vida social, mas tinha como objeto o cultivo do que então se entendia por ciência. Pelo papel que lhe cabia – de assegurar a manutenção da cultura – era ofício real; em termos atuais, ofício do Estado”. Realeza, Igreja, Educação – tudo fazia parte de um mesmo bloco, eu quase diria um “bloco histórico”, marcado ademais pela prática mercantil, que na modernidade passou a reclamar o tipo de conhecimento que a escola podia fornecer, basicamente a leitura e a escrita. Do geral o autor passa para o específico, o colégio jesuítico no Brasil. Os jesuítas, no entender de Paiva, foram a única ordem religiosa a estabelecer colégios no Brasil, o que se deve a que a eles, e a mais ninguém, o rei delegou a tarefa de evangelizar os índios e preparar os futuros evangelizadores. Trabalhando com a categoria histórica de “experiência”, o autor mostra que os colégios foram organizados tendo por base a experiência das universidades que os antecederam cronologicamente. Conjugados, os conceitos de cultura social e de experiência dão conta, no trabalho de Paiva, de explicar a política educacional na América colonial portuguesa a cargo dos agentes inacianos.

Ainda trabalhando com esse tema, com fundamentos e propósitos que ora se aproximam ora se afastam do precedente, o artigo terceiro tem o timbre de Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro, intelectual atuante na docência e pesquisa da UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. O título do capítulo é “O Estado e a política educativa dos jesuítas na história da educação brasileira”. Iniciando por evidenciar as raízes da ordem jesuítica no cenário mundial marcado pelo concílio tridentino, Ana Palmira detém-se no estabelecimento e expansão da Companhia em Portugal e seu posicionamento no contexto da Igreja e da Realeza nessa parte da Ibéria. Só então estuda os jesuítas no Brasil, suas províncias, suas casas de profissão, seus colégios e seus seminários. Taxativa, para ela a “história da companhia de Jesus confunde-se com a própria história da educação brasileira colonial”. Alargando a mirada, Ana Palmira afirma que “os jesuítas palmilharam todos os espaços d território colonial: o campo econômico, pacificando e adestrando a mão de obra indígena e negra; a seara política, exercendo forte influência na Coroa Portuguesa e participando das mais importantes decisões de caráter político e religiosa da época; as diversas instâncias da vida cultural, veiculando ideologias literárias, imagéticas e religiosas; e, finalmente, o terreno prático, mediante o exercício do apostolado missionário da educação formal, ministrada nos colégios, e do sermonário religioso, pregado no púlpito das igrejas”. Não resisto à tentação, para usar uma expressão que cabe à talha ao tema em foco, de uma citação final, em que Ana Palmira sintetiza o sentido da educação jesuítica no Brasil: “Nesse sentido, especialmente o ensino religioso, compreendido no seu sentido lato (a catequese, as normas religiosas impostas e obrigatórias, a doutrinação, os castigos, as representações imagéticas, os rituais, os cultos e, principalmente, a pregação), foi a forma mais eficiente de educação daquele tempo, pois doutrinava, simultaneamente, os senhores e os escravos, os possuidores e os despossuídos, os poderosos e os subjugados. Os jesuítas educaram para o êxito da empresa colonial, para a manutenção do status quo de um pequeno grupo e para a instauração de formas de mentalidades peculiares, que ultrapassaram as barreiras daquele período e que perduram, até hoje, como traços característicos da sociedade brasileira”.

O quarto artigo é da uspiana e pesquisadora do CNPq Carlota dos Reis Boto, tendo por título “Pombalismo e escola de estado na história da educação brasileira”. Para a autora, é preciso deixar de lado a ideia de que o ensino público no Brasil foi obra dos republicanos, pois remonta à ação do Marquês de Pombal, bem antes da eclosão da República no país. Boto não se restringe a mapear os feitos pombalinos. Ad astra per aspera: ela procura o caminho mais penoso, pesquisando o iluminismo português, de que Pombal foi adepto e coautor. Vendo uma das características desse iluminismo, a secularização, como “um modo de ser mundo”, ela esclarece por que a educação pombalina, no contexto iluminista, não poderia deixar de ser secularizada, ainda que não laicizada. Em seguida, ela destrincha a vida e obra de três pilares do iluminismo português que estiveram intimamente vinculados à política educacional desencadeada por Pombal: D. Luís da Cunha, Ribeiro Sanches e suas Cartas sobre a educação da mocidade e Verney com seu Verdadeiro método de estudar. Passando das bases teóricas às diretrizes práticas, Boto mostra o que foi e como foi a escola pública traçada por Pombal. Nas conclusões, revisita o legado pombalino, considerando-o como “um modo de ser escola do Estado-Nação”. E considera, fechando o artigo, que a escola pública é “o lugar mais progressista em matéria de educação”.

O capítulo seguinte é de Maria Cristina Gomes Machado e versa sobre “Estado e políticas educacionais no Império brasileiro”. A autora é especialista em educação no Império e já nos havia brindado com seu indispensável Rui Barbosa: pensamento e ação. O problema que Machado coloca e procura resolver no artigo é o de como a educação atuou no período imperial para constituir o Estado-nação no Brasil. Para isso vasculha a política educacional imperial, desde as primeiras iniciativas sob D. Pedro I até o desfecho republicano. Grande destaque é dado às reformas Couto Ferraz (1854) e Leôncio de Carvalho (1879), esta última com mais amplidão por ter ensejado os pareceres de Rui Barbosa. No ocaso do Império – mostra Machado – dá-se a emergência das questões da liberdade de ensino e do caráter religioso ou laico do ensino conduzido pelo Estado.

Segue-se o capítulo de Luís Antônio Cunha sobre essa última questão: “Confessionalismo versus laicidade no ensino público”. Cunha – ou LAC como ele se autorrefere utilizando suas iniciais – principia com uma bem centrada conceituação de “laico” em confronto com “leigo”. Depois disso volta-se para os primórdios da educação na América portuguesa: a educação religiosa no Estado confessional. Nas três décadas finais do século XIX LAC vislumbra o surgimento da laicidade como superação da incomodatícia “simbiose Igreja-Estado”. Essa laicidade (“de elite”, acentua LAC) acaba por marcar a institucionalização do Estado republicano. A despeito da laicidade, o ensino religioso acaba por retornar à política educacional, como forma de “controle político-ideológico”. Entre outras pontuações históricas interessantes, LAC mostra que o manifesto dos “pioneiros” de 32 não teve consequências práticas no tocante à laicidade do ensino público, pois a Igreja Católica saiu-se amplamente vitoriosa na Constituição de 1934. Passando em revista a questão após a era Vargas, atravessando o debate ocasionado pelas vicissitudes da nossa primeira LDB (1961) e a problemática da “religião, moral e civismo na ditadura militar”, Cunha chega aos dias atuais percebendo algo de novo, a “emergência do movimento laico”, que se distingue do laicismo republicano.

Chegamos assim ao sétimo artigo, a cargo da dupla Geraldo Inácio Filho e Maria Aparecida da Silva. Seu título: “Reformas educacionais durante a Primeira República no Brasil (1889-1930)”. A primeira constatação dos autores é que as reformas imperiais deixaram intocado o panorama educacional que vinha do período pombalino: “Dessa forma, a nascente República herdou as escolas isoladas e o descaso com a instrução pública”. A partir desse ponto de partida, não é difícil à dupla mostrar os avanços na política educacional da Primeira República, que implanta os grupos escolares, garante a laicidade do ensino público, promove reformas estaduais significativas e dá ênfase ao ensino primário, vale dizer, ao que na ocasião se poderia entender por “educação popular”. Tópicos especiais do artigo são dedicados à educação de adultos, ao ensino secundário e à educação superior. Nas conclusões, não deixa de causar impacto a constatação dos autores de que as políticas educacionais da Primeira República “não eram formuladas como um projeto de Estado, mas como iniciativas de governo, sem continuidade, após as eleições substitutivas dos governantes”.

O oitavo capítulo, de autoria de Marcus Vinicius da Cunha, tem por título “Estado e escola nova na história da educação brasileira”. O artigo é inovador por não se contentar com as análises correntes da escola nova, que por vezes datam-na do manifesto de 1932, mas aprofunda-se na questão, buscando as origens e bases teóricas do escolanovismo. No Brasil Cunha localiza, na esteira de Antunha, em Oscar Thompson o primeiro ato da cena escolanovista, apesar de seu caráter elitista, que não chega a impressionar o professorado. O interessante é que o autor vê no escolanovismo uma expressão educacional do ideário liberal. E é com esse fundamento que analisa as contribuições de Sampaio Dória, de Lourenço Filho, de Anísio Teixeira, de Francisco Campos e de Fernando Azevedo. Maior destaque vai para Anísio Teixeira, apesar da ressalva de que seus argumentos e conceitos eram “extraídos diretamente da filosofia de Dewey, filha do mesmo ambiente que deu à luz Jefferson”. O último parágrafo é imprescindível: “As iniciativas e as ideias de Anísio Teixeira redefiniram as relações da Escola Nova com o Estado: a realização do Estado Educador exigia, antes de tudo, manter contato íntimo com a sociedade (…). Restava saber se, até que ponto ou até quando o Estado seria sensível essa proposta. A resposta veio em 1964”.

“A política educacional do Estado Novo” é o trabalho com que José Silvério Baia Horta comparece a esta coletânea. Trabalho de historiador, o artigo de Baia Horta garimpa os discursos oficiais do varguismo. E encontra, na política educacional que tais documentos revelam, uma constante: “colocar o sistema educacional a serviço da implantação da política autoritária”. É com essa ótica que o autor repassa a política educacional do Estado Novo (1937- 1945), examinando a reforma do Ministério da Educação e Saúde empreendida pela dupla Getúlio Vargas-Gustavo Capanema e em seguida a legislação de ensino do período, detendo-se nos seus níveis primário, médio e superior. Deixando de lado a identificação fácil e nem sempre convincente entre o varguismo e o fascismo mussolinista, Baia Horta conclui: “(…) a não concretização das diferentes propostas oficiais mostra que o regime nunca chegou a impor à escola um papel político idêntico àquele instituído na Itália fascista. Assim, a escola no Brasil pôde conservar, durante todo o período, uma relativa autonomia”.

José Luís Sanfelice, que já havia percorrido algumas salas e muitos porões da ditadura militar com seu trabalho sobre o movimento estudantil no período, volta ao tema de sua predileção com o décimo capítulo deste volume, intitulado “O Estado e a política educacional do regime militar”. Revolução? Golpe? Sanfelice não se furta a responder a tais perguntas, mas inova mesmo ao caracterizar o Estado pós-64 como “Estado de Segurança Nacional e Desenvolvimento”. Qual foi a política educacional a cargo desse Estado? De imediato, responde Sanfelice, falou mais alto a Segurança Nacional. Nesse sentido, a política do início da ditadura foi de repressão, tanto ao movimento estudantil quanto às universidades e aos profissionais que atuavam no seu âmbito. Paulatinamente, porém, passou a falar alto a outra face, a do Desenvolvimento, e foi assim que medidas de financiamento do ensino primário via salário educação foram implantadas, juntamente com outras como a da Reforma Universitária (1968), a do MOBRAL (1967) e a da reforma do ensino de 1º e 2º graus (1971, Lei 5.692). Sanfelice, em parágrafo abrangente, sintetiza: “A política educacional dos governos militares pode então ser definida como a política da modernização conservadora e que expressou: o autoritarismo dos mandatários (os docentes, as resistências das universidades, o movimento estudantil foram calados); a subordinação a um modelo econômico excludente e, portanto, elitista, de privilegiamento do grande capital; o tecnicismo burocrático (as medidas em geral não contaram com a participação dos educadores); a mentalidade empresarial no campo da educação, assaltada por princípios de eficiência, produtividade, racionalidade e economia de recursos”.

O volume se encerra com um instigante artigo de Carlos Roberto Jamil Cury sobre “Reformas educacionais no Brasil”. Antes de entrar no mérito, Cury investiga o significado de “reforma” em geral e de “reforma educacional” em particular. Ao conceituar a reforma da educação, o autor considera-a como uma decisão de autoridade para mudar, com base em lei, a política educacional, tornando “a situação considerada mais congruente com a realidade”. Como é preciso, segundo essa conceituação, uma base legal, Cury passa em revista as principais leis sobre matéria educacional no país, dadas sob as diferentes Constituições que aqui tivemos. Como a primeira Constituição foi a imperial de 1824, o estudo abarca as leis a partir desse marco. São revistas as reformas no Império, na Primeira República, na Era Vargas, no Regime Militar e enfim no atual Estado Democrático de Direito. Encerrando o artigo, Cury aposta: novas reformas virão. E deixa no ar uma pergunta: “Será que elas serão de molde a serem inovadoras de modo a conduzir a uma verdadeira mudança social?”.

Em conclusão, trata-se de uma visão panorâmica, porém profunda, sobre o Estado e as políticas de educação na história educacional brasileira. Cobrindo todos os períodos em que essa relação entre Estado e educação se dá no Brasil, o livro traz inestimável contribuição para todos aqueles que se dedicam a seu estudo, apresentando, ademais, preciosa colaboração ao contemporâneo debate sobre os rumos da educação brasileira.

Sérgio Castanho

Acessar publicação original

O Imperial Collegio De Pedro II e o ensino secundário da boa sociedade brasileira – CUNHA JUNIOR (RBHE)

CUNHA JUNIOR, Carlos Fernando Defferira da. O Imperial Collegio De Pedro II e o ensino secundário da boa sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. Resenha de: GOELLNER, Silvana Vilodre; CARVALHO, Marco Antônio Ávila de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010.

Elaborado tendo como ponto de partida a tese de doutoramento em educação produzida pelo autor, o presente livro percorre os corredores e arredores de uma tradicional instituição escolar no período compreendido entre 1837 e os anos finais do Império. Suas páginas permitem identificar rastros de um modo de educar os jovens da elite imperial brasileira cujo objetivo primeiro estava direcionado para a formação da boa sociedade brasileira. Trata-se, portanto, de uma obra ímpar cujas fontes arroladas fornecem dados fecundos para melhor conhecermos a atmosfera político-intelectual de um período no qual se buscava a formação dos corpos e sub­jetividades de homens representados como potenciais dirigentes do mundo imperial.

O livro é dividido em cinco capítulos. No primeiro deles, no qual o foco é a constituição do quadro de profissionais que atuavam no Colégio Pedro II(CPII), Carlos Fernando desenvol­ve uma interessante narrativa ao destacar os atributos, valores, funções e responsabilidades necessárias para tornar-se, tanto um professor, como um inspetor de alunos. Boa formação acadêmi­ca, erudição e notoriedade revelam-se como alguns dos critérios basilares para a contratação de docentes; já para os inspetores, exige-se o nível de instrução/formação com domínio de língua estrangeira bem como uma moral ilibada. Aos docentes cabia a tarefa não só de ensinar aos alunos as Letras e as Ciências como, também, lembrá-los de seus deveres perante Deus, Pais, Pátria e Governo. Aos inspetores, responsáveis pela ordem, disciplina e preservação da moral, era indicada a missão de vigiar, controlar e cuidar da boa conduta dos colegiais, assim como zelar pelo seu bom proveito nos estudos.

Ao dialogar fontes de diferente natureza (regulamentos, atas, ofícios, entre outras), Carlos Fernando faz ver que esse “perfil ideal” nem sempre era aquele que compunha o quadro profissional da instituição pois, não raras vezes, se depara com reprimendas e exonerações decorrentes de atitudes consideradas não apropriadas. Com relação aos docentes, identificou registros que apontavam para a falta de assiduidade, ofensas à moral e corrupção; no que respeita aos inspetores, além dessas falhas percebeu, ainda, denúncias con­tra mau tratamento aos alunos, bigamia e sodomia. Atos estes que feriam, sobremaneira, os princípios cristãos, a moral elevada e a construção da masculinidade desejada no e pelo Colégio.

Projetado para formar um determinado modelo de homem: “fiel, honrado, culto, disciplinado, católico e eloquente” (p. 37), o CPIInão aceitava mulheres como alunas nem mesmo integran­do o seu quadro profissional. O processo de masculinização lá desenvolvido deveria seguir regras viris evitando, sobretudo, a contaminação pela feminilidade. Nesse sentido, como afirma o autor, ao dificultar o ingresso das jovens ao universo letrado, “os dirigentes imperiais preservavam o monopólio do poder público dos negócios, da política e do poder em suas próprias mãos, ou seja, sob o controle masculino” (p. 47).

O segundo capítulo é dedicado a identificar o perfil dos alunos que ingressavam no Colégio considerando dois fatores: a origem socioeconômica e a naturalidade dos estudantes. Da análise docu­mental empreendida, o autor indica a existência de vários critérios tanto para o ingresso quanto para a permanência na instituição, o que não significa desconhecer que existiam, também, alguns apa­drinhamentos e predileções. Para entender essa afirmação deve-se levar em conta que, em função dos custos, apenas uma minoria da população poderia ter seus filhos matriculados no Colégio da Corte, reduzindo, sobremaneira, a formação da elite.

Ao desenvolver seus argumentos, Carlos Fernando destaca a existência de duas classes de alunos: Internato e Externato, explicitando ser a segunda delas a mais “acessível” às classes menos favorecidas. Nos primeiros anos após 1857, percebeu um significativo aumento no número de matrículas de alunos exter­nos e internos e um indício de que, pelo menos no Externato, esse acréscimo deu-se em função de um corte nas aulas avulsas de instrução pública secundária que eram ministradas na cidade do Rio de Janeiro. A diminuição da oferta de vagas dificultou a aquisição de conhecimentos mínimos por parte dos jovens menos favorecidos, razão pela qual, muitos dos alunos que ingressavam no Externato, frequentavam apenas os primeiros anos, o que era suficiente para realizarem os exames preparatórios. Em decorrência dessa situação, ainda que houvesse a presença de alunos vindos das escolas públicas, o ensino ministrado no CPII, acabou por facilitar o acesso ao ensino superior apenas para filhos da boa sociedade imperial.

Com relação à naturalidade e à carreira seguida pelos cole­giais após concluírem seus estudos, o autor aponta que a grande maioria dos alunos era natural do próprio Rio de Janeiro, fazendo ver que o CPII destinava-se, prioritariamente, à formação dos fi­lhos dos Saquaremas, grupo que circulava na Corte e região. Para analisar as atividades profissionais daqueles que ingressaram nas Academias Superiores, utilizando-se de um método semelhante ao de José Murilo de Carvalho (1980), Carlos Fernando destaca três grandes grupos: Governo: profissionais ligados ao Estado imperial e ocupantes de cargos políticos; Profissões liberais: médicos, advogados, poetas, jornalistas e engenheiros que não tinham relação profissional com o Estado imperial; e Economia: proprietários rurais, negociantes, comerciais e banqueiros. Revela, ainda, uma alternância na predileção da carreira a ser seguida, inicialmente voltada para o Governo e, partir de 1870, para as Profissões liberais. Essa alteração, segundo o autor, proporciona a formação de uma outra elite, menos comprometida com os in­teresses dos Saquaremas e, de certa forma, menos interessada nas ocupações do governo imperial. Esse período coincide, também, com as influências positivistas sofridas pelo Colégio, onde houve a abertura de espaços para uma maior divulgação e aplicação de conhecimentos de cunho científico.

O capítulo 3, inicia com uma descrição do entorno do CPII: a cidade do Rio de Janeiro, o crescimento populacional, o comér­cio, a urbanização, o sistema sanitário etc. A partir de relatos de professores e alunos, o autor expõe, também, as características estruturais do Colégio, a divisão de sua sede, o interno de seus prédios cuja precariedade acabou sendo evidenciado pela imprensa local. Precariedade essa que parece explicar os poucos registros iconográficos da instituição, uma vez que revelar suas deficiências poderia macular a imagem que se queria construir do Colégio como um símbolo da educação pública no Império.

Apesar dessa contextualização, o foco de análise recai em dois espaços que poderíamos denominar de lugares da memória: a cafua e o Salão Nobre. Carlos Fernando chama a atenção para esses espaços por perceber que é neles que se desenvolvem os minucio­sos e sutis processos de educação do corpo e do caráter revelado na aplicação das punições e recompensas. A cafua era destinada àqueles que não cumprissem as normas vigentes na instituição; já o Salão Nobre era ocupado pelos melhores alunos, o local no qual recebiam prêmios, destaques, honrarias e visibilidade. Ambiência simbólica construída a partir de dicotomias entre “o escuro e o luminoso; o fechado e o aberto; o escondido e o visível; o sujo e o limpo; o privado e o público; o vergonhoso e o célebre” (p. 85). Enfim, espaços pedagógicos nos quais aplicavam estratégias disciplinares que educavam para a formação de homens da boa sociedade brasileira.

No quarto capítulo, o autor analisa a instrução ministrada no CPII, instituição construída como modelar do governo imperial. Perscruta os planos de ensino, o projeto pedagógico, os decretos, as disciplinas ministradas e os conhecimentos valorizados, dentre os quais destacam-se, até o final da década de 1860, as letras clássicas e o ensino religioso. Essa orientação pedagógica, gradativamente, começa a perder força, cedendo espaço para a afirmação de uma cultura mais racional e científica, peculiar ao movimento positivista e à instauração da República. Oconhecimento, antes centrado nas letras, voltou-se também para o científico, o que não significa afirmar que a instituição tenha adotado uma função propedêutica destinada a preparar candidatos para os cursos superiores. Pela sua história e configuração, o Colégio da Corte era identificado como um local a formar e recrutar a elite nacional, “local em que os virtuais dirigentes imperiais deveriam aprender mais do que o conhecimento exigido nos preparatórios, mas um amplo conjunto de saberes, vivências e atividades” (p. 103).

Aprendizado esse que passaria pela educação do corpo, con­forme podemos observar no quinto e último capítulo. Nele ganha destaque a gymnastica, introduzida no Colégio em 1841, sob a orientação Guilherme Luiz de Taube, ex-Capitão do Exército Im­perial. Nos documentos analisados é recorrente a ideia de que a adoção da ginástica inspirava-se nos colégios europeus, nos quais tal prática era recorrente e recomendada como um importante elemento de educação da juventude.

Conhecida como científica, a ginástica ali aplicada estava pautada pelo modelo médico-higienista, oriundo da tradição eu­ropeia, a qual consolidou-se como um meio de controle social, de formação moral e disciplinar, de regeneração e aperfeiçoamento da raça, de construção de um sentimento de identidade nacional, de desenvolvimento e aprimoramento do físico e da saúde. Prática regular no CPII, este capítulo focaliza a gradativa consolidação deste elemento da cultura corporal no qual são evidenciados os seus principais mestres, os dias e horários das aulas, a construção do ginásio e do pórtico de ginástica, o regulamento que a oficiali­za, os planos de ensino e seus conteúdos, enfim, o seu acontecer dentro da instituição.

Inspirada inicialmente pela conduta militar, a ginástica passa a ser justificada e incentivada na sociedade brasileira em função de argumentos de ordem médica e higiênica, visto que a ciência positiva estava a alastrar-se e, com ela, a ideia de que a construção de um corpo forte e sadio seria obtida mediante a prática sistemática de exercícios ginásticos. Vale ressaltar, conforme aponta Carlos Fernando, que a ginástica desenvolvida no interior do CPIInão esteve orientada apenas por uma escola ou método. Da análise das fontes emergiram diálogos entre autores de diferentes tradições indicando certo ecletismo no seu fazer dentro do Colégio da Corte, ora ressaltando a prática da esgrima, ora de exercícios oriundos da escola francesa ou, ainda, outras filiações compondo, assim, um modo de educar o corpo masculino e, por consequência, de formar a elite imperial brasileira.

Feita essa síntese, gostaríamos de registrar que, muitas são as razões pelas quais a leitura desse livro é tarefa necessária e, diríamos também, prazerosa para quem se interessa pela história da educação no Brasil. Afora o fato de tratar-se de uma importante e tradicional instituição tomada como referência para tantas outras, o desenho metodológico e a densidade teórica aqui presentes mostram-se exemplares para investigações dessa natureza. A produção das fontes e os diálogos estabelecidos entre elas, a urdidura da trama e a construção narrativa proposta por Carlos Fernando são revela­dores de um investimento pessoal e, também, coletivo na medida em que indica novas abordagens sobre temas e fontes já outrora visitados. É exatamente esse tom que nos permite, ao folhearmos suas páginas, sentir os cheiros e as texturas, ouvir as vozes e os sussurros dos corredores e arredores do Imperial Collegio Pedro II. Ao tocar nossa sensibilidade, identificamos vestígios de um projeto político-pedagógico de educação da elite cujo desenrolar promoveu encantamentos e desencantos, liberdades e interdições. E, nesse sentido, não há como ler esse livro sem lembrar de O Ateneu, obra magistral de Raul Pompéia publicada em 1888, cuja narrativa focaliza uma instituição escolar destinada a formar meninos da e para a boa sociedade brasileira. Resguardadas as especificidades de cada um dos livros, vale lembrar a retórica de Aristeu Argolo dos Santos, seu diretor, quando relata o árduo trabalho de educação da mocidade:

Um trabalho insano. Moderar, animar, corrigir esta massa de carac­teres, onde começa a ferver o fermento das inclinações; encontrar e enca­minhar a natureza na época dos violentos ímpetos; amordaçar excessivos ardores; retemperar o ânimo dos que se dão por vencidos precocemente; prevenir a corrupção; desiludir aparências sedutoras do mal; aproveitar os alvoroços do sangue para os nobres ensinamentos; prevenir a depravação dos inocentes; espiar os sítios obscuros; fiscalizar as amizades; descon­fiar das hipocrisias. Ser amoroso, ser violento, ser firme; triunfar dos sentimentos de compaixão para ser correto; proceder com segurança para depois duvidar; punir para pedir perdão depois… (…) não é o estudo dos rapazes a minha preocupação… É o caráter! Não é a preguiça o inimigo, é a imoralidade! [Pompéia, 1967, p. 30]

Sem pretender analisar o componente da imaginação e da ficção presentes na obra literária e na investigação historiográ­fica, importa identificarmos o Ateneu e o Colégio Pedro II como instituições escolares destinadas à formação da elite Oitocentista. Ou melhor, a elite masculina, a qual se inferia a expectativa de representar, nos corpos e subjetividades de seus integrantes, um modo viril e qualificado de ser, atributos considerados necessários a futuros dirigentes. Por fim, os vestígios revisitados por Carlos Fernando permitem que, em pleno início do século XXI, possamos compreender o conselho de Aristarco aos ingressantes no Ateneu “faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se” (idem, p. 37). Palavras essas também pronunciadas e ouvidas nos corre­dores e arredores do Imperial Collegio Pedro II.

Referências

Carvalho, J. M. de. A construção da ordem – a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

Pompéia, R. O Ateneu. Rio de Janeiro: Editora Letras e Artes, 1967.

Silvana Vilodre Goellner –  E-mail: [email protected].

Marco Antônio Ávila de Carvalho

Acessar publicação original

História da organização do trabalho escolar e do currículo no Século XX (ensino primário e secundário no Brasil) – SOUZA (RBHE)

SOUZA, Rosa Fátima de. História da organização do trabalho escolar e do currículo no Século XX (ensino primário e secundário no Brasil). Coleção Biblioteca Básica de História da Educação Brasileira, vol.2. São Paulo: Cortez, 2008, 320 p. Resenha de: BORGES, Aline D. B. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010.

Com a imagem de uma sala de aula, Rosa Fátima de Souza inicia sua obra, com a perspectiva de que nenhum outro lugar simboliza mais “a finalidade cultural da escola e sua representação social”. Na introdução, a autora persuade-nos a desnaturalizar o espaço escolar, posto que ele nem sempre foi do modo como o concebemos hoje.

Para analisar a organização do trabalho escolar e o currículo no decurso do século XX, abrangendo da Primeira República aos anos de 1970, nas escolas primárias e secundárias do Brasil, mas, de um modo particular, a paulista, Souza menciona algumas questões que serão respondidas ao longo do seu texto, tais como: o que mudou ao longo desse século? Quais elementos da cultura foram considerados legítimos e válidos para transmissão nas escolas? Por que alguns conteúdos se mantiveram e outros não? Quais fatores implicaram a determinação do currículo escolar ao longo do tempo? Que tipo de homem e cultura foram privilegiados na sociedade brasileira? Como as transformações na história do currículo repercutiram na organização interna da escola? Para tal, opera com dois eixos norteadores: o currículo e a organização do trabalho escolar, e se apropria de diversos autores1, que, segundo ela, “têm ressaltado a necessidade de conceber o currículo como uma construção social e histórica”.

Aborda a organização do trabalho escolar, considerando a “diversidade das instituições educativas, a graduação do ensino, a ordenação do tempo, a constituição das classes e séries e a siste­mática de avaliação”. Para realizar esse empreendimento, faz um recorte espacial para sua pesquisa, analisando a escola primária paulista e a escola secundária em âmbito nacional, recorrendo a diversas fontes, principalmente à legislação de ensino em âmbito federal e estadual, periódicos nacionais, currículos prescritos, programas de ensino, anais de eventos, publicação de época e imagens fotográficas.

O livro encontra-se dividido em três partes: Escola Primária, Escola Secundária e Escola Básica. É relevante apontarmos que a autora defende a tese de que a escola primária serviu à formação do cidadão brasileiro, destinada, portanto, à maioria da população. Já a escola secundária, atendendo a elites dirigentes e à classe média em ascensão, permanecia como a guardiã da cultura geral de caráter humanista.

Em “A escola primária e a formação do cidadão brasileiro (1890-1960)”, primeiro capítulo do livro, a autora discute as trans­formações ocorridas nos currículos da escola primária na Primeira República. Para ela, a formação do cidadão republicano apoiava-se na possibilidade de integrar socialmente tais indivíduos, por meio da inculcação de valores essencialmente cívico-patrióticos e na constituição de culturas escolares distintas. Busca quais são os “novos” conhecimentos úteis, ressaltando que o que ensinar ao povo se tornara assunto em voga nos debates da época. Nessa discussão, percebemos as ciências como ponto “chave”, pois era a expressão do desenvolvimento do capitalismo, e, nesta sociedade imbuída pelo progresso, a educação primária deveria ser a mais prática possível.

A principal finalidade da escola primária foi, segundo Souza, a educação integral da criança (intelecto, corpo e alma), visando forjar um novo ser social e um cidadão adaptado à nova sociedade. A adoção do método intuitivo (ícone da escola primária moderna) e de novas matérias2, a dotação material das escolas, a formação científica e prática dos professores e a criação de um serviço de inspeção técnica para a orientação do ensino tornaram-se as preocu­pações centrais dessa escola republicana. Para a autora, a mudança do regime político acarretou uma série de reformas educacionais que consolidaram outro modo de organização administrativa e pedagó­gica nessa modalidade de ensino. Sinaliza as condições lastimáveis, seja material ou organizacional, das escolas na época do Império, caracterizando os moldes dessa escola (método misto, apelo à me­morização, repetição diária das lições e disciplina garantida por meio de castigos), mostrando ainda como os primeiros governos do estado de São Paulo deram à educação popular centralidade política e como o projeto republicano foi mais ambicioso. Contudo, essa dicotomia entre Império e República, que parece ser defendida pela autora, necessita ser problematizada, pois, apesar de usualmente o tema da modernidade ser vinculado ao progresso republicano, é importante desviarmos de uma perspectiva dualista que prevê o moderno em oposição ao tradicional. Observarmos que o discurso difundido pela esfera do Estado defendia o ensino primário público como uma possibilidade de superação do atraso e da apatia de outrora, intentando conferir à escola um caráter modernizador, civilizador e moralizador. Todavia, sinalizamos que as recém-chegadas propostas não anularam a coexistência de outros modelos de educação. É fundamental percebermos as dissonâncias existentes entre práticas e discursos, permanências e mudanças das formas escolares, entre o que é propagado pelas fontes oficiais e as micropráticas cotidianas estabelecidas nos interiores das instituições escolares.

De acordo com a autora, as reformas educacionais paulistas iniciaram-se pela Escola Normal, e em seguida (1892 e 1896), alguns dispositivos legais consolidaram a reforma da instrução pública, articulando os três níveis de ensino: primário, secun­dário e superior. Em 1893, contrastando com a escola unitária, foram implantados os primeiros grupos escolares organizados em moldes das escolas graduadas. A autora afirma que a organização comparado às escolas unitárias, visto que reduzia a dispersão das tarefas de ensino. É preciso adicionar a esta análise a não aceitação pacífica dos professores, as heterogêneas opiniões, tendo em vista as resistências por parte destes, indiciando que talvez não fossem tão amplamente favorecidos como a história oficial alude.

Para aproximar-nos da cultura escolar dessas instituições, Souza propõe-nos um olhar sobre as práticas de ensino, buscando analisar a função cultural da escola, seu intento em formar um modelo de homem cidadão, utilizando-se de saberes, habilidades, códigos e valores.

Souza aponta para as funções ampliadas da escola elementar revistas no Código de 1933: a gratuidade estendida para cinco anos e a obrigatoriedade instituída para crianças na idade entre 8 e 14 anos, a duração de três anos nas escolas isoladas e quatro anos nos grupos escolares e prevalência do rol de matérias do início da República3. Por esse código, as escolas públicas seriam organizadas em escolas isoladas, grupos escolares, cursos populares noturnos e escolas experimentais. Percebemos, assim, as permanências e as rupturas, seja no currículo como no próprio modo de organização escolar. A autora sugere-nos a necessidade de refletir como se deram, na prática, no interior das escolas, todas essas regras prescritas, essa seleção cultural e as alterações de programas.

“Educação secundária, cultura humanista e diferenciação so­cial na Primeira República”, segundo capítulo do livro, delineia a diferença mais marcante entre os dois ensinos, pois, para Souza, os estudos secundários “significavam a manutenção de uma alta cul­tura assentada sobre a conciliação precária entre estudos literários e científicos, prevalecendo, não obstante, os primeiros”.

A autora indica as disputas e os conflitos que estiveram em jogo pela estruturação do ensino e do currículo, a precariedade do ensino secundário brasileiro ao fim do Império e a proliferação dos colégios particulares, reafirmando que “se manteve no país a finalidade eminentemente preparatória do ensino secundário”. Esse ensino teve, no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, dois sistemas paralelos de organização: os ginásios e os estudos parcelados. Tenta apreender, em linhas gerais, “como determina­dos conteúdos da cultura mantiveram ou ganharam legitimidade com valor educativo enquanto outros foram perdendo relevância, sendo secularizados e eliminados gradativamente dos currículos”. Para ela, a educação recebida nesses colégios e ginásios era uma formação mais literária do que científica.

Assim, somos levados a refletir sobre outras reformas ou modi­ficações que, de alguma forma, dizem respeito a esse ensino, como a reforma protagonizada por Benjamin Constant, em 1890, que buscou ampliar a formação científica, o exame de madureza – aferição do desenvolvimento intelectual dos estudantes e sua maturidade –, e a divisão do ensino secundário, pelos idos de 1898, em curso realista e clássico. Dentre outras disputas, indica os conflitos acirrados em torno do estudo do latim, apontando-nos para a seletividade que marcou o ensino secundário brasileiro na Primeira República. No que tange ao público atendido, sinaliza a ausência dos negros, índios e das camadas populares. Há indícios que podem aquilatar essa discussão, mas essa ainda é uma temática pouco explorada, devido aos limites das análises das fontes historiográficas.

Retomando a longa discussão sobre as disciplinas que resistiam ou foram suprimidas do currículo, Souza afirma que essa seleção cultural servia para diferenciar e atender um grupo específico, o seleto grupo social que utilizava a educação secundária como es­tratégia de reconversão do capital econômico em capital cultural. Souza aprofunda-se na temática dos ginásios paulistas à medida que se apropria dos estudos de Nadai (1987) e Cunha (2000), analisando quem eram os alunos que frequentavam esses espaços. Destacando vários estudos que abordam colégios ou escolas em diversas regiões do Brasil4, a autora busca alguns traços comuns entre essas instituições secundárias, o que nos fornece um horizonte mais amplo de discussão.

No terceiro capítulo, “Entre a vida, as ciências e as letras: transformações da escola secundária entre as décadas de 1930 e 1960”, Souza indica que esse período foi o de consolidação e, ao mesmo tempo, de redefinição da educação secundária no Brasil, tendo organicidade, racionalidade e padronização como bases que “alicerçaram a expansão contínua das oportunidades educacionais nesse ramo de ensino médio”. Aponta ainda para esse período his­tórico como o de democratização do ensino, ou seja, aparecimento de outros sujeitos frequentadores da escola.

Durante o governo de Getúlio Vargas5, segundo a autora, “passaram a ser exigidos dos estabelecimentos de ensino estudos regulares, seriação, frequência obrigatória, aprovação em todas as disciplinas da série para a série seguinte e habilitação nos dois ciclos para realização do vestibular e entrada no ensino superior”, visando estabelecer uma organicidade em âmbito nacional, e ainda eliminar definitivamente o curso preparatório. A regulamentação do docente destinava-se à inscrição do ensino secundário público e particular. Desta forma, afirma que esta imposição de uniformidade visava “o ensino particular, responsável, na época, por mais de 75% das matrículas do ensino secundário”. Essa reforma continuou a exigir o exame de admissão para alunos e a avaliação como forma de seleção. Quanto ao currículo, obteve uma distribuição mais equilibrada entre estudos científicos e literários. Souza indica que todas essas discus­sões e disputas no período do Estado Novo estavam no bojo de uma discussão mais ampla, de cunho político e social, resultando em mais uma reforma educacional, dessa vez identificada com os interesses conservadores, instituindo as Leis Orgânicas do Ensino6.

Ainda tratando de ginásios e colégios de 1930 a 1960, tenta compreender, apoiada em alguns autores7, as múltiplas experiências dos sujeitos que passaram por esses locais, as práticas educativas, o exercício profissional do magistério, bem como seus saberes, as atitudes apreendidas pelos alunos, as sociabilidades constituídas e a cultura juvenil crescente nessas escolas. Dialogando com o texto de Jayme Abreu, a autora revela-nos sobre quais premissas se firmava o modelo de educação defendido por Fernando de Azevedo. A disputa entre uma base utilitária e cultural para escola secundária foi longa e tensa, mas, no final dos anos de 1950, a seleção cultural posta no currículo apontava em outra direção e a primeira se sobrepôs.

Na terceira parte, A Escola Básica, Souza afirma que, a partir da década de 1960, esse segmento “estaria mais em conformidade com as características do público escolar e da moderna sociedade in­dustrial brasileira”. Em contraponto, os mecanismos de seletividade continuaram a existir e a operar, “expondo de maneira veemente os problemas do fracasso e exclusão escolar”. No ensino secundário, foi profunda a substituição das humanidades pela cultura científica e técnica orientada para o trabalho.

Já na parte final do livro, Souza analisa a modernização dos currículos nas décadas finais do século XX, ressaltando que nos anos de 1960 os movimentos sociais, as reformas de base e os golpes teriam marcado vários setores da sociedade, inclusive o educacional. Faz uma análise da escola e do seu currículo a partir da lei n. 4.024/19618, e, segundo ela, “pela primeira vez, a União abria mão do forte controle que exercera sobre o ensino secundário desde o Império”. Já o curso secundário passou a fazer parte do ensino médio, juntamente com os cursos técnicos e de formação de professores, e ressalta ainda que “a hegemonia das humanidades caía definitivamente em ruína”, tornando clara qual era a predo­minância da época: a cultura científica e técnica.

Reflete sobre as mudanças educacionais a partir da LDB n. 5.692 de 1971, que “ao contrário da tendência liberalizante e flexibilizadora característica da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, […] promoveu o recrudescimento da centralização curricular”. Para o 2º grau, devido ao fracasso da profissionalização obrigatória, houve o reforço da formação geral, especialmente as disciplinas científicas. Porém, as línguas clássicas (latim e grego) e a filosofia foram abolidas do rol de disciplinas desse segmento.

O livro constitui-se, enfim, numa leitura amplificada e necessária sobre a educação brasileira no século XX, que aborda seus processos, suas demandas, seus projetos, suas tensões e conflitos, e os desafios da educação e da sociedade brasileira no limiar do século XXI.

Notas

[1]Kliebard (1995), Goodson (1995, 1997), Gimeno Sacristán (1998a), Forquin (1993), Popkewitz (2000). Cf. Souza (2008, p. 11).

2 Ciências físicas e naturais, história, geografia, música, instrução moral, educação física, desenho, instrução cívica e trabalhos manuais.

3 Leitura, linguagem oral e escrita, aritmética e geometria, geografia, história do Brasil e instrução cívica, ciências físicas e naturais, trabalhos manuais, desenho, caligrafia, canto e ginástica.

4 Alves (2005), Cabral (2005) e Barros (2000), respectivamente (Cf. Souza, 2008, p. 122).

5 Em especial, com a reforma empreendida pelo ministro Francisco Campos.

6 A estas leis, a autora chama de “mais uma vitória da educação humanista”, recupe­rando a tradição humanista e as finalidades das disciplinas, ou seja, os dois ciclos, padronização do estabelecimento, exame de admissão, fiscalização e avaliação, tudo que fora solapado pela reforma de Campos. Com duas inovações: a orientação educacional e os trabalhos complementares.

7 Nadai (1991), Barroso Filho (1998), Fonseca (2004), Camargo (2000), Amaral (2003) e Perez (2006). Cf. Souza (2008, p. 188). Tais trabalhos versam sobre as representações e o imaginário consagrado na sociedade brasileira em torno da qualidade da escola secundária existente até a década de 1970.

8 Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tramitou durante 13 anos no Congresso Nacional.

Aline D. B. Borges – Graduanda em Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.E-mail: [email protected]

Ligia Bahia de Mendonça – Mestranda em História da Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940) – BICCAS (RBHE)

BICCAS, Maurilane de Souza. O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940). Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008, 216 p. Resenha de: GUIMARÃES, Paula Cristina David. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010.

O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940), livro publicado em 2008 pela editora Argvmentvm, é resultante da pesquisa de doutoramento empreen­dida por Maurilane de Souza Biccas, pós-doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde integra a coordenação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação (Niephe).

Com sólida experiência em trabalhos sobre impressos peda­gógicos que, recentemente, vem crescendo no Brasil e muito tem contribuído para os estudos em história da educação, Biccas realiza, neste trabalho, uma investigação sistemática sobre o impresso pe­dagógico mais representativo na história de Minas Gerais, a Revista do Ensino. A autora não se restringe somente à Revista; utiliza outras fontes documentais como jornais, decretos e leis da época pesquisada no intuito de complementar e esclarecer as informações obtidas da fonte principal de sua investigação.

Composto de seis capítulos, o trabalho destaca aspectos re­lacionados à materialidade, produção, circulação e distribuição da Revista do Ensino, “impresso pedagógico oficial de educação direcionado aos professores, diretores e técnicos da rede pública de ensino do estado de Minas Gerais” (p. 15), entre os anos de 1925 e 1940. A obra tem por objetivo “descrever e analisar os aspectos relacionados à materialidade da Revista aos conteúdos nela vei­culados, às mudanças ocorridas nos seus primeiros dezesseis anos de circulação e à produção de sentidos desencadeada por essas transformações editoriais” (p. 15). Para a realização do trabalho, autora fundamenta-se no campo de análise da “nova história cultural”, campo que vem impactando a produção historiográfica contemporânea e, de modo particular, a história da educação.

Quanto à materialidade da Revista, Biccas dispensa aten­ção especial à análise de capas, versos de capas, contracapas e quartas-capas dos números publicados. Como Marta Maria Chagas de Carvalho chama a atenção na apresentação do livro, a Revista do Ensino “não foi tratada como um veículo neutro para a comuni­cação dos conteúdos dos textos que edita, mas como performidade da ordenação da significação deles na materialidade mesma das diversas formas aplicadas à sua edição” (p. 13). Nesse sentido, Biccas recorre a autores que investem nesse mesmo pensamento quanto à importância da análise da materialidade dos impressos, tais como Roger Chartier e Michel de Certeau.

No primeiro capítulo do livro, “Ciclo de vida de um impresso oficial: Revista do Ensino 1925-1940”, a Revista é analisada dentro do seu momento histórico de constituição e circulação. A autora retorna ao momento de criação da Revista do Ensino, 1892, des­tacando que, após a publicação de apenas três números, a Revista foi desativada. Seu relançamento aconteceria em março de 1925, sendo interrompida entre os anos de 1940-1946 devido à Segunda Guerra Mundial, voltando a circular até 1971.

A Revista também é analisada como parte integrante e depo­sitária das mudanças educacionais ocorridas em Minas Gerais, como a Reforma Francisco Campos (1927). Na ocasião, o go­verno mineiro fez das páginas da publicação um valioso meio de apresentação, discussão, avaliação e estímulo à utilização das ideias pedagógicas renovadoras pretendidas por essa reforma. Esse impresso pedagógico também se revela como arena de disputas e acordos de diferentes interesses políticos e educacionais travados, por exemplo, entre católicos e “liberais”. Desse modo, e com as conexões que a autora realiza do momento histórico pesquisado, é possível perceber as relações de força que compunham o projeto editorial da Revista do Ensino.

Já no segundo capítulo, “Processos de produção e circulação”, a autora observa as formas de produção e as condições de circulação do periódico. Para tanto, faz uma descrição material e apresenta, de maneira detalhada e organizada, informações acerca de cada um dos 16 primeiros anos de circulação da Revista, relacionando: publicações, páginas por publicação, seções utilizadas, fotografias e ilustrações veiculadas, formato, presença ou não de propagandas, sumário e índice. Além disso, tendo em vista as diferentes formas de manipulação da Revista, a autora também analisa aspectos da dinâmica de apropriação que os professores faziam do periódico.

No capítulo três, “A dinâmica das formas e dos sentidos”, a pes­quisadora analisa as capas, versos de capas, quartas-capas e páginas finais que compõem a Revista do Ensino, a fim de explicitar como “conformam e se articulam os procedimentos de composição e de textualização” do periódico (p. 95). Nessa análise, Biccas percebe a capa como item de suma importância na composição da Revista, na medida em que atuava como um chamariz para a leitura. Para a autora, a capa representa um “espelho” dos diferentes projetos políticos e educacionais pelos quais a Revista passou, refletindo tensões, contradições e ambiguidades de tais projetos. Os diversos suportes que o periódico recebeu também foram objetos de análise para Biccas. Assim ela foi analisada, primeiramente, como anexo do Jornal Minas Gerais, depois como suplemento do mesmo Jornal e, finalmente, como Revista autônoma ao se desvincular do referido jornal. Oobjetivo dessa análise foi perceber como o suporte que veiculou a Revista marcava o modo como esta se apresentava para seus leitores.

No quarto capítulo, “Propaganda, publicidade e informação”, são analisadas a forma, o lugar e a intenção dos editores da Revista ao destinar um espaço para esse tipo de divulgação em um impresso educacional. Segundo a pesquisadora, 1929 foi o primeiro ano em que se veicularam propagandas na Revista de Ensino, além de ter sido o período de maior incidência propagandística. Nesse mesmo ano percebe-se que a maior parte dos anúncios de publicidade eram direcionados ao público-alvo da Revista do Ensino, os professores e diretores de escola. Os espaços destinados pelos editores a esses e outros tipos de anúncios foram as quartas-capas e, em alguns números, as páginas internas da Revista.

No capítulo cinco, “A Revista dada a ver: fotografias e ilustra­ções”, Biccas analisa as imagens veiculadas pelo periódico, para compreender a relação construída pelos editores ao apresentar fotografias e ilustrações como textos e também observar a atuação destes como elementos constitutivos do próprio periódico. Uma vez que a Revista do Ensino de Minas Gerais era um periódico oficial, os traços das políticas educacionais mineiras são evidentes em suas páginas. Por conseguinte, as imagens não são tratadas de forma periférica, mas analisadas como estratégias de transmissão de “mensagens que se pretende divulgar e inculcar” (p. 149). As fotografias e ilustrações utilizadas buscavam exprimir uma “men­sagem”, produzir um significado e um efeito junto aos leitores, chamando-lhes a atenção para uma nova concepção de educação que estava sendo forjada e deveria ser assimilada por eles. Nesse sentido, as imagens foram responsáveis pela divulgação de festas, prédios escolares, métodos pedagógicos e atividades escolares de crianças.

No sexto e último capítulo, “A síntese e difusão de modelos: esquadrinhando as seções”, a autora apresenta e analisa as seções que compõem os números da Revista, e observa que as seções sofreram processos importantes de constituição, permanências e rupturas dentro do projeto editorial. Para essa análise, Biccas apresenta dados sobre as seções, evidenciando o período em que elas foram criadas, o tempo de permanência e a que tipo de temá­tica se referiam. As seções também são analisadas tendo em vista a “política editorial adotada no período, procurando perceber que representação de professor-leitor os editores tinham e que propostas de formação foram traçadas a partir dessa concepção”.

Ao final da obra, Biccas conclui que os principais enfoques que guiaram a análise em sua pesquisa permitem considerar a Revista do Ensino “como um dispositivo de normatização pedagógica e de ampliação da cultura educacional dos professores” (p. 197). A Revista, ao mesmo tempo em que difundiu ideias e preceitos, promoveu determinados hábitos de leitura, modelados por suas indicações, configuração e forma como dispôs e organizou seus textos. Assim, a autora destaca que “ao mesmo tempo em que a Revista foi sendo produzida, também produziu e foi construindo o próprio campo educacional mineiro” (p. 200).

O livro resenhado expressa seu valor pela riqueza de detalhes, tais como a veiculação de gráficos e tabelas de informações, bem como pelos cruzamentos e comparações dos dados obtidos. Oolhar que a autora lança sobre seu objeto de pesquisa é, simultaneamente, singular e plural, ou seja, ao mesmo tempo em que isola os dados da Revista, Biccas os confronta e os articula, percebendo, assim, novos indícios de informações para suas análises.

No sentido empregado por Foucault (2002), a Revista do Ensino pode ser analisada como uma “tecnologia de poder”, na medida em que atuou como objeto de ação e de controle do gover­no mineiro sobre a atuação docente, sendo um suporte para leis, normas e recomendações das diretrizes educacionais durante seu período de circulação.

O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940) é tema relevante para a história da educação na medida em que nos leva a uma reflexão sobre as diferentes possibilidades de pesquisa oferecidas pelo impresso pedagógico, principalmente no que tange às ideias em formação no campo educacional de um determinado período.

É possível perceber, ainda, o processo em que se deu a pesquisa com a materialidade do objeto quando a autora expõe, de forma clara e objetiva, a forma como lidou com os processos de orga­nização da Revista para a realização do trabalho. Demonstrando sua posição sobre a importância de análise do material impresso, Biccas apresenta, durante sua obra, análises meticulosas da Revista do Ensino, evidenciando sua riqueza de indícios dos aspectos pe­dagógicos no contexto histórico do período analisado. Por isso, ao ler a obra, é possível perceber que, ao voltarmos nosso olhar para um objeto de pesquisa como o impresso pedagógico, acabamos por decifrar complexos processos educativos que permearam a educação brasileira em determinado tempo e espaço.

Com uma multiplicidade de dados, análises minuciosas e com um convite para novas pesquisas, o livro resenhado constitui um rico material de referência para historiadores da educação que pesquisam ou desejam pesquisar acerca de im­pressos pedagógicos.

Referências

Foucault, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Paula Cristina David Guimarães – Mestranda em Educação pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Professoras: histórias e discursos de um passado presente – FISCHER (C)

FISCHER, Beatriz T. Daudt. Professoras: histórias e discursos de um passado presente. Pelotas: Seiva, 2005. Resenha de: SCUSSEL, Cláudia Luci. Professoras primárias e seus papéis no palco da vida. Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 3, Set/Dez, 2010

Antes de falar da obra Professoras: histórias e discursos de um passado presente, passo a mencionar alguns dados da escritora para que o leitor, com base nesse conhecimento, mergulhe no interior do livro conduzido por um vínculo criado a partir de uma história de vida – da autora.

Beatriz T. Daudt Fischer é graduada em Pedagogia, Mestre em Fundamentos Sociais da Educação e Doutora em Educação. Atualmente é professora titular na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Possui experiência na área de educação – docência e pesquisa – com ênfase em História da Educação, investigando temáticas relacionadas à história cultural, à memória, a trajetórias docentes e a políticas educacionais. Também integra a Associação Nacional de Pesquisa e Pós- Graduação/Anped, a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e a Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação (Asphe).

Como o sujeito professora primária se constituiu entre os anos de 1950 e 1972? Quais são as condições, possibilidades históricas que contribuíram para constituí-la desse modo? Os “anos dourados” do magistério existiram de fato? Como era a vida dessas professoras primárias? Afinal, professoras ou missionárias? O livro Professoras: histórias e discursos de um passado presente contribui ao esclarecimento dessas questões. Essa publicação pela Editora Seiva (Pelotas), em 2005, discorre sobre a trajetória de formação docente de professoras primárias que atuaram no magistério, nos anos 50 do século XX, e as relações de poder e saber que se estabeleceram nesse processo.

A obra, com 302 páginas, está organizada em seis capítulos assim denominados: “No casarão das memórias”; “O que dizem os jornais da  época”; Tempos de Magistério”; “A professora e a Revista do Ensino”; “Um passado presente”; e “Lentes e ferramentas”. Através de consultas em jornais e revistas, bem como da coleta de histórias de vida de professoras primárias, a obra desdobra práticas que ajudaram a constituir um grupo de mulheres como sujeitos históricos. Nessa perspectiva, encara memórias como discursos, articulando esses ao contexto histórico da época.

No capítulo inicial, intitulado “No casarão das memórias”, Fischer trata do contexto em que as entrevistadas estavam inseridas, bem como das práticas que permearam sua vida, influenciando maneiras de pensar, de ser e de agir. Sua pesquisa reporta-se a professoras com idade entre 60 e 80 anos, cujo estado civil parece determinar, em grande parte, a posição social. Implícita em seus depoimentos, há a baixa remuneração profissional a qual eram submetidas; as que progrediram financeiramente, assim o fizeram devido ao casamento. São professoras que se constituíram em um momento histórico, quando diferenças de gênero se faziam presentes de forma intensa, tanto na figura da mulher em relação ao seu papel de dona do lar, quanto ao acesso à escola e a papéis assumidos na sociedade. A presença de livros ou a assinatura de revistas e jornais era uma prática comum no convívio familiar das pesquisadas.

A autora, ao mencionar as lembranças de infância e da mocidade das ex-professoras primárias, pontua momentos marcados por brincadeiras ingênuas e outros recordados e refletidos num misto de nostalgia e criticidade, quando comparados a parâmetros da sociedade atual. Para as depoentes, lembranças do tempo em que eram alunas remetem, principalmente, à escola elementar. Apesar de certa discordância, pontuam aspectos como: elogios aos professores e a formação teórico-prática à qual eram submetidas; a presença de matérias relacionadas à formação humana; o rigor e a disciplina; a memorização; o controle e o autoritarismo. Segundo Fischer (p. 62), “há um ponto em que todos os depoimentos, sem exceção, encontram afinidade. Trata-se das práticas de controle, sejam elas explícitas ou não”.

No capítulo subsequente: “O que dizem os jornais da época”, ao se referir aos periódicos pesquisados, Correio do Povo, Última Hora e Zero Hora, editados no mês de outubro, entre os anos de 1950 e 1972, em especial aos discursos relativos ao sujeito-professora ou ao magistério de modo geral, a autora elenca três momentos decisivos para examinar o que os textos dizem sobre essa época: 1950-1962: anos dourados? 1963: o ano que começou… 1965-1972: o eterno mesmo volta a se instalar. De acordo com ela, os discursos estavam encharcados de mecanismos de controle: as homenagens às professoras primárias, por exemplo, ao mesmo tempo que exaltavam a figura da mestra, lembravam-na das atitudes a honrar; todos os discursos mantinham gramaticalmente o gênero masculino (“o professor”), embora a rede escolar fosse absolutamente tomada por mulheres; a forte presença do catolicismo nas atividades para comemorar o “Dia do Professor”; as palavras virtudes e sacerdócio estavam diretamente relacionadas à figura da professora primária; também as raras greves e reivindicações salariais foram devidamente controladas por contextos discursivos e extradiscursivos.

No terceiro capítulo: “Tempos de Magistério”, a autora afirma que houve diferentes motivos para as entrevistadas optarem em ser professoras, entre elas, a admiração por suas mestras de infância, a influência da família, o magistério como a única e/ou melhor profissão na época. Tempos que se constituíram de dedicação à missão escolhida, moralismo e controle por parte da Igreja Católica, baixos salários, mas, ao serem presentificados, são descritos com saudosas recordações.

Chegando ao quarto capítulo: “A professora e a Revista do Ensino”, Fischer aponta que é impossível discorrer sobre o magistério dos anos 50 e 60 (do séc. XX) sem mencionar a Revista do Ensino. Procurou, então, em sua pesquisa, conhecer os discursos implicitamente presentes nos conteúdos das páginas da mesma, que nortearam, nesse período, práticas docentes. Segundo a autora, essa revista permeou o universo das professoras, ora as incitando a seguir a docência como vocação, outras vezes as desafiando a buscar novos conhecimentos acerca da ciência da educação através da divulgação de Congressos Nacionais de Professores Primários, informados pela Revista do Ensino. Ressalta, ainda, que, dentre os discursos publicados na referida revista, exaltando a sublime missão da professora, também, e apesar de tímidas, se faziam presentes matérias que abordavam o contexto escolar, trazendo questões relativas a alunos carentes, baixos salários, etc. Porém, segundo a memória das professoras pesquisadas, interessava somente as sugestões didáticas trazidas pela revista.

No penúltimo capítulo: “Um passado presente”, a autora afirma que “cada época tem sua própria forma de se colocar no mundo” (p. 227), o que a impossibilita de avaliar e estabelecer comparações entre o magistério de diferentes momentos históricos. As narrativas e os documentos analisados, porém, permitem refletir sobre as práticas reproduzidas, ou não, no decorrer dos anos.

A autora encerra o livro desvelando as ferramentas e os aportes teórico-metodológicos que conduziram seus estudos investigativos, partindo do pressuposto de que os sujeitos se constituem a partir das suas vivências históricas. A partir desse olhar, discorre sobre como a professora primária foi se constituindo em meados do século XX.

Inspirada em Foucault, enfoca duas questões: práticas e relações de poder que permearam posturas, saberes, discursos e fazeres docentes, em uma determinada sociedade e num determinado momento histórico.

Esse livro apresenta uma leitura interessante, pois o estilo da autora traz a marca da sua experiência como pesquisadora autobiográfica e professora, conduzindo o leitor pelos caminhos da docência, trilhados pelas professoras primárias entrevistadas. É uma obra indicada a professores e àqueles que percorrem e desvendam os caminhos da história da educação, servindo, também, como referência para todos aqueles que estão vinculados à educação, de modo geral, e, em especial, ao fazer docente.

A história de vida é uma das maneiras de entender o processo educativo em diferentes tempos e espaços, podendo ser vista como o palco onde os atores transbordam ansiedades, temores, medos, conquistas, assumindo papéis que lhe foram delegados pelo contexto circundante.

Pelo fato de possibilitar ao leitor adentrar nos bastidores da vida da professora primária daquela época, percebendo suas crenças refletidas em seus fazeres, sentindo a vida sendo construída mediante práticas e discursos nem sempre explícitos, a leitura dessa obra contribui para processar uma autorreflexão acerca de nossas próprias vivências.

Referências

FISCHER, Beatriz T. Daudt. Professoras: histórias e discursos de um passado presente. Pelotas: Seiva, 2005. 304 p.

Cláudia Luci Scussel – Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

O legado educacional do século XX no Brasil – SAVIANI (C)

SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. Resenha de: TORRES, Eli Narciso da Silva Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 3, Set/Dez, 2010.

O livro O legado educacional do século XX no Brasil, assim como O legado educacional do século XIX, é o resultado de pesquisas das Professoras Jane Soares de Almeida, Doutora em História e Filosofia da Educação pela USP/SP, Rosa Fátima de Souza, Doutora em Educação pela USP/ SP e Vera Teresa Valdemarin, Doutora em História e Filosofia da Educação pela USP/SP, reunidas em torno do pensamento do Professor Dermeval Saviani (Unicamp). Os textos são fundamentais para a compreensão de aspectos da historiografia da educação brasileira. No entanto, no livro anterior, ocorreu um maior distanciamento do objeto em decorrência do fato de as autoras estarem analisando o século XIX, ou seja, localizando-se no fim do século XX. Enquanto em O legado educacional do século XX, o recuo não ocorre da mesma forma, pois a análise acontece enquanto os fatos são construídos historicamente, e os pesquisadores não veem com clareza a herança que estaria sendo transferida para o século XXI.

O primeiro capítulo “O legado educacional do ‘longo século XX’ brasileiro”, Saviani classifica o século XX como longo, pois o observa a partir de 1890, desdobrando-o até o início do século XXI. Saviani procura delinear os meandros políticos e sociais que propiciaram a materialização e a ampliação do sistema educacional brasileiro, principalmente as transformações sociais ocorridas a partir do fim do século XIX. Saviani aponta, principalmente, à abolição da escravatura no Brasil, à transição império/república, ao ideário de Estado laico, à cientifização a partir da influência positivista, ao fortalecimento do setor  industrial, além de à ampliação e urbanização de centros urbanos, o que favoreceu a formação de novas classes sociais. Nesse contexto, ocorre o lançamento de O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no qual os escolanovistas partiam do pressuposto de que a educação é função essencialmente pública, laica e obrigatória. Porém, a influência estadunidense na formação do processo educacional brasileiro potencializou ainda mais as disparidades sociais.

Enquanto o segundo capítulo da obra, intitulado: “Mulheres na educação: missão, vocação e destino?: a feminização do magistério ao longo do século XX”, Almeida descreve a condição da mulher a partir da perspectiva de gênero, ou seja, mulheres como grupo social inseridas em uma sociedade hegemonicamente masculina. Outra especificidade é o fato de trabalhar a temática sob a perspectiva foucaultiana, utilizando-se de expressões como: “normalização da instrução feminina”, “vigilância do corpo” e “controle da feminilização”. Nesse bojo, a autora aponta às condições, pelas quais as mulheres brasileiras foram submetidas, perpassando desde a repressão sexual até a delimitação dos espaços públicos, respaldadas pela doutrinação religiosa imposta pela Igreja para alcançarem algumas condescendências, entre elas o magistério. Porém, se manteve o vínculo imaginário entre a função da professora e a maternidade, dessa forma, a mulher poderia continuar desempenhando sua função social predeterminada.

O terceiro capítulo, “Lições da Escola Primária”, é caracterizado pela reflexão de Souza acerca da constituição e estruturação dos grupos escolares, que se tornaram a representação da nova organização da escola primária, além de influenciar muitos intelectuais na maneira de compreender a escola durante o século XX. Seu projeto sociocultural estendeu-se até o advento da escola de Ensino Fundamental.

Ela reportava a uma clara concepção de ensino; educar pressupunha um compromisso com a formação integral da criança que ia muito além da simples transmissão de conhecimentos úteis dados pela instrução e implicava essencialmente a formação do caráter mediante a aprendizagem da disciplina social – obediência, asseio, ordem, pontualidade, amor ao trabalho, honestidade, respeito às autoridades, virtudes morais e valores cívico-patrióticos necessários à formação do espírito de nacionalidade. (SOUZA, 2004, p. 127).

Em o legado do século XX, no quarto capítulo intitulado “Os sentidos da experiência: professores, alunos e método de ensino”, Valdemarin converge e aprofunda o debate em torno de questões metodológicas, sobretudo, quando indica processos de substituição do método intuitivo – visão platônica dos sentidos sensoriais, símbolo da racionalização educacional, a partir do qual o aluno precisa chegar ao mundo inteligível para se aproximar do saber real. Pela concepção do pragmatismo deweyano, que observa e aprecia o empirismo cotidiano, desconsidera a dicotomia “realidade escolar e mundo baseado na experiência”, pois Dewey apresenta o conceito de experiência reflexiva para desencadear novas práticas pedagógicas e, consequentemente, aguçar a produção de novos conhecimentos dos alunos. O método deweyano de ensino observa as práticas educacionais, situando-o em um modelo de sociedade democrática e consolidada sob bases econômicas capitalistas.

O legado educacional do século XX no Brasil é uma importante contribuição desses pesquisadores à historiografia educacional brasileira. Além de sugerir diversos questionamentos oportunos acerca da constituição e consolidação dos modelos pedagógicos adotados no Brasil, revela as condições materiais e os agentes históricos que proporcionaram tal realização, os processos de “democratização da escola pública”, a promoção de um projeto cultural de racionalização da escola primária, de transformações da realidade profissional dos professores, homens/ mulheres, igualmente humanos, com desigualdades socioculturais e a introdução de novos métodos de ensino e aprendizagem do aluno e profissionalização do docente. Contribui, assim, para uma melhor compreensão de temas educacionais atuais, incoerências e avanços praticados no sistema de ensino da sociedade brasileira.

Referências

SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. 224 p.

Eli Narciso da Silva Torres – Cientista Social. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bolsista da Capes. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

A Caverna – SARAMAGO (C)

SARAMAGO, J. A Caverna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Resenha de: LEÃO, Andreza Marques de Castro. A caverna. 206 Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 3, set./dez. 2010.

A presente resenha tem por foco apresentar o livro intitulado A Caverna, de autoria do conhecido escritor português José Saramago. É mister esclarecer que se trata de um romance, com personagens fictícios, como o autor relata, e que pode trazer inúmeras contribuições ao estudo da História da Educação, traçando, também, relevantes e instigantes articulações com a Filosofia da educação.

Em relação à linguagem empregada, o romance apresenta características peculiares, que são o uso ínfimo, até mesmo a abolição completa dos sinais gráficos de pontuação, procedimento esse que aproxima a linguagem escrita da oral.

Quanto aos personagens do enredo, há cinco principais: Cipriano Algor (oleiro); Marta (filha de Cipriano); Marçal Gacho (genro do oleiro); Isaura (estudiosa, viúva apaixonada por Algor); e Achado (um cão com atributos quase humanos).

A história se passa no Centro (de fato esse pode ser tanto um dos locais do enredo, quanto um dos personagens centrais); na olaria, que é um lugar de transição entre cinturões industriais e o cinturão verde, que fica próximo de uma cidade, porém é um local não urbano onde moram Cipriano, Marta, Marçal, quando está de folga, e na vila em que reside Isaura.

O foco central do enredo é o dilema de Cipriano: mudar-se ou não com a filha e o genro para o Centro quando esse fosse promovido à guarda residente.

Cipriano, como citado anteriormente, é um oleiro de profissão, com tradição familiar de artesões, que tem 64 anos e um modo rude de encarar as pessoas e as situações corriqueiras; talvez tal fato seja decorrente da profissão, que lhe exigia ter de amassar e cozinhar o barro, ou seja, trabalhar com coisas brutas. Não obstante, é uma pessoa de grande sensibilidade, fazendo sempre reflexões sobre a vida.

Marta é auxiliar e companheira do pai, mulher de muitas ideias. Ela é mais otimista que ele, embora, não tanto quanto Marçal em relação à mudança para o Centro, visto que receia o que pode ocorrer com seu pai. Fica grávida no início do livro e continua a auxiliar o pai mesmo durante a gravidez.

Marçal é segurança do Centro. Na realidade, é guarda residente, e não entende como Cipriano temia em ir morar em outro lugar que não no Centro. Gacho tem problemas com seus pais, e seu maior sonho é ser promovido no serviço e, cada vez mais, participar e ser envolvido pelo Centro. Seus pais também queriam morar no Centro com ele, mas devido à impossibilidade de esse pedido ser atendido, visto que os apartamentos lá são pequenos, não podendo comportar Marta, Cipriano, Marçal, o futuro filho, e mais os pais desse, há um desentendimento familiar. Ambas as famílias não cultivam um bom relacionamento em vista de um acidente que Marçal teve no forno da olaria, na época em que ainda namorava Marta, que lhe ocasionou uma cicatriz oblíqua que ele tem em uma das mãos.

Isaura é uma viúva da região onde Cipriano mora e por quem ele nutre uma grande estima. Todavia, ele luta contra esse sentimento. Em relação ao Centro, para ela é uma entidade distante e que pouco afeta sua vida. Após ter ficado viúva, procura emprego na vila, e passa a trabalhar numa loja. Talvez tenha sido por essa atitude que Cipriano tenha se apaixonado por ela.

Achado é o mais “humano” dos cães. Foi encontrado num dia de chuva e por seus modos quase humanizados cativou o carinho de Cipriano e Marta. É ele que escuta os lamentos de Cipriano e procura entender os difíceis e contraditórios sentimentos humanos. “o Achado é um cão consciente, sensível, quase humano.” (p. 349).

No enredo, os personagens, além de terem nome próprio, também são chamados pelo apelido característico. Quanto aos de Cipriano e Marçal, chama a atenção os seus respectivos significados. Algor significa frio, e Gacho, a parte do pescoço do boi em que se assenta a canga. Essa alusão feita por Saramago descreve bem e de modo sucinto a característica principal de tais personagens à luz da história: Algor se mantém frio perante o Centro, receoso quanto a ter de morar nele; por outro lado, Gacho se deixa escravizar pelo Centro, se submetendo a ele. Assim, ambos apresentam visões opostas de Centro: o primeiro de opressão, e o segundo, de submissão.

O livro inicia a história narrando a ida de Cipriano Algor ao Centro, local em que levava suas mercadorias: louças de barro para entregar, pois era fornecedor. No entanto, se confronta com uma árdua realidade: suas mercadorias não são mais “aceitas” pelo Centro, visto que a venda das louças tinha baixado, pois apareceram louças de plástico, as quais eram mais baratas, não quebravam e eram mais leves, havendo uma maior demanda por esse tipo de louça do que pelas de Algor, ou seja, seus produtos não atendiam mais aos anseios do mercado. Diante disso, Cipriano fica perplexo e contesta o chefe das vendas quanto às suas mercadorias: “Não é razão para que se deixe de comprar as minhas, o barro sempre é barro.” Contudo, o chefe responde: “Vá dizer isso aos clientes, não quero afligi-lo, mas creio que a partir de agora a sua louça só interessará a colecionadores, e esses são cada vez menos.” (p. 23).

Cipriano fica indignado com essa situação, porquanto suas mercadorias são desvalorizadas. Sabiamente Marta compreende essa situação, problematizando que, na verdade, não são os gostos das pessoas que determinam o que o Centro deve produzir, é o contrário: “Os gostos do Centro que determinam os gostos de toda a gente.” (p. 42).

Pensativo, Algor concluiu que se o Centro persistisse na averiguação dos novos produtos que estava sendo realizada, a olaria talvez fosse apenas a primeira vítima. De fato, ele entendeu que as inovações tecnológicas estavam ganhando espaço, ao passo que as atividades ditas “manuais”, como a sua de oleiro, não mais teriam lugar nesse contexto, por isso, ele se vê como uma espécie em extinção.

Cabe pontuar que dentre as reflexões que Saramago faz, deixa claro, na história, que a modernização vai extinguindo aos poucos as profissões.

Com a notícia de que o Centro não mais adquiriria seus produtos, sendo tal decisão irrevogável, e sabendo que estava proibido de fazer negócios diretamente com os consumidores, Cipriano começa a ficar angustiado, pensando em como viverá do seu trabalho se o Centro, além de tudo, não o autoriza a vender seus produtos a outras pessoas, tendo de abandonar suas mercadorias no campo, num local escondido.

Com esse episódio de recusa de suas mercadorias, desgostoso, ele passa a refletir sobre sua vida e questões essenciais envolvidas, como a sobrevivência. A partir disso, analisa criticamente a condição de vida do trabalhador assalariado, que aceita o destino desse labor:

Cipriano passa de uma hora para outra [a] desmerecer a reputação do operário madrugador ganhada numa vida de muito trabalho e poucas férias. Levanta-se já com o sol fora, lava-se e faz a barba com mais vagar que o indispensável a uma cara escanhoada e a um corpo que se habituou à limpeza, desjejua pouco mas pausado, e finalmente, sem acréscimo visível no escasso ânimo com que saiu da cama, vai trabalhar. (p. 55).

Algor percebe o contexto global em que está inserido, em que uns exploram, e outros são os explorados. Portanto, compreende que uma vez que o indivíduo não se enquadra em nenhuma dessas condições, isto é, fica fora desse sistema, ele não tem como sobreviver.

Devido à sua angústia, Cipriano foi ao cemitério visitar a lápide de sua falecida esposa, que, há três anos, o havia deixado. Nesse local, encontra a viúva Isaura (estudiosa, mulher de 45 anos), que relata a Algor que queria comprar um cântaro. Na ocasião, ele fala que faria melhor, daria um a ela, o que ele fez no dia seguinte, quando a viu. Esse encontro com Isaura despertou a atenção dele por ela.

Após esse episódio, surge na olaria um cão. Em vista de seu súbito aparecimento, lhe deram o nome de Achado.

Em decorrência da situação difícil de Cipriano, Marta sugeriu que fizessem bonecos de barro como produtos substitutivos das louças de barro. Ambos se empenham na confecção de modelos a serem mostradas.

Assim, Cipriano revela a ideia ao chefe de vendas do Centro. Ao apresentá-la, o chefe não lhe deu resposta imediata acerca da aceitação, contudo, ficou de pensar no caso. Em vista disso, Algor conclui que “para o Centro não tem importância uns toscos pratos de barro vidrado ou uns ridículos bonecos a fingir de enfermeira, esquimós e assírios de barba, nenhuma importância, nada, zero”. (p. 99). Todavia, o Centro se propôs a fazer uma encomenda experimental dos bonecos, mas a possibilidade de novas encomendas dependeria do modo como os clientes receberiam tal produto, pois “para o Centro… o melhor agradecimento está na satisfação dos nossos clientes, se eles estão satisfeitos, isto é, se compram e continuam a comprar, nós também o estaremos”. (p. 130). Desse modo, os bonecos seriam submetidos a uns inquéritos orientados sob duas vertentes: Situação prévia à compra, isto é, o interesse, a apetência, a vontade espontânea ou motivada do cliente, em segundo lugar, a situação decorrente do uso, isto é, o prazer obtido, a utilidade reconhecida, a satisfação do amor próprio, tanto de um modo de vista pessoal, como de um ponto de vista grupal. (p. 239).

Devido à não mais aceitação dos pratos de louça que fornecia ao Centro e ao receio de não receptibilidade dos bonecos por esse, Cipriano, apesar de sua luta e recusa internas de ir morar ao Centro, decide se mudar com a filha e o genro para lá, na ocasião em que esse fosse promovido. Saramago mostra, de modo nítido, no enredo, que essa atitude de Cipriano é causada pelo desgosto que sentia, ao se ver sem outro modo de sobreviver. Isso ocasiona perplexidade mental, visto que “teria de ir viver para o mesmíssimo Centro que acabava de lhe desprezar o trabalho”. (p. 197). Acrescente-se a isso, que sua autoestima também fora abalada, uma vez que se considerava um empecilho, um estorvo, um inútil para a filha e para o genro.

Assim, com a nomeação de Marçal, Cipriano vai com ele e a filha morar no Centro, num pequeno apartamento que é cedido aos guardas e que se localiza dentro do Centro. Porém, antes da mudança, Algor deixa sob a incumbência de Isaura o cuidado de Achado, porque o Centro não aceita animais. Apesar de ele, durante todo o enredo, lutar contra o sentimento que nutre por ela, nessa ocasião, declara seu amor e lamenta não ter nada pra lhe oferecer, pois não sabendo como poderia sustentar a si próprio quanto mais sustentaria outra pessoa. Então, decide viver no Centro.

Sou uma espécie a caminho da extinção, não tenho futuro, não tenho sequer presente… não tenho nada que lhe oferecer… a olaria fechou e eu não aprendi a fazer outra coisa… não tenho mais remédio. (p. 300).

Após o inquérito solicitado pelo Centro para avaliar os bonecos de barro de Cipriano, eles foram rejeitados. Assim, a última esperança de Algor de manter em funcionamento a olaria, morria naquele momento.

Cipriano se vê refém do pequeno apartamento no Centro. Como estava sem trabalhar, sem ter o que fazer, decide começar a conhecer melhor o Centro. Passeia e se aventura como se descobrisse um mundo novo. Nas suas andanças, numa das ocasiões, ele escreve as frases que ficam expostas nos letreiros das lojas e as lê para a filha e o genro, se apercebendo do vazio que o Centro representava, em que tudo se resumia a consumir e incitar a vontade dos clientes.

Não obstante, um episódio vai modificar os acontecimentos da família Algor. Desde que se mudaram para o Centro, estavam sendo realizadas obras de construção em um depósito frigorífico no subsolo. Entretanto, houve um incidente, e a obra precisou ser parada para que fosse avaliada por especialistas. Marçal foi informado de que a obra colocou à mostra no piso, algo estranho. Para averiguar tal fato, foram chamados geólogos, arqueólogos, sociólogos, até mesmo médicos legistas. Ao tomar conhecimento desse fato, o que chamou a atenção de Cipriano foi que, além desses profissionais terem sido requisitados, os guardas deveriam manter essa informação em sigilo.

Em decorrência desse acontecimento misterioso, Cipriano decidiu, durante o turno da madrugada de Marçal ir às escondidas tentar descobrir o que havia no buraco de 34 metros de profundidade que precisava ser tão protegido. Apesar do receio do genro de perder o emprego por essa aventura do sogro, ele lhe indica o caminho que devia seguir para desvendar o segredo. Assim sendo, com uma lanterna nas mãos e muita audácia, entra na gruta. Lá Cipriano encontrou algo que o abalou emocionalmente: seis corpos humanos, três homens e três mulheres, atados a um banco de pedra. “Um violento tremor sacudiu os membros de Cipriano Algor, a sua coragem fraquejou como uma corda.” (p. 331).

Ao sair da gruta, chorou sobre os ombros do genro. Perplexo, indaga-o e tem uma conversa com esse: Sabes o que é aquilo, Sei, li alguma coisa em tempos, respondeu Marçal, E também sabes o que o que ali está, sendo o que é, não tem realidade, não pode ser real, Sei, E contudo eu toquei com esta mão na testa de uma daquelas mulheres, não foi uma ilusão, não foi um sonho, se agora lá voltasse iria encontrar os mesmos três homens e as mesmas três mulheres, as mesmas cordas a atá-los, o mesmo banco de pedra, a mesma parede em frente, Se não são os outros, uma vez que eles não existiram, quem são estes, perguntou Marçal, Não sei, mas depois de os ver fiquei a pensar que talvez o que realmente não existe seja aquilo a que damos o nome de não existência. (p. 333).

Cipriano, ao relatar esse fato à filha, compreende que, na verdade, os corpos “essas pessoas somos nós… somos nós, eu, tu, o Marçal, o Centro, tudo provavelmente o mundo”. (p. 334-335). Após essa descoberta, ele decide deixar o Centro, salvar a sua vida e voltar para a Olaria. Lá chegando, tem um encontro emocionado com Isaura e lhe conta os últimos acontecimentos do Centro, e o motivo de ter voltado. Nessa ocasião, decide finalmente tê-la como sua companheira.

Após uns dias do ocorrido, Marçal pede demissão ao Centro. O fato de ter visto corpos o acordou para a realidade alienante em que estava vivendo. Quando questionado acerca do motivo que o levou a tomar tal decisão, ele responde: “Quem não se ajusta não serve e eu tinha deixado de ajustar-me.” (p. 347).

Desse modo, Cipriano, Marta, Marçal e Isaura decidem deixar a olaria também, ir em busca de uma nova vida, levando com eles o Achado.

Antes disso, Algor posiciona os bonecos de barro em frente da porta de sua casa. Assim, com a chuva, eles voltariam do barro ao pó. Nesse sentido, a caverna representa a condição do homem no contexto atual, cuja trajetória vai, tanto no plano denotativo como no conotativo, também do barro ao pó, tal qual objetos que, quando não são mais úteis, são descartados.

No momento da partida, ao passar pelo Centro, descobrem que até mesmo da descoberta dos corpos o Centro se apropria para tirar proveito: “Brevemente, abertura ao público da caverna de Platão, atracção exclusiva, única no mundo, compre já a sua entrada.” (p. 350).

No enredo, Cipriano representa a pessoa que consegue ser arrastada para fora da caverna e enxergar a realidade. Ele é o único que consegue perceber a preponderância econômica do Centro Comercial.

Dessa forma, podemos compreender por que motivo Saramago intitulou sua obra com esse título. A caverna, nesse caso, é o Centro Comercial, ou um shopping, local em que não há janelas, e só se pode ver o seu interior.

O Centro exerce grande influência na vida das pessoas e pode guiar os gostos das pessoas ao que convém ou não; incitar as vontades para consumirem, é claro, no Centro; instigar a cobiça das pessoas por quererem ter mais e a qualquer custo, entre outros motivos. Tudo gira em torno do Centro, e os que são seus concorrentes sofrem por estar se rivalizando com tamanho sistema. “Para o Centro só existe um caminho, o que leva do Centro ao Centro.” (p. 233).

Ao escrever A Caverna, Saramago nos exorta a nos identificar com Cipriano Algor, o homem comum que adquire sabedoria, que se liberta, buscando meios paliativos para se sustentar no Centro, mas que não se deixa cegar por ele.

Em suma, embora o livro já tenha dez anos, trata de um tema atual: a diferença entre dois mundos distintos: o Centro Comercial, que é exigente, competitivo, e que, na realidade, representa o capitalismo em sua fase moderna; e Cipriano, oleiro, que representa o modo simples da vida, além das inovações.

Há um convite explícito ao leitor para que reflita sobre as condições da nossa sociedade, para as consequências advindas da modernização do capital e sobre a nossa atitude perante tudo isso: se temos percebido ou se estamos estáticos, cegos, sendo passivamente envolvidos pela modernização.

Para Saramago, é possível escapar dessa caverna chamada capitalismo, como fez Cipriano que não se moldou a esse Centro, tendo uma visão crítica sobre ele, que aumentou quando conheceu de fato esse Centro quando lá morou.

Referência

SARAMAGO, J. A Caverna. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. 352 p.

Andreza Marques de Castro Leão – Pós-Doutora no Departamento de Psicologia da Educação. Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Araraquara/SP. Bolsista da Fapesp.

Acessar publicação original

 

Cinco estudos em história e historiografia da educação – OLIVEIRA (RBHE)

OLIVEIRA, Marcus Aurelio Taborda de (Org.). Cinco estudos em história e historiografia da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. Resenha de: BORNATTO, Suzete de Paula. Revista Brasileira de História da Educação, n. 23, p. 253-259, maio/ago. 2010.

Cinco estudos… é o terceiro título da coleção História da educação, iniciada pela Editora Autêntica em 20061, e organiza-se como um programa de formação em pesquisa, ao condensar discussões pertinentes sobre o estágio atual da pesquisa em história da educação no Brasil e reunir exemplos de abordagem de diferentes temáticas a partir de um repertório diversificado de fontes.

A obra supõe, conforme as palavras do organizador, Marcus Taborda de Oliveira, a necessidade de “unificar em alguma medida a narrativa historiográfica como crítica da cultura”; portanto, propõese a articular diferentes pesquisadores e projetos, “portadores de perspectivas distintas, mas que têm como horizonte comum a crítica permanente dos modos de fazer a história da educação no Brasil e, por corolário, as formas de organização da cultura neste país” (p. 7).

O primeiro artigo, de Carlos Vieira (UFPR), trata das “característica e potencialidades dos jornais diários” como fonte e como tema de pesquisa, destacando a importância do jornal como suporte de sentidos, lugar em que se pode vislumbrar a “experiência citadina”, mas também seu protagonismo como agente social.

Antes de entrar no detalhamento da pesquisa, em torno da presença de temas educacionais nos diários paranaenses Gazeta do Povo e Diário da Tarde na década de 1920, com o intuito de “interpretar os projetos dos intelectuais e da imprensa em relação à educação” (p. 36), o texto problematiza a natureza dessas fontes e sua produtividade para a escrita da história dos intelectuais. Assim, além de apresentar alguns contornos da história da imprensa no Paraná, propõe um modo de ler e entender o jornal, tendo em vista a identificação de estratégias discursivas e a investigação de possíveis efeitos de sentido.

“Para além do registro e do comentário político, os homens de imprensa ocuparam os espaços públicos legitimados pelas suas trajetórias como redatores, analistas e críticos da moderna ágora” (p. 20). Nos anos 1920, o desejo da imprensa empresarial moderna de

[…] permanecer atuante na esfera política levou-a a engajar-se em projetos sociais, com base na produção de slogans e de campanhas […]. É nesse contexto que verificamos a adesão da imprensa à causa educacional, bem como a presença da elite letrada nos quadros do jornalismo na condição de arautos da inserção do País na modernidade com investimento em educação [p. 21].

A segunda metade do texto traz uma grande tabela em que estão classificados, em nove categorias primárias e 43 secundárias, 2.702 registros de temas educacionais, veiculados em 2.555 exemplares de jornal. Essa tabela é desmembrada em outras sete, conforme as grandes categorias localizadas: cenário educacional e educação; profissão docente; experiências e modelos educacionais; modalidades e níveis de ensino; cotidiano escolar; temas da modernidade e da educação. As análises que seguem cada tabela sugerem o extenso trabalho de que são a breve amostra e podem instigar o leitor interessado no tema e/ou no período a um maior contato com essas fontes, ou à exploração de novos recortes e objetos, o que é um grande mérito nesse tipo de texto.

Tanto a tese que permeia o estudo, da afirmação gradativa do intelectual como agente político na cena pública brasileira, como a discussão em torno do “projeto da modernidade” são oferecidas ao leitor a partir de reflexões teóricas que costuram adequadamente os resultados da pesquisa. Pode este se ressentir apenas da falta de referências relativas aos “efeitos de sentido”, à análise discursiva, de que a nota número 10, remetendo à reflexão de Pocock sobre a linguagem política, constitui exceção.

O segundo artigo reúne pesquisadores ligados à UFMG – Luciano Faria Filho, Maria Cristina de Gouvêa e Matheus da Cruz e Zica –, em torno do difícil tema da literatura como fonte para a história – no caso, história da infância, tomada como entrada analítica para a história cultural da sociedade.

O título já anuncia “possibilidades, limites e algumas explorações”. Entretanto, o caráter formador do texto revela-se na forma como os autores (que, às vezes, se singularizam, outras vezes se assumem como coletivo) recapitulam os cuidados necessários para a abordagem da literatura como fonte – desde a questão do maior ou menor compromisso com a realidade e com a verossimilhança, a historicidade própria dos textos literários e das práticas de leitura, até as diversas vertentes teóricas de análise (Chartier, Williams, Prost). Assim, o cruzamento de perspectivas analíticas “indica um adensamento da análise da produção e circulação histórica do escrito, rompendo-se com hierarquias advindas da crítica literária, e sinaliza a importância de uma análise interdisciplinar na interpretação historiográfica do texto literário” (p. 47).

No terceiro tópico do artigo, que discute a pertinência da fonte literária para a construção da história da infância, aconselham os autores a não se tomar “como absolutas as fronteiras que delimitam os espaços da literatura infantil e adulta”. Em seguida, no entanto, são problematizadas questões referentes à literatura “infantil” (que alguns especialistas preferem hoje chamar de literatura “para crianças”), considerada em sua própria historicidade como objeto cultural:

[…] analisar a produção literária destinada à criança permite-nos não apenas ter acesso às representações sobre a criança e aos modelos de comportamento infantil num determinado período e contexto histórico, mas também às representações sobre os modelos de ação social e conhecimento de mundo ali legitimados [p. 49].

O exemplo de abordagem, entretanto, não é da literatura “infantil”, mas enfoca as imagens de infância construídas na obra de Bernardo Guimarães, escritor mineiro do século XIX, qualificado como “um autor atento à história de seu tempo e reflexivo sobre a experiência de sua gente” (p. 54). Defendem os autores que “é na descrição/produção dos sentimentos e ações das crianças que a narrativa cria melhores condições para que adentremos outros territórios das culturas oitocentistas” (p. 55), que não os temas “clássicos” da educação e da ocupação infantil.

A conclusão parece um pouco deslocada, ao sugerir maior investimento na pesquisa de literatura “infantil”, uma vez que esse não é o caso do exemplo apresentado, porém ressalta o que merece atenção nesse gênero de pesquisas: a investigação em torno das “experiências dos sujeitos infantis” (tão difíceis de serem flagradas em seu momento histórico), sujeitos “que insistem em interpelar e interpretar as culturas adultas e dominantes e a fazer disso uma forma de estar-na-história, de fazer a história” (p. 63).

Também na linha da investigação da experiência dos sujeitos está o terceiro estudo, de Marcus Taborda de Oliveira e Sidmar Meurer (UFPR), mas este toma forma a partir de textos de leitura, aparentemente, bem menos aprazível: relatórios da instrução pública paranaense da primeira década do século XX.

A investigação nesses documentos visa perceber as “tensões entre o prescrito e o realizado” nas experiências de professores primários. Combatendo as generalizações de certa historiografia, segundo a qual a legislação impõe “determinado modo de organizar a cultura”, privilegia-se aqui a experiência dos indivíduos ou grupos na “dinâmica de apropriação” dos documentos oficiais:

[…] antes de considerar os relatórios como parte de um esforço conformador isento de dissenso, procuramos localizar nos registros […] tanto a retórica da confirmação daquilo que foi anunciado pelo legislador quanto a crítica explícita ou velada àquele esforço. […] a legislação aparece aos nossos olhos como um esforço de organização racional da realidade social, esforço que pressupõe tanto filigranas ideológicas quanto reação do Estado às demandas oriundas da sociedade, nem sempre coincidentes com o que esperava a autoridade pública [p. 73].

Nesse sentido, os diversos excertos dos relatórios são ricos e emblemáticos das questões discutidas. Em relatório de 1806, por exemplo, a professora Carolina Moreira escreve: “Sinto dizer que, infelizmente, em nossas escolas os preceitos de hygiene estão bem longe de ser observados”. Adiante, avalia:

No meu franco modo de entender, acho que o nosso Regulamento é defeituoso e mesmo pernicioso na parte referente a matricula das escolas publicas primarias, pois é claro que um professor por mais trabalhador e esforçado não poderá, em absoluto, ministrar conhecimentos a 70 e 80 alumnos diariamente, com grande proveito, sem o concurso de um auxiliar;… [p. 83].

Os relatórios, tanto de professores quanto de inspetores, vão oferecendo, assim, uma ideia da rotina, mas também das carências e perplexidades que compuseram o cotidiano desses profissionais, em carreiras de organização incipiente, e dos conflitos entre a operacionalidade (ou a falta de) prevista na legislação e o funcionamento possível das instituições, permitindo reconhecer que “nada é mais equivocado do que supor que aqueles homens e mulheres simplesmente corroboravam o existente, fosse no plano das proclamações oficiais, fosse no plano das preocupações com os limites e as possibilidades de suas ações” (p. 84).

O quarto estudo, de Marta Carvalho (Uniso) e Maria Rita Toledo (Unifesp), trata da “análise material” das coleções de Lourenço Filho (Biblioteca da educação) e Fernando de Azevedo (Atualidades pedagógicas) voltadas à formação de professores. Para as autoras, as investigações sobre impressos de destinação pedagógica e seus usos escolares propiciam sólido suporte “a uma história cultural dos saberes pedagógicos interessada na materialidade dos processos de difusão e imposição desses saberes e na materialidade das práticas que deles se apropriam” (p. 89).

Aparece aqui, novamente, o perfil formador da coletânea: o estudo recupera conceitos de Chartier e Certeau imprescindíveis ao pesquisador iniciante – orienta quanto à necessidade de atenção à materialidade do impresso, às estratégias que conduziram sua produção e às táticas de apropriação que podem subverter os usos previstos.

O impresso destinado aos professores é tomado como produto de estratégias pedagógicas e editoriais de difusão dos saberes pedagógicos e de normatização das práticas escolares – as coleções de livros “organizam e constituem o corpus dos saberes representados como necessários à prática docente, constituindo, concomitantemente, uma cultura pedagógica” (p. 92). Referência importante para a análise é a Histoire de l’edition française, de Isabelle Olivero, que caracteriza as coleções como “uma nova classe de impresso cuja função essencial é a de conquistar e atender um público maior de leitores” (idem). No Brasil, o desenvolvimento do mercado editorial nas décadas de 1920 e 1930 favorece o investimento na “invenção” de um leitor-professor ou professor-leitor.

A identidade das coleções será produzida a partir da padronização de formato, estrutura, estratégias de seleção de textos e autores, e de divulgação. Contudo, é seu “aparelho crítico” (prefácios, notas, comentários de especialistas) que vai propor uma orientação, um “modo de usar” ao leitor e, ao mesmo tempo, permitir ao historiador, nas palavras de Carvalho e Toledo (2001), “entrever o leitor destinatário, desenhado pelo editor” (p. 93).

Apesar das semelhanças, as duas coleções analisadas diferenciam- se, e sua organização revela concepções diversas quanto à formação de professores. Assim, é identificado na coleção de Lourenço Filho um perfil mais prescritivo, com maior presença de prefácios e notas de tradução, em torno de um “conjunto fechado e ideal de saberes”, ao passo que a coleção de Fernando de Azevedo remeteria à ideia de pluralidade de perspectivas e saberes e à sua “eterna renovação” (p. 106).

O trecho que encerra o artigo ressalta o fato de que essas coleções são “partícipes” do processo de estruturação da rede escolar do país, assim como dos debates sobre a formação de professores e sobre o significado da educação para a modernização brasileira, o que sintetiza, de algum modo, a importância deste e de novos estudos voltados a esse objeto.

Finalmente, em “Desafios da arquitetura escolar: construção de uma temática em história da educação”, Marcus Lévy Bencostta (UFPR) procura costurar algumas reflexões sobre as “possibilidades interpretativas da linguagem arquitetural nos estudos em história da educação”, com o intuito explícito de fomentar o interesse de pesquisadores brasileiros pela arquitetura escolar. Bencostta refaz o itinerário de seu interesse pelo tema, aponta autores que educaram seu olhar para a linguagem da arquitetura e do espaço escolar, e destaca a importância metodológica do exame da própria concepção de espaço escolar bem como da percepção das relações deste com os projetos políticos, educacionais e urbanísticos.

Sugerindo fontes que vão desde contratos de construção, textos de cronistas e jornalistas sobre as transformações da cidade, tratados de arquitetura, até biografias e projetos de arquitetos, o autor defende a utilidade da diversificação de leituras, dos estudos comparados e da aproximação com diferentes áreas, como a geografia e a semiótica, para a compreensão dos sucessos e insucessos da “gramática arquitetônica” em meio à dinâmica urbana.

Dada a existência de estudos, tanto na área de arquitetura como na de história[1], sobre as construções escolares, talvez não seja ocioso ressaltar, nas proposições, o que distingue a investigação do historiador da educação – a intenção de entender a escola: “para se entender a escola e suas transfigurações, é significativo também compreender como as linguagens arquiteturais penetram nesse espaço permeado pelos discursos ramificados na sociedade e na história” (p. 122).

O livro cumpre, assim, seu projeto de articular perspectivas que, explorando diferentes objetos culturais, indicam e orientam possibilidades para a escrita da história da educação no Brasil. Apenas os muitos descuidos de revisão textual por parte da editora não condizem com a qualidade dos textos, nem com o bonito acabamento da edição.

Notas

[1] Os outros títulos são História da educação – Ensino e pesquisa, Cultura escolar –

Prática e produção dos grupos escolares em Minas, de 2006, Para a compreensão histórica da infância, de 2007, Escolas em reforma, saberes em trânsito – A trajetória de Maria Guilhermina Loureiro de Andrade (1869-1913) e Livro didático e saber escolar – (1810-1910), de 2008.

Suzete de Paula Bornatto. E-mail: [email protected]

[1] Exemplo recente é “Grupos escolares de Curitiba na primeira metade do século XX”, livro e CD de autoria de Elizabeth Amorim Castro (2009), arquiteta e doutoranda em história pela UFPR.

Acessar publicação original

História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: ensino primário e secundário no Brasil – SOUZA (C)

SOUZA, Rosa Fátima de. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: ensino primário e secundário no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008. Resenha de: BERGOZZA, Roseli Maria. História da educação: uma forma de aprender. Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 255-260, maio/ago, 2009.

A autora Rosa Fátima de Souza, licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia, atualmente é professora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Unesp (SP), Pós-Doutora pela University of Wisconsin (EUA) Obteve o título de Mestre pela Universidade de Campinas (SP). Realizou estágio de Doutorado na Universitad Autónoma de Barcelona. Seus trabalhos têm versado especialmente sobre temas como: cultura escolar, história do Ensino Fundamental e do Médio (nomenclatura atual), do currículo e do patrimônio histórico escolar. É livre-docente pela Unesp desde 2006.

A obra é composta por quatro capítulos, constituídos por estudos específicos sobre a história do ensino no Brasil. O primeiro capítulo aborda as transformações ocorridas no currículo da então escola primária entre os anos de 1890 e 1960. O segundo analisa a configuração do currículo predominante na Primeira República. O terceiro examina as transformações ocorridas na educação, entre as décadas de 30 e 60, contemplando as reformas educacionais de 1931 e 1942. O último capítulo aborda os Ensinos Fundamental e Médio, seguindo a lógica das novas concepções educacionais vigentes na época, amplamente difundidas no País, a partir da década de 60, como, por exemplo, a cultura técnica e científica, a educação para o trabalho e as transformações na cultura escolar brasileira.

Inicialmente, a autora faz uma reflexão histórica sobre as transformações da cultura escolar brasileira no século XX e traça um panorama mundial sobre os procedimentos didáticos e as tendências pedagógicas, anteriores ao século XX. Educar o povo seria uma preocupação central do projeto educacional republicano, e caberia à escola primária moldar o novo cidadão, para conviver com a nova e moderna sociedade. Nesse período, a crença no poder da escola tornouse uma ideia muito difundida, tendo a escola primária a atribuição de moldar o caráter das crianças, “incutindo-lhes especialmente valores, virtudes, normas de civilidade, e de amor ao trabalho”, ajudando na construção e consolidação da Nação brasileira. A veiculação desses valores cívico-patrióticos se fazia necessária, de tal forma que, segundo a autora, se buscou fazer da escola primária uma instituição eminentemente republicana.

Muitas das análises realizadas pela autora levam em consideração a realidade e dados relativos ao Estado de São Paulo. Porém, sempre que possível, estabelece relações com as transformações da cultura escolar no Brasil.

Em 1890, a reforma inicia pela Escola Normal, ampliando os programas e excluindo a educação religiosa, reafirmando a laicidade da escola pública e adotando o método intuitivo como marco de renovação educacional. Em 1892, com a mudança no sistema de eleições dos 14 milhões de habitantes estimados na época, só era permitido votar a quem soubesse ler e escrever. Por esse emotivo a maioria da população brasileira encontrava-se fora da participação política, posto que a taxa de analfabetismo aproximada, na época, era de 85% da população, caracterizando, assim, um grande problema a ser resolvido na incipiente República.

Souza considera que a institucionalização da escola pública primária no Brasil, no início do século XX, ocorreu por um processo de múltiplas diferenciações, incluindo os critérios de seleção escolar que eram rígidos e reveladores de contradições: seria uma educação voltada para o povo, mas altamente hierarquizada e excludente. No entanto, as Escolas Normais tiveram um papel determinante na formação do magistério primário de acordo com os ideais da escola republicana e da moderna pedagogia.

Segundo Souza, olhar para as práticas de ensino nos permite olhar também para a cultura escolar primária. Os exemplos que a autora utiliza mostram a identidade cultural, peculiar das escolas primárias. Essas foram sendo construídas através dos hábitos diários, como, por exemplo, a formação de fila para entrada na escola, o canto do Hino Nacional, a chamada, o registro, no caderno, do cabeçalho, as respostas em coro, as arguições orais, a exigência de silêncio. Como não nos é possível reconstruir o universo escolar, olhar para as práticas nos possibilita uma relativa aproximação com a cultura escolar primária.

Destacam-se, também, as práticas simbólicas que, realizadas nas instituições escolares, contribuíram para consolidar as ideias, os valores e as representações sociais ligadas à constituição de nacionalidade, como o respeito aos símbolos nacionais, o sentimento patriótico e, principalmente, o reconhecimento do valor social e cultural da escola.

A divulgação e a publicidade da escola no meio popular também se deram pelas comemorações cívicas, religiosas, festas de encerramento, exposições de trabalhos, preleções, dentre outras. Nessas celebrações, as instituições escolares contribuíram para a preservação da memória nacional, além de agir sobre o imaginário e os sentimentos das famílias, dos alunos, propiciando uma grande visibilidade para a escola perante a sociedade.

Na década de 20, surgiram novas práticas, como, por exemplo, a constituição de corpos saudáveis e viris, o ideal de patriotismo, o canto orfeônico criado para desenvolver o gosto artístico pela poesia e pela música nacionais.

Na década de 30, o ensino primário foi organizado sob os princípios da Escola Nova. No texto, a autora relaciona nomes importantes do movimento escolanovista brasileiro, os quais passaram pela direção do ensino público de São Paulo, como, por exemplo, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Sud Mennucci e Almeida Júnior.

A nova pedagogia escolanovista explicitava a orientação através de indicações metodológicas já descritas no Código de Educação do Estado de São Paulo, em 1933, como, por exemplo, “o ensino terá como base essencial a observação e a experiência pessoal do aluno, e dará a este largas oportunidades para o trabalho em comum, a atividade manual, os jogos educativos e as excursões escolares”.1 De acordo com a autora, os princípios doutrinários da Escola Nova reagiram contra a determinação sistemática e lógica dos programas, principalmente os utilizados pela escola primária, que foi um dos temas centrais nos projetos de modernização da sociedade brasileira, propagado pelos republicanos.

O então ensino secundário no Brasil tinha suas bases nos seminários e colégios jesuítas fundados na época colonial. Com as reformas pombalinas de 1759 e 1772, foram instaladas as aulas régias de latim, grego, retórica e filosofia. No entanto, a escola secundária, no início do século XX, destinava-se ao atendimento de um grupo minoritário, geralmente de representantes de grupos sociais com algum poder aquisitivo e expressava o interesse por estudos desinteressados, não havia relação com o mundo do trabalho. A autora afirma: “A formação das classes dirigentes continuou privilegiando a arte da expressão, a erudição lingüística, o escrever e o falar bem, o domínio das línguas estrangeiras e a atração pela estética literária.” (SOUZA, 2008, p. 89-90).

Porém, não era consensual essa padronização, tanto que Souza recorre a vários autores para explicitar que, no fim do Império, o ensino secundário encontrava-se em situação precária, e a questão da cientificidade, nos estudos secundários, já estava sendo discutida. Os defensores dessas ideias propalavam o preparo dos jovens para fazer frente aos novos desafios da sociedade moderna.

Em 1890, a reforma instituída pelo Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant, embora de orientação positivista, buscou a ampliação e a formação científica na educação secundária, contudo não chegou a se consolidar. As dificuldades notadas entre 1890 e 1900 declaram os entraves em ordenar um currículo estável, sendo, inclusive, dessa época, o Exame de Madureza, conferido aos concluintes do Ensino Secundário, para verificar os conhecimentos e o desenvolvimento intelectual desses alunos. Caso obtivessem êxito, lhes era conferido o grau de Bacharel em Ciências e Letras.

O caráter seletivo do ensino secundário evidenciou-se no início do século XX, tanto que a maioria dos estados brasileiros manteve, até 1930, um único ginásio público instalado nas suas capitais, a demanda era atendida pela iniciativa privada. A autora coloca dados, como, por exemplo: que o Brasil, em 1907, possuía 373 unidades escolares, 172 para o sexo masculino e 77 para o sexo feminino. Nessas escolas, encontravam-se matriculados 30.426 alunos, sendo que 23.413 eram do sexo masculino.

No fim da Primeira República, o ensino secundário foi tema de muitos debates na sociedade brasileira. No Congresso de Instrução Superior e Secundária, em 1922, realizado no Rio de Janeiro, algumas discussões giraram em torno de vários temas, dentre eles: a exigência ou não do latim como disciplina obrigatória. A síntese das teses e recomendações desse congresso estão publicadas na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, na seção documentos de 1944.

A autora afirma que, através da reforma de 1925, conforme Decreto de 13 de novembro de 1925, mesmo indiferente aos debates sobre a divisão do ensino secundário em ciclos e a diversificação dos programas, institui-se o sentido unitário da escola, referendando o caráter elitista do ensino secundário no País, destinado aos que pudessem fruir de uma educação longa e voltada para estudos de nível superior e com uma sólida base em cultura geral. Em seis anos de curso secundário, os alunos deveriam estudar 25 matérias obrigatórias, o estudo de Italiano e Alemão era facultativo.

Outra questão amplamente discutida, na década de 20, foi o Ensino Clássico versus Ensino Científico, ou seja, qual seria o mais adequado diante das novas necessidades da sociedade brasileira.

A escola secundária passa por uma remodelação e consolidação importantes, entre os anos de 1930 e 1960, principalmente através das reformas federais implantadas no governo de Getúlio Vargas: A Reforma Francisco Campos em 1931 e a Reforma Capanema em 1942.

Na Reforma Francisco Campos, os pressupostos da Escola Nova foram retomados e, dentre tantos pontos, um foi especialmente enfatizado: preparar os jovens para a vida e, principalmente, para o trabalho. A duração do ensino secundário passa para sete anos, e o ingresso ao primeiro ciclo se dava pelo Exame de Admissão. Segundo a autora, no que diz respeito à seleção cultural, a reforma trouxe um equilíbrio entre estudos literários e científicos, e o cientificismo foi revitalizado, embora a autora ressalte que, em parte, o currículo do ensino secundário perdeu o caráter humanista, tão acentuado até então.

A reforma que ficou conhecida como Capanema, na verdade, era a Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 9 de abril de 1942, proposta pelo ministro Gustavo Capanema. Essa reforma buscou o resgate da formação humanista e do ensino secundário como ensino das elites, resultando no Curso Clássico, com ênfase às letras, e o Científico com foco nas ciências, de acordo com as intenções para estudos posteriores.

Porém, em meados do século XX, o ensino secundário brasileiro sofreu grandes mudanças, inclusive na forma de acesso, atendendo à demanda das diferentes camadas sociais e perdendo o caráter elitista, adquirido anteriormente.

Anísio Teixeira e Lourenço Filho, citados pela autora, indicavam que a democratização do ensino se fazia necessária, quer pela necessidade de o Estado oferecer vagas, quer para atender às necessidades do tempo presente, tornando-se uma escola prática para enfrentar as novas mudanças sociais e econômicas que estavam se consolidando no Brasil.

Na década de 60, são inúmeras as mudanças ocorridas, em função, inclusive, das lutas ideológicas, políticas e sociais. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi aprovada em dezembro de 1961. Conforme a autora, seria a primeira vez que a união passaria a não mais controlar o ensino secundário desde o período imperial. Porém voltaria a centralizar e a burocratizar a educação, através da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. Mas foi na década de 70 que a escola pública consolidou-se no Brasil, bem como a sua universalização e expansão, adaptando-se, geralmente, de acordo com as demandas políticas e econômicas da sociedade brasileira.

Em síntese, a obra de Rosa Fátima de Souza é de suma importância para todos os pesquisadores da História da Educação, principalmente para os de alinhamento teórico com a história cultural, leitura importante para professores de História da Educação, pedagogos e interessados nas valiosas contribuições históricas acerca da organização do trabalho escolar, do currículo e das reflexões sobre a cultura escolar.

Em outros termos, a autora apresenta uma visão panorâmica do percurso histórico da educação no Brasil. Nesse sentido, considera-se essa obra de Souza um texto básico para os estudiosos da área da educação e uma leitura obrigatória para profissionais que, direta ou indiretamente, atuam no meio educacional.

Nota

1 Código de Educação do Estado de São Paulo (apud SOUZA, 2008, p. 77-78).

Roseli Maria Bergozza – Aluna do Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

Acessar publicação original

Educación y cultura en el Estado Soberano del Magdalena (1857-1886) – MENESES (M-RDHAC)

MENESES, Luis Alarcón; CALDERÓN, Jorge Conde; DELGADO, Adriana Santos. Educación y cultura en el Estado Soberano del Magdalena (1857-1886). Barranquilla: Fondo de publicaciones de la Universidad del Atlántico, 2002. 257p. Resenha de: ORTEGA, Antonino Vidal. Memorias – Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe, Barranquilla, n.1, jun./dic., 2004.

Antonino Vidal Ortega – Ph.D. en Historia. Jefe, professor e investigador del Departamento de Historia y Ciencias Sociales de la Universidad del Norte, en Barranquilla, Colombia. Director de Memorias.

Acesso apenas pelo link original

[IF]

História da Educação | SBHE | 2001

Historia da Educacao SBHE

Revista Brasileira de História da Educação – RBHE (Maringá, 2001-) é a publicação oficial da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE).

O periódico adota a publicação contínua de artigos inéditos resultantes de pesquisas, que abordem temas associados à história e à historiografia da educação.

A RBHE tem como objetivos a ampla circulação do conhecimento e a promoção da discussão em torno dos diferentes problemas que permeiam o campo de pesquisa e ensino da história da educação, a partir de uma perspectiva interdisciplinar e plural em termos teóricos e metodológicos.

O periódico publica, também, dossiês, resenhas e entrevistas com personalidades de destaque nacional e internacional.

Periodicidade contínua.

Acesso livre.

ISSN 2238-0094 (Online)

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

História da Educação | ASPHE 1997

Historia da Educacao ASPHEE

História da Educação ([São Leopoldo], 1997-) é uma publicação da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação – Asphe e e tem como finalidade disseminar conhecimentos relacionados à área de História e Historiografia da Educação.

Recebe apoio financeiro do CNPq/Capes e apoio institucional de diferentes Universidades do Rio Grande do Sul.

Aceita para publicação textos inéditos nos diferentes formatos: artigos, dossiês, traduções, sessão especial/entrevistas, resenhas, arquivos/documentos, cujas temáticas se inscrevam na referida área ou em outros campos de conhecimento que possuam intersecção com a História da Educação.

A revista está hospedada no portal de revistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no endereço http://seer.ufrgs.br/asphe, e apresenta-se em formato online.

Periodicidade anual.

Acesso livre.

ISSN 2236-3459

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Historia de la Educacion – Anuario | SAHE |1996

Historia de la Educacion Anuario

Historia de la Educación – Anuario (Buenos Aires, 1996-), publicação da Sociedad Argentina de Historia de la Educacion, é uma revista científica/acadêmica da Sociedade Argentina de História da Educação (SAHE). Trata-se se de um órgão que expressa a atividade cientifica da temática especificada. É uma publicação acadêmica de regime duplo-cego que tem como objetivo apresentar e difundir a produção histórico-educativa mais recente.
Aceita contribuição de pesquisadores de outros países que complementem e enriquecem a produção nacional. O primeiro número foi lançado em 1996. Integra o Núcleo Básico de Revistas, formado por publicações cientificas e tecnológicas argentinas de alto nível.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2313-9277 (On line)

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos