Religiosidade no Brasil | J. B. B. Pereira

O primeiro artigo tem como título “As religiões indígenas: o caso tupi-guarani”. Nele, o autor Roque de Barros Laraia não se apropria de fazer um inventário das diferentes religiões indígenas do Brasil, mas, sim, por meio do exemplo tupi-guarani, possibilitar ao leitor o entendimento de algumas características dos sistemas de crenças existentes entre os índios do Brasil. Laraia se detém na descrição do pajé e de tupã, e trata do entendimento de alma para os indígenas. Assim, o autor levanta os quatro tipos de alma: espíritos errantes (aqueles que morreram e não alcançaram ser bons), espíritos criadores ou heróis culturais, os donos das florestas, das águas e dos rios, e os espíritos de animais. Outros dois pontos norteadores para a compreensão das religiões indígenas, segundo o autor, referem-se ao entendimento de “céu” que indica onde estão as almas dos antepassados, o herói mítico, e à perda da vida eterna, em que, como nas religiões cristãs, há uma Eva, só que Tupi não colheu o milho desobedecendo à ordem de Mahyra.

Faustino Teixeira é o autor do segundo artigo da coletânea: “As faces do catolicismo brasileiro”. Inicialmente, Teixeira apresenta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre as religiões no censo de 2000, em que o catolicismo continua como a religião com o maior número de fiéis, porém apontando para um grande crescimento de evangélicos e dos sem religião. Muito instrutivo, o autor aponta a complexidade da religião católica no Brasil e de forma bastante lúcida enumera quatro vertentes dos meandros do catolicismo: santorial, oficial, de reafiliados e midiático. Ao findar sua análise, Teixeira conclui que o Brasil é um país do sincretismo religioso, mas que ainda há de se elucidar o intenso trânsito entre tradições opostas.

Assim como Teixeira, Renata de Castro Menezes, autora de “Uma visita ao catolicismo brasileiro contemporâneo: a benção de Santo Antônio num convento carioca”, analisa os dados do IBGE sobre as religiões católicas e protestantes no Brasil de forma introdutória a seu texto, que se concentra no culto aos santos como objetivo de estudo. Menezes explica que o culto santorial funciona como um delimitador no ambiente cristão por catalogar claramente dois grupos: os católicos que creem na legitimidade da prática e os evangélicos que consideram o culto aos santos como idolatria. Etnograficamente, ela descreve o ato da benção propriamente dito no convento franciscano do Largo da Carioca, cujo padroeiro é Santo Antônio, desde os atos do padre ministrante até o comportamento e deslocamento dos fiéis em direção à recepção da benção. Menezes explica que, conforme o calendário católico, a benção pode estar associada a outros santos além da variação sincrônica que converge com o estilo pessoal de cada padre, o que confere às celebrações ênfases e nuances diferentes.

Observando o público do convento, a escritora encontrou diversos rituais pessoais com os santos. Ações voluntárias desenvolvidas pelos frequentadores que mostram uma forte marca religiosa, como: rezar nos nichos dos santos em pé ou ajoelhado diante das imagens, beijá-los ou deixar-lhes flores e fotos. Ela defende um movimento que chamou de “circularidade cultural” para descrever a troca de ritos religiosos entre fiéis, leigos e sacerdotes no que se refere à benção no catolicismo popular.

O quarto artigo, “Anglicanismo no Brasil”, de Carlos Eduardo B. Calvani, tem por objetivo descrever a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (Ieab), embora haja outras três igrejas anglicanas. Calvani esclarece que a Igreja Anglicana não pode ser considerada seita, segundo a classificação weberiana, por apresentar todos os elementos sugeridos por Weber (1982). Explica também que o anglicanismo busca equilibrar-se entre as tradições católicas e protestantes, o que de fato é uma busca constante de acomodação das diferenças em função da comunhão. Esse artigo também traz singelas e pontuais informações sobre a doutrina, estruturação e história. Por fim, Calvani aborda a questão da rigidez litúrgica do direito canônico e de sua aplicabilidade, bem como a não observância dessas orientações nas celebrações que podem ser passíveis de punições de processo disciplinar caso não sejam criteriosamente aplicadas.

O quinto artigo, brilhantemente escrito por Antonio Gouvêa Mendonça, “O protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas”, traz profunda clareza aos termos bastante aplicados no cenário da religião: protestantismo, protestantismo brasileiro versus protestantismo no Brasil e o ser protestante. Didaticamente, periodiza o movimento protestante no Brasil, o que dá ao leitor pleno entendimento do texto em seu contexto histórico e atual: período de implantação do protestantismo no Brasil; desenvolvimento do projeto de cooperação ou pan- -protestantismo, aplicação de “um bando de teologias novas” e crise política e religiosa, ensaio de politização do protestantismo e impacto do pentecostalismo. Como um agricultor que tem uma terra muito preparada para o plantio e a colheita, Mendonça “semeia” o terreno fértil da compreensão do protestantismo com suas pesquisas de campo e traz à tona um levantamento histórico, em que as divergências protestantes se encontram e, em algumas ocasiões, se perfazem únicas.

Lauri Emilio Wirth, em “Protestantismo brasileiro de rito luterano”, convenciona no protestantismo brasileiro uma tripartição: protestantismo de imigração, de missão e pentecostalismo. Neste sexto artigo, o autor se detém somente no protestantismo de imigração. Wirth faz um breve apanhado histórico da imigração europeia para o Brasil e aponta os motivos sociais, econômicos e políticos. Analisa a distribuição colonizadora desses imigrantes e a preocupação religiosa dos imigrantes para que se pudesse convergir o interesse brasileiro na imigração e o bem-estar dos imigrantes na colonização que tanto o país queria, e como o protestantismo brasileiro de raízes germânicas se desenvolveu das comunidades de fé à institucionalização de um protestantismo étnico. O autor elenca motivos sociais, econômicos e políticos que desencadearam a transição do protestantismo étnico para o luteranismo brasileiro.

O sétimo artigo dessa obra reserva-nos uma matéria muito importante. Não no sentido de ser este artigo mais relevante que os demais, mas por tratar de uma das igrejas mais antigas e desconhecidas deste país: a Igreja Evangélica Brasileira. O autor Paulo Barrera Rivera, em “A reinvenção de uma tradição no protestantismo brasileiro: a Igreja Evangélica Brasileira entre a Bíblia e a Palavra de Deus”, concentra-se na compreensão de a doutrina dessa igreja ser mantida até os dias de hoje depois de mais de 120 anos com o objetivo de analisar o “processo de invenção, construção e institucionalização da nova tradição religiosa” (p. 112). Para tanto, Rivera se apropria da biografia familiar do fundador dessa nova tradição religiosa, Miguel Vieira Ferreira, e discorre sobre fatos históricos, familiares e as concepções de mundo fortemente marcadas pelo calvinismo.

Rivera se utiliza de duas cartas de Vieira Ferreira (discurso dirigido à classe dos artistas e discurso de inauguração da escola do povo) que demonstram as habilidades deste como orador. Esse talvez tenha sido o motivo da rápida ascensão na liderança presbiteriana e do início do pré-protestantismo de Vieira Ferreira, que entendia perfeitamente o lugar de destaque que o protestantismo dava à instrução religiosa, já que ser cristão não era somente um milagre para o protestantismo. A partir da conversão de Vieira Ferreira, Rivera constrói, perante os olhos do leitor, a Igreja Evangélica Brasileira desde a sua inauguração, sua doutrina da predestinação que interdita a salvação messiânica, a constituição do título de Vieira Ferreira – Grande Príncipe Miguel – e os motivos que o fazem elo entre a igreja e o céu até os dias de hoje. Na sequência, a narrativa adiciona elementos para o entendimento da instituição no que tange a novas doutrinas e tradições e do novo livro chamado Testamento eterno. Esse artigo mostra com clareza diversos elementos antagônicos ao protestantismo, como a escrita do novíssimo testamento, o fato de a filha de Vieira Ferreira ser separada como a “virgem” e o “Filho da Promessa”, título dado ao filho do fundador da igreja e que lhe confere um status superior.

Em “As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre uma relação ainda pouco avaliada”, o objetivo de Leonildo Silveira Campos é classificar e compreender as várias modalidades de pentecostalismo no Brasil. O autor do artigo também lista perguntas cruciais que sempre estimularam suas pesquisas e que trariam as respostas às questões ainda não respondidas. A partir daí, Campos inicia uma narrativa histórica reunindo esforços, argumentos e documentos para sistematizar uma cronologia dos fatos. O autor faz um resumo no qual sincroniza alguns possíveis iniciadores ou reiniciadores do pentecostalismo norte-americano, amalgamando elementos não religiosos como política, economia e características sociais, o que torna a leitura desse artigo árida e um tanto anacrônica. Então, a seguir, já deveras mergulhado no tema pentecostalismo, Campos enumera as influências sobre o pentecostalismo brasileiro por meio de breves biografias, como as de Charles F. Parham, o pai do reavivamento pentecostal do século XX e o primeiro pregador a falar do batismo com o Espírito Santo; e William Joseph Seymour, da famosa ocorrência da Azuza Street. Na conclusão, o autor apresenta um mapa histórico dividido em três fases: pré-pentecostalismo, explosão pentecostal e principais divisões do pentecostalismo após 1906.

No nono artigo, “A Igreja Ortodoxa do Brasil”, Mauricio Loiacono sistematiza sua matéria em tópicos cujos subtítulos são bastante claros. Partindo da definição do que é a Igreja Ortodoxa e das razões que culminaram na ruptura entre a igreja do papa de Roma e a igreja do primaz patriarca de Constantinopla, Loiacono traz às claras o principal motivo da ruptura entre as duas metades da Igreja de então: o Filioque (expressão latina que designa que o Espírito Santo procede do pai). Seguindo seu sistema de exposição do texto, o autor faz um inventário dos ritos presentes na liturgia da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa. Explica a adoção de ícones na devoção ortodoxa. Ícones são imagens pintadas que seguem um padrão que as difere das pinturas comuns e seu preparo especial desde a escolha do iconista (o pintor da arte) até o material que será utilizado. Outro fator importante que Loiacono destaca é a devoção a Virgem Maria. Pode-se afirmar que se cultuam praticamente em igualdade a Virgem e o Cristo, desde o concílio de Éfeso no ano 431. O autor elenca os motivos do desmembramento e da dispersão das igrejas ortodoxas, que hoje são autônomas, além de apontar que o crescimento da Igreja Ortodoxa se deve, e muito, à independência dessas igrejas. Cita ainda algumas igrejas que se apartaram da sede Constantinopla. Loiacono faz um inventário da Igreja Ortodoxa no Brasil, de suas igrejas mais representativas em São Paulo e de suas ligações às igrejas-mãe. Por fim, descreve a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Russa no Exílio de São Paulo que inseriu, em sua liturgia, o culto em português devido à grande procura pela Doutrina em Retidão. Apesar da acepção iniciada por uma ala tradicionalista da igreja a essa abertura, essa igreja não experimentou nenhum tipo de ruptura. Outro ponto fundamental a ser destacado é que a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio é totalmente contra qualquer ação ecumênica. Ao concluir o artigo, o autor afirma que essa igreja mantém a maior fidelidade em relação à guarda dos preceitos ortodoxos e busca o isolamento cultural porque a igreja também exerce o papel de manter a cultura russa viva em seus fiéis.

O décimo artigo, “Mobilizações sociorreligiosas no Brasil: os surtos messiânico-milenaristas”, pretende se ocupar dos casos mais numerosos e significativos referentes ao messianismo rústico, ainda que não desconsidere fenômenos observados em cenários indígenas e urbanos. Renato da Silva Queiroz, autor do texto, enumera eventos recentes que provam a atualidade apocalíptica do tema, o que pode ser um catalisador de novos surtos. Entre as publicações, Queiroz destaca o livro publicado por Norman Cohn Cosmos, Caos and the world to come: ancient rootes of the apocalyptic faith, que investiga as raízes da crença sobre o fim do mundo. Entre as dissertações, o autor dá evidência à tese de mestrado de Cristina Pompa, Memórias do fim do mundo, que enfatiza a memória remanescente do surto e define o messianismo como um fato social total. Ainda com maior destaque, cita a tese de doutorado de Maria Amélia Schimidt, Afetos e circunstâncias, que trata de um estudo sobre o episódio Mucker repleto de testemunhos sobre as diferentes versões produzidas por quem se envolveu no caso. Na seção “Fontes e recriação artística”, Queiroz afirma que raramente esses surtos são catalogados. E quando o são, cabe, geralmente, a jornalistas, literatos, governantes e religiosos essa tarefa. Nos registros pesquisados pelo autor do artigo, o credo e seus surtos são tratados com preconceito e hostilidade. A mentalidade messiânica é encontrada na população rural brasileira, fenômeno denominado pelo autor de catolicismo rústico. A maior crença é a de que o Salvador virá buscar seu povo e que o mundo vigente será destruído para instauração do reino de paz, ou seja, tudo na terra é transitório e passageiro e não deve ser passivo de apegos. Queiroz relata outros movimentos importantes de sebastianismo (basicamente é um messianismo adaptado às condições lusas e à cultura nordestina do Brasil, que traduz uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, por meio da ressurreição de um morto ilustre) e os divide em quatro categorias para análise. Queiroz relata as interpretações adotadas nos estudos disponíveis, a saber: interpretações biopsicológicas e sociológicas tradicionais. Arrematando o artigo, o autor busca reconstruir os fatos (surtos) de acordo com a visão dos que participaram deles.

O décimo primeiro artigo, “Concepções religiosas afro- -brasileiras e neopentecostais: uma análise simbólica”, de Wagner Gonçalves da Silva, trata da guerra santa que há entre as igrejas neopentecostais e as religiões afro-brasileiras. Em sua análise, o autor considera que o prefixo latino neo representa o abandonar da radicalidade pentecostalista, valorização do pragmatismo e da gestão empresarial das igrejas, referindo-se à teologia da prosperidade e ao uso das mídias de massa para alcance de novos adeptos. Segundo Silva, a opção da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) de propor uma guerra com as religiões afro-brasileiras deve-se ao fato de que ela não teria forças para empenhar-se numa guerra santa com a Igreja Católica desde o evento em que um pastor chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. O autor relata o uso da glossolalia nos cultos e nos atos de exorcismo de demônios, bem como ressalta o uso de palavras que teriam poder mágico-religioso em curas, em que se utiliza a linguagem dos anjos para expulsar os demônios, e as compara com o termo axé do candomblé que é a emanação das forças sagradas. Partindo desse princípio, Silva tece comparações entre o neopentecostalismo da Iurd e as religiões africanas. De acordo com o autor, existem cosmogonias cruzadas entre as religiões africanas e o neopentecostalismo no que se refere aos demônios. Além disso, aponta que a Iurd, em vez de privilegiar o Cordeiro de Deus, procura explorar os demônios. O autor sugere uma aproximação bem acentuada entre o neopentecostalismo e as religiões africanas brasileiras e faz um quadro comparativo com o calendário litúrgico dessas religiões e o calendário católico, alegando ter grandes similaridades. Por fim, analisa os ritos da Iurd e encontra, conforme seu prisma, semelhanças com diversos ritos católicos e com os ritos afro-brasileiros. Outro ponto importante a ser destacado é que o autor defende a homogeneidade do movimento neopentecostal. Silva elide as inúmeras divergências práticas e doutrinárias que há no segmento.

Em “O espiritismo na encruzilhada: mediunidade com fins lucrativos?”, Sandra Jacqueline Stoll discute o comprometimento da ética em relação aos sistemas econômicos, tema clássico da sociologia. Stoll descreve um estudo de caso sobre a família Gasparetto marcada pela proximidade da “Nova Era” e das práticas de “autoajuda” que muitas vezes têm fins lucrativos, o que é uma posição antagônica em relação a um dos fundamentos da prática espírita, da mediunidade com caridade. A pesquisadora percorre os caminhos da discussão na internet de um arquivo publicado pela revista Veja em um site espírita que muito repercutiu, analisa o espiritismo da autoajuda até a ética da prosperidade, cujo tema é de um frescor, porém com características de propagação, o que sinaliza para um distanciamento da tradição espírita.

“Judaísmo(s) brasileiros(s): uma incursão antropológica” é o título do décimo terceiro artigo desse compêndio. Marta F. Topel apresenta ao leitor um relato histórico do judaísmo no Brasil, que se inicia nos primeiros anos do século XVII. Topel descreve os primeiros anos da colonização, o perfil dos novos habitantes brasileiros, o contexto do Brasil da época e todos os percalços em função da não liberdade de culto, e as emigrações pelo território nacional. A autora explica as novas formas de judaísmo no Brasil, as mudanças alternadas e o desenvolvimento de um processo de diversificação exacerbado que beirava o sincretismo religioso. No Brasil atual, observam-se várias formas desse judaísmo recriado, algumas influenciadas claramente pela visão de mundo dos Estados Unidos e de Israel, que são centros que difundem seus valores a comunidades menores. Topel faz diversas comparações entre os dois grupos que representam os extremos opostos do judaísmo: judeus ortodoxos paulistanos e os descendentes de judeus nas cidades do interior do Pará. Concisamente, a autora desenvolve algumas reflexões sobre o judaísmo, as comunidades judaicas e a religião judaica. Suas reflexões apontam para temas como a relação intrínseca entre etnia e religião e a definição do judaísmo, além de analisar aspectos concernentes aos meios utilizados por essas comunidades para inferir quem é judeu ou não. Segundo a autora, a maioria dos judeus brasileiros está distante da autoridade haláchica por viver numa sociedade que subjetivou a fé. Por fim, Marta Topel apresenta contornos gerais sobre o futuro das comunidades judaicas do Pará que emigraram para Israel e daquelas que vivem no interior da Amazônia.

Ricardo Mário Gonçalves, autor do décimo quarto artigo – “As flores do Dharma desabrocham sob o Cruzeiro do Sul: aspectos dos vários “budismos” no Brasil” –, utiliza o recurso autobiográfico para construção de seu artigo, haja vista ser um observador participante do budismo desde meados dos anos 1960. Dá linhas gerais sobre o que é apresentando os três princípios fundamentais do budismo: impermanência, insubstancialidade e nirvana. De acordo com o autor, existe uma gama farta do que chama de “budismos”, no plural mesmo. Apresenta um panorama simplificado desse universo e frisa as formas hoje presentes no Brasil: o Therevada ou Escola de Anciães, o Mahayana ou Grande Veículo e o Vajrayana (Veículo do Raio ou do Diamante) ou budismo tântrico, sempre “pincelando” os contextos histórico e geográfico do desenvolvimento dessas escolas distintas de budismo que obviamente vieram da China, Coreia e Japão e se instauraram no Brasil. Gonçalves discorre sinteticamente sobre a inserção do budismo no Brasil em várias regiões, analisa o budismo brasileiro atual e sugere linhas futuras para a religião no país nos próximos anos.

Em “Novas religiões japonesas e sua inserção no Brasil: discussões a partir da psicologia”, Geraldo José de Paiva traça o caminho de duas novas religiões japonesas no Brasil, Seicho- -No-Iê e Perfeita Liberdade, já admoestando o leitor a compreender o termo “novas” aplicado ao que se refere à independência delas como religião e não como tempo, origem. Paiva explica que o “Lar do Crescimento” ou Seicho-No-Iê, como é a religião mais conhecida no Brasil, parte da revelação essencial que nada existe de material, só existe a verdade, ou a realidade, com desdobramentos de doutrinas derivadas como: o homem é filho perfeito de Deus e enfermidades e pecados não são reais em si mesmos. Outro ponto de destaque é o culto aos antepassados. A Perfeita Liberdade, por sua vez, tem como essência doutrinária a pessoa do fundador e os 21 preceitos revelados, sintetizados no primeiro: vida é arte. Paiva analisa a inserção da Seicho-No-Iê e da Perfeita Liberdade no Brasil. Também apresenta dados de estudos do processo de conversão do catolicismo à Seicho-No-Iê, colhidos em entrevistas semidirigidas com brasileiros sem ascendência oriental, organizados em quatro modalidades: mudança consumada de pertença grupal e de simbólico; mudança em curso de pertença e de simbólico; pertença a mais de um grupo e acréscimo de mais um simbólico; ambiguidade de pertença e de simbólico. Paiva conclui afirmando seu objetivo de mostrar o interesse de fiéis católicos pelas novas religiões japonesas por meio de ângulos distintos da psicologia, principalmente para que se livrem da culpa do pecado posta no catolicismo.

José Guilherme Cantor Magnani abre seu artigo “Xamãs na cidade” descrevendo o xamanismo urbano na cidade de São Paulo. O décimo sexto artigo de Religiosidade no Brasil apresenta as origens dos xamãs em bases bastante díspares: autores consagrados como Mircea Eliade, Carl Jung até as cosmologias atribuídas a povos indígenas em supostos cultos religiosos desaparecidos. Magnani chama atenção do leitor para o xamanismo urbano como novo sistema, oriundo daqueles encontrados nas populações tradicionais, porém aberto ao indivíduo que queira experimentar o sagrado. Magnani também discorre sobre as principais características do xamanismo urbano que difere daquele xamanismo caboclo, popular. O autor aponta para o que chamou de circuito xamã, que é a interconexão entre o xamanismo urbano e os canais neoesotéricos, em que se pode detectar um padrão de contato dos xamãs de São Paulo com toda uma estrutura especializada na qual podem se aperfeiçoar, praticar e clinicar. Magnani lista uma série de atividades que alguns xamãs puderam realizar por estarem conectados nesse circuito. Conclui que o xamanismo urbano busca as referências da prática nas comunidades indígenas, na mitologia clássica e nas obras acadêmicas. Também está inserido na Nova Era, consumindo bens e serviços neoesotéricos e em busca de mais uma alternativa para expressar e cultivar novas dimensões de espiritualidade.

Em “Ritual, etnicidade e identidade religiosa nas comunidades muçulmanas no Brasil”, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto traz-nos, de forma bastante ampla, as várias faces do islã atual no Brasil. A abordagem escolhida pelo autor identifica o islã regionalmente no Brasil, suas características locais, seus êxitos e dificuldades, como se pode ver nas discrições dos grupos islâmicos no Rio de Janeiro, Curitiba e São Paulo. Outro ponto da pesquisa de Pinto foi analisar a proliferação de sites e páginas na internet com conteúdo islâmico. O autor descreve, em sua conclusão, os caminhos futuros do islã de um modo geral e no Brasil.

O décimo oitavo artigo, “Italianos no protestantismo brasileiro: a face esquecida pela história da imigração”, foi escrito por João Baptista Borges Pereira, organizador do livro. Pereira focaliza historicamente a Igreja Congregação Cristã no Brasil. Sua narrativa costura desde os primórdios da imigração italiana, a primeira igreja dessa denominação até sua inserção no protestantismo brasileiro. O autor discorre sobre o relato de Francescon (fundador da igreja) e suscita, na retórica desse líder, as raízes italianas nessa igreja. A Congregação Cristã passou por três fases etnicizadas: a primeira refere-se à herança italiana presente na igreja, em sua totalidade (até os hinários utilizados na liturgia continham letra em italiano); a segunda está relacionada a uma fase denominada “mestiça”, em que a igreja estava dividida entre a raiz italiana e a pluralização étnica e social; e a terceira refere-se ao fato de, à época, a igreja ser reconhecida como proletária, ou seja, os indivíduos que a frequentavam não eram cristãos abastados nem ricos. Ao findar o artigo, Pereira conclui que há uma dicotomia a ser analisada nesse ambiente: de um lado, o que chamou de marcha instável de aculturação dos imigrantes italianos e, de outro, o grande crescimento dos movimentos neopentecostais entre imigrantes e pobres.

Em “Congregações femininas no Brasil e o reavivamento religioso em fins de século, Augustin Wernet descreve, de maneira bastante inteligível, um relato histórico das congregações católicas femininas no Brasil. Analisa o crescimento das congregações em função do movimento imigratório europeu para o Brasil, principalmente para as lavouras de café em São Paulo, porque, como descreve Wernet, a situação da igreja no novo contexto italiano (Estado Italiano Unificado) era extremamente difícil por causa da sociedade laicizada e secularizada. O autor remonta ao Brasil do século XIX em plena modernização, que foi envolvido pela revitalização do catolicismo e do reavivamento religioso europeu. Por fim, o autor dá-nos um parecer quantitativo das congregações no Brasil em 1888.

Suzana Ramos Coutinho Bornholdt é autora do vigésimo: “História, especificidades e inserção do budismo japonês da Soka Gakkai no Sul do Brasil”. Inicialmente, explica que a Soka Gakkai é um movimento budista formado por leigos que hoje são encontrados em mais de 190 países, com mais de 12 milhões de adeptos. Bornholdt conduz-nos, em seu artigo, através dos breves históricos do budismo no Brasil, especificamente o budismo no Rio Grande do Sul e a designação Soka Gakkai estabelecida no país. A pesquisadora analisa as perspectivas de como a Soka Gakkai se insere em contextos específicos, as estratégias utilizadas e se estas remetem a doutrinas dúbias em suas diversas faces no contexto gaúcho e no contexto diversificado brasileiro, e os meandros e mecanismos internos que remetem a uma busca de autoformatar-se para ser mais bem aceita por brasileiros. A autora finaliza com algumas conclusões sobre a implantação da religião no Rio Grande do Sul.

Essa obra tem retórica independente por autor e, portanto, não promove interação entre os textos. Algumas similaridades podem ser encontradas entre os artigos que têm como tema central a mesma religião. O livro Religiosidade no Brasil é uma obra bastante rica, um compêndio, porém não há que se colocar sobre seus ombros o “jugo” de ser a enciclopédia das religiões brasileiras. A obra, em seus diversos artigos, de forma bastante sucinta, representa religiões indígenas, africanas, orientais, religiões de origem norte-americana e europeia de forma bastante dinâmica, permeada de experiências de campo e narrativas históricas, o que permite ao leitor discorrer sobre os textos com a leveza nem sempre pertinente aos trabalhos acadêmicos. Fato importante é lembrar que grandes movimentos religiosos ainda não constam da obra, não somente as de ordem neopentecostal, como Igreja Apostólica Renascer em Cristo, Igreja Internacional da Graça e Igreja Mundial do Poder de Deus, mas outras religiões afro-brasileiras, orientais e a vasta gama religiosa indígena brasileira. A diagramação, encadernação, tipo e tamanho de fonte tornam ainda mais agradável a leitura, bem como facilitam possíveis frisos e anotações do leitor. Recomendo a leitura desse livro a todo público interessado no tema religiosidade e considero de suma importância que os estudantes e cientistas da religião tenham um exemplar dessa obra em suas respectivas bibliotecas.

Referências

WEBER, M. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982.


Resenhista

Marcos José Martins Araújo – Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

PEREIRA, J. B. B. (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2012. Resenha de: ARAÚJO, Marcos José Martins. Olhares sobre a religiosidade brasileira. Ciências da Religião – História e Sociedade. São Paulo, v. 12, n. 2, p. 275-288, dez. 2014. Acessar publicação original [DR]

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