A arte de conhecer a si mesmo – SCHOPENHAUER (FU)

SCHOPENHAUER, A. A arte de conhecer a si mesmo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Resenha de: ALVES, Bernardo Veiga de Oliveira. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.1, p.106-107, jan./abr., 2010.

“Querer o menos possível e conhecer o mais possível, eis a máxima que conduziu minha trajetória de vida” (Schopenhauer, 2009, p.3). Assim Schopenhauer começa o seu livro. A obra é dividida em 38 máximas, com anotações autobiográficas, recordações e reflexões do comportamento em geral. Depois, há uma sequência de 17 das suas máximas e citações preferidas. Schopenhauer tinha este texto como uma espécie de manual da arte de conhecer a si mesmo para a orientação do seu ideal. Começou a escrevê-lo em 1821, dois anos após o Mundo como vontade e representação (1819), e continuou por mais duas décadas a construção do texto.

Podem-se destacar três elementos importantes: O seu ideal filosófico de dedicar-se sobretudo à busca da verdade, o seu pessimismo diante do convívio humano, e as suas críticas ao sexo feminino. Segundo o autor, ele mesmo está incumbido de realizar uma ação do espírito que nenhum outro poderia fazer, o que implica alguns sacrifícios, como abdicar de alguns prazeres próprios do homem comum:

As coisas de que necessariamente sou privado em minha vida pessoal me são compensadas de outra maneira, ao longo da vida, pelo pleno gozo do meu espírito e empenho em favor de sua orientação inata; de fato, se as possuísse, não as fruiria, e ser-me-iam até mesmo impedidas. Para um espírito que doa e realiza por si mesmo aquilo que nenhum outro pode da mesma forma doar e realizar, e que justamente por isso subsiste e perdurará – seria ao mesmo tempo cruel e insano querer forçá-lo a fazer outras coisas, ou mesmo atribuir-lhe tarefas obrigatórias, afastando-o do seu dom natural (Schopenhauer, 2009, p.4).

Desta forma, ele diz que o ideal monacal é algo natural nas nações civilizadas, em que algumas pessoas, conscientes de suas faculdades espirituais sobressalentes, defendem o cultivo de tais aptidões sobre qualquer outro bem, cujos frutos se tornariam depois patrimônio da humanidade: “Embora pertençam à classe hierarquicamente mais nobre da humanidade, cujo reconhecimento é uma honra para qualquer um, renunciam à distinção mundana com uma humildade análoga à do monge” (Schopenhauer, 2009, p.32).

Assim, como consequência da sua visão do ideal filósofo, ele defende certa misantropia1, o que evidencia o seu pessimismo sobre a humanidade. Mas repare que o seu desprezo pelas pessoas é antes fruto de uma tendência pessoal do que de uma plena convicção do seu pensamento, isto é, tinha dificuldades para viver conforme uma mente serena e mais social do filósofo, como diz: “A natureza fez mais do que o necessário para isolar o meu coração, na medida em que o dotou de desconfiança, excitação, veemência e orgulho numa proporção quase inconciliável com a mens aequa, mente serena do filósofo” (Schopenhauer, 2009, p.49).

Por fim, encontramos o machismo de Schopenhauer. Mesmo sendo contra a sua visão, não podemos ignorar o destaque do autor ao universo feminino, algo que era raro antes de Schopenhauer e que fortemente influenciará a visão de Nietzsche. Grande parte do seu pensamento é decorrente da sua própria misantropia e de alguns fortes preconceitos do século XIX. Porém, o que mais influenciou a sua visão foram os fortes desentendimentos que, segundo o autor, tinha com a sua mãe, por desprezar o pai e, quando viúva, por acolher amantes dentro de casa (Volpi, 2004).

Mesmo criticando o idealismo de Hegel, podemos dizer que Schopenhauer cai, nesta obra, em certo idealismo existencial, da solidão do filósofo. O que podemos questionar é até que ponto a sua visão é própria da conveniência do agir filosófico, ou de uma forte disposição introspectiva do autor. Se a missão do filósofo é tão nobre que o faz ser diferente do “homem comum”, ele não teria que se esforçar para conviver socialmente, como o homem político aristotélico, ou o transformador social de Marx? Em função da sua missão, ele não teria que fortalecer a sua vontade para poder se doar socialmente? De qualquer forma, conhecer a si mesmo, retomando o princípio grego, mostra-se como uma máxima perene, no comportamento do filósofo, da busca de um aperfeiçoamento pessoal. Portanto, independentemente das conclusões misantrópicas, o grande valor da obra consiste na aplicação desta máxima moral.

Notas

1 “A grande maioria das pessoas assemelha-se às castanhas-da-Índia, aparentemente comestíveis como as demais, todavia intragáveis” (Schopenhauer, 2009, p.51).

Referência

VOLPI, F. 2004. Introdução. In: A. SCHOPENHAUER, A arte de lidar com as mulheres. São Paulo, Martins Fontes, p.XV-XVIII.

Bernardo Veiga de Oliveira Alves – Mestrando da Universidade do Vale dos Sinos. São Leopoldo, RS, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]