Partido político ou bode expiatório. Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) / Lúcia Gringberg

O estudo de Lúcia Grinberg sobre a ARENA tem o mérito de valorizar duas funções essenciais da pesquisa histórica. Seu livro, primeiro, é uma história que estuda criticamente o passado, que vai às fontes, que, com seus métodos e descobertas, questiona a rigidez e a solidez de memórias sociais específicas. Segundo, toma a memória social como objeto de investigação. Quem as reproduz, as difunde, muitas vezes não possui consciência do processo pelo qual tal construção memorialística passou até chegar a sua forma final. A memória também é histórica. Ela também foi construída ao longo do tempo para legitimar práticas e propostas.

Afinal, pergunta-se Lúcia, qual ARENA ela encontrou ao iniciar suas pesquisas? O primeiro indício é a reação de seus colegas de pós-graduação. Riram. Perguntaram se ela não teria se enganado, se não pretendia pesquisar o Teatro de Arena. Além do seu círculo social, a autora identificou uma memória claramente estabelecida sobre o partido na década de 1990. Entre vários exemplos, cita o caso de membros do PFL que, em 1995, esforçavam-se para desvincular a imagem do partido criado em 1985 com a memória negativa sobre a ARENA. Em resumo, a ARENA seria o partido do adesismo irrestrito aos mandos militares e, também, um partido artificial, sem representatividade alguma, simples instrumento utilizado pelos militares para dar ares de legitimidade aos seus governos. O que Lúcia quer entender é: serão verdades todas as generalizações que atualmente se fazem sobre a ARENA? Como tais generalizações se construíram? A quais propósitos serviram? E qual a importância de criticá-las para uma nova visão sobre o período da ditadura militar?

É a partir do início da ARENA que podemos ver os primeiros problemas. Não foi formada apenas por antigos udenistas que apoiaram o movimento de 64. A diferença entre o número de parlamentares udenistas que foram para a ARENA e ex-membros do PSD é de apenas 08 membros. Ex-udenistas contribuíram com 86 parlamentares e ex-membros do PSD com 78. Estava certo o jornalista Villas-Boas-Corrêa ao brincar que a ARENA seria a filha da UDN que caiu na zona? Ou o partido foi inicialmente formado por setores políticos conservadores que não estavam apenas na UDN? Aliás, por políticos com grande experiência eleitoral, com nomes conhecidos pelos eleitores. A autora traz uma lista com o nome de todos os primeiros membros do diretório nacional da ARENA, sua filiação partidária antiga e os cargos públicos que tinham ocupado. Nenhum deles surgiu do nada. Lideranças nacionais como Benedito Valadares, Milton Campos, Gustavo Capanema e Magalhães Pinto tornaram-se arenistas. O que indica, para a autora, certo consenso entre as elites conservadoras brasileiras e, principalmente, que a ARENA tinha uma representação social historicamente associada aos nomes que congregou, representação esta que não pode ser negada. Cairia mais um mito: o da ARENA como um partido biônico, sem valor social, sem representação.

Afinal, Lúcia quer ver a ARENA não apenas como uma criação institucional artificial, mas como um sintoma de algo mais amplo, de características conservadoras da sociedade brasileira. Para reforçar seu argumento, traz cartas enviadas para o Diretório Nacional do partido de cidadãos comuns, não ligados diretamente à política. Cartas de apoio ao partido. De defesa dos abstratos princípios da Revolução de 64, contra o comunismo, contra os baderneiros, contra a anarquia que teria se instalado antes da retirada de Goulart do Poder.

Outro mito que Lúcia derruba é a da relação eternamente dócil entre ARENA e governos militares. Sua análise mais forte é sobre o chamado caso “Márcio Moreira Alves”. Por críticas feitas à invasão da Universidade de Brasília pelos militares, Márcio Moreira Alves tornou-se alvo de ódio por parte dos setores mais radicais das Forças Armadas. A pressão foi tão grande que o Executivo pediu licença ao Congresso para cassar o mandato do Deputado. Chega ao plenário o pedido e, ao contrário do que insinuaria a idéia do “sim, senhor”, da subserviência irrestrita, do total de 216 deputados que rejeitaram o pedido, 95 eram da ARENA.

Um dia depois, Costa e Silva baixa o AI-5. E o governo passa a tratar o “seu” partido de forma diferente. Lideranças “liberais” da ARENA se afastaram de posições de comando, como Daniel Krieger, Milton Campos e Carvalho Pinto. Mas Lúcia salienta a obscuridade do período imediatamente após o AI-5. Os arquivos da ARENA pouco dizem. O que lhe restou, diz, foi procurar na imprensa declarações de arenistas. Uma delas é exemplar de como o caso Márcio Moreira Alves é um marco para a história da relação entre ARENA e os militares. Geraldo Freire, líder da ARENA na Câmara dos Deputados, teria declarado a jornalistas que seria necessário a criação de um novo partido. A ARENA teria falhado. Era rebelde. O que o regime precisava era efetivamente de um partido do “sim, senhor”, da rendição incondicional aos mandos dos militares.

Outra solução seria a manutenção da ARENA, precedida por uma limpeza ideológica. Os elementos possivelmente rebeldes deveriam ser retirados do partido. E foi o que o governo fez. 27 parlamentares efetivos da ARENA foram cassados. Contando os 06 suplentes cassados, o total é de 31. Politicamente, a principal arma utilizada contra a ARENA foi a aprovação da Emenda Constitucional número 1. Ela previa a perda do mandato do parlamentar que por votos ou atitudes contrariasse as diretrizes estabelecidas pelas lideranças partidárias. Seria uma forma de controlar os arenistas sem recorrer a expedientes como o fechamento do Congresso. Como as lideranças eram escolhidas pelos governos militares, tornou-se realmente mais tranqüilo para o Executivo comandar o seu partido de sustentação. Percebe-se, portanto, como a história da relação entre ARENA e governo não foi estática. Teve seu dinamismo.

A autora traz outros episódios evidentemente menores que marcaram certas distâncias entre a ARENA e o governo até o período que considera o de liberalização do regime, 1974-1979. Nele, inicia-se a construção de um dos clichês solidificados na memória social atual sobre a ARENA: o partido do “sim, senhor”. Segundo a autora, com a maior liberalização do regime a partir de 1974, e com as vitórias eleitorais do MDB, os embates parlamentares tornaram-se mais ácidos, mais competitivos. E uma das formas dos parlamentares do MDB de ridicularizar a ARENA era acentuar sua subserviência. Ao estudar documentos internos do partido, Lúcia salienta como o “sim, senhor” incomodou os arenistas. Não eram discursos feitos para o público, para serem divulgados, eram discussões privadas que mostravam o grande incômodo que os parlamentares sentiam com as provocações do MDB.

Para continuar a historicização da memória solidificada atualmente sobre a ARENA, Lúcia sai do parlamento e vai para a imprensa. Analisa principalmente charges publicadas em jornais de grande circulação, como o Estado de São Paulo e o Correio da Manhã. A explicação para o estudo e análise das charges é simples: em momentos autoritários, a imprensa é obrigada a recorrer a estratégias alternativas para abrir o mínimo de espaço que seja para a crítica, e o humor é uma das principais.

A autora analisa diversas charges que repetem temas como a indecisão da ARENA, sua falta de identidade, mas as partes mais interessantes são sobre as charges que falam sobre a relação da ARENA com o governo. Nelas, a ARENA é quase sempre representada como uma mulher. Sempre em posição de subordinação, cozinhando para o marido “governo”, ou se pintando e arrumando para o amante “governo”. Charges mais críticas representavam a ARENA como uma prostituta ou uma boneca inflável, dois objetos de desejo que se venderiam fácil para os militares. Uma das charges, por exemplo, mostra uma mulher toda pintada e arrumada, usando uma saia com ARENA escrito e, suspirando, diz: “ele sorriu pra mim…ele sorriu pra mim…” E, ao longe, vemos as costas de um militar. Em outra charge, de Hilde Weber, publicada no ESP em 7/2/1969, a ARENA é representada como uma mulher pobre, usando roupas sujas e esburacadas, com lágrimas nos olhos ao ver que as portas de uma casa estão sendo abertas a ela. O nome da casa: governo. O título da charge: volta ao lar. Há, no entanto, uma importante ressalva feita pela autora: as charges feitas no período militar sobre a ARENA não seriam tão virulentas e ridicularizadoras como as feitas na década de 1990. Isso indicaria uma mudança ainda maior de atitude da sociedade brasileira da década de 1990 sobre o período militar, devedora, diz, do processo de redemocratização iniciado na década de 1980 que, para se legitimar, ridicularizou e repudiou fortemente os militares e a ditadura em geral.

Eis que Lúcia conclui, a partir de seu estudo: a ARENA atuou muitas vezes como partido político realmente, tendo representação social digna de ser considerada como parte importante da cultura política de determinados setores da sociedade brasileira, mas a ARENA também foi um bode expiatório. A partir da transição democrática, a ARENA e os militares foram inteiramente responsabilizados pelos tempos ditatoriais. Os militares seriam os gorilas, a força bruta, ignorante. E a ARENA, a parte fraca, covarde, que não só não resistiu como apoiou a ditadura e todos os seus feitos.

E aí está o maior mérito da pesquisa feita por Lúcia Grinberg. Ridicularizar a ARENA e os militares, diz, é ignorar que setores importantes e representativos da sociedade brasileira também apoiaram o regime militar. Lúcia se recusa a pensar a ARENA como uma entidade vazia. Não, suas atitudes, sua construção, os votos que recebeu mesmo quando havia a possibilidade do MDB, apesar de todas as restrições eleitorais, indicam, sim, representatividade. Indicam, sim, que a ditadura militar brasileira não se sustentou por tanto tempo apenas pela habilidade dos militares e dos políticos que teriam apoiado o regime. Indicam, finalmente, que é importante tirar a ditadura militar e a ARENA do campo da memória para melhor entendermos o período de 64-79. É a graça das piadas sobre a ARENA que nos impede de olhar além, criticamente. É verdade, por fim, que a autora desconstrói piadas e nos tira algumas boas risadas, mas nos propõe algo valioso em troca: um olhar crítico que traga de volta como objeto de pesquisa o grande elemento silencioso do período militar, a sociedade civil.

João Leonel da Rosa Pantoja – Mestrando em História Social pela Universidade de Brasília. Contato: [email protected].


GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório. Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, 301p. Resenha de: PANTOJA, João Leonel da Rosa. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.17, p.112-116, ago./dez., 2010. Acessar publicação original. [IF].

artido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (1965-1979) – GRINBERG (EH)

GRINBERG, Lucia. Partido político ou bode expiatório:
um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. Resenha de: NEGRO, Antonio L. A Arena não é a filha da UDN que caiu na zona. Estudos Históricos, v.23 n.46 Rio de Janeiro July/Dec. 2010.

Um partido político que, de fato, se tornou um bode expiatório. Esta assertiva mal resume o excelente livro de Lucia Grinberg. Longe dos embates políticos e da memória construída nos anos 1980, é dada ao leitor uma visão detalhada e mais complexa sobre a formação e funcionamento da Arena, bem como do sistema partidário brasileiro, tanto o do pré-64 quanto o do pós-64 (até 1979). Grinberg ressalva que ridicularizar a Arena silencia um aspecto acentuado da História da sociedade brasileira após o golpe de 64: o envolvimento dos civis no apoio à ditadura e mesmo na sua gestão. Com seus milhares de eleitores, adeptos, cabos eleitorais, chefes locais e lideranças, a Arena foi um partido inicialmente integrado por uma tarimbada geração de políticos que se encarregou, inclusive, de formar novos dirigentes. Esses quadros não só atuaram nos anos 1970, como também marcaram presença no Brasil democrático da Constituição de 1988.

Ao contornar um quadro historiográfico quase saturado de pesquisas sobre a esquerda, a autora empreendeu uma investigação compreensiva, sensível e com bom humor, abordando tema grave e trombudo: um partido de direita, esteio de um regime ditatorial e sanguinário (mas que não dispensou, totalmente, a existência de eleições, partidos – situação e oposição – e, por conseguinte, do Poder Legislativo). Logo, o que Lucia Grinberg dá ao leitor é um livro que alia pesquisa rigorosa a uma observação que percebe a incerteza, a diversidade, o jogo de forças, e a heterogeneidade do processo histórico.

Elegendo para epígrafe do capítulo 1 “a Arena é a filha da udn que caiu na zona”, a autora foi feliz em indicar que seu livro incide sobre um período estendido entre o pré-64 – note-se a menção à União Democrática Nacional – e os anos 1980, quando a Arena é elaborada, na memória e nas páginas do humor político, como uma mulher maldita, alvo de apedrejamentos, motivados, em sua maior parte, é lógico, pela raiva contra a ditadura. Como Grinberg argumenta que, “enquanto os militares e o governo não podiam ser atacados de frente, a Arena podia” (p. 284), cabe, assim, seguir sua percepção: de um lado, uma mulher ridicularizada (a própria Arena); de outro, gorilas viris e brutamontes (os militares).

Entre os seus mais interessantes resultados, o livro mostra a importância do Partido Social Democrático (psd) no funcionamento da Arena e de como esse partido getulista era visto pelos arenistas como “o modelo por excelência de partido governista e majoritário”, cuja sigla caberia à Arena recuperar em caso de eventual dissolução. Em 1979, isso era, com certeza, uma “alternativa inesperada”, em particular quando “contrastada com a memória construída sobre a Arena como a grande herdeira da udn” (p. 221). Se a associação entre Arena e psd foi mais recorrente do que o esperado, isso corrobora que o trabalhismo foi a parte mais indigesta da controversa herança de Vargas. No final, valeu foi o realismo, pois reeditar a sigla do psd poderia ofender convicções udenistas – antigetulistas – sobreviventes na Arena. Nota a autora que a sigla PDS, de Partido Democrático Social, escolhida para suceder a Arena, era parecida com a do psd. Um trecho da autobiografia Memórias de um stalinista, de Hércules Correa, parece combinar com isso: “Meu jovem”, disse-lhe o senador Amaral Peixoto, do psd, “as boas idéias o PCB formula, o PTB agita e o psd realiza”. Em alguma medida, em plena Arena, isso talvez tenha valido para suas alas radicais, as concentrações udenistas e o realismo pessedista.

Afora o fantasma da turbulência social e do facciosismo extremado, o temor ao retorno das siglas do sistema partidário do pré-64, proscrito no ai-2 de 1965, é usado pela autora para remeter ao peso do mulitpartidarismo dos anos 1945-1964, que permaneceu como “referência identitária durante o bipartidarismo”, frisando “a importância da sigla, do vocabulário, enfim, da história de um partido” (p. 223, 222). É também quando dialoga com as teses da artificialidade da Arena – que a censuram “pelo que ela não é, não tem, não faz” (p. 31) – que Grinberg afirma que a Arena era uma novidade em posse de lideranças experimentadas. Embora inventada pelo novo regime, seus aderentes possuíam “longa prática na política partidária”. Muitos haviam exercido “mandatos sucessivos para diversos cargos eletivos, razão pela qual não se pode deixar de reconhecer sua visibilidade e representatividade junto à população” (p. 32).

Essa é, a propósito, uma proveitosa consideração para a Bahia, que pode ter ficado de fora da conspiração, conforme se presume, mas que certamente sustentou com base social o golpe que derrubou Jango. Antes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que aconteceu depois da queda do presidente, a Bahia era um estado que, por décadas a fio, políticos udenistas (Juracy Magalhães), mas também pessedistas (Pedro Calmon), afirmavam ser um lugar avesso a conflitos de classe, ao mesmo tempo em que rezavam um catolicismo conservador e assumiam posições anticomunistas. Tudo isso sem negar seus princípios liberais. Como alerta Grinberg, é preciso notar homens como Luiz Viana Filho (udn) e Antônio Carlos Magalhães (psd) foram eleitos e reeleitos antes do golpe e, depois do golpe, foram feitos governadores, convertendo-se em lideranças nacionais.

Nesta, como em outras passagens de seu livro, a autora é certeira em sua original análise. No lugar de responsabilizarmos apenas os militares pelo autoritarismo, é preciso enxergar a proeminência social desses civis que receberam a Arena das mãos do novo regime. Um detalhe positivo de Grinberg, a propósito, é ter documentado o apoio do ex-deputado federal da udn Gilberto Freyre à ditadura. Considerando a democracia um estrangeirismo nas terras do Brasil (p. 169), desqualifica também o liberalismo. Nisso, Freyre ladeia o ex-integralista Miguel Reale, afora outros reacionários.

A presença dos estados é outro ponto alto do livro, pois as origens diversas dos arenistas são relevantes para o enfrentamento do “tempo de crise” (1964-1975), quando tiveram de ceder espaço à “atuação ostensiva do militares” (p. 46). É a partir daí que Grinberg evidencia, sistematiza e analisa a heterogeneidade vigente na Arena, na sua relação com o Executivo, nos debates sobre sua identidade, suas alas e chefes em disputa, seus dilemas e impasses. Resumidamente, ela explica: “nem todos os militares e políticos que apoiaram o movimento de 1964 desejavam o mesmo modelo de partido. Em segundo lugar, nem todos os governos militares procuraram fortalecer o seu partido” (p. 42).

Esse tempo de crise foi, também para a Arena, uma experiência difícil e angustiante, dividida em quatro fases: 1964-1966 (conspiração e dúvidas), 1966-1968 (incerteza e cisões), 1969-1973 (silêncio e reorganização) e 1974-1979 (abertura política). Como ocorre de suceder nas revoluções, enquanto uns queriam fazer tabula rasa do passado, outros faziam a defesa, às vezes migalhas, dos variados interesses da representação política parlamentar do pré-64, o que indica que Arena e governo “não formavam um bloco monolítico” (p. 48). Em acréscimo ao ai-5 e a episódios de absoluto controle do poder (cassações, nomeações, os recessos do Congresso em 1966, 1968 e 1977), o impedimento da posse do vice-presidente do marechal Costa e Silva Pedro Aleixo na presidência do país, em 1969, marcou o auge do conflito entre governistas, cindidos entre militares e arenistas. Fica assim patente que os militares não eram patriotas idealistas, ludibriados por raposas civis. As decisões centrais do regime, apesar da participação dos civis, foi, muitas vezes, exclusividade dos militares, em particular no que toca à questão institucional, independentemente das disputas internas na Arena, que sempre existiram.

Cumpre-me tecer paralelo entre a agonia da Arena com outras dilacerações. Foi a defesa da autenticidade da representação parlamentar perante o trabalhismo e o comunismo que levou o Congresso a abjurar princípios democráticos em favor do poder militar. Sistemas de inspiração diversa (o Parlamento liberal e o sindicalismo corporativista) passaram por experiências similares. Em nome de sua autenticidade, forças direitistas do pré-64 ganharam dos militares cenários varridos de seus rivais, mas foram depois encurraladas por esses mesmos militares, sendo marginalizadas e fragilizadas, demonstrando pouca competitividade perante seus adversários, quando estes conseguiam se reorganizar. Contudo, de 1978 em diante, se o sindicalismo pró-ditadura saiu abatido, a disputa no sistema partidário teve outro resultado. Não só uma série de casuísmos protegia e promovia a Arena, como também os arenistas lograram acordar de sua depressão, exibindo consigo aquela costumeira astúcia de quem tem prática, recursos e influência.

Partido Político ou Bode Expiatório, de Lucia Grinberg, é um livro poderoso. Encontra seu posto na História do Brasil, além de mudar, qualitativamente, nosso entendimento sobre seu objeto. Dada sua análise habilidosa, abre pontes para sabermos mais da Anistia, dos novos do pós-79, das Diretas Já, e da política no Brasil, tanto ontem como hoje.

Antonio L. Negro – Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil ([email protected]).