Los últimos años de la reforma agraria mexicana/ 1971-1991: una historia política desde el noroeste | Luis Aboites

Uno de los principales temas dentro de la historiografía agraria mexicana es el de la reforma agraria. Resultado del movimiento armado iniciado en 1910, esta reforma ha sido estudiada en miles de páginas en donde se destacan las políticas impulsadas por el Estado posrevolucionario, el número de hectáreas repartidas, los problemas que trajo su puesta en práctica y su culminación con la promulgación de la reforma al artículo 27 constitucional en el año de 1992, por solo mencionar algunos de los aspectos que se han abordado. Este último punto, el fin de la reforma agraria, es el objeto de estudio de la obra que aquí se reseña.

Los últimos años de la reforma agraria mexicana es un libro que nos presenta una historia política de los últimos 20 años del reparto agrario. Desde una perspectiva en donde se conecta lo regional con lo nacional, este trabajo busca rebasar la interpretación que sitúa como grandes protagonistas del fin de la reforma agraria a las políticas neoliberales impulsadas en México desde la década de los años ochenta y al autoritarismo del régimen de partido único, encabezado por el Partido Revolucionario Institucional (PRI). En contraposición con esta postura y como una de las principales contribuciones de esta investigación, el autor realiza una crítica puntual a la estatolatría de cierta historiografía que ha centrado su análisis en la figura presidencial, en las políticas estatales y en la historia de la reforma agraria dividida en sexenios, para poner mayor atención en los cambios demográficos y económicos, así como en el papel de los actores, específicamente “en los enemigos de la reforma agraria” (p. 20), por lo que, en última instancia, se trata principalmente de una historia política de los conflictos entre el antiagrarismo de los hacendados-empresarios expropiados y el Estado posrevolucionario, “en especial contra el presidencialismo y el Partido Revolucionario Institucional (PRI)” (p. 21), que culminó con el triunfo de los primeros. Leia Mais

Lo local en debate. Abordajes desde la historia social, política y los estudios de género (Argentina, 1900-1960) | Andrea Andújar e Leandro Lichtmajer

Puerto de Buenos Aires Imagem Histamar
Puerto de Buenos Aires | Imagem: Histamar

Durante los últimos años, la problematización sobre las escalas territoriales de análisis ha comprometido a historiadoras e historiadores en la tarea de discutir con aquellos discursos clásicos que han homogeneizado las particularidades regionales en una única “historia nacional”, y que han propuesto una mirada lineal sobre los procesos que ella comprende.

Nutriéndose de estas discusiones, este libro propone una serie de diálogos entre la microhistoria, la historia regional, historia local, historia a ras del suelo e historia desde abajo. Desde una perspectiva que se encuentra en las antípodas de la lógica posmoderna del “fin de los metarrelatos”, la articulación que aquí se propone entre tales corrientes historiográficas no postula una fragmentación de los problemas, sujetos y territorios de estudio, sino que plantea recuperar y reponer las realidades regionales en un nivel micro para articularlas en una totalidad histórica más compleja. Leia Mais

Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 | Heather Dichter (R)

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DICHTER H Soccer Diplomacy1Heather Dichter | Foto: The Hithacan |

Nas últimas duas décadas, as pesquisas sobre a relação entre futebol e ciências sociais se desenvolveram de forma célere no Brasil. Um aspecto, entretanto, permaneceu à margem das principais monografias: estudos sobre diplomacia, relações internacionais e esporte (Suppo, 2012, p. 397-433). O impacto da chamada década esportiva,1 momento em que o esporte estava na ordem diplomática, não se refletiu no aumento de estudos sobre o assunto no país. Na literatura internacional, porém, o panorama é distinto. Em 2014, os historiadores Heather Dichter e Andrew L. Johns editaram Diplomatic games, livro sobre a relação entre esporte, agência estatal e relações internacionais. Na conclusão, Thomas Zeiler apontava uma lacuna: nenhum capítulo sobre futebol em um volume hegemonizado por historiadores dos Jogos Olímpicos (Zeiler, 2014, p. 443). Seis anos depois, em uma resposta à altura da provocação de Zeiler, Heather Dichter traz ao público nova coletânea – Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 – dedicada exclusivamente ao esporte mais popular do mundo.

Soccer diplomacy percorre contextos geográficos múltiplos – Ásia, África, Europa, Oceania, América do Sul, Estados Unidos e Caribe – para refletir sobre as relações entre futebol e diplomacia. No total, são dez capítulos, além de uma introdução e uma conclusão, escritos por pesquisadores de origens nacionais distintas. São mobilizados documentos dos arquivos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), da Federação Internacional de Futebol (Fifa), de ministérios das relações exteriores diversos e de federações esportivas nacionais e internacionais. Um dos principais méritos da coletânea é justamente o de pôr em diálogo os arquivos diplomáticos e os arquivos das instituições esportivas nacionais e internacionais. Com frequência, a ideia de autonomia dos esportes separou esses dois campos de investigação.

Refletindo o quadro da literatura internacional, há no livro o predomínio de uma abordagem que trabalha o futebol como instrumento político, o que, por vezes, tende a reduzi-lo a uma ferramenta política governamental. Um dos efeitos indiretos é a negligência do papel das emoções nas relações internacionais, campo que tem crescido nos últimos anos.2 Os sentimentos e os estereótipos nacionais possuem impacto na tomada de decisões políticas, por isso devem ser incorporados à análise. A redução do esporte a instrumento político termina por sobrevalorizar a racionalidade e a intenção dos atores políticos, além de reforçar uma visão das relações internacionais centrada no Estado.

Nesse aspecto, seria interessante retomar uma provocação feita por Sarah Synder: podem os historiadores das relações internacionais enxergar torcedores, jogadores e técnicos como atores diplomáticos? Pode-se falar do futebol como uma forma própria de diplomacia? (Snyder, 2020).A distinção metodológica feita por Peter Beck entre diplomacia do futebol (soccer diplomacy) e o futebol como diplomacia (soccer-as-diplomacy) pode ser útil. No primeiro caso, a diplomacia do futebol se dedicaria a pensar os usos que os Estados nacionais fazem do esporte. No segundo, o futebol como diplomacia pensaria os atores envolvidos no campo esportivo – clubes, torcidas, dirigentes, federações esportivas internacionais – na conformação de uma diplomacia de força própria. “Enquanto a diplomacia do futebol é uma área relativamente bem conhecida” – arremata o próprio Peter Beck – “o futebol como diplomacia […] é ainda um conceito emergente” (Beck, 2020, p. 227).

Na prática, entretanto, os conceitos se misturam. Basta pensar, por exemplo, que o papel da Fifa na organização de um arcabouço político internacional é tema onipresente no livro. À primeira vista, é digno de nota que a cronologia do livro se sobreponha à periodização do século XX esquadrinhada por Eric Hobsbawm (1994). Nela, o marco zero é a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Paul Dietschy reforça o argumento: “o período entre 1914 e 1939 é crucial para o desenvolvimento de uma diplomacia esportiva” (Dietschy, 2020). Não é coincidência, aliás, que esse período seja o de consolidação da Fifa. Na década de 1920, a Fifa salta para cerca de quarenta filiados, com representação política nos cinco continentes (Burlamaqui, 2020). Essa observação mostra como a gênese de uma diplomacia do futebol é fenômeno indissociável da arquitetura do sistema Fifa e, portanto, do futebol como diplomacia.

O crescimento da Fifa, por sua vez, é correlato à criação e à expansão do seu principal produto: a Copa do Mundo de Futebol Masculino. Três capítulos do livro – de autoria de Paul Dietschy, Brenda Elsey, e Euclides Couto e Allan Valente – trabalham diretamente a escolha do país sede para o torneio. Aqui, o tema em relevo são as estratégias de três países – França, Brasil e Chile – que se apresentaram como candidatos a receber a Copa do Mundo. Em primeiro plano, Dietschy observa a precocidade do investimento do Ministério das Relações Exteriores francês na diplomacia futebolística. Antes da Segunda Guerra Mundial, a Fifa contou com vários presidentes franceses, com ligação direta com o Quai d’Orsay. Dietschy destaca o papel de Jules Rimet na escolha da França como sede da Copa do Mundo em 1938. Por sua vez, Couto e Valente e Elsey refletem sobre o problema e o peso das identidades e dos estereótipos nacionais na disputa por esses torneios. Nos dois casos, a imagem construída internacionalmente e o apelo às características ditas intrinsecamente nacionais são determinantes. Em 1962, a imagem do Chile como um país estável, sem golpes de Estado ou levantes revolucionários, foi crucial para que os delegados da Fifa o escolhessem como sede da Copa do Mundo em detrimento da Argentina. Em 2014, o mito da democracia racial foi revisitado nos discursos do presidente Lula nos preparativos para a Copa do Mundo sediada no Brasil.

Outro campo temático explorado no livro é o da relação entre Guerra Fria e futebol. Não faz muito tempo o historiador Robert Edelman observou como o futebol permaneceu do lado de fora das narrativas sobre Guerra Fria (Edelman, 2018, p. 417-432). À primeira vista, como os Estados Unidos tinham pouco interesse no jogo, o futebol teria se mantido alheio ao confronto, enquanto os Jogos Olímpicos se converteram no principal local da disputa política entre as superpotências. Esse panorama começou a ser revisto desde a publicação de The global Cold War, de Odd Arne Westad (2005). Desde então, novas abordagens sobre o confronto – mais atentas às dimensões regionais do conflito – foram produzidas. Esse novo olhar sobre a Guerra Fria possibilitou rever o lugar do futebol nesse conflito.

Em The finest ambassadors: American-Icelandic football exchange, George Kioussis revisita o suposto lugar excepcional dos Estados Unidos, alheio à diplomacia do futebol durante a Guerra Fria. O capítulo mostra como o Departamento de Estado estadunidense também viu na diplomacia do futebol uma estratégia para disputar os “corações e mentes durante a Guerra Fria”. Kioussis faz um estudo de caso sobre uma turnê da seleção estadunidense à Islândia em 1955. Por sua posição geográfica, a Islândia era vista como aliado estratégico dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Uma das formas de conter a influência cultural soviética na região foi o envio da seleção de 1955 para a disputa de uma série de três partidas. No ano seguinte, os islandeses seriam convidados a visitar os Estados Unidos.

Descentrar o olhar euro-americano sobre a Guerra Fria é tema do texto de Erik Nielsen, Sheilas, wogs and poofters in a war zone, sobre um torneio amistoso vencido pela seleção australiana no Vietnã em meio à Segunda Guerra da Indochina.3 Ainda sobre Guerra Fria: o capítulo de Heather Dichter, “Football more important than Berlin”, por sua vez, fala sobre um problema comum: a restrição de vistos concedidos aos países do Leste Europeu. A política da Otan de não reconhecimento da Alemanha Oriental contrastava com os procedimentos adotados pela Fifa, que admitiu a associação da Alemanha Oriental em 1953. Vale dizer que a Fifa foi uma das poucas associações esportivas internacionais a aceitar imediatamente países como a Alemanha Oriental e a Coreia do Norte. Não raro, a política da Fifa contrastava com a postura dos governos nacionais, que restringia o acesso dos atletas às competições e não emitia vistos. Heather Dichter analisa, então, dois torneios juniores da Fifa que a Alemanha Oriental, embora classificada, não pôde disputar pela não emissão de vistos. Ela examina, então, como essa política da Fifa foi importante para revisão de medidas da Otan de isolamento da Alemanha Oriental. E provoca: se os países ocidentais falavam tanto em liberdade de circulação e criticavam a existência do Muro de Berlim, como conciliar este discurso com essa política de não emissão de vistos?

Vale mencionar ainda o capítulo de Roy McCree, “High Jack, soccer and sport diplomacy in the Caribbean, 1961-2018”. No pós-Segunda Guerra Mundial, a Fifa adotou o sistema confederativo, que organiza suas associações nacionais em continentes. A Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) é responsável pela América Central, o Caribe e a América do Norte. O capítulo analisa como Jack Warner emergiu de uma pequena associação nacional – Trinidad e Tobago – para se transformar em um protagonista da política da Fifa nos últimos anos. McCree salienta a importância das divisões internas da Concacaf – o bloco caribenho, o bloco da América Central e a América do Norte – na importância da construção do poder de Warner, líder do bloco caribenho, responsável por 31 federações nacionais no Congresso da Fifa. É importante destacar que o texto é raro estudo sobre o papel das confederações na construção de uma ordem futebolística internacional. Para uma análise não eurocêntrica do sistema Fifa é preciso revisitar o papel histórico que as confederações desempenharam na produção desse modelo político internacional.

Uma última nota crítica. No livro, o futebol apresentado é tão somente o futebol de espetáculo-masculino. Para aludir a um conceito formulado pelo antropólogo Arlei Damo (2018), trata-se do futebol no singular, e não de futebóis, no plural. Pensar as relações entre diplomacia e o futebol praticado por mulheres, por exemplo, seria uma das formas de pluralizar o termo. A ausência desse tema é percebida pela própria organizadora Heather Dichter, que lamenta não ter sido capaz de incluir texto sobre a Copa do Mundo de Mulheres. Essa, entretanto, não seria a única forma de pluralizar o conceito. Uma dificuldade ainda maior é a de pensar o futebol como diplomacia às margens do sistema Fifa, além da fronteira construída por essa instituição. O desafio é trabalhar formas de futebol não vinculadas à ação estatal e ao sistema Fifa, como, para citar exemplos, o futebol de várzea, o futebol praticado por etnias indígenas, o futebol praticado por grupos LGBTQ e por associações internacionais de trabalhadores. São, em síntese, formas de pensar e fazer o futebol que operam às margens do sistema Fifa e, não raro, são produzidas em plano internacional e/ou transnacional.

A despeito dessa pequena observação, Soccer diplomacy é já obra incontornável aos interessados em investigar a história do futebol e as relações internacionais. Apresentando fontes inéditas e interessantes problemáticas metodológicas, o livro abre rotas importantes de investigação.

Referências

BECK, Peter. Conclusion: “Good kicking” is not only “good politics”, but also “good diplomacy”. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 221-251.

BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. A dança das cadeiras: a eleição de João Havelange à presidência da Fifa São Paulo: Intermeios, 2020.

DAMO, Arlei. Futebóis: da horizontalidade epistemológica à diversidade política. FuLiA/UFMG (Belo Horizonte). v. 3, n. 3, p. 37-66, 2018.

DICHTER, Heather . (ed.). Soccer diplomacy: inter­national relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020.

DIETSCHY, Paul. Creating football diplomacy in the French Third Republic, 1914-1939. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 30-38.

EDELMAN, Robert. An interview with Robert Edelman. Kritika: Explorations in Russian and Eurasian History v. 19, n. 2, p. 417-432, 2018.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

KEYS, Barbara. Henry Kissinger: the emotional statesman. Diplomatic History (Oxford). n. 3, p. 587-609, 2011.

SNYDER, Sarah B. Playing on the same team: what international and sport historians can learn from each other. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexing­ton: The University Press of Kentucky, 2020, p. 18-30.

SUPPO, Hugo. Reflexões sobre o lugar do esporte nas relações internacionais.Contexto Internacional(Rio de Janeiro). v. 34, n. 2, p. 397-433, 2012.

Luiz Guilherme Burlamaqui – Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), campus Recanto das Emas. Brasília (DF), Brasil. [email protected].


DICHTER, Heather. (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914.Lexington: The University Press of Kentucky, 2020. 286 p. Resenha de: BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. Na encruzilhada: o futebol entre a história política e a diplomacia. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

Michael Young, Social Science & The British Left, 1945-1970 / Lise Butler

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Design sem nome 1All historical actors ultimately defy our neat labels. Practically speaking however, some are more defiant than others. One such figure is the dynamo ‘social entrepreneur’, Michael Young. (1) It has become a cliché to rattle off the dizzying array of institutions, projects and ideas with which Young was involved in his long and energetic career. But then, it is difficult to resist a list as eye-catching as: the Labour Party’s 1945 manifesto; the foundational sociology text Family and Kinship in East London (1957); the concept of ‘meritocracy’; the Consumer Association and Which? Magazine; and the Open University. While Young’s professional life is tricky to pin down, its diversity–and his archive at Churchill College, Cambridge–offers a promising avenue through which to approach post-war Britain. In this rich, textured, and revelatory book, the historian Lise Butler has seized this opportunity with both hands. Leia Mais

A Elite do Atraso: da Escravidão à Lava Jato | Jessé Souza

Jessé José Freire de Souza, formado em Direito pela Universidade de Brasília (1981), concluiu o mestrado em Sociologia pela mesma instituição em 1986. Em 1991, doutorou-se em Sociologia pela Karl Ruprecht Universität Heidelberg(Alemanha), país onde obteve livre docência nesta mesma disciplina Universität Flensburg em 2006. Também fez pós-doutorado em Filosofia e Psicanálise na New School for Social Research, Nova Iorque, (1994/1995). A partir de 2009, Souza fomentou pesquisa sociológica em todo o país para corroborar a tese de que havia surgido uma “nova classe média” no Brasil. O levantamento feito por ele indicou a configuração de nova nomenclatura, a saber, “ralé”, “batalhadores”, “classe média e “elite”, sendo os dois últimos atores de exploração aos dois iniciais, ou seja, detentores de privilégios históricos. Nesse contexto, Jessé Souza escreveu a obra “A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato”, em 2017 com o intuito de resgatar os precedentes históricos da sociedade brasileira afim de entender a situação atual do país. O autor lançou o livro pra averiguar a trajetória política, econômica e social do Brasil a partir da análise de suas classes sociais. O trabalho de Souza se compromete a tecer críticas ao modelo atual de classes no Brasil, destruindo o paradigma entre “Patrimonialismo” e “Culturalismo racista” que estão enraizadas na sociedade brasileira. Leia Mais

Como animales. Historia política de los animales durante la Revolución francesa (1750-1840) | Pierre Serna

El siglo XVIII fue un periodo de cambios. El contexto intelectual de la Ilustración se interesó por comprender y explicar su entorno bajo los principios de la razón. En Francia, novedosas ideas surgieron al criticar el agotado sistema absolutista; esto derivó en el estallido de una crisis política: la Revolución francesa; tema que Pierre Serna, historiador francés, profesor en la Universidad de Paris I, Panthéon-Sorbonne, conoce muy bien, y del cual lleva ya varios títulos publicados. Leia Mais

Elecciones entre sables y montoneras. Uruguay, 1825-1838 | Clarel de los Santos

Este libro de Clarel de los Santos es una adaptación de su tesis maestría, defendida en la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad de la República en 2017, que obtuvo el primer premio en el concurso Tesis de Historia que organizó la Asociación Uruguaya de Historiadores (AUDHI). Por ello, se trata de una investigación rigurosa y novedosa sobre un tema escasamente tratado por la historiografía local, que contribuye a la renovación de los estudios historiográficos del siglo XIX en la región.

Clarel de los Santos se propuso analizar la vida política en la Provincia Oriental/Uruguay entre 1825-1838: un período fermental para la conformación de los estados en el espacio rioplatense. Lo hizo a través del estudio de las formas de legitimación del poder que emergieron con el triunfo revolucionario, los tipos de representatividad política y la participación ciudadana en elecciones. Para lo cual recurrió a un nutrido marco teórico e historiográfico que enriqueció el análisis del corpus documental relevado. Leia Mais

Um ás na mesa do jogo: a Bahia na história política da I República (1920 – 1926) – BRITO (VH)

BRITO, Jonas. Um ás na mesa do jogo: a Bahia na história política da I República (1920 – 1926). Salvador: EDUFBA, 2019. 267 p. SOUZA, Felipe Azevedo. A Bahia e a República contra o café com leite. Varia História. Belo Horizonte, v. 36, no. 70, Jan./ Abr. 2020. 

Já se contam décadas desde que caiu em descrédito a tese que interpretava a política na Primeira República como um estável e previsível pacto entre as oligarquias paulistas e mineiras. A produção historiográfica recente apresenta um cenário sensivelmente diverso. Ainda que entre elites, a construção da ordem se inscrevia em um imbrincado jogo de alianças voláteis e coalizões de curto prazo envolvendo lideranças de vários estados da federação. A inconstância das negociações entre grupos de interesse estaduais não raro resultou em intervenções militares e instauração de estados de sítio. Turbulências sociais e dificuldades para acomodar os interesses de elites fragmentárias eram frequentes no caminho da governabilidade. Em Um ás na mesa do jogo: a Bahia na história política da I República (1920-1926), Jonas Brito capta a intensidade dessas transações através de uma operação historiográfica que articula os estratagemas de bastidores e o influxo de intempéries socioeconômicas que persistentemente sacudiram os governos e os tensos processos sucessórios presidenciais.

O recorte temporal relativamente curto, de 1920 a 1926, foi pródigo em tumultos e viradas de mesa. Iniciando-se após um vigoroso ciclo de greves, aqueles anos foram pontilhados por conflitos armados envolvendo revoltas estaduais e a ascensão do tenentismo. A onda contestatória ressoou no primeiro escalão da política com a formação da Reação Republicana que, como a campanha civilista, buscou emplacar um presidente oriundo das hordas oposicionistas a partir da articulação de uma profusa campanha eleitoral baseada em uma plataforma programática crítica ao governo e às instituições do sistema representativo. Os influxos por mudança, concentrados principalmente na disputa presidencial de 1921/1922, atravessam o livro através do exame esmiuçado de um processo de ruptura intraoligárquico que foi fundamental para selar os destinos da Primeira República.

Outrora retratada em torno de imagens de “paralisia e marginalidade”, a Bahia era, como pontua o título da obra, um ás na mesa do jogo da Primeira República (NEGRO; BRITO, 2013). As teses inovadoras de Eul-Soo Pang e Cláudia Viscardi já situavam o estado em seu proeminente papel de eixo de estabilidade do regime (PANG, 1979VISCARDI, 2001). Jonas Brito disseca esse plano de poder evidenciando o domínio de ação dos construtores dessa almejada estabilidade. Como quem lê sobre os ombros austeros das lideranças republicanas, Brito conduz os enredos do livro a partir das correspondências de eminências como Nilo Peçanha, Arthur Bernardes, Otávio Mangabeira, Washington Luís, os irmãos Pedro e Góis Calmon. É de se destacar também a cuidadosa utilização de fontes diplomáticas, de onde o autor extrai algumas sínteses conjunturais lapidares. Através de um rigoroso mapeamento das movimentações públicas e reservadas de grupos que se realinhavam negociando interesses particulares e pautas públicas, o autor dimensiona o papel dos baianos no tabuleiro da política nacional.

O início dos anos 20 representou o fim de um período de jejum da Bahia em relação ao círculo de poder do Palácio do Catete. Até aquele momento as disputas entre Rui Barbosa e José Joaquim Seabra dividiam o cenário político estadual entre “ruistas” e “seabristas”. O contínuo boicote mútuo que um grupo infligia a outro acabou por esmaecer o potencial de liderança do estado junto ao poder central. O pacto entre as facções veio com a formação da coalizão oposicionista da Reação Republicana, e o fato de Hermes da Fonseca ter sido um dos principais articuladores para a adesão de Rui (seu destacado oponente em disputas anteriores) é mais um sintoma de que aquela campanha era extraordinária.

A unidade política da Bahia foi resultado do esforço conjunto de estados insatisfeitos com a candidatura bernardista que era fundeada em interesses de grupos paulistas e mineiros. Sem uma Bahia forte não haveria lastro para uma oposição capaz de enfrentar o poderio do governo. Como o autor aponta, “a atitude da Bahia impossibilitou o isolamento do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, dois estados já resistentes à candidatura de Bernardes” (p.249). Os baianos têm destaque nesta narrativa, mas este foi um processo nacional e o livro de Brito não encontra barreiras geográficas para analisar o que estava em jogo; suas páginas excedem a história da Bahia a todo tempo. O autor acompanha os próceres oposicionistas que naquela campanha deixaram seus gabinetes e saíram em caravana pelo país em carros, embarcações e trens. É especialmente relevante a maneira como essas expedições eleitorais são exploradas, a análise joga luz sobre o papel das oposições em um contexto competitivo como esse em tela – temática, vale dizer, ainda subestimada na literatura sobre o tema.

Artur Bernardes venceu aquelas eleições, mas teve diante de si um país inflamado em conflitos e rivalidades estaduais. Na Bahia, vivia-se situação diversa: a ascensão de Goés Calmon, eleito governador em 1923, foi um elemento de conciliação entre as elites. Ocupando o vácuo de influência deixado pela morte de Rui Barbosa, Calmon foi habilidoso em montar uma base fiel ao seu projeto de governo e em acomodar potenciais dissidentes a partir de um fino cálculo de distribuição de recursos políticos e de divisão de poder.

Naquele momento, a Bahia restaurava seu antigo papel de sustentação do poder central, conjuntura argutamente explorada a partir do episódio de recepção ao príncipe italiano Umberto di Savoia, cuja passagem pelo Brasil esteve a um triz de ser gorada. Cariocas e paulistas batiam cabeças com insurreições armadas em seus territórios, coube então à Bahia, sob os auspícios da aristocrática família Calmon, receber a comitiva. A pompa e circunstância ostentadas naquela recepção foram elevados a emblema da Bahia dos Calmon, tempos de solidez institucional e alinhamento com o Catete.

Em seu livro de estreia, fruto de dissertação em História defendida na Universidade Federal da Bahia, o jovem historiador já demonstra destacada habilidade para dar sentido à confusa conjuntura da época através de uma escrita límpida. A atenção que volta às articulações internas de poder, evidenciando o contínuo movimento de acomodação e ruptura das oligarquias, dá ao livro ímpeto de obra de referência, de onde pesquisadores do tema podem sempre voltar para se esclarecer sobre essa fundamental quadra do Brasil republicano. É, portanto, livro para se ter na estante.

Referências

NEGRO, Antonio Luigi; BRITO, Jonas. Mãe paralítica no teatro das oligarquias? O papel da Bahia na Primeira República para além do café-com-leite. Varia Historia [online]. 2013, v.29, n.51, p.863-887. [ Links ]

PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias, 1889-1943. A Bahia na Primeira República. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. [ Links ]

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias. Uma revisão da política do café com leite. Belo Horizonte: C/Arte, 2001. [ Links ]

Felipe Azevedo Souza – Departamento de História, Universidade Federal da Bahia, Estrada de São Lázaro, 197, Federação, Salvador, BA, 40.210-730, Brasil. [email protected].

Mashinamu na Uhuru: conexões entre a produção de arte makonde e a história política de Moçambique (1950-1974) | Lia Laranjeira

Nos últimos anos (ou mesmo décadas), diversos são os historiadores, artistas, cientistas sociais e juristas que vêm interrogando os limites de uma história oficial centrada unicamente na atuação da Frente de Libertação Moçambicana e no consequente acesso ao poder político e econômico de que, aparentemente, desfrutam os que comungam desta narrativa.655 Na literatura, nomes como João Paulo Borges Coelho e Ungulani Ba Ka Khosa (mas não só), ao incluírem em suas obras personagens e acontecimentos reais e fictícios, fontes históricas diversas e memórias de gente comum, tanto rediscutem a história oficial quanto oferecem um novo caminho interpretativo sobre a vasta experiência histórica moçambicana. Em Memórias Silenciadas (Khosa, 2013), por exemplo, o personagem Antônio resume o poder estabelecido no pós-independência a “um grande campo de tênis privado onde os pequenos donos se limitam a estender a rede a seu bel prazer em locais que acham seus, por direito adquirido nas matas de libertação. Um direito circunscrito à pequena elite” (Khosa, 2013, p. 101).

Na cena musical, destaca-se a atuação de figuras como o rapper Mano Azagaia, cuja canção As mentiras da verdade tece provocações acerca do passado recente ao entoar “Que a revolução não foi feita só com canções e vivas; Houve traição, tortura e versões escondidas”.656 Além desses, filmes como Virgem Margarida (2012), de Licínio Azevedo, rememoram uma das feridas mal cicatrizadas do pós-independência moçambicano: os campos de reeducação. No campo jurídico, não se pode esquecer da atuação do constitucionalista franco-moçambicano Gilles Gistac, assassinado em 2015 após indicar que não haveria impedimentos constitucionais para a governança nas províncias de forma autônoma ao governo central, conforme reivindicara o partido Renamo. Leia Mais

Che storia! La storia italiana raccontata in modo semplice e chiaro – PALLOTTI (CN)

PALLOTTI, Gabriele; CAVADI, Giorgio. Che storia! La storia italiana raccontata in modo semplice e chiaro. Formello (Roma): Bonacci editore, 2012. Resenha de: GUANCI, Enzo. Clio’92, 7 ago. 2019.

A cura di Enzo Guanci.

“Mangiare non era l’unico intrattenimento. Nel Rinascimento infatti ci si divertiva in molti modi e anche questo ci fa capire come ci si sentisse più liberi. Nel Medioevo la Chiesa controllava tutta la vita delle persone e considerava i giochi come una specie di peccato: quindi non si giocava molto e chi lo faceva doveva un po’ vergognarsi. Invece nel Rinascimento il gioco diventa una parte importante della vita: tutti, ricchi e poveri, giocano in ogni luogo, in casa, nei negozi , nelle osterie, nelle strade e nelle piazze.” (p. 86)

Questa è una notizia tratta dalle ventisette pagine dedicate al Rinascimento nella “storia italiana raccontata in modo semplice e chiaro” da Gabriele Pallotti e Giorgio Cavadi.  L’informazione sui  giochi si trova nella pagina dedicata al “divertirsi ” nel paragrafo “La vita nel Rinascimento”, che costituisce la parte più corposa  del capitolo; gli altri paragrafi sono dedicati alla geopolitica (gli Stati nazionalile signorie, piccoli stati regionali) e a fornire informazioni di contesto che consentano di comprendere il Rinascimento italiano nel quadro europeo. La scelta degli autori è appunto quella di incentrare il loro manuale sulle condizioni di vita, sui costumi, sulle abitudini sociali degli italiani piuttosto che sugli avvenimenti della politica nel corso dei secoli. La selezione dei contenuti quindi affranca il manuale dalla congerie dei numerosissimi eventi del tempo breve della politica, concentrandosi sulla descrizione delle strutture delle società italiane presentate in cinque “epoche”, come programmaticamente esplicitato nell’introduzione:   Roma, il Medioevo, il Rinascimento, l’Ottocento, il Novecento.  Ciò consente di “raccontare” l’Italia dall’VIII sec. a. C.  alla fine del XX secolo in poco più di centoquaranta pagine! E per chi volesse approfondire ci sono tre pagine di riferimenti bibliografici.

In realtà, la storia non viene “raccontata”: non ci sono, per esempio, i personaggi  e gli episodi che tradizionalmente punteggiano la storia d’Italia dei nostri manuali scolastici, che generalmente fanno della storia politica e delle istituzioni un genere storiografico noioso e poco comprensibile agli studenti della scuola secondaria. Gli autori segnalano fin dal titolo lo sforzo di descrivere la carrellata dei ventotto secoli di storia italiana “in modo semplice e chiaro”. Non era facile. Loro ci sono riusciti. Sulla base di due idee-forza: costruire un linguaggio piano, controllato al punto da riuscire “semplice”; costruire un affresco del passato d’Italia sulla base delle conoscenze essenziali a comprendere le trasformazioni delle società e dei popoli italiani dall’epoca romana al Novecento. E, siccome il libro è pensato per comprendere l’Italia di oggi, l’intero testo è punteggiato frequentemente da riferimenti e riflessioni sull’attualità, anche con un apposita rubrica titolata “ieri e oggi” (Per esempio, nelle pagine in cui si parla della repubblica romana e della figura istituzionale del dictator la rubrica viene usata per sollecitare una riflessione sul mondo attuale:

“Anche in tempi più recenti qualcuno ha pensato che un dittatore solo con tutto il potere riesca a governare lo Stato meglio di un’assemblea di rappresentanti. Ad esempio in Italia, durante il fascismo, Mussolini…. Uno Stato in cui decide una persona sola si chiama assoluto o autoritario. Uno Stato in cui le decisioni sono prese dai rappresentanti eletti da tutti i cittadini si chiama democratico. Hai mai pensato cosa si guadagna e cosa si perde in ciascuno di questi sistemi?”).

Leggendo attentamente il libro a noi pare emerga chiara la difficoltà di raccontare la storia politica “in modo semplice e chiaro” senza cadere nella banalizzazione. Un esempio, a noi sembra, possa essere fornito dalle due-tre pagine dedicate al Risorgimento (L’Italia diventa un Paese unito, pp. 97-99) nelle quali Vittorio Emanuele II, Cavour, Garibaldi  si muovono come personaggi di un “racconto” dal quale sono espunte le problematizzazioni del fenomeno risorgimentale, perché i problemi non si possono “raccontare” e se lo si fa è quasi impossibile farlo con un “linguaggio semplice e chiaro”: si rischia appunto la “banalizzazione”. I nostri autori hanno intelligentemente evitato questo rischio proponendo una storia d’Italia dal punto  di vista economico e sociale, come espressamente dichiarato nell’introduzione.

Infine va anche sottolineato che il libro non dimentica la sua funzione di strumento per l’apprendimento della storia e pur non proponendo esplicitamente esercitazioni per sviluppare le abilità di base della disciplina, l’uso di linee del tempo, tabelle, cartine tematiche, illustrazioni non di carattere esornativo bensì inserite e commentate nel testo, e l’esortazione frequente a riflettere su analogie e differenze tra passato e presente (Ieri e oggiPensaci su) indica implicitamente a chi ha la responsabilità dell’insegnamento la strada migliore per interessare gli allievi a imparare la storia d’Italia.

Maggio 2012

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Melchor Macanaz. La derrota de un “héroe” – IZQUIERDO (Tempo)

PRECIOSO IZQUIERDO, Francisco. Melchor Macanaz. La derrota de un “héroe”. Poder político y movilidad familiar en la España Moderna. Madrid: Cátedra, 2017. 439 p.p. Resenha de: CRUZ, Miguel Dantas. A primeira experiência com o Absolutismo na Espanha. Tempo, v.25 n.1 Niterói, jan./abr. 2019.

É difícil, senão mesmo impossível, escrever sobre a história política da Espanha do século XVIII sem falar de Melchor Rafael de Macanaz. Trata-se de um personagem de importância decisiva para compreender as primeiras reformas dos Bourbon no país ibérico e cujo trajeto tem retomado um lugar central na agenda historiográfica espanhola. Por essa razão, o estudo de Francisco Precioso Izquierdo dá assim sequência a um conjunto de trabalhos centrados no famoso fiscal geral do Conselho de Castela, expondo o significado político, intelectual, jurídico e reformista de Macanaz. Atitude corajosa e digna de registro do jovem investigador que não se amedrontou com a tarefa de revisitar uma figura cujo protagonismo histórico, esquadrinhado ao pormenor, é bem conhecido do público académico. Francisco Precioso não pôs o pé em ramo verde. Com origem na sua tese de doutoramento, Melchor Macanaz : La derrota de un “héroe” é estudo minucioso e bem suportado. Francisco Precioso socorre-se de fontes que permaneciam grandemente esquecidas para preencher as lacunas na vida do importante ministro de Felipe V. Outros materiais igualmente originais, consultados por ele em mais de duas dezenas de arquivos, serviram para apontar uma nova luz aos momentos-chave do ciclo político de Macanaz.

Honesto, mas ambicioso e imaginativo, o estudo recorre a metodologias que não costumamos ver juntas numa mesma obra, como são os casos da análise lexicográfica e da prosopografia. O autor é também cuidadoso no tratamento da bibliografia, com a qual dialoga permanentemente. Apesar do que se faz notar no proémio, a obra não corresponde exatamente a uma biografia – e aqui haverá uma ligeira tensão entre o que se anuncia e o que se realiza. Melchor Macanaz é a figura central, mas não é a única. Ao invés, o autor resgata o percurso da família Macanaz na longa duração. Sem dúvida, uma solução muito mais pertinente para a grande problemática do estudo: a mobilidade social da “gente média” na Espanha moderna.

O enfoque na trajetória da família e na relação de várias gerações da família com o poder político é bem visível na organização dos conteúdos. De resto, o autor começa por seguir a consolidação gradual dos Macanaz na vila murciana de Hellín ainda durante as décadas iniciais do século XVII. Ligados à administração local, os Macanaz estavam, contudo, muito longe ser um verdadeiro potentado. Outras famílias mais acaudaladas desempenhavam esse papel. Francisco Precioso não fica porém completamente refém dos Macanaz. A busca das origens desta família é uma oportunidade para se visitar e discutir tópicos tradicionais da historiografia dedicada ao estudo dos modelos de reprodução social no Antigo Regime, o que o autor faz com maestria, ou não tivesse sido orientado pelos grandes especialistas Francisco Chacón Jiménez e Juan Hernández-Franco. Num certo sentido, o percurso dos Macanaz tipifica uma trajetória social ascendente do período. Nele encontramos as tradicionais estratégias matrimonias criteriosamente levadas a cabo, e a acumulação de patrimônio, que o autor reconstitui e que estava inevitavelmente destinado à constituição de um morgadio. Nele encontramos também os esforços destinados a provar a antiga linhagem fidalga da família, entretanto caída em desgraça, mas que não deixava de reclamar uma folha de serviços que recuaria ao século XI. Sobre a família pairou ainda a proverbial acusação de mácula de sangue, de modo algum invulgar naquele período. Alguns dos antepassados de Melchor, da parte materna, seriam conversos, originalmente expulsos de Castela pelos reis católicos, mas regressados em 1580.

A passagem pela universidade era também – era cada vez mais – um atributo dos membros da administração central espanhola, e Melchor Macanaz não foi diferente. A passagem pelas universidades de Valência e Salamanca, onde se formou em Leis e Cânones, terá sido inclusivamente decisiva para a formação intelectual do jovem Melchor. Aí foi exposto à literatura arbitrista do século XVII de forte pendor regalista. Aí terá sido também confrontado com um sistema de ensino dominado pelos Colégios Maiores, em detrimento dos estudantes menos privilegiados como Melchor. Como já foi notado por outro biografo seu, a inspiração para futuras propostas de reforma das instituições universitárias pode ser encontrada nesse ressentimento juvenil (Martín, 1982, p. 29-31). Igualmente importante para a formação do murciano foi a sua ligação à Casa dos marqueses de Villena, onde participou em reuniões e tertúlias. Na verdade, esta Casa aristocrática providenciaria ainda a experiência burocrática indispensável ao jovem advogado, que, entretanto, passara a gerir os negócios do oitavo marquês. Outras casas desempenharam papel semelhante de alfobre de futuros administradores. A grande nobreza, como poder de implantação regional, assegurava a ligação entre elites locais e o poder central.

A segunda parte constitui núcleo principal do livro. Duas centenas de páginas cobrem o essencial do ciclo de vida e do ciclo político de Melchor, a começar pela sua cooptação pela nova dinastia bourbônica, que muito rapidamente começou a proceder a alterações nas práticas governativas da Monarquia. Destacam-se, a esse respeito, a restruturação dos ofícios da Casa Real, o recrutamento de burocratas em Versalhes e a constituição da Guardia de Corps, um novo corpo militar para a Corte de Felipe V – tudo para desagrado da aristocracia espanhola. Integrado num conhecido processo de renovação de quadros administrativos (Dedieu, 2002, p. 381-399), Melchor alcançou grande notoriedade pela forma intransigente como procedeu à repressão de austracistas – partidários do arquiduque Carlos de Habsburgo -, primeiro em Valencia e depois em Aragão. Esses reinos tinham-se virado contra Felipe V, apesar de o neto de Luís XIV ter jurado defender as “constituições políticas” da Coroa de Aragão.

As causas do realinhamento aragonês não se prendiam exclusivamente com o receio do reforço do poder absoluto do monarca, acrescentado em prejuízo das autonomias locais, ainda que isso fosse fundamental. Por exemplo, na Catalunha rural, a presença de tropas bourbônicas esteve longe de ser uma medida inócua, provocando grande descontentamento entre aqueles que se lembravam das incursões recentes dos exércitos de Luís XIV. A isso se juntava também a existência de uma elite mercantil, sobretudo na cidade de Barcelona, comercialmente ligada à Inglaterra e à Holanda e muito arredia aos interesses franceses.

Pela sua infidelidade, a Coroa de Aragão seria exemplarmente castigada por via da desqualificação de suas instituições. A Nova Planta (1707), legitimada no direito de conquista que, em teoria, libertava o monarca de constrangimento jurisdicionais, suprimiu as Cortes de Aragão, e com elas boa parte da autonomia política do território. A isso se deve juntar o desmembramento do Conselho de Aragão e a criação, não de uma chancelaria – instituição mais elevada -, mas de uma mera audiência, subordinada ao Conselho de Castela. Entretanto, o tradicional vice-rei, um verdadeiro alter ego do rei, daria lugar a um capitão-general, que, na prática, era um militar ao qual se delegava o poder absoluto do monarca. Tudo no quadro de uma gradual militarização da administração do território – uma novidade absoluta em Espanha (Ruiz, 2008,p. 39-40).

A solução adotada, que esteve longe de recolher unanimidade em Castela, recebeu um importante contributo do regalista Macanaz. O ministro beneficiava então da proteção das principais figuras do regime, a começar pelo embaixador francês Amelot e pelo confessor de Felipe V, Robinet. Em 1713, seria nomeado para o lugar de fiscal geral do Conselho de Castela, a partir do qual lançou um ambicioso plano de reformas de algumas das principais instituições espanholas. A “planta de Macanaz”, como então ficou conhecida, visava remodelar os conselhos de Castela, Fazenda, Índias e Ordens e, posteriormente, o de Guerra e da Inquisição. O propósito era sempre o mesmo: reduzir a sua autonomia política. O plano mexia também com a administração local e com as universidades, nas quais deveria ser privilegiado o ensino do direito real castelhano em detrimento do direito romano e canônico. Paralelamente, procedia-se a uma renovação significativa dos quadros dirigentes desses conselhos. Sem homens de confiança dispostos a seguir Macanaz, o plano não teria condições de ser implementado. As reformas tinham uma indispensável vertente social, que Francisco Precioso enfatiza e desconstrói. De resto, o autor faz a esse respeito um trabalho notável e muito pertinente para as ambições do estudo, procedendo ao levantamento dos ministros nomeados durante o “consulado” de Melchor. A ideia passava por saber quem eram esses homens, de que forma se relacionavam com Melchor e o que lhes aconteceu quando o fiscal geral caiu em desgraça.

O contexto político propício a grandes reformas terminou com a chegada da segunda mulher de Felipe V, Isabel de Farnesio, à corte espanhola, onde rapidamente se procedeu a uma purga dos elementos mais conotados com o regime anterior. Entre eles estava Macanaz, criticado muito especialmente por conta do protagonismo assumido no confronto que Madrid manteve com Roma. O seu célebre Pedimento fiscal do los cincuenta y cinco puntos deixava claras as intenções da coroa: estender o patronato real aos assuntos temporais que afetavam a Igreja, cerceando de permeio as imunidades e os privilégios fiscais do clero. O escrito encontrou inimigos poderosos, a começar pelo inquisidor-mor, Francesco del Giudice, e foi inclusivamente condenado pela Inquisição.

A perseguição de que foi alvo determinou o exílio de Macanaz na França e nos Países Baixos, onde atuou como espécie de diplomata informal de Felipe V por trinta anos. Francisco Precioso aproveita esse exílio para explorar os laços que persistiam entre Madri e as elites de origem castelhana dos territórios perdidos durante a guerra. A recuperação desses territórios, sobretudo na Itália, seria, de resto, uma das grandes prioridades diplomáticas de Felipe V e de sua mulher transalpina, a ponto de prejudicar outros compromissos no Império (Kuethe e Kenneth Andrien, 2014).

O capítulo 8, último desta parte do livro, é exclusivamente dedicado à ouevre de Melchor e ao seu pensamento, procurando-se interpretá-lo à luz dos desenvolvimentos culturais e intelectuais dos Setecentos. Não se trata propriamente de um exercício fácil, como a historiografia tem sublinhado: decantar sinais do progresso de valores e ideias associadas às Luzes em países católicos esbarra frequentemente na constatação de que houve uma convivência entre valores tradicionais e atitudes modernizadoras. Filosofia natural e teologia ou ciências exatas e religião não estavam permanentemente em estado de guerra. Assim, não espanta que se encontre no pensamento de Macanaz referências típicas da literatura reformista, algumas mais modernas e outras que seguiam uma formulação original bem antiga, como era o caso da defesa de monopólios comerciais – criação de companhias. Nele encontram-se também elementos que emergiram na cultura política portuguesa ao longo dos Setecentos, como era o caso da valorização do exemplo dos países do norte da Europa. É pena que Francisco Precioso não tenha procurado encontrar sinais de evolução no pensamento de Macanaz, sendo que a solução metodológica escolhida – análise detalhada de dois textos da lavra de Melchor, redigidos com vários anos de intervalo – até se prestava a isso. Já a confrontação com Feijoo parece ser particularmente eficaz, mostrando os limites das propostas reformadoras de Macanaz, que não ultrapassavam o absolutismo administrativo e institucional. Por isso, o autor insiste, com muita razão, na distinção que se deve estabelecer entre Macanaz e Campomanes ou Floriblanca.

A terceira parte da obra, dedicada à construção da memória deMelchor Macanaz , constitui um dos pontos altos do estudo. O processo é longo, estendendo-se por todo o século XVIII e entrando mesmo no século XIX, mas foi desencadeado pelo próprio Macanaz em 1739, quando, ainda durante o seu exílio, escreveu uma autobiografia. Por si só, isso revelava uma consciência bem apurada do seu papel na história da Espanha. Macanaz procurava então reabilitar-se na Corte, lembrando a injustiça de sua perseguição às mãos da Inquisição. Foi também uma oportunidade de recordar seus serviços à Monarquia e clarificar as intenções de seus muitos escritos e memoriais. O compromisso com o regalismo era naturalmente enfatizado. De resto, na identificação do ex-fiscal com o regalismo estaria a semente de sua recuperação subsequente às mãos de Gregorio Mayans y Siscar e de seu grupo. O conhecido erudito, que manteve correspondência com Macanaz, teria um papel decisivo na reconstrução da imagem deste, reapropriado como um autêntico herói injustiçado e perseguido por conta de sua fidelidade ao rei.

O processo de reconstrução da memória do antigo ministro de Felipe V conheceria novos desenvolvimentos já no fim dos Setecentos, quando chegou a um público mais vasto. O editor do Semanario Erudito, um periódico dedicado à publicação de autores espanhóis do Siglo de Oro e do início do século XVIII, não foi imune ao fascínio que aquela grande referência do reformismo bourbônico começava a exercer. Entre 1787 e 1791, Antonio Valladares de Sotomayor deu à estampa vários escritos de Melchor ou a ele atribuídos, que Francisco Precioso revisitou e cuja autenticidade em boa hora ajudou a desconstruir. Como o livro deixa claro, a atribuição de autoria desses textos a Melchor não era propriamente uma prática inocente ou irrelevante. Ela aponta para uma agenda política mais ou menos explícita. Tratava-se de tirar partido da já então reconhecida autoridade política de Macanaz para sancionar ou questionar decisões entretanto tomadas pela Monarquia. A publicação de um texto em que Macanaz teria supostamente defendido a abolição dos jesuítas é disso um bom exemplo.

A instrumentalização da memória de Melchor Macanaz prosseguiu nas décadas seguintes, servindo, por exemplo, para legitimar um sistema político centrado nas secretarias. Como Francisco Precioso nota, assiste-se inclusivamente a um esforço para apresentar as reformas do tempo de Floriblanca como um desdobramento das reformas de Felipe V e do seu ministro. As Cortes de 1812 e os jornais liberais, em especial, apropriaram-se igualmente do discurso político de Macanaz para legitimar o seu projeto político. O regalismo de Macanaz, formulado para a defesa do Estado Absoluto, era agora acomodado às exigências ideológicas, e só aparentemente inconciliáveis, do Estado Liberal e do Estado Nação.

A última parte da obra centra-se em Pedro Macanaz, neto de Melchor, que começou como agente diplomático de Floriblanca e que chegou a ministro de Fernando VII. A trajetória de Pedro Macanaz constitui uma janela de observação para a dinâmica política espanhola de fins dos Setecentos e início dos Oitocentos, tanto na frente doméstica como na frente internacional. É uma oportunidade de revisitar a burocracia das secretarias de Estado, completamente dominadas pelos respectivos secretários, ou a aproximação diplomática ao gigante do leste (Rússia).

A inclusão da vida de Pedro neste estudo cumpre, todavia, um propósito mais significativo. Ela serve para ilustrar as limitações da mobilidade social na Espanha moderna, e esse é o grande tema que Francisco Precioso quis abordar e discutir. A partir da sua base murciana de Hellín, Pedro, tal como o avô, construiu uma carreira política de grande sucesso à escala nacional. No entanto, e também como o avô, viu baldadas as esperanças de alcançar um patamar social superior, permanecendo no perímetro original da “gente média”. Tal como Melchor, Pedro também acabou seus dias em sua vila natal de Hellín. De resto, a esfera local ou regional constituiria o espaço de implantação natural dessa “gente média”, que raramente consolidaria posições à escala nacional. Os casos de Floriblanca ou Campomanes são sobretudo exceções que confirmam a regra. O projeto familiar dos Macanaz é, a esse respeito, particularmente desastroso, na medida em que foi incapaz de romper com a rigidez estamental da Espanha moderna, apesar de ter contado com duas figuras de primeiro plano na história política do país.

Em síntese, esta é uma obra que se tornará fundamental para os interessados no reformismo político dos Setecentos. O livro tem, como todos, fragilidades. A mais grave é, sem dúvida, a inexistência de um índice alfabético ou onomástico. Como todos, também nos deixa por vezes a suspirar por mais. O fato de as reformas políticas terem sido ensaiadas a partir de uma instituição tradicional – Campomanes, por exemplo, também foi fiscal do Conselho de Castela -, e não necessariamente das modernas secretarias, era algo que gostaria de ver equacionado, assumidamente em prol de meus próprios interesses acadêmicos. A irrelevância da América no discurso de Macanaz é também algo que surpreende e que passa sem grande discussão. No entanto, nada disso belisca o mérito da obra aqui resenhada.

BIBLIOGRAFIA

DEDIEU, Jean-Pierre. Dinastía y elites de poder en el reinado de Felipe V. In: FERNÁNDEZ ALBALADEJO, Pablo Ed. Los Borbones: Dinastía y memoria de nación en la España del siglo XVIII. Madrid: Marcial Pons-Casa Velázquez, 2002. [ Links ]

KUETHE, Allan; ANDRIEN, Kenneth. The Spanish Atlantic World in the Eighteenth Century: War and the Bourbon Reforms (1713-1796). Nova York: Cambridge University Press, 2014. [ Links ]

MARTÍN GAITE, Carmen. Macanaz, otro paciente de la Inquisición. Barcelona: Destino, 1982(1968). [ Links ]

RUIZ TORRES, Pedro. Reformismo e Ilustración: Historia de España. Barcelona/Madrid: Crítica/Marcial Pons, 2008, v. 5. [ Links ]

Miguel Dantas da Cruz – Investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociaisda Universidade de Lisboa- Portugal. E-mail [email protected].

Empire in Waves: a Political History of Surfing – LADERMAN (Topoi)

LADERMAN, Scott. Empire in Waves: a Political History of Surfing. Berkeley: University of California Press, 2014. Resenha de: FORTES, Rafael. Surfe, política e relações internacionais. Topoi v.18 n.35 Rio de Janeiro July/Dec. 2017.

A obra do professor da Universidade de Minnesota, Duluth (Estados Unidos) constrói uma história política do surfe entre o fim do século XIX e o presente. Para tanto, explora um universo amplo e variado de fontes, pesquisadas, sobretudo, nos Estados Unidos. A descrição e a análise das fontes são entremeadas por uma boa contextualização realizada a partir de diálogo com a bibliografia, ao que se soma a perspicácia dos comentários e das problematizações apresentadas. O livro tem trechos saborosos de ler, seja pelo conteúdo das fontes ou pela análise acurada e, às vezes, mordaz.

No plano historiográfico, afirmações como a de que o prazer, intimamente associado ao ato de surfar, é também político, podem soar óbvias para aqueles familiarizados com os movimentos feministas do século XX, mas significam um avanço na história política do esporte e na história do surfe. No primeiro caso, Laderman acrescenta uma nova perspectiva a uma vertente quase sempre preocupada com políticas estatais, ou com o uso do esporte como ferramenta de mobilização e luta por movimentos sociais (de independência, de trabalhadores, identitários etc.).1 O autor aborda diacronicamente as relações entre uma modalidade e a política, cobrindo um período extenso, o que, salvo raras exceções – como o futebol (Brasil) e o futebol americano e o beisebol (nos Estados Unidos) -, permanece algo por fazer na história do esporte. Sua obra contribui para os estudos do surfe ao evitar a ênfase na história cultural ou no desenvolvimento das pranchas, comuns nos trabalhos sobre a modalidade.

O primeiro capítulo aborda o surfe no Havaí entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do XX, período que inclui um golpe de estado (1893) e a anexação pelos Estados Unidos (1898). As restrições à prática impostas por governantes estrangeiros e missionários cristãos integraram o processo de colonização do território e de subjuga-ção da população nativa. Nas primeiras décadas do século XX, o surfe é ressignificado pelos interesses imperialistas, tornando-se um dos principais elementos de promoção do arquipélago como destino turístico. Laderman explora fontes como panfletos, livros, revistas, pôsteres e cartões postais e, mais importante, realiza uma releitura de fontes conhecidas – como revistas2 e autores famosos da literatura memorialística sobre o surfe3 -, discutindo tais obras e a trajetória de seus autores a partir de articulações, pressupostos e objetivos políticos. Isto lhe permite contrariar a literatura jornalística, que situa a exploração comercial do surfe a partir dos anos 1970.

O capítulo dois enfoca as “viagens, a diplomacia cultural e as políticas de exploração do surfe” entre as décadas de 1940 e 1970 (p. 41). Em outras palavras, dá-se atenção à “globalização da cultura do surfe no pós-guerra”, estimulada pelas trajetórias de viajantes que se tornariam célebres, bem como ao fato de “as indústrias culturais dos Estados Unidos abraçarem o esporte”: via produções cinematográficas como Maldosamente Ingênua (Gidget) e Alegria de Verão (The Endless Summer); indústria fonográfica, com artistas como Beach Boys e Jan and Dean; e programas televisivos (p. 41-42).

O capítulo três aborda a construção da Indonésia como um destino paradisíaco, com a destacada promoção do surfe na política de divulgação turística levada a cabo pela ditadura de Suharto, nos anos 1970, a qual contou com intensa “colaboração dos surfistas com as autoridades indonésias” (p. 5). Em meados da década, Bali, promovida em revistas e filmes de surfe, tornou-se o principal destino turístico da modalidade fora dos Estados Unidos. A construção da ilha como um “paraíso” ignorou os cerca de 80 mil balineses assassinados pela repressão política após setembro de 1965, bem como o apoio dos Estados Unidos à matança em outras ilhas.4 De acordo com Laderman, “o primeiro campeonato internacional de surfe profissional realizado na Indonésia”, em 1980, contou com discursos de um general, de um ministro e do governador de Bali; e com uma parada de surfistas acompanhando a banda militar, na mesma época em que o governo do país executava um genocídio em Timor Leste (p. 77).

Este capítulo é o de maior densidade, discutindo os acontecimentos a partir de sua relação com a cultura do surfe, com a política interna da Indonésia e com os contatos desse país com os Estados Unidos. Frases como: “a história do surfe, como o próprio surfe, com muita frequência se situa numa bolha ideológica” (p. 63); e “para os surfistas que viajavam ao redor do globo, levar em consideração a realidade política dos lugares que visitavam significava o risco de poluir a transcendência da experiência de descer ondas” evidenciam o ponto de vista do autor, para quem a postura de ignorar questões políticas está relacionada com as próprias características e valores do surfe moderno. Isto tornava possível à cultura do surfe tanto ignorar os banhos de sangue quanto referir-se repetidamente ao espírito pacífico dos indonésios.

O capítulo quatro trata do surfe e do boicote esportivo à África do Sul devido ao apartheid. O assunto aparecia intermitentemente em revistas de surfe estadunidenses e australianas desde a década de 1960. Contudo, em 1985, quando três atletas profissionais de ponta decidem boicotar as competições em território sul-africano, o movimento ganha força e repercussão na modalidade. O texto se beneficia da grande variedade de fontes, incluindo filmes, livros e revistas da Austrália e da África do Sul.

O último capítulo foca a indústria do surfe e a “mercadorização da experiência”. Uma das principais contribuições é a análise da participação da indústria do surfe na “competição global estimulada por corporações multinacionais para reduzir salários, enfraquecer condições de trabalho e diluir proteções ambientais”, algo muito distinto da imagem positiva e ecológica que boa parte dos adeptos e do público geral nutrem em relação à modalidade (p. 147). Por outro lado, parece-me pouco produtiva a discussão sobre se é ou não contraditório o fato de o surfe ter se desenvolvido de tal maneira, se isto é inevitável etc. Neste ponto, a narrativa se distancia de um bom trabalho de interpretação histórica e flerta com uma visão essencialista do esporte.

Em suma, o livro problematiza uma série de elementos presentes na cultura do surfe e estabelece uma mirada interessante para a relação entre esporte e política. Contudo, como qualquer obra, tem limites. Aponto três.

Primeiro, ao afirmar que o surfe é “uma força cultural nascida no império (…), basea­da no poder do Ocidente e inserida no capitalismo neoliberal” (p. 7), o autor fornece a chave para se compreender o foco central, mas também um limite fundamental de seu trabalho: trata-se de uma história política do surfe relativa à política externa dos Estados Unidos, e não de uma história política (geral) deste esporte, como o título sugere. Para ser justo: esta grandiosidade nos títulos é comum na historiografia de países como Grã-Bretanha, França e Estados Unidos.

Segundo, o uso de fontes e de bibliografia exclusivamente em língua inglesa limita a análise e as perspectivas apresentadas. Como é comum entre autores anglófonos, Laderman não reconhece o problema. Em dado momento, afirma não ser possível saber se os vietnamitas surfavam durante a guerra com os Estados Unidos. Ora, por que não é possível saber? Pela inexistência de fontes? Ou pela impossibilidade de acessá-las, já que não estão em inglês? Uma pesquisa de história oral que consulte surfistas do Vietnã atual poderia trazer informações sobre a prática do surfe durante a guerra – ou sobre sua inexistência. Trata-se de uma postura relativamente comum: ignorar, como possibilidade de acesso ao conhecimento, tudo que pode haver de fontes e de historiografia sobre o surfe em outros idiomas. Não se reconhece, assim, a limitação estrutural que o desconhecimento de outros idiomas impõe ao desenvolvimento da pesquisa histórica.

Terceiro, a narrativa dos acontecimentos recentes e a crítica à atuação das empresas (capítulo cinco) é, do ponto de vista científico, o ponto mais frágil: desaparece o olhar historiográfico, e a narrativa se limita a enfileirar frases remetendo a fontes. Pessoal e politicamente, concordo com muitas afirmações e críticas do autor, mas às vezes elas são pouco rigorosas e generalizantes, como ao dizer que os surfistas tendem a pensar desta ou daquela maneira, ou que a empresa de surfwear X é vista da forma Y pelo conjunto dos surfistas. Ademais, o capítulo apresenta, em maior grau, um traço que permeia o livro: para cada período histórico (ao que corresponde, mais ou menos, cada capítulo), o autor escolhe um assunto e uma questão – o que, em si, não é um problema. Contudo, acaba deixando em segundo plano o diálogo entre os capítulos e entre os períodos estudados. Desta forma, no último, ignora discussões dos anteriores que poderiam trazer densidade à análise: a disseminação global do surfe, a criação de um circuito mundial profissional, as mitologias em torno do Havaí e a emergência de mercados importantes como Brasil e Japão. No mesmo sentido, o capítulo crítica (com razão) a participação das multinacionais do surfe na selvageria promovida pelo neoliberalismo. Contudo, pouco responsabiliza as empresas pela conivência com regimes autoritários (tema do capítulo três), ou pelas representações estereotipadas e imperialistas, em peças publicitárias, de cidadãos de diversas regiões do mundo (o que permitiria dialogar com os quatro primeiros capítulos).

Não obstante tais limites, trata-se de uma contribuição sólida para a história do esporte, por inserir na história política uma modalidade quase sempre abordada pelo viés da história cultural, e por fazê-lo adotando uma perspectiva que busca transcender as fronteiras do nacional (ainda que limitada às políticas interna e externa dos Estados Unidos). Destaque-se também o fato de a obra mobilizar um imenso volume e variedade de fontes (embora, como apontei, num único idioma), num subcampo ainda muito dependente dos veículos impressos, particularmente os jornais diários. Trata-se de mais um título de história do esporte que mereceria ser objeto de tradução para o português, algo que ainda parece interessar pouco às editoras, inclusive às universitárias.

1Isto para não falar das frequentemente repetitivas pesquisas sobre Jogos Olímpicos, Copas do Mundo de futebol e identidade nacional.

2Como Surfer’s Journal.

3Como a autobiografia de Duke Kahanamoku, escritos diversos (cartas, reportagens e artigos) de Alexander Hume Ford e os livros dos jornalistas Drew Kampion e Matt Warshaw sobre história do surfe. Cf. KAHANAMOKU, Duke; BRENNAN, Joe. Duke Kahanamoku’s World of Surfing: Nova York: Grosset & Dunlap Publishers, 1968. KAMPION, Drew. Stoked: a History of Surf Culture. Salt Lake City: Gibbs Smith, 2003. WARSHAW, Matt. The History of Surfing. San Francisco: Chronicle Books, 2010.

4Os assassinatos em massa foram um dos principais métodos de repressão política do regime de Suharto.

Rafael Fortes – Doutor em Comunicação com graduação e pós-doutorado em História. Professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rio de Janeiro – RJ, Brasil.

Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship – CASTILHO (RBH)

CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship.  Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 2016. 264p. Resenha de: SOUZA, Felipe Azevedo. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.37, n.75, mai./ago. 2017.

Eis um livro notável para os interessados nas mais recentes produções da História Política, área que vem sendo revisitada com publicações que trazem novas possibilidades de interpretação ao que, até recentemente, resumia-se às tramas partidárias e de gabinete. No caso do estudo de Celso Castilho, há a intenção de evidenciar como as jornadas abolicionistas foram, pouco a pouco, moldando o campo político institucional em um movimento de fora para dentro. Das ruas e dos teatros para os parlamentos, em dinâmicas que envolviam parcelas da sociedade tradicionalmente alijadas do sistema político formal, mediante um enredo no qual se destacam as vozes e os atos de mulheres, escravizados e libertos em meio ao coro difuso que grassou progressivamente durante as duas décadas de ativismo que antecederam o 13 de maio de 1888. Como o autor enfatiza na conclusão, “o abolicionismo fomentou a ‘política de massas’ em nível nacional”, e o objetivo da obra é justamente orientar a trajetória desse movimento em meio ao que chamou de “longa história da democracia no Brasil” (p.192).

Com a atenção voltada para a apresentação detalhada das táticas e estratégias que remodelaram as formas de manifestação e a pauta contenciosa do debate público mediante uma abordagem processualista, desfilam em suas páginas as diversas fases do movimento em um quadro a quadro que parte dos primeiros debates em torno da Lei do Ventre Livre e se estende até a disputa de memória no pós-1888. O exame desse panorama histórico repleto de manifestações e associações que envolviam milhares de pessoas é o que fundamenta a tese de que o sucesso do movimento só foi possível dado o amplo engajamento popular, granjeado com um variado repertório de mobilização política.

Esses aspectos evidenciam um fluxo de ideias alinhadas ao pensamento democrático que dava lastro conceitual ao movimento, o que de certa maneira rompe com a ideia reducionista de que o sistema político brasileiro da época era operado unicamente por um padrão de práticas que se distendiam em um círculo vicioso, limitado a reproduzir clientelismo e corrupção. Nesse aspecto o livro acabou por adicionar complexidade ao tema, mostrando que iniciativas democráticas podiam florescer mesmo em contextos políticos tradicionalmente compreendidos em torno de práticas autoritárias e arcaicas.

O livro explora o processo de mudança histórica entre o fim da década de 1860, quando os debates sobre abolição ainda encontravam resistência em meio ao establishment imperial, e meados da década de 1880, fase em que o tema se tornou a pauta mais importante dos debates nacionais. A narrativa acompanha a paulatina difusão do movimento abolicionista a partir dos debates na imprensa, da formação de clubes e sociedades, bem como as reações gestadas por essa expansão em meio a setores de proprietários de escravos, que, de maneira análoga, também passaram a se organizar, promovendo eventos e utilizando metodicamente a opinião pública por intermédio de folhas políticas.

Ainda que boa parte da pesquisa gire em torno de eventos ocorridos entre Pernambuco e Ceará, a obra faz uma análise circunstanciada das pautas e debates nacionais, tomando para isso eventuais consultas a fontes primárias do governo e mantendo estreito diálogo com ampla produção historiográfica sobre o tema. O caráter interativo das sociedades abolicionistas e o intercâmbio constante de seus membros expandem ainda mais o recorte espacial. O movimento tinha um grau de articulação complexo e não passa despercebida à análise a capacidade dos abolicionistas em repercutir fatos e estratégias ocorridos nas mais diversas províncias. A seção na qual Castilho discute o 25 de março cearense, trazendo novas perspectivas que colocam em questão a justificativa clássica de que a abolição naquela província derivou meramente de aspectos econômicos decorrentes da seca de 1877-1878, é representativa de como a preocupação do autor está mais voltada à questão da cidadania política do que a particularismos da história local.

No entanto, a escolha por escrever essa história principalmente a partir de Pernambuco não aconteceu em vão. Foi provavelmente naquela província que a luta dos abolicionistas mais fomentou debates em torno da ampliação da cidadania política e da participação popular, questão que se expressava com grande intensidade durante as eleições. Durante a década de 1880, abolicionistas vinculados ao partido liberal fizeram de suas candidaturas plataformas para que o abolicionismo tomasse a política e para que esta ganhasse as ruas, até mesmo em manifestações dirigidas aos operários, artistas, trabalhadores do comércio, caixeiros e trabalhadores do mercado, entre outros. Joaquim Nabuco e José Mariano tornaram-se os porta-vozes da causa e o fizeram com base em estratégias de divulgação que iam desde sarais em clubes, passando por eventos no Teatro Santa Isabel, até os famosos meetings, em eventos que reuniam milhares de espectadores de “todas as camadas da sociedade” (como registraram os jornais da época).

As eleições gerais da década de 1880 são analisadas uma a uma pelo autor, que explorou as disputas para mensurar a intensidade com que a pauta abolicionista se espraiava pelo terreno da política. E de fato, aqueles pleitos não eram percebidos pelos contemporâneos como uma contenda entre liberais e conservadores, mas entre abolicionistas e escravocratas. Eram projetos em disputa e, sendo assim, acabavam por preencher uma lacuna persistente nas eleições oitocentistas: davam sentido social e programático às eleições.

O projeto de política popular dos abolicionistas motivou forte reação por parte dos republicanos, que em conluio com os conservadores passaram a adotar expedientes de criminalização e de racialização como forma de deslegitimar a participação da população pobre e de cor, em um esboço do que viria a se concretizar como o projeto de cidadania política excludente que se tornou uma das dimensões mais marcantes do período pós-abolição.

Em oposição aos discursos que marginalizavam a atuação da população negra e que compreendiam escravizados e libertos em uma esfera de classificação pré-política e reativa, a perspectiva de Celso Castilho os situa como parte fundamental do movimento. Ao longo do livro encadeiam-se casos em que escravizados tomaram a frente do processo para conquistar suas alforrias ou articular suas próprias fugas do cativeiro, ações que eram facilitadas, ou até mesmo instrumentalizadas com fins de propaganda, pelo movimento abolicionista. Essas interações substanciam o argumento do livro ao demonstrar que mesmo em engenhos distantes dos centros urbanos as lutas dos abolicionistas ecoavam e fomentavam os desejos por liberdade, dando a ver o amplo alcance de circulação dos ideais políticos e de cidadania propalados pelo grupo.

Uma das novidades trazidas pelas novas maneiras de organização e manifestação engendradas pelos abolicionistas foi a inclusão das mulheres no mundo predominantemente masculino da política e da opinião pública. O acompanhamento dessa inserção é um dos pontos altos do livro. O envolvimento que começou em fins da década de 1870, com a presença constante de mulheres em atividades públicas do movimento como bazares, passeatas e peças de teatro, ganhou vigor em meados da década seguinte com a criação de sociedades formadas exclusivamente por mulheres. Associadas à premissa de que eram naturalmente caridosas, elas representavam a face filantrópica da causa e portavam-se como senhoras respeitáveis, mães, esposas e “guardiãs do lar”. Ainda que sob uma identidade de gênero tradicional, essas mulheres conseguiram romper as barreiras do mundo político e tiveram atuação bastante enérgica no movimento – estiveram à frente, por exemplo, dos comitês de liberação de bairros em Recife e lograram grande sucesso na popularização do abolicionismo.

A mais famosa dessas associações, a Ave Libertas, foi, por alguns anos, a sociedade que mais conseguiu promover alforrias na cidade. Aliás, o levantamento das muitas sociedades e suas composições é bem explorado no livro, quesito que explicita especialmente a pesquisa pormenorizada desenvolvida por Celso Castilho, que computou estimativas sobre a quantidade de liberdades conquistadas por essas sociedades em comparação com os fundos de emancipação provinciais em uma série de tabelas. Os números levantados pelo autor são certamente uma ótima contribuição para o acompanhamento progressivo da ação do movimento civil em libertar escravos, montante muito superior ao atingido pelos fundos de emancipação organizados pelos governos provinciais.

Ainda assim, com a chegada da abolição, como a última parte do livro ressalta, os líderes (homens) dessas associações acabaram sendo os mais homenageados. Mesmo que nos dias imediatamente posteriores ao 13 de maio alguns jornais tenham comemorado a abolição como uma conquista coletiva e popular, a memória que se perpetuou sobre o abolicionismo foi pouco a pouco resumindo-se a um panegírico de estadistas e figuras proeminentes. Essa memória que se começou a criar já no dia 14 de maio de 1888 ia batizando passeios públicos com nomes de figurões da política e celebrava a vitória abolicionista, ao passo que olvidava cada vez mais o papel que os escravizados e libertos desempenharam no movimento e, mais que isso, acabaram por negligenciar os debates sobre a inserção dos negros na nova ordem social.

Ao seu fim, o livro demarca a distância entre a forma com que o abolicionismo era percebido em sua vigência e a maneira como foi lembrado por muito tempo. Essa perspectiva é alcançada com sucesso ao combinar análises sobre a cultura política com os debates sobre abolicionismo, em uma simbiose onde um tema acabou por iluminar aspectos de outro, revelando nuances de um pensamento democrático em estado embrionário (e que foi vigorosamente combatido) por muito tempo ignorado pela historiografia. Nesse aspecto, o variado elenco de temas presentes em Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship é tanto uma injeção de ânimo para a revisão de temáticas em torno da cidadania política no Império, quanto uma inspiração para que historiadores e historiadoras olhem com mais cuidado para a atuação e o engajamento de setores tradicionalmente alijados dos direitos políticos.

Felipe Azevedo Souza – Doutorando em História na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bolsista Fapesp. Campinas, SP, Brasil. E-mail: [email protected].

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El ala rota – ALTARRIBA; PUIGARNAO (I-DCSGH)

ALTARRIBA, A.; PUIGARNAO, Aubert (KIM), Carmen. El ala rota. Barcelona: Norma Editorial, 2016. Resenha de: ALAMEDA ARAUS, Maria Carmen. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.86, p.82-83, ene., 2016.

Esta interesante novela gráfica del novelista, ensayista y reputado guionista Antonio Altarriba (Zaragoza, 1952) y del dibujante y miembro fundador de la revista El Jueves Joaquim Aubert Puigarnao (Barcelona, 1941), más conocido como Kim, se puede considerar la segunda parte de El arte de volar (Premio Nacional de Cómic 2010). Si bien se trata de dos obras independientes entre sí, el nexo común es que en ésta que nos ocupa se narra la vida de la madre de Altarriba y, en la anterior, la de su padre. De este modo, dos vidas reales sirven de hilo conductor para describir la historia política y social de la España del siglo xx.

El punto inicial de la difícil existencia de la madre de Altarriba es el descubrimiento por parte de Antonio, su hijo, incluido como un personaje más en la novela, de que su progenitora ha tenido siempre el brazo inmóvil y que nadie se ha dado cuenta. A partir de esta anécdota los lectores somos testigos del clima político-social de la España de esos años: la caída de la monarquía y la llegada de la Segunda República, la Guerra Civil, los duros años de la posguerra y la dictadura franquista. El tema femenino está muy presente, viéndose cómo las mujeres de ese período de nuestra historia –un país dominado por el machismo en todos los ámbitos: político, religioso y social– compartían unas características comunes: eran devotas, sufridoras, obedientes y muchas veces sufrían maltrato.

Debido a la multiplicidad de temas relacionados con la historia de España que se abordan, es una novela gráfica muy útil, de lectura recomendada tanto para profesores como para alumnos, especialmente para aquellos que estén cursando 4.º de ESO o 2.º de bachillerato (en este caso, en relación con las unidades didácticas que marca el temario oficial). En este sentido, El ala rota se divide en cuatro partes que, intituladas con los nombres de los varones que marcaron la vida de Petra, la madre del autor, van unidas, a su vez, con los distintos momentos históricos mencionados anteriormente.

A modo de breve comentario la primera parte, «Damián» (1918- 1942), aborda cómo el nacimiento de Petra trae consigo la muerte de su madre durante el parto (ésta se desangra) y la consiguiente locura de su padre, que le lleva a querer asesinarla sin razón. Estos hechos nos pueden servir para explicar a los alumnos la pobreza que se padecía en el medio rural en aquellos primeros años del siglo xx, así como los escasos adelantos médicos que existían.

También se puede comentar el ambiente social, muy sacralizado, en donde la Iglesia tenía un papel fundamental que influía en el modo de pensar y sentir de las personas; el pluriempleo y la difícil situación de los actores y del teatro en el mundo rural analfabeto; o el embarazo «deshonroso» de la hermana soltera de Petra, que ejemplifica la ardua situación de las mujeres y su continua dependencia con respecto a los hombres.

Otros temas que aparecen reflejados y que se pueden estudiar y tratar en las aulas son, en el ámbito político, la proclamación de la Segunda República, la aparición de la Falange y los sindicatos y el estallido de la Guerra Civil, y, en el social, la vida en los pueblos y el analfabetismo, el trabajo rural infantil, el maltrato de los niños y niñas, o el lugar de la mujer (limitado prácticamente a las tareas propias del hogar) y su indefensión, así como el alcoholismo y la figura del sereno.

Bajo el título de «Juan Bautista» (1942-1950), la segunda parte se desarrolla dentro del contexto del éxodo rural, pues Petra va a trabajar a la ciudad a casa de un alto mando militar. Es ahí en donde conoce al que será su marido.

Observamos aquí los siguientes temas político-sociales, todos ellos interesantes desde un punto de vista didáctico: las diversas facciones políticas, el estamento militar, las conspiraciones para derrocar a Franco, los principales símbolos franquistas (como la izada de banderas, las insignias y los himnos); así como el mundo de las «chachas », el lujo de la ciudad frente a la pobreza del pueblo o la educación en manos de la Iglesia.

En el tercer apartado, «Antonio» (1950-1985), los padres de Altarriba se casan y tiene lugar el nacimiento de Antonio. Con el paso de los años, el matrimonio acaba separándose. Los temas más destacados y útiles para su estudio en el aula son la violencia de género, las miserias de la vida en la ciudad, las nuevas clases sociales, las diferencias entre pobres y ricos en el hogar, las radionovelas y la llegada de la televisión, la censura, el estraperlo y los nuevos transportes.

La última parte de la novela, titulada «Emilio» (1985-1998), narra el ingreso de Petra en una residencia de ancianos dirigida por monjas y su posterior muerte. En este apartado merecen destacarse dos temas: el de las mujeres repudiadas y el de la vida de los ancianos en las residencias, este último muy actual.

Como puede observarse, el número de temas susceptibles de ser utilizados para ejemplificar el estudio de la historia de España en estos años es múltiple. Igualmente, también se puede hacer uso de distintos caminos en el modo de estudiarlos: lectura del cómic, comentarios de partes de la obra que más interesen, averiguar historias parecidas dentro de la familia del alumnado y posteriormente dibujar lo más destacado, investigación por parte de los estudiantes de los temas que aparecen… Por todos estos motivos, la lectura tanto de El ala rota como del libro anterior es pedagógicamente muy sugestiva porque permite visualizar un amplio espectro temporal de nuestra historia de una manera sencilla y entretenida. ¡Adelante, hagan la prueba!

M.ª Carmen Alameda Araus – E-mail: [email protected]

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L’imprimé dans la construction de la vie politique. Brésil, Europe, Amériques, XVIIIe-XXe siècle – MOLLIER; DUTRA (RHXIX)

MOLLIER, Jean-Yves; DUTRA, Eliana de Freitas (Eds). L’imprimé dans la construction de la vie politique. Brésil, Europe, Amériques, XVIIIe-XXe siècle, Rennes: Presses universitaires de Rennes, 2015. Resenha de: ROZEAUX, Sébastien. Revue d’histoire du XIXe siècle, v.53, 2016.

Jean-Yves MOLLIER et Eliana de FREITAS DUTRA [dir.], L’imprimé dans la construction de la vie politique. Brésil, Europe, Amériques, XVIIIe-XXe siècle Rennes, Presses universitaires de Rennes, collection « Des Amériques », 2015.

La publication de ces actes fait suite à un colloque organisé par le département d’histoire de l’université fédérale de Minas Gerais, au Brésil, et le Centre d’histoire culturelle des sociétés contemporaines de l’université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines, en France. La plupart des 28 articles traitent de la question de l’imprimé dans la vie politique au Brésil, sur le temps long et dans une perspective résolument atlantique. En introduction, Eliana de Freitas Dutra et Jean-Yves Mollier soulignent l’importance de l’imprimé dans les processus historiques de construction nationale et défendent les vertus d’une histoire croisée – politique, sociale et culturelle – de l’imprimé, compte tenu de son « rôle irremplaçable […] dans la formation et l’évolution des opinions publiques » (p. 14). Ce volume de 500 pages se divise en dix sections : un tel émiettement peine selon nous à rendre pleinement justice à la grande qualité de la plupart des contributions, faute d’en dégager les principales lignes de force. D’où notre choix ici de mettre en exergue trois axes problématiques qui illustrent la richesse du renouvellement de l’historiographie au Brésil, notamment sur son versant culturel. Notre attention se concentrera ici sur les articles portant sur le « long XIXe siècle ».

Le principal mérite de cet ouvrage réside sans nul doute dans les nombreuses réflexions portant sur les politiques publiques de l’imprimé dans l’espace impérial portugais. Ainsi, Lilia Moritz Schwarcz étudie l’histoire chaotique de la bibliothèque royale au Portugal ; bibliothèque que Dom João V (1706-1750) érige en symbole de la puissance impériale, à l’heure où l’or de Minas Gerais fait la richesse de Lisbonne et de sa cour. Or, le tremblement de terre de 1755 détruit la quasi-totalité de cette prestigieuse collection. La reconstitution d’un fond passe alors par l’acquisition de collections privées. En 1808, cette Bibliothèque royale gagne Rio de Janeiro afin d’échapper à l’emprise des troupes napoléoniennes. En 1825, lors de la négociation du traité d’Amitié et d’Alliance entre le Portugal et le Brésil, le nouvel Empire du Brésil accepte de payer le prix lourd pour conserver « la meilleure et la plus grande bibliothèque des Amériques : un trophée pour la nouvelle nation et une garantie d’assurance pour le monarque » (p. 41). Plus largement, et en étudiant les archives des organes de la censure entre 1769 et 1821, Luiz Carlos Villalta a pu faire état de la circulation croisée des imprimés entre le royaume du Portugal et l’Amérique portugaise. Malgré les nombreuses réformes de la censure, l’État colonial semble agir de façon pérenne en vue de « la défense, en dernier recours, de l’unité de la nation portugaise », dont la figure du roi et la religion catholique sont les deux attributs principaux (p. 81). Villalta s’intéresse en particulier aux Livros de Santa Bárbara, livres d’oraison dont plus de 100 000 exemplaires sont débarqués à Rio de Janeiro entre 1795 et 1799. De tels chiffres permettent de relativiser le cliché désormais daté d’une Amérique portugaise analphabète, coupée de tout contact avec les savoirs véhiculés par l’imprimé. À cet égard, Eduardo França Paiva témoigne de l’essor des pratiques de la lecture au sein des populations serviles ou affranchies du Minas Gerais, au XVIIIe siècle. Malgré la censure, de nombreux ouvrages interdits faisaient l’objet d’un commerce de contrebande dynamique et profitable dans l’espace atlantique. L’étude de la bibliothèque du naturaliste José Vieira Couto par Júnia Ferreira Furtado témoigne de la capacité de ces élites brésiliennes formées à l’université de Coimbra à faire fi des interdits en vigueur. Sa bibliothèque, riche de 601 volumes, témoigne de la circulation des idées des Lumières en Amérique portugaise et éclaire la participation de Couto à la Conjuration de Minas Gerais (1789). La carrière de Couto entre Lisbonne et le Brésil reflète également la présence des lettrés lusobrésiliens dans les premiers cercles du pouvoir au début du XIXe siècle, notamment dans l’entourage du ministre Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. Caio César Boschi traite dans son article de la présence des « Luso-brésiliens » dans les ateliers d’Arco do Cego à Lisbonne, un cercle littéraire et une maison d’édition dont la brève existence incarne alors « la mentalité et les pratiques de gouvernance du réformisme éclairé lusobrésilien » (p. 385).

Une autre ligne de force réside dans l’attention accordée aux liens entre l’imprimé politique et le processus de constitution d’une première opinion publique au Brésil. La naissance de la presse au Brésil est contemporaine de l’arrivée de la cour des Bragance à Rio de Janeiro, en 1808. Toutefois, c’est depuis Londres que le premier titre « brésilien » apparaît, à l’initiative d’Hipólito da Costa. Ce dernier s’est formé à Coimbra avant d’être envoyé en mission aux États-Unis pour le compte du royaume. C’est là qu’il est initié à la franc-maçonnerie, qu’il promeut à son retour au Portugal, en 1800, malgré l’interdit. Emprisonné, il s’enfuit à Londres où il fonde, comme nous l’explique Isabel Lustosa, le Correio Braziliense (1808-1822). Ce mensuel tiré à moins de 500 exemplaires se destinait d’abord à ses abonnés au Brésil, où il circulait sous le manteau afin d’échapper à la censure. En effet, Costa n’a de cesse d’y dénoncer la mauvaise gestion du royaume, l’institution servile et les monopoles commerciaux. Il soutient l’œuvre des Libertadores sudaméricains, à l’instar de Simon Bolivar, tout en vantant pour le Brésil les vertus d’un régime monarchique libéral et éclairé. Cette publication se fait aussi le relais de la légende noire de l’empereur Napoléon Bonaparte : Lúcia Maria Bastos P. Neves étudie la profonde empreinte laissée par cette légende noire dans les sociétés portugaise et brésilienne du début du XIXe siècle. Celle-ci reflète la persistance de croyances de type eschatologique et de « croyances traditionnelles du monde de l’Ancien Régime » (p. 470), avant que n’émerge une première sphère publique politique, à compter des années 1820. C’est ce dont rend compte Marcello Basile, en étudiant la presse de Rio de Janeiro pendant la Régence (1831-1840). Cette période marquée par une forte instabilité politique est aussi un « grand laboratoire politique et social dans lequel des formules diverses et originales furent élaborées et différentes expériences testées, couvrant de larges strates sociales » (p. 492). La presse politique contribue alors, malgré la virulence des débats, à promouvoir dans l’opinion publique la nécessité d’œuvrer à la consolidation de la nation brésilienne et de son État.

Enfin, le troisième mérite de cet ouvrage est d’offrir quelques brillantes réflexions quant au rôle déterminant de la circulation atlantique de l’imprimé, et de l’image en particulier, dans les processus de construction nationale en Amérique au XIXe siècle. Laura Suárez de la Torre illustre à partir du cas mexicain le fait que la construction de représentations nationales s’inscrit dans une circulation internationale des idées et des pratiques culturelles. Verónica Zárate Toscano, quant à elle, explore plus particulièrement la question de la circulation des images à Mexico pour aborder la question de la construction de l’identité nationale. Márcia Abreu nous propose une étude comparée des représentations iconographiques des « Brésiliens » par des artistes étrangers et nationaux au début du XIXe siècle. Alors que les premiers semblent prompts à mettre en lumière l’exotisme des paysages et le métissage de la société brésilienne, ces derniers préfèrent souligner la dimension civilisée, européenne des élites lettrées impériales. C’est ce dont témoigne également l’étude de Celeste Zenha consacrée à un album de lithogravures, Rio de Janeiro pitoresco (1845), dans la mesure où cet album érige la capitale en symbole de la civilisation impériale, au prix de l’invisibilisation de la présence africaine. C’est à cet idéal que répond aussi, pour une part, la publication du premier Atlas do Império do Brazil (1868), destiné aux élèves du collège impérial Pedro II, étudié ici par Maria Eliza Linhares Borges. Enfin, Antônio Augusto Gomes Batista consacre son étude aux usages des livres scolaires portugais au Brésil ; livres dont la présence permet de défendre la « norme linguistique lusitanienne », alors que la question de la nationalisation de la langue agite une partie des élites impériales.

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Dinheiro, Deuses e Poder. 2.500 anos de lendas, mitos, símbolos, fatos e História Política das moedas – SPINOLA (RMA)

SPINOLA, Noenio. Dinheiro, Deuses e Poder. 2.500 anos de lendas, mitos, símbolos, fatos e História Política das moedas. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011. Resenha de: CARLAN, Claudio Umpierre. Revista Mundo Antigo, ano III, v. 3, n 05, jul., 2014.

Termo bárbaro, de uma maneira em geral foi utilizado para definir os povos germânicos, eslavos e tártaros-mongóis, que invadiram Mundo Romano, a partir do século III da era Cristã. A tradução tradicional, idealizada por gregos e, mais tarde, romanos, eram povos que não falavam latim ou grego, usavam calças compridas.

Essa construção, do século XIX, contou com apoio do historiador alemão Leopold Von Ranke (1795 – 1886), quando afirmou que a História não nasceu ciência, mas foi transformada em uma disciplina científica. Ranke defendia o uso apenas de fontes escritas, baseadas no rigor científico newtoniano. Arqueologia, cultura material, iconografia não eram consideradas documentos ou fontes históricas. Leia Mais

Habiter les beaux quartiers à Santiago du Chili | Line Henry

El libro Habiter les beaux quartiers à Santiago du Chili es el fruto de una investigación realizada por la joven investigadora Line Henry para graduarse en el Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine. Mediante un análisis fino situado en la encrucijada de la historia política, de la geografía urbana y de la sociología de las prácticas residenciales, la autora ofrece una mirada nueva sobre la dinámica urbana y residencial de la capital chilena.

La autora se pregunta por qué, en un contexto de expansión urbana donde el modelo de hábitat preferido mayoritariamente es la vivienda unifamiliar en periferia, personas de clase alta conciben los departamentos en altos edificios céntricos y lujosos como una nueva solución residencial óptima. El análisis de este nuevo fenómeno urbano, poco estudiado, le permite interrogarse sobre el posible surgimiento de un nuevo paradigma basado sobre un modelo residencial vertical y céntrico, que implicaría una densificación urbana en la capital y un impacto positivo en la sostenibilidad urbana. Al realizar una investigación de campo en la comuna de Las Condes, en un sector circundante a la estación de metro de Escuela Militar, perteneciente a la zona empresarial cercana a la avenida Apoquindo, Line Henry adopta, además, una mirada empírica sobre la producción de la segregación socio-económica y espacial en la capital de Chile. Leia Mais

PolHis | PIHP | 2014

PolHis

PolHis. Revista Bibliográfica del Programa Interuniversitario de Historia Política (Buenos Aires, 2014-) es una publicación de frecuencia semestral que tiene como objetivo ser un espacio para el conocimiento de nuevas perspectivas de análisis y para el debate de la historia política entre comienzos del siglo XIX y la actualidad.  Debido a ello, espera y alienta la participación de investigadores en distintas instancias de formación que deseen nutrir sus secciones con contribuciones de diferente tipo.

Publica artículos originales que pueden ser ya el resultado de investigaciones empíricas de la historia política de los dos últimos siglos, de reflexiones teóricas o metodológicas como así también debates historiográficos y estados de la cuestión. Dichos artículos serán publicados en forma individual o bien formando parte de un dossier.

Incluye además reseñas breves, comentarios críticos de libros editados en los últimos dos años, presentaciones de libros, entrevistas a historiadores o cientistas sociales y resúmenes de tesis de posgrado recientemente defendidas.

El arbitraje y la publicación son gratuitos.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 1853-7723

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Rebeldes y confabulados: narraciones de la política argentina | Dardo Scavino

Filósofo, crítico literário e ensaísta, o argentino Dardo Scavino (1964 -) é atualmente professor de História Cultural Latino-americana na Université de Versailles, cargo que assumiu após ter exercido docência na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidad de Buenos Aires até 1993. Sua formação acadêmica também se deu nessa instituição portenha, o que explica o grande envolvimento do autor com os assuntos políticos de sua terra natal até os dias atuais. Em seus últimos trabalhos, tem se dedicado a pensar os relatos políticos produzidos ao longo da história republicana na Argentina, analisando a gramática que os compuseram e, ainda, compõem.

A motivação do autor para tal abordagem teria surgido das imediações do Bicentenário de independência do país, momento em que Scavino percebe haver uma mudança de época por conta dos interrogantes que surgiram sobre alguns valores políticos e morais sustentados pelo Kirchnerismo. O autor começou a construir sua análise com a publicação de Narraciones de la independência: arqueología de un fervor contradictorio (2010), livro em que recupera discursos sobre a identidade política argentina por meio dos mais diversos tipos de fontes entre o século XVI e XX. Esta obra acabou conhecendo sua continuidade no lançamento de Rebeldes y confabulados: narraciones de la política argentina (2012), uma obra mais conceitual cujo propósito é percorrer os mais diversos relatos políticos perfilados no contexto do século XX a fim de sublinhar as formas narrativas que definem os atuais enunciados da política Argentina. As abordagens perpassam desde o radicalismo de Hipólito Yrigoyen (1852- 1933) até o desenvolvimentismo de Carlos Menem (1930 -). Leia Mais

Divergencia | UV | 2012

Divergencia

Revista Divergencia (Viña del Mar, 2012-), es editada por el Taller de Historia Política O.C.F., en Chile [Universidad de Valparaíso], con una periodicidad semestral. Publica trabajos originales de carácter científico y de opinión, en torno al área de las Ciencias Sociales, enfocándose específicamente en la Historia Política Contemporánea, con el objetivo de difundir, discutir y debatir ampliamente los avances de las nuevas investigaciones que en esta materia se realizan. El contenido de la revista está dirigido a especialistas, investigadores, estudiantes de pre y posgrado, como también al público en general.

Periodicidade semestral.

Acesso livre

ISSN 0719 2398

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Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | ULA | 2012

Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda

Archivos de historia del movimiento obrero y la izquierda (Buenos Aires, 2012-) es una publicación científica de historia social, política, cultural e intelectual, que tiene como objetivo impulsar la investigación, la revisión y la actualización del conocimiento sobre la clase trabajadora, el movimiento obrero y las izquierdas, tanto a nivel nacional como internacional, propiciando el análisis comparativo. Es editada en forma autónoma por el Centro de Estudios Históricos de los Trabajadores y las Izquierdas (CEHTI) y cuenta con financiación parcial de proyectos de la Universidad de Buenos Aires.

La cobertura temática de la revista Archivos está centrada en el examen histórico e historiográfico, pero a la vez es amplia e interdisciplinaria: procura abarcar la trayectoria de la clase trabajadora, el movimiento obrero y el mundo de las izquierdas desde los distintos aportes de las ciencias sociales y la producción académica, los cuales incluyen, además de la historia, a la sociología, la ciencia política, la antropología, la filosofía, los estudios de género y la crítica literaria, entre otros.

La revista Archivos está dirigida a un público conformado por investigadores, docentes, profesionales, graduados y estudiantes de Historia, así como de otras disciplinas sociales.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2313-9749

ISSN 2683-9601 (en línea)

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A Biologia militante – DUARTE (VH)

DUARTE, Regina Horta. A Biologia militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil – 1926-1945. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010, 219 p. Resenha de: PEREIRA, Airton dos Reis; OLIVEIRA JÚNIOR, Rômulo José Francisco de. “A  voz mais alta da Biologia”: Diálogos entre história política e história da ciência. Varia História. Belo Horizonte, v. 27, no. 45, Jan. /Jun. 2011.

A Biologia Militante, de Regina Horta Duarte, professora titular do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, é, certamente, uma grande contribuição aos muitos cursos de graduação e pós-graduação em História e permite-nos não apenas aprender sobre o tema analisado, mas compreender os procedimentos teórico-metodológicos do fazer histórico.

A partir da leitura dessa obra temos a certeza de que, além de pesquisas em arquivos, a escrita da história é fruto de escolhas afetivas, de constantes perguntas, da busca por conhecimentos transformadores e do desejo de fazer História como uma aventura intelectual que ressignifica nossas questões referentes à relação presente-passado por meio da construção de narrativas plausíveis.

A Biologia Militante é uma escrita leve, sedutora, clara e traz excelentes análises sobre a história do Brasil no período varguista. O fio condutor adotado foi a história do Museu Nacional do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 1926 e 1945, privilegiando as articulações entre prá-ticas cientificas e vida política, o surgimento das especializações, no caso especifico da ciência biológica, e as experiências de divulgação científica.

O livro nos convida a entrar em contato com os conhecimentos e as práticas de três cientistas do Museu Nacional: Edgar Roquette-Pinto (18841954), antropólogo; Alberto Sampaio (1881-1946), fitobotânico; e Cândido de Mello Leitão (1886-1948), aracnólogo. Ambos haviam passado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro quando esta tinha passado por reformas, com a introdução de novas disciplinas e ênfase no ensino prático. As novas tendências européias de valorização do laboratório e do conhecimento biológico, sob influência da teoria de Pasteur, estiveram presentes na faculdade, nesse período. Esses homens fizeram de suas pesquisas ferramentas para a construção de uma identidade nacional e por meio da noção de saber criativo possuíam a esperança de que este tipo de conhecimento transformaria a sociedade brasileira

Roquete-Pinto foi professor do Museu Nacional desde 1906, sóciofundador da Academia Brasileira de Ciências (ABC), membro fundador da Associação Brasileira de Educação (ABE) e participou ativamente da organização da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro da qual foi seu secretáriogeral. Mello Leitão iniciou sua carreira como zoólogo, em 1913, na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, do Rio Janeiro e no ano de 1916 trabalhou com Roquete-Pinto na Escola Normal do Rio de Janeiro. Sampaio foi contratado como professor de Botânica do Museu Nacional, em 1912, era membro da ABE e participou ativamente das atividades da Rádio Sociedade. Roquete-Pinto e Sampaio, embora que em momentos distintos, participaram de viagens feitas por Marechal Rondon no interior do Brasil.

Além de serem grandes amigos, tais cientistas articulavam, entre si, não só a produção e difusão de conhecimentos, mas o jogo de reconhecimento pessoal e intelectual e, por outro lado, partilhavam grandes expectativas de transformação do Brasil numa grande nação, num contexto de jogo político intenso do governo provisório de Getúlio Vargas. A perspectiva era a construção de uma sociedade sem conflitos, harmônica, corporativa e regida por um Estado forte e centralizado. Estudos como os de Mello Leitão – num processo de negação ao darwinismo -focalizavam a vida social dos animais negando a competição entre os seres vivos, mas a obediência, harmonia, bondade, solidariedade, a hierarquia. Não obstante, as perspectivas de Vargas encontraram eco nas concepções defendidas pelos cientistas do Museu Nacional. Apesar das nuances do jogo político da época, esses cientistas foram atores em sintonia com as perspectivas do governo provisório de Vargas em “curar o corpo e aperfeiçoar o espírito” de um povo desvalido e empobrecido, vítima de elites egoístas.

O livro é composto de três capítulos. No primeiro, “A voz mais alta da biologia”, a autora argumenta que, desde o final do século XIX, a idéia da natureza como patrimônio nacional era um tema importante, e acreditava-se que o Brasil deveria se afinar ao debate internacional para amoldar-se aos padrões de civilidade. A hipótese central deste capítulo era de que, entre 18951930, a biologia se afirmou como saber específico e diferenciado, ganhando importância política e visibilidadede “mestra da vida”. Duarte estabelece sua argumentação a partir de quatro temas: a eugenia nas primeiras décadas do século XX,a biomedicina,a entomologia (médica e agrária) e o que ela vai chamar de a experiência de campo (em que poderíamos denominar de pesquisas para obter a noção da relação teoria e prática dos estudos).

A autora mostra como a biologia se constituiu como campo específico do conhecimento e como este se firmou como um saber decisivo na resolução de problemas políticos, principalmente a partir da emergência da população como objeto de preocupação nacional. Neste capítulo, Duarte trata ainda da participação de Roquette-Pinto, Mello Leitão e Sampaio, autoridades científicas do Museu Nacional, na elaboração de um anteprojeto do Código de Caça e Pesca, solicitado pelo Ministério da Educação e Saúde, em 1933, cujo decreto foi assinado pelo Presidente da República, no ano seguinte. O Código de Caça e Pesca seria um instrumento importante na regularização e preservação do patrimônio flora-faunístico. Naquela época era notória a extinção de espécies animais cujas peles eram exportadas para compor a moda da “alta sociedade”. Os cientistas advogaram a necessidade do Governo Federal regular os “apetites” das elites em favor dos interesses de todos. Duarte destaca os êxitos e as frustrações dos cientistas no tocante ao texto final da Lei.

No segundo capítulo, A miniatura da Pátria, a historiadora inicia discorrendo sobre um churrasco realizado na Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro, por contingentes das forças armadas gaúchas que visitavam a capital do Brasil. Edgar Roquette-Pinto, diretor do museu, convidou os soldados e os acomodou no Museu Nacional para assistir vídeos educativos sobre a natureza fauna-florística brasileira. Tal evento ganhou expressão para compreender como os biólogos articulavam uma série de meios comunicativos para propagar a idéia de preservação da natureza do país. Rádio, cinema, jornais e a Revista Nacional de Educação foram os principais divulgadores dessa idéia e o Museu Nacional abriu as portas para aulas práticas com crianças e jovens, e para visitas à sala de exposições de antropologia. Divulgar o conhecimento natural de todas as formas possíveis, ensinar às massas a ler e a escrever eram metas dos biólogos do museu. Ao final deste capítulo a autora se debruça sobre a documentação da Coleção Brasiliana1 e analisa as idéias dos três cientistas publicadas em diversos livros que produziram e cujo tema central versava sobre a biologia no Brasil. Entretanto, sendo o período histórico em questão, um momento na qual circulava no país as concepções da Escola Nova, seria muito mais enriquecedor se a autora tivesse tecido relações com essa postura pedagógica. Acreditarmos que essas análises seriam um elemento a mais para compreender a propagação das políticas de divulgação do conhecimento científico na era Vargas.

No terceiro capítulo, Como se fazia um biólogo, a autora nos apresenta a criação da Sociedade dos Amigos do Museu Nacional. Esse grupo surgiu em detrimento do afastamento dos três cientistas do museu e nos conduz a compreender a trajetória de Cândido de Mello Leitão ao analisar esmeradamente as obras escritas por ele e como sua produção foi significativa para a Biologia tornando-o reconhecido nacional e internacionalmente como um especialista em aracnídeos. Duarte não deixa de mencionar que o Museu Nacional perdeu força no fim da era Vargas como instrumento constituidor de opinião pública e que o discurso biológico, da mesma forma, se enfraqueceu como símbolo da identidade brasileira. Não obstante, a Biologia despontou como ciência importante no cenário brasileiro e ganhou espaço significativo nas universidades do país.

A leitura de A Biologia Militante é fundamental por ser um exemplo de trabalho bem escrito, fundamentado teoricamente e com fontes utilizadas de forma burilada. Deve ser lido para entender que o exercício interdisciplinar, lançado mão desde a Escola dos Annales, é extremamente significativo para as pesquisas históricas. É possível ainda conhecer possibilidades do exercício prosopográfico e perceber que muitos temas podem ser vistos como edificadores da nacionalidade brasileira.

O texto nos mostra ainda que a melhor referência teórica a ser aplicada na escrita depende dos documentos que escolhemos para cotejar as informações; é assim que Michel Foucault emerge diversas vezes na obra, principalmente quando fica notória a noção de que os sujeitos se constituem nas redes relacionais em que atuam, como no caso dos biólogos analisados. A obra coloca o leitor na perspectiva da História como conhecimento criador, realizado nas condições de possibilidades de cada pesquisa. Ao analisar racionalmente o papel do fazer científico na instituição das sociedades ao longo dos tempos, a autora busca se afastar do que Marc Bloch chamou do “satânico inimigo” da História: a mania de julgar.

A Biologia Militante, além de ser um excelente diálogo entre História e Biologia, pode permitir primorosos debates sobre questões sócio-ambientais, no Brasil, além de servir de alerta à sociedade brasileira para não aplainar o novo Código Florestal, aprovado em maio de 2011, sem indignações.

Mais do que um discurso histórico construído na interface da história política e da história da ciência, o livro de Regina Horta Duarte ajuda a compreender as articulações e os arranjos políticos que certos intelectuais fazem em seu tempo, no campo de produção e no jogo de relações com os poderes instituídos. Podemos, com certeza, afirmar: é uma excelente contribuição ao campo da história intelectual.

Programa de Pós-Graduação em História/Centro de Filosofia e Ciências Humanas.Universidade Federal de Pernambuco. Campus Recife.Avenida Acadêmico Hélio Ramos S/N10º andar CFCH. Cidade Universitária -Recife- PE- Brasil. CEP:50670-901.

1 A Coleção Brasiliana foi inaugurada em 1931 por Fernando Azevedo e o projeto central era de “descobrir o Brasil aos brasileiros”.

Airton dos Reis Pereira – Doutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Professor da Universidadedo Estado do Pará (UEPA) e membro do Grupo de Pesquisa: Movimentos Sociais, EducaçãoeCidadania na Amazônia/UEPA/CNPq. [email protected].

Rômulo José Francisco de Oliveira Júnior – Doutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Integrante do GEHISC/UFRPE/CNPq. [email protected].

artido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (1965-1979) – GRINBERG (EH)

GRINBERG, Lucia. Partido político ou bode expiatório:
um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. Resenha de: NEGRO, Antonio L. A Arena não é a filha da UDN que caiu na zona. Estudos Históricos, v.23 n.46 Rio de Janeiro July/Dec. 2010.

Um partido político que, de fato, se tornou um bode expiatório. Esta assertiva mal resume o excelente livro de Lucia Grinberg. Longe dos embates políticos e da memória construída nos anos 1980, é dada ao leitor uma visão detalhada e mais complexa sobre a formação e funcionamento da Arena, bem como do sistema partidário brasileiro, tanto o do pré-64 quanto o do pós-64 (até 1979). Grinberg ressalva que ridicularizar a Arena silencia um aspecto acentuado da História da sociedade brasileira após o golpe de 64: o envolvimento dos civis no apoio à ditadura e mesmo na sua gestão. Com seus milhares de eleitores, adeptos, cabos eleitorais, chefes locais e lideranças, a Arena foi um partido inicialmente integrado por uma tarimbada geração de políticos que se encarregou, inclusive, de formar novos dirigentes. Esses quadros não só atuaram nos anos 1970, como também marcaram presença no Brasil democrático da Constituição de 1988.

Ao contornar um quadro historiográfico quase saturado de pesquisas sobre a esquerda, a autora empreendeu uma investigação compreensiva, sensível e com bom humor, abordando tema grave e trombudo: um partido de direita, esteio de um regime ditatorial e sanguinário (mas que não dispensou, totalmente, a existência de eleições, partidos – situação e oposição – e, por conseguinte, do Poder Legislativo). Logo, o que Lucia Grinberg dá ao leitor é um livro que alia pesquisa rigorosa a uma observação que percebe a incerteza, a diversidade, o jogo de forças, e a heterogeneidade do processo histórico.

Elegendo para epígrafe do capítulo 1 “a Arena é a filha da udn que caiu na zona”, a autora foi feliz em indicar que seu livro incide sobre um período estendido entre o pré-64 – note-se a menção à União Democrática Nacional – e os anos 1980, quando a Arena é elaborada, na memória e nas páginas do humor político, como uma mulher maldita, alvo de apedrejamentos, motivados, em sua maior parte, é lógico, pela raiva contra a ditadura. Como Grinberg argumenta que, “enquanto os militares e o governo não podiam ser atacados de frente, a Arena podia” (p. 284), cabe, assim, seguir sua percepção: de um lado, uma mulher ridicularizada (a própria Arena); de outro, gorilas viris e brutamontes (os militares).

Entre os seus mais interessantes resultados, o livro mostra a importância do Partido Social Democrático (psd) no funcionamento da Arena e de como esse partido getulista era visto pelos arenistas como “o modelo por excelência de partido governista e majoritário”, cuja sigla caberia à Arena recuperar em caso de eventual dissolução. Em 1979, isso era, com certeza, uma “alternativa inesperada”, em particular quando “contrastada com a memória construída sobre a Arena como a grande herdeira da udn” (p. 221). Se a associação entre Arena e psd foi mais recorrente do que o esperado, isso corrobora que o trabalhismo foi a parte mais indigesta da controversa herança de Vargas. No final, valeu foi o realismo, pois reeditar a sigla do psd poderia ofender convicções udenistas – antigetulistas – sobreviventes na Arena. Nota a autora que a sigla PDS, de Partido Democrático Social, escolhida para suceder a Arena, era parecida com a do psd. Um trecho da autobiografia Memórias de um stalinista, de Hércules Correa, parece combinar com isso: “Meu jovem”, disse-lhe o senador Amaral Peixoto, do psd, “as boas idéias o PCB formula, o PTB agita e o psd realiza”. Em alguma medida, em plena Arena, isso talvez tenha valido para suas alas radicais, as concentrações udenistas e o realismo pessedista.

Afora o fantasma da turbulência social e do facciosismo extremado, o temor ao retorno das siglas do sistema partidário do pré-64, proscrito no ai-2 de 1965, é usado pela autora para remeter ao peso do mulitpartidarismo dos anos 1945-1964, que permaneceu como “referência identitária durante o bipartidarismo”, frisando “a importância da sigla, do vocabulário, enfim, da história de um partido” (p. 223, 222). É também quando dialoga com as teses da artificialidade da Arena – que a censuram “pelo que ela não é, não tem, não faz” (p. 31) – que Grinberg afirma que a Arena era uma novidade em posse de lideranças experimentadas. Embora inventada pelo novo regime, seus aderentes possuíam “longa prática na política partidária”. Muitos haviam exercido “mandatos sucessivos para diversos cargos eletivos, razão pela qual não se pode deixar de reconhecer sua visibilidade e representatividade junto à população” (p. 32).

Essa é, a propósito, uma proveitosa consideração para a Bahia, que pode ter ficado de fora da conspiração, conforme se presume, mas que certamente sustentou com base social o golpe que derrubou Jango. Antes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que aconteceu depois da queda do presidente, a Bahia era um estado que, por décadas a fio, políticos udenistas (Juracy Magalhães), mas também pessedistas (Pedro Calmon), afirmavam ser um lugar avesso a conflitos de classe, ao mesmo tempo em que rezavam um catolicismo conservador e assumiam posições anticomunistas. Tudo isso sem negar seus princípios liberais. Como alerta Grinberg, é preciso notar homens como Luiz Viana Filho (udn) e Antônio Carlos Magalhães (psd) foram eleitos e reeleitos antes do golpe e, depois do golpe, foram feitos governadores, convertendo-se em lideranças nacionais.

Nesta, como em outras passagens de seu livro, a autora é certeira em sua original análise. No lugar de responsabilizarmos apenas os militares pelo autoritarismo, é preciso enxergar a proeminência social desses civis que receberam a Arena das mãos do novo regime. Um detalhe positivo de Grinberg, a propósito, é ter documentado o apoio do ex-deputado federal da udn Gilberto Freyre à ditadura. Considerando a democracia um estrangeirismo nas terras do Brasil (p. 169), desqualifica também o liberalismo. Nisso, Freyre ladeia o ex-integralista Miguel Reale, afora outros reacionários.

A presença dos estados é outro ponto alto do livro, pois as origens diversas dos arenistas são relevantes para o enfrentamento do “tempo de crise” (1964-1975), quando tiveram de ceder espaço à “atuação ostensiva do militares” (p. 46). É a partir daí que Grinberg evidencia, sistematiza e analisa a heterogeneidade vigente na Arena, na sua relação com o Executivo, nos debates sobre sua identidade, suas alas e chefes em disputa, seus dilemas e impasses. Resumidamente, ela explica: “nem todos os militares e políticos que apoiaram o movimento de 1964 desejavam o mesmo modelo de partido. Em segundo lugar, nem todos os governos militares procuraram fortalecer o seu partido” (p. 42).

Esse tempo de crise foi, também para a Arena, uma experiência difícil e angustiante, dividida em quatro fases: 1964-1966 (conspiração e dúvidas), 1966-1968 (incerteza e cisões), 1969-1973 (silêncio e reorganização) e 1974-1979 (abertura política). Como ocorre de suceder nas revoluções, enquanto uns queriam fazer tabula rasa do passado, outros faziam a defesa, às vezes migalhas, dos variados interesses da representação política parlamentar do pré-64, o que indica que Arena e governo “não formavam um bloco monolítico” (p. 48). Em acréscimo ao ai-5 e a episódios de absoluto controle do poder (cassações, nomeações, os recessos do Congresso em 1966, 1968 e 1977), o impedimento da posse do vice-presidente do marechal Costa e Silva Pedro Aleixo na presidência do país, em 1969, marcou o auge do conflito entre governistas, cindidos entre militares e arenistas. Fica assim patente que os militares não eram patriotas idealistas, ludibriados por raposas civis. As decisões centrais do regime, apesar da participação dos civis, foi, muitas vezes, exclusividade dos militares, em particular no que toca à questão institucional, independentemente das disputas internas na Arena, que sempre existiram.

Cumpre-me tecer paralelo entre a agonia da Arena com outras dilacerações. Foi a defesa da autenticidade da representação parlamentar perante o trabalhismo e o comunismo que levou o Congresso a abjurar princípios democráticos em favor do poder militar. Sistemas de inspiração diversa (o Parlamento liberal e o sindicalismo corporativista) passaram por experiências similares. Em nome de sua autenticidade, forças direitistas do pré-64 ganharam dos militares cenários varridos de seus rivais, mas foram depois encurraladas por esses mesmos militares, sendo marginalizadas e fragilizadas, demonstrando pouca competitividade perante seus adversários, quando estes conseguiam se reorganizar. Contudo, de 1978 em diante, se o sindicalismo pró-ditadura saiu abatido, a disputa no sistema partidário teve outro resultado. Não só uma série de casuísmos protegia e promovia a Arena, como também os arenistas lograram acordar de sua depressão, exibindo consigo aquela costumeira astúcia de quem tem prática, recursos e influência.

Partido Político ou Bode Expiatório, de Lucia Grinberg, é um livro poderoso. Encontra seu posto na História do Brasil, além de mudar, qualitativamente, nosso entendimento sobre seu objeto. Dada sua análise habilidosa, abre pontes para sabermos mais da Anistia, dos novos do pós-79, das Diretas Já, e da política no Brasil, tanto ontem como hoje.

Antonio L. Negro – Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil ([email protected]).

A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845) – ARAUJO (RBH)

ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008. 204p. Resenha de: CALDAS, Pedro Spinola Pereira. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.30, n.59, jun. 2010.

A publicação de A experiência do tempo, de Valdei Lopes de Araujo, deve ser vivamente aproveitada. Trata-se de um livro rico, digno de se encontrar nas estantes dos interessados em história política e intelectual do Brasil no século XIX, mas também nas bibliotecas dos estudiosos da história da historiografia e – por que não? – da filosofia da história. Melhor ainda: pode despertar no estudioso de vocação empírica o interesse pelas questões filosóficas mais abstratas, bem como mostrar à mente mais especulativa e reflexiva que os conceitos podem encontrar correspondência na realidade histórica mutável.

Valdei Lopes de Araujo é professor na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), onde integra o Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM). O livro é fruto de sua tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio, resultante de pesquisa orientada por Luiz Costa Lima. A refinada abordagem feita por Valdei Araujo se explica, sem nenhum demérito para a originalidade da obra, em parte pela formação obtida sob orientação de um intelectual que sempre estimulou a reflexão teórica e foi um dos responsáveis pela difusão da hermenêutica literária no Brasil, e que resulta na grande contribuição do livro de Valdei Araujo para o debate teórico e historiográfico. Seu mérito, portanto, consiste na sofisticada incorporação de discussões teóricas desenvolvidas na Alemanha na segunda metade do século XX, sobretudo aquelas herdeiras e críticas da hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, autor que influenciaria tanto o historiador Reinhart Koselleck como um teórico e crítico literário do porte de Hans-Ulrich Gumbrecht. Sente-se a influência de Koselleck e Gumbrecht no texto de Valdei Araujo: do primeiro, a preocupação com a história conceitual, gênero no qual o autor se sai extremamente bem, dando bom exemplo de como os conceitos não são reflexos polidos da vida histórica, mas a própria forma pela qual esta se torna inteligível. Destarte, o conceito é lugar de experiência, e não de distanciada e desinteressada cognição por parte de intelectuais diletantes. Nada melhor que uma boa obra de história dos conceitos para que o estudioso da história do Brasil e da historiografia brasileira tenha a chance de manchar a imagem homogênea do intelectual brasileiro retórico e desocupado, que se preocupava com o mundo das letras somente por distração e ornamento. Mas o conceito – e aqui se percebe a influência de Gumbrecht – é também fruto de uma radical presença histórica, situada circunstancialmente. O livro, portanto, é profundamente feliz em se apropriar de textos teóricos como os de Koselleck e Gumbrecht sem, em momento algum, cair no erro de fazer de sua pesquisa uma exposição de conceitos importados, uma aplicação que viria meramente a confirmar o já sabido. Assim, embora a obra lide com fontes em grande parte já analisadas por outros historiadores, a maneira de lidar com elas é bastante original e criativa.

O livro inicia-se com uma questão fundamental para se pensar não somente a independência do Brasil, mas o que ela representa categorialmente como experiência moderna. Como diz Valdei Araujo em suas considerações finais: “A relação com o tempo e com o passado estava ainda condicionada, de um lado, por elementos clássicos da imitação e do exemplo e, de outro, por um entendimento geral do universo como a repetição de leis eternas e eventos cíclicos” (p.185).

A primeira parte de A experiência do tempo, denominada “A História do Sistema”, basicamente descreve e analisa a trajetória um tanto trágica de José Bonifácio de Andrada e Silva, o qual, tomando por base ainda uma visão cíclica de história, concebia o sentido da história do Brasil a partir da regeneração. Regeneração é possível somente se for entendida como a etapa subsequente à decadência, termo fundamental para a compreensão morfológica das ciências naturais. A propósito, é instigante perceber a semelhança do debate intelectual brasileiro sobre a modernização com a discussão travada no espaço alemão no último quarto do século XVIII, como demonstram as pesquisas de Peter Hans Reill.1 Porém, “regeneração”, para Bonifácio, se implicava a recuperação da essência de ser português, ainda que transplantada para o Brasil, não significava um retorno. Para usar os termos do autor, ao “espelhar” a história de Portugal, a história do Brasil abria uma possibilidade em sua busca de consciência, a de ser “uma outra história que já não podia mais ser de Portugal” (p.63). É esta a dialética delineada por Valdei Araujo, a do “tempo como repetição” (título do primeiro capítulo) para o “tempo como problema” (título do segundo capítulo). A tentativa da natural superação da decadência abria, portanto, a fresta para o projeto moderno. Afinal, a regeneração dar-se-ia em uma natureza virgem, pura, plenamente visível em seus princípios criadores, a qual teria sua potencialidade moldada pela ciência.2 O dilema da singularidade da história brasileira, posto pelo autor desde Bonifácio, é detidamente desdobrado no exame da possibilidade da existência histórica da língua e da literatura brasileiras, que deveriam ser construídas tendo por base o eixo clássico greco-latino, mas sem fazer dessa base um modelo a ser meramente copiado.

A segunda parte do livro (“O Sistema da História”), que compreende um excurso e dois capítulos adicionais, trata justamente da maneira pela qual os intelectuais brasileiros enfrentaram o incômodo gerado pela necessidade incontornável de se afirmar a singularidade nacional. Incômodo? Necessidade? Sim. O autor afirma-os muito precisamente: “As teorias disponíveis que poderiam explicar a constituição de novas formas, sejam animais, sejam políticas, estavam muitas vezes fundadas na ideia de degeneração” (p.126), e conclui, demonstrando a dimensão do problema, que, sendo verdadeiro o modelo organicista, “a mudança só poderia ser entendida como aperfeiçoamento, regeneração ou degeneração. O mesmo não seria válido então para as nações? Como entender o surgimento de uma nova nação?” (p.126).

Valdei Araujo apresenta, então, os esforços dos intelectuais envolvidos com a revista Nitheroy (como Domingos José Gonçalves de Magalhães) e com a própria fundação do IHGB. Se na primeira se percebia a tonalidade romântica com a qual se coloriria a singularidade nacional em fase de afirmação (mas na qual a história pertencia a um grupo amplo das “letras”), no documento fundador do IHGB, de 16 de agosto de 1838, percebe-se a presença de traços marcantes daquilo que – lembra muito bem o autor – Arnaldo Momigliano considerou fundamental para a caracterização da historiografia moderna, a saber, a conjunção da tradição antiquária e erudita, a preocupação com o sentido filosófico da história, e, por fim, a narrativa. Para Valdei Araujo, o primeiro traço é muito mais visível que os dois subsequentes, principalmente o terceiro, ainda muito discreto.

Outra faceta da modernidade ressaltada pelo autor, tão importante quanto o estabelecimento das bases da pesquisa histórica (mas dela decorrente), reside na abertura da possibilidade da experiência no lugar da imitação. O fato, assim, não é a recapitulação de um exemplo já feito, registrado, ensinado e conhecido, mas, sobretudo, a expressão da individualidade de uma época. O fato, portanto, é impensável dentro do modelo cosmológico ou exemplar, mas torna-se cognoscível em sua assimilação pela pesquisa antiquária e erudita no escopo da tentativa de afirmação da singularidade nacional.

A singularidade, de alguma forma, operava uma interessante transformação semântica: a degeneração deixava lugar para a consciência da finitude, para a consciência de uma experiência tipicamente moderna – a sensação da transitoriedade de todas as experiências. O projeto inicial do IHGB era, mostra muito bem Valdei Araujo, marcado por uma ambiguidade essencial: distante do organicismo que animara um José Bonifácio, o mundo letrado que girava em torno ao Instituto não respirava ainda o ar do pensamento evolucionista, naquele momento o único capaz de, para me apropriar de uma expressão de Henry James, ser o fio capaz de unir todas as pérolas. Como diferenciar as épocas da história do Brasil? Como organizar os fatos?

O livro de Valdei Araujo cumpre papel importante no ambiente atual de discussões teóricas e historiográficas, bastante marcadas pelo embate entre o ceticismo quase cínico dos ditos “pós-modernos” e os racionalistas. Afinal, Experiência do tempo mostra que a historiografia brasileira dá uma guinada fundamental em um momento de crise de orientação – para usar um termo de Jörn Rüsen. Portanto, não há problema algum em se escrever história em tempos de incerteza. De alguma maneira, sempre foi assim e esse foi o desafio sempre respondido, ainda que de muitas maneiras diferentes, pelos historiadores.

Notas

1 Cf. REILL, Peter Hans. Vitalizing nature in the Enlightenment. Berkeley: University of California Press, 2005;         [ Links ] ______. Die Historisierung von Natur und Mensch. Der Zusammenhang von Naturwissenschaften und historischem Denken im Entstehungsprozess der modernen Naturwissenschaften. In: KÜTTLER, Wolfgang; RÜSEN, Jörn; SCHULIN, Ernst. Geschichtsdiskurs Band 2: Anfänge modernen historischen Denkens. Frankfurt am Main: Fischer, 1994.         [ Links ]

2 Nesse sentido, permito-me uma comparação. José Bonifácio lembra muito o Goethe que viaja pela Itália. Na península, encontra a serenidade juvenil e a naturalidade de cuja falta tanto se ressentia em Weimar, onde já era um grande nome intelectual, sufocado pelas formalidades cortesãs. Vale lembrar que ambos – Bonifácio e Goethe – dedicavam-se largamente à ciência natural. Para uma visão da concepção de natureza em Goethe, ver MOLDER, Maria Filomena. O Pensamento morfológico de Goethe. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995.         [ Links ]

Pedro Spinola Pereira Caldas – Professor Adjunto II do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, Campus Santa Mônica. Av. João Naves de Ávila, 2121, Bloco H, sala 1H42. 38400-902. Uberlândia – MG – Brasil. E-mail: [email protected].

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La historia política del Nunca Más. La memoria de las desapariciones en la Argentina | Emilio Crenzel

Apenas dos palabras conforman la frase más emblemática de la lucha por los derechos humanos en Argentina, frase que sintetizaba el deseo compartido de clausurar definitivamente un pasado traumático: nunca más. Ese fue el nombre elegido por la Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (CONADEP) para dar a conocer su informe acerca de las desapariciones ocurridas durante la última dictadura militar argentina. El informe Nunca más, publicado en 1984, generó un gran impacto entonces y años después. Por un lado, contribuyó a sentar las bases del acuerdo social sobre el cual se estableció la restauración democrática. Por el otro, configuró la interpretación de la memoria colectiva sobre el pasado reciente.

Sin embargo es llamativa la ausencia de estudios sobre la historia política de ese informe, considerando el amplio consenso que la memoria del Nunca más logró construir en los años de la transición hacia la democracia. En La historia política del Nunca más el sociólogo Emilio Crenzel explora los procesos que signaron la elaboración de dicho informe, así como los usos y resignificaciones de los que fue objeto con el transcurso del tiempo. En su libro analiza cómo la interpretación del pasado del Nunca Más se fue convirtiendo en la memoria hegemónica, asociada a la estrategia de legitimación del incipiente gobierno constitucional tendiente a clausurar un ciclo e inaugurar una nueva etapa democrática. Es que el informe Nunca más cristaliza la “teoría de los dos demonios”, que afirma que en Argentina existió una guerra entre dos “demonios” (la “guerrilla” y las Fuerzas Armadas) en la que la sociedad, como víctima inocente, quedó atrapada por la violencia desatada entre ellos. Desde esta perspectiva los jefes de ambas organizaciones eran los únicos responsables y culpables por lo acontecido. Esta interpretación, institucionalizada además con el juicio a la cúpula militar en 1985, ofreció una visión del pasado cercano acorde con las necesidades y expectativas del momento. Leia Mais

O que os netos dos vaqueiros me contaram: o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba – DOMINGOS NETO (HO)

DOMINGOS NETO, Manuel. O que os netos dos vaqueiros me contaram: o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba.  São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Revelações da memória: uma nova trilha nos caminhos da tradicional história política regional e dos consagrados conceitos que a definiram. História Oral, v. 13, n. 1, p. 153-158, jan.-jun. 2010.

O título da obra em apreço espelha um roteiro metodológico plural. À pri­meira vista, ele pode figurar como um tema restrito aos que se sentem atra­ídos pela riqueza metodológica da história oral e/ou pela definição de um velho tema da história política regional.  Entretanto, após uma leitura atenta da introdução e uma observação perspicaz dos cinco capítulos, percebe-se que o autor almeja ir além dessa proposição metodológica e temática, pois remete o leitor a outras áreas de análise acadêmica. Refiro-me à busca de estabelecer uma contínua conexão entre o histórico, o sociológico, o político e o econômico, traço marcante do legado marxista, na busca de uma totalidade histórica, legado ainda perceptí­vel nos novos temas e novas abordagens daqueles que se conscientizaram do valor da interdisciplinaridade.

Manuel Domingos Neto foi um aluno afastado do curso de Licenciatu­ra em História, da Faculdade Estadual de Filosofia do Ceará (Fafice), na tur­bulência dos anos 1960, exilando-se na França, onde cursou o doutorado em História. Para quem o conhece e o acompanhou, na sua formação acadêmica, partilhando da alegria do seu ingresso no magistério superior, na Universida­de Federal do Ceará (UFC), na área de ciência política, a presente obra é uma prestação de contas de uma experiência histórica de “longa duração”.  O seu amadurecimento profissional e o tempo vivido, revelados atra­vés de uma trajetória interdisciplinar, licenciatura em história, doutorado em ciências sociais, professor de ciência política, na pós-graduação em ciências sociais, nos explicam a manutenção, no decurso da feitura do livro, de um elo explicativo do debate historiográfico apresentado, envolvido no viés socioló­gico, político e econômico.  Atualmente, no campo das ciências sociais, a “interdisciplinaridade” é reconhecida e recomendada, mas nem sempre demonstrada. E a questão é agravada quando se recorre a outro conceito, o de “transdisciplinaridade”, mais usado como um simples sinônimo de “disciplinaridade”. Como uma res­posta a essa questão, ao longo da leitura da obra em foco, a aplicação prática desse conceito nos parece evidente.  Nessa perspectiva, a sua preocupação constante em associar passado e futuro dos vaqueiros e dos netos de vaqueiros do Vale do Parnaíba nos faz melhor compreender as contradições do presente, um presente obtuso, en­volto em uma “história em migalhas”, que busca explicar a “era do vazio”. É a era de uma história marcada por um “hibridismo cultural”, melhor revela­do através da coleta de “memórias singulares”, imbricadas em “identidades sociais”.  E tais contradições teórico-metodológicas, agudizadas a partir da “cri­se de 1989”, abalaram a rigidez dos modelos explicativos, que pareciam in­deléveis. Contudo, nas novas versões históricas, como aquela voltada a uma “herança imaterial” (Levi, 1985), que traça a trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII, percebe-se o nexo entre o legado historiográfico marxista e as novas proposições apresentadas.  Assim, a complexidade temática é simplificada pela clareza da análise de um autor, que comenta a fragilidade de determinados conceitos, consagrados no estudo da história nordestina e, mais ainda, nos encanta pela leveza das narrativas coletadas, reveladoras dos depoimentos singulares, que prendem a atenção do leitor desde o primeiro capítulo.

O debate, inicialmente levantado em torno das limitações do conceito de modernização, sempre indicada como o anverso do tradicional, é amplia­do com a análise de outras proposições, como coronelismo e clientelismo. Percebendo as conexões e contradições, mercantilismo/escravismo colonial e muitos outros casos de persistência de arcaísmos, presentes no desenvol­vimento capitalista, fica claro que o atraso dos meios de produção também favorece determinados interesses. Por isso, “o moderno e o tradicional (ou ar­caico) sempre andam de mãos dadas, um absorvendo a seu modo, estruturas, valores, práticas e simbologias do outro” (p. 22).  A compreensão das relações de poder, no Piauí, não foi obtida apenas através dos depoimentos coletados. Livros, jornais, documentos e até poesias compuseram o acervo consultado. Na explicação da infausta trajetória do Piauí, extensiva ao Nordeste, o autor rejeita a definição de seu espaço como um espaço sem propensão para atividades consideradas mais complexas, de­dicado exclusivamente à subsistência, ocupado por resistentes à civilização.  A modernidade contraditória, onde o velho e o novo se entrelaçam e as diferenças estabelecidas entre as regiões brasileiras vão muito além de um simples produto do meio geográfico, uma vez que foi o Estado, sempre volta­do às exportações mais rentáveis, que alimentou uma desumana divisão local do trabalho e aprofundou as diversidades de oportunidade entre as regiões.  Nesse parâmetro, em busca de uma melhor compreensão das disparida­des regionais, são reavaliadas classificações consagradas, como as de Euclides da Cunha e Celso Furtado, confirmando a indicação dos indícios dessas dis­paridades, defendidos por Francisco de Oliveira e Wilson Cano.  As narrativas apresentadas pelos netos dos vaqueiros confirmam a mo­dernização sem mudança, registrada em diferentes momentos e espaços da história política regional e nacional. A linha de frente dessa modernidade combinava desenvolvimento com contradições sociais e regionais, destacan­do os coronéis e seus possíveis opositores como agentes desse processo.  Os depoimentos das velhas lideranças políticas contradizem as consa­gradas definições que lhes foram atribuídas. Outras facetas de comporta­mentos políticos, narradas pelas lideranças entrevistadas, desfazem os rígidos perfis, idealizados de forma homogênea, com datas estabelecidas de extinção dessas práticas políticas, o que atesta e contesta a fragilidade de determinados conceitos consagrados, como coronelismo e clientelismo, que o autor consi­dera mais insultuosos que definidores.

A riqueza plural de cada uma das entrevistas realizadas abre perspectivas de análise que ultrapassariam as 400 páginas do livro. Os títulos de cada um dos cinco capítulos constituem um estímulo ao leitor.  O primeiro, “Os netos dos vaqueiros”, é uma apresentação de cada um dos entrevistados, de acordo com a seguinte subdivisão:  1) “O Coronel”, Pedro Freitas, que fez negócios e política a vida inteira. Nesse primeiro tópico, a definição de coronelismo, segundo José Murilo de Carvalho, que tem por base a opinião de Victor Nunes Leal, é contestada. Para ambos, o abalo sofrido por alguns coronéis baianos, presos em 1930, teria sido finalizado com o golpe de 1937. Entretanto, segundo Manuel Domingos Neto, o coronel entrevistado exerceu o seu poder de mando da adolescência à velhice: não manteve o seu poder apenas na República Velha, uma vez que não enfrentou um declínio econômico e o seu poder pessoal o beneficiava no trato com o eleitorado urbano.  2) “O Doutor”, José da Rocha Furtado, um conceituado médico, na classificação de uma ampla clientela, que foi nomeado pelo centralismo político de 1930, mas cujo governo foi considerado um desastre de acordo com a memória dos entrevistados.  3) “O Engenheiro”, Luís Mendes Ribeiro Gonçalves, a quem foi confiada a administração das finanças e as obras do estado, durante o governo do engenheiro João Luís Ferreira, no período 1920-1924. Esse último, quando da sua estada na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, desfrutara da amizade de Lima Barreto, nas noites boêmias ali vividas. Luís Mendes, além de senador, pela União Democrática Nacional (UDN), de 1934 a 1937 e de 1947 a 1951, foi uma das testemunhas da passagem da Coluna Prestes.  O segundo capítulo, “A herança dos netos dos vaqueiros”, é subdividi­do em cinco temáticas, desde a que trata da criação do gado, nascendo para o mercado, entendida não apenas como alternativa para o povoamento do interior, mas como uma mercadoria produzida, integrada à dinâmica inter­continental do sistema capitalista, como fica expresso nas narrativas sobre a ação dos netos dos vaqueiros na política.  A expansão do processo criatório, iniciado com seus “confrontos sangrentos” e consolidado com a utilização da mão de obra escrava nessa atividade, explica o porquê do charque, nas “oficinas” de Parnaíba, e da ação dos proprietários não ausentes de suas fazendas, beneficiários de grande ren­tabilidade da pecuária nordestina.  A inviabilização da pecuária extensiva anulou o velho argumento de que o ouro das Gerais matou as charqueadas do Norte. Ela foi marcada pelas complicadas partilhas de terras por herança e pela autolocomoção do gado, definidora do rio Parnaíba como uma via de acesso sem importância.  As “falsas promissões” foram desfeitas pelo declínio da pecuária, sobre­tudo a partir de meados do século XIX, mesmo com a mudança da capital da província, de Oeiras para Teresina. Paulatinamente, o extrativismo vegetal, incentivado pelo comércio internacional, passou a ser a atividade econômica mais promissora e, desde as primeiras décadas do século XX, as poucas opor­tunidades de emprego e os conflitos de terra explicavam os elevados gastos governamentais com “segurança” e “justiça”.  Os netos dos vaqueiros na política, em suas falas, mesmo confirmando alguns traços definidores do coronelismo, descritos por Nunes Leal, põem por terra as explicações segundo as quais os grandes proprietários usufruíam do atraso econômico, pois a projeção política dos mesmos decorria da manei­ra peculiar de assumirem a propriedade da terra.  Se nos dois primeiros capítulos do livro a escrita do autor delineia o pano de fundo da peça apresentada, nos três últimos capítulos, intitulados “A fala do Coronel”, “A fala do Doutor” e a “A fala do Engenheiro”, os atores selecionados apresentam o seu enredo básico.  Na realidade, o livro não é uma produção de um pesquisador dedicado à “história oral”, mas de um cientista político que a ela recorreu como uma técnica de pesquisa que lhe pareceu promissora. Se fosse uma opção metodo­lógica, certamente as perguntas apresentadas, nas referidas falas, teriam sido eliminadas e o conteúdo analisado seria embasado com alguns conceitos re­veladores, como “memória social”, “história e memória” e “histórias de vida”.  Mas o importante é que essa escrita do autor, explicativa da problemá­tica enunciada, concentrada em 103 páginas, deixa o leitor ansioso pelo que consideramos a segunda parte do trabalho: as três falas apresentadas, que somam mais de 300 páginas. Com certeza, não é o número de páginas que define o peso maior à validade do que foi escrito, mas a opulência de temas e comentários, presentes nos depoimentos apresentados, por esses atores se­lecionados, nos induz a uma série de indagações, que ampliam o curso das análises apresentadas.

Se vários são os rios que figuram no mapa do Piauí, múltiplas são as pro­posições tratadas nas entrevistas à espera de diferentes interpretações. Que outras narrativas sigam as sinuosas trilhas abertas pelo autor, que tão bem soube ouvir e comentar acerca do que os netos dos vaqueiros lhe contaram.  Referências  LEVI, G. L’eredità immateriale: carriera di um exorcista nel Piemonte del Seicento. Torino: Einaudi, 1985.

Gisafran Nazareno Mota Jucá – Professor titular de História do Brasil e do Mestrado em História (Mahis) da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e professor da Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O crime do restaurante chinês – FAUSTO (H-Unesp)

FAUSTO, Boris. O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 246 p. Resenha de: PEREIRA, Vantuil. Uma “outra” São Paulo da década de 1930. História [Unesp] v.29 no.1 Franca  2010.

A década de 1930 sempre exerceu certo enlevo para quem estuda a História do Brasil Contemporâneo. Em grande medida, a Revolução de 1930 pautou tanto as ações políticas, quanto as ações acadêmicas. Assim, no campo acadêmico, olhar para aquele decênio significa tentar compreender fenômenos como o populismo, o estudo das “modernas” formas de fazer política, o estilo constituinte dos partidos contemporâneos.

É resultado deste período a estruturação daquilo que Wanderley Guilherme dos Santos denominara “cidadania regulada”, isto é, uma inserção social controlada pelo Estado, no qual os direitos inerentes de cidadania são constituídos de forma parciais e com uma clara intenção homeopáticas.

A essa época consta também os traços ou resquícios de um tempo não muito distante. Pertencem a mesma década as principais formulações racistas e autoritárias, expressas na eugenia ou na proposição de que não haveria um sentimento de povo no Brasil, apenas visões parciais e localistas. Por seu turno, a sociedade não estaria preparada para o exercício político; não estava acostumada com instituições democráticas. Do mesmo modo, o pensamento científico ganhava terreno, ampliando suas relações socais concretas.

Diferentemente de verificar como um Estado autoritário impactou na vida de um militante comunista ou sindicalista, esta historiografia deixa de olhar como estas instituições impactaram no cotidiano das pessoas comuns. Embora as ideias racistas não tivessem sido introduzidas no Brasil naquela época, foi em 30 que as discussões raciais ganharam terreno. Elas resultaram de uma articulação entre a academia e a vida cotidiana da população através dos aparelhos repressivos que, mediado pelo Estado, interferiram no dia-a-dia da população.

Ao lançar vistas para os anos de 1930, tem-se pelo menos dois outros aspectos instigantes. O primeiro se refere a uma preocupação principal com a construção do edifício e as bases do Estado moderno nacional, seja pelo viés industrial e urbano, seja pelo pensamento político e jurídico daí emanado. Em segundo lugar, dá-se ênfase a compreensão do fenômeno político que foi Getulio Vargas, uma espécie de mito moderno o qual, ao longo das décadas seguintes à sua chegada ao poder, acabou por instituir uma espécie de paradigma político e social na história recente do país.

Desse modo, frequentemente a história política dos anos 30 esteve às voltas com as narrativas das grandes personalidades que, obviamente, não se restringiam à persona de Getúlio, podendo-se falar em figuras como Gustavo Capanema, Juarez Távora, Francisco Campos, etc. Portanto, tratar-se-ia de um enfoque histórico a partir dos grandes homens ou, no mais das vezes, de uma história política renovada que procurava construir uma releitura das ações, padrões políticos, mentalidades e culturas políticas dentro de uma lógica motivada “pelo alto”.

Raros são os estudos deste período que versam sobre a compreensão do mundo das camadas populares, dos homens e mulheres comuns, embora sejam tocados pela construção do Estado, pelos discursos de Getúlio Vargas e toda carga simbólica que ele representara. Ao mesmo tempo, podemos perguntar como a urbanização acelerada, o fortalecimento e consolidação de uma opinião pública, calcada no rádio, moldaram as vidas ou como esses elementos repercutiram no cotidiano da gente comum, pois coadjuvado com a imprensa escrita, irradiavam valores de um “novo” momento nacional.

Em grande medida, a impossibilidade de se alcançar os impactos das transformações daquela década se deveu, por um lado, pela própria perspectiva histórica de valorização da história política tradicional, pela resistência em ver na gente comum uma cultura ou capacidade de reação às ações do Estado. Por outro lado, inexistiam métodos capazes de perceber tais nuances específicas das camadas sociais mais pobres.

Esses limites começam a ser quebrados no Brasil a partir da década de 1980 quando, sob influência da micro-história, ocorre uma junção das análises com a eleição do cotidiano como campo de observação com o enfoque sociocultural. A preocupação aqui está em examinar como a classe operária (e não seus dirigentes) é formada, ou como ocorrem resistências populares a partir de uma “outra historia”. O cotidiano é visto a partir do contraditório, revela tensões, desconexões aparentes, conflitos com os poderes e das resistências a esses poderes.

Henrique Espada (2006) argumentaria que seria importante o historiador olhar com atenção para as paisagens que aparentemente não se transformam. Sugere-se, portanto, que se tome, se não um procedimento, ao menos a qualidade de uma observação ou de uma perspectiva frente aos objetos da análise. Assim, a metodologia ou as fontes disponíveis para se chegar às pessoas comuns não são as mesmas que para se compreender o modo de pensar das grandes personalidades.

Como afirmavam E. P. Thompson, George Rudé e Eric Hobsbawm, as pessoas comuns – quase que invariavelmente -, não deixaram documentos escritos para a posteridade e não tinham arquivos disponíveis para guardar as suas memórias. Dessa forma, um procedimento para auscultar este segmento social se faz através de um tratamento intensivo das fontes, ao seu modo peculiar de ler os indícios, isto é, a atenção do historiador deverá ser redobrada, ele deve estar atento a todos os detalhes, aos não ditos. Em diversas oportunidades ele está trabalhando ao nível das trajetórias individuais, da realidade cotidiana e de ardis recorrentes nas extensas redes de pequenos poderes onde os atores sociais se revelam em toda a sua humanidade.

Ao valer-se da metodologia e do enfoque micro-histórico, O crime do restaurante chinês de Boris Fausto, vem cobrir parte desta lacuna do período do Estado Novo. O autor traz contribuições valiosas para o entendimento do modo de pensar e de como as pessoas comuns sobreviviam no interior de uma cidade de São Paulo em transformação.

O autor se relaciona com a micro-história ao considerar aspectos determinantes daquela metodologia, tais como a redução da observação do historiador. Fausto não se preocupa em tratar, por exemplo do Estado como ente privilegiado, ele busca apreciar ações humanas e significados que passam despercebidos quando se lida com grandes quadros

Do mesmo modo, para dar consubstanciação à sua proposta, ele concentra sua escala em pessoas comuns e não em grandes personagens, buscando ouvir suas vozes. Aqui, entra um terceiro elemento, pois há uma preocupação em extrair de fatos aparentemente corriqueiros uma dimensão sociocultural relevante.

Embora reconheça que sua obra possa ser lida como uma “boa história”, Fausto marcará sua posição de historiador ao revelar dois aspectos imprescindíveis de seu trabalho. Embora apele para o recurso da narrativa, contraria a história das grandes estruturas, sem se confundir com o estilo das narrativas tradicionais, predominantes no século XIX. E, por fim, mas não menos importante, situa sua obra no terreno da história, o que significa apoiar-se nas fontes, delimitando assim, claramente, a obra ficcional.

No último ponto, Fausto retoma alguns ensinamentos de Carlo Ginzburg e suas preocupações em distinguir seu modo de construção narrativo da corrente que propugna por um ataque cético à cientificidade das narrações históricas (GINZBURG, 2007, p.10-13). Afirma que as narrações históricas não falariam da realidade, mas sim de quem as construiu. O crime do restaurante chinês tem um estilo preferencial pela narrativa, admite Fausto, mas não a narrativa ficcional, pois a trama se apoia em fontes históricas, conclui o autor.

Em seu lugar, Fausto atuará mais como um camponês arando um terreno árido, procurará se situar mais como um “vasculhador” de testemunhos históricos a contrapelo, como Walter Benjamin sugeria, isto é, contra as intenções de quem os produziu.

Uma das grandes forças de O crime do restaurante chinês é que sua escala de observação é reduzida. Vários personagens são pessoas comuns, invisíveis no plano dos grandes acontecimentos, que não figuram na galeria dos grandes mitos da história nacional. Contudo, dentro da proposta micro-histórica, o modo de pensar, as vidas e as interações das pessoas comuns servem para inseri-las em um amplo contexto social que serve como chaves de entendimento de ângulos ignorados do contexto da época. São “fachos de luz, capazes de alcançar lugares escuros de uma sala que a luminária do teto não alcança”, dir-nos-ia Boris Fausto.

O autor argumenta que a problemática só poderá ser entendida se compreender o contexto geral em que a vida das pessoas está envolvida. Assim, ele situará suas análises ao longo da repercussão do próprio crime do restaurante chinês, isto é, na São Paulo da década de 1930, ou, com maior incidência, nos anos que vão de 1938 a 1942. Naquele momento, a cidade não era a megalópole dos dias atuais. Todavia, ela já vivia os problemas dos grandes centros urbanos, sobretudo se considerarmos que nela já habitavam mais de 1 milhão de pessoas. Os vestígios do passado insistiam em não desaparecer, ainda que os meios de informação estivessem bastante disseminados, pela via dos jornais e das emissoras de rádio, que alcançavam não só a classe média como setores das classes populares. Outro aspecto da cidade era a presença de uma multiplicidade étnica, em grande medida resultante da imigração em massa de fins do século XIX e das primeiras décadas do século XX. “Em meados dos anos 1930, nela conviviam imigrantes e seus descendentes, velhos paulistanos em crescente minoria e migrantes internos que começavam a chegar em grande número, de Minas Gerais e do Nordeste” (FAUSTO, 2009, p.10).

Fausto reconhece que a obra está envolta de elementos de sua própria memória, pois parte do que ele retira dos relatos e da narrativa é decorrente das lembranças da sua infância, do carnaval de 1938, dos encontros familiares, das desgraças, etc. A memória reconstruída por Fausto é como uma fotografia de sua infância. O que foi lembrado é interessante na medida em que nos revela parte da trama.

O escritor admite que na sua memória “ficaram apenas as imagens do último carnaval [em família], do mistério sem rosto da morte da minha mãe. Ficaram também as imagens do crime do restaurante chinês, na versão em que Arias de Oliveira era considerado o autor da chacina” (FAUSTO, 2009, p.217), motivadas pelas cenas estampadas nos jornais, pelos comentários repercutindo o massacre.

No presente, ocorre um confronto entre o historiador e sua memória. A memória reconstruída do autor procura não o julgamento, mas a compreensão daquelas cenas, a partir das evidências, das fontes. O “juiz” transforma-se em historiador. Lembrar agora pode ser visto não como algo inocente, pois, olhando por trás dos ombros do delegado e nas tintas da imprensa que repercutia o crime, fica consciente de que, a autoridade depositada nestas instituições são elas mesmas apenas vozes contraditórias que se juntam ao processo.

As cenas que atormentavam um pequeno menino não deixavam de ser as da exposição de uma memória coletiva. As percepções de Boris Fausto, ainda que aparentemente passem à margem dos acontecimentos daqueles anos, implicam nas tramas que circundavam a sociedade: o crime, o futebol, o carnaval, as leituras que a imprensa construía sobre os envolvidos nos acontecimentos do carnaval de 1938 e a primária ideia de justiça.

O crime do restaurante chinês é uma chave de abertura dos caminhos mais amplos, seja ele o funcionamento do aparelho policial e judiciário – aqui estariam ausentes o uso da força como mecanismo de dominação e a obtenção da confissão do acusado negro Arias de Oliveira – , ou os novos mecanismos propugnados pela ciência criminológica, auxiliada pela psicologia e pelas técnicas desenvolvidas pelo professor positivista italiano Cesare Lombroso. Portanto, recorrentemente, estão contidas as teorias racistas, que procuravam demonstrar os tipos de homens capazes de cometer crimes e, consequentemente, a discussão da natureza da criminalidade e do perfil dos infratores.

Dividido em 16 capítulos curtos e objetivos, o livro é de fácil compreensão e acessibilidade (tanto para um leitor leigo quanto para um acadêmico). A obra conta o desenrolar do crime (ou chacina, como afirma o autor) do restaurante chinês, ocorrido no carnaval de 1938. No morticínio morreram o proprietário do restaurante, sua mulher e dois empregados do casal. Auxiliado pela riqueza de detalhes produzidos por jornais como o Estado de São PauloFolha da Manhã e Correio Paulistano, Fausto constrói a trama procurando problematizar e relativizar cada detalhe do crime. Coadjuvado pela imprensa, será na friúra do inquérito policial que ele procurará reconstruir a personalidade de todos os envolvidos. Contudo, o que o mundo da chacina revela, ao contrário de um mundo glamourizado, é a vida de “migrantes pobres, analfabetos ou semianalfabetos”, alguns que com esforço vinham escalando alguns degraus da ascensão social (FAUSTO, 2009, p.41-43).

Seguindo uma ordem cronológica dos acontecimentos – que permite a compreensão do desenrolar dos acontecimentos -, não deixa de tocar nas intrigas e emaranhados que envolvem a trama, desde a existência de uma possível máfia chinesa, passando pela contrariedade de familiares do proprietário do restaurante chinês, as pressões “desatinadas” da imprensa sensacionalista, a busca pelos culpados, chegando ao negro Arias de Oliveira – o acusado de ter cometido o crime do restaurante chinês.

No ínterim da narrativa, Fausto percebe uma disputa política envolvendo, de um lado, a polícia que, pressionada pela repercussão popular de um grande crime, isto é, episódio que se destaca pela exuberância sangrenta, por envolver paixões amorosas, na importância dos protagonistas, ou por tudo isso junto (FAUSTO, 2009, p.39) que, na atualidade, se encontra banalizado não só pela generalização dos acontecimentos, mas, sobretudo, pela capacidade da imprensa em torná-los corriqueiros. De outro lado, ao chegar ao preto Arias, a ação da polícia desencadeia uma ação por parte da chamada burguesia “de cor”, responsável por atividades culturais e pela criação de entidades como a Frente Negra Brasileira, que se propunha a lutar contra a discriminação racial. A Frente se colocara na defesa de Arias de Oliveira, evitando que ele ficasse desamparado ou nas mãos de um defensor público. Entra em cena, o jovem advogado Paulo Lauro, importante para as três absolvições que Arias receberia ao longo de três anos.

Ao lermos O crime do restaurante chinês, a riqueza de fotografias nos transporta para os acontecimentos, permite que nos envolvamos cada vez mais na trama. Ao nos depararmos com a acusação de Arias de Oliveira, perguntamo-nos a cada momento qual será o desfecho dos acontecimentos.

O que podemos antecipar é que Arias de Oliveira volta à obscuridade, sem que o crime deixe de figurar na memória coletiva da cidade de São Paulo. Ele é memória coletiva para os militantes negros.

Do mesmo modo, pode ser compreendido como uma memória não rememorada de mil outros “Arias de Oliveira” que não tiveram o mesmo destino de se verem fora das prisões e suas vidas transformadas pelas agruras da justiça. Diante deste possível desfecho, fica cada vez mais provocativo pensarmos o potencial da construção historiográfica a partir de homens e de mulheres comuns que foram impactados pela nova ordem de coisas, pela ética do trabalho, pelo racismo, pela exclusão disseminada a partir da consolidação do capitalismo no Brasil, na São Paulo que era o seu exemplo mais concreto já a partir da década de 1920.

O livro de Boris Fausto é uma obra que contempla um jeito novo de fazer história: não perde a perspectiva de se construir conhecimento. Articula a relação entre o contar uma boa história (científica, porque baseada nas fontes) e uma outra (narrativa), ao gosto do leitor comum, que procura os prazeres de uma boa estória.

Vantuil Pereira – Professor Doutor – Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História – UFRJ – Univ. Federal do Rio de Janeiro – Av. Pasteur, 250, CEP: 22290-240, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].

Passagens | UFF | 2009

Passagens

O principal objetivo de Passagens – Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica (Niterói, 2009-) é ampliar o espaço de sociabilidade acadêmica dos campos intelectuais das ciências humanas e sociais aplicadas, com ênfase em estudos de história política e cultura jurídica.

Passagens incentiva a divulgação de trabalhos em andamento que contribuam para o aprofundamento de pesquisas com abordagem transdisciplinar, dando visibilidade à discussão pertinente no Brasil e no exterior, com destaque estratégico para a América do Sul, sem perder de vista sua abrangência internacional. Publica artigos inéditos, que são submetidos a um processo de avaliação (duplo cego).

Passagens aceita artigos e resenhas em quatro línguas: português, espanhol, francês e inglês, e é publicada eletronicamente três vezes ao ano: janeiro, maio e setembro. Passagens é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa (Laboratório Cidade e Poder) fundado no início dos anos 1990 e atuante no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Situado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História, o Laboratório Cidade e Poder (LCP) congrega professores e pesquisadores que se afiliam aos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política, Sociologia e Direito e Psicologia.

Periodicidade quadrimestral.

Acesso livre.

ISSN 1984-2503 (Online)

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História política do futebol brasileiro | Joel Rufino dos Santos

O livro História política do futebol brasileiro é de autoria de Joel Rufino dos Santos, um dos principais nomes do movimento conhecido como a Nova História do Brasil. Tal movimento foi formado por um grupo de intelectuais ligados ao Departamento de Historia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Este último, por sua vez, criado em 1955 pelo então presidente Café Filho e vinculado ao Ministério da Educação e da Cultura, foi um instituto de pesquisa que pretendia ser um espaço de vanguarda no pensamento social nacional. Entre suas contribuições, está a formalização de um Projeto Nacional Desenvolvimentista, que, de certo modo, foi a base teórica para o projeto de governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).

Em 1964, com o golpe militar e o estabelecimento de um regime de exceção, o ISEB foi extinto e muitos dos seus membros exilados. Mas o período no qual esteve ativo foi suficiente para impulsionar importantes ações, como a Nova História, por exemplo. Nesse caso, especificamente, a ambição fora desde o início a de reescrever a história do Brasil, “rompendo com a história oficial, factual e mitificada”. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré, um dos seus idealizadores, pretendia-se mesmo “fugir à rotina dos compêndios”. Leia Mais

A história na política, a política na história | Cecília H. S. Oliveira, Maria Lígia C. Prado, Maria de Lourdes M. Janotti

A renovação dos estudos sobre política em História, ou simplesmente da História Política, tem sido gradativamente traduzida em artigos e obras inovadoras, iluminados a partir de conceitos, métodos e abordagens diferenciados em relação à História factual e elitista criticada pelo Annales no início do século XX. Por meio de novas pesquisas, a “nova” historiografia política vem mostrando ao historiador o quão vasto e interdisciplinar é seu métier, integrando o tempo – com diferentes ritmos – e fontes das mais diversas origens à cultura, à economia e às sociedades. A coletânea de artigos1 reunida pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo e organizada por três importantes historiadoras é claramente uma manifestação desse quadro de ampliação dos estudos de história política, contendo quatorze artigos em cerca de 290 páginas. O conjunto propõe-se “interrogar os sentidos assumidos pela política na investigação histórica e na historiografia atual” (OLIVEIRA; PRADO; JANOTTI, p.10), dividindo a obra em seis partes, analisadas a seguir. Leia Mais

Política en el Atlántico a princípios de siglo XX – LLANOS (M-RDHAC)

LLANOS, Jaime Álvarez. Política en el Atlántico a princípios de siglo XX. Barranquilla: Ediciones Uninorte, 2003. 139p. Resenha de: ARANA, Roberto González. Memorias – Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe, Barranquilla, n.1, jun./dic., 2004.

Roberto González Arana – Ph.D. en Historia. Profesor del Departamento de Historia y Ciencias Sociales de la Universidad del Norte, en Barranquilla, Colombia.

Acesso apenas pelo link original

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Mais malandros. Ensaios tropicais e outros | Kenneth Maxwell

Talvez por sua consolidada reputação no país como especialista na história do império português e dada a ambigüidade do título desse seu último livro publicado no Brasil, essa coletânea de ensaios do historiador inglês Kenneth Maxwell não desperte entre os estudiosos das relações internacionais e da política externa brasileira a atenção que a obra merece. O título Mais malandros. Ensaios tropicais e outros parece fazer sentido apenas se a obra for entendida como sucedânea de outra coletânea de trabalhos do autor, publicada no país em 1999, intitulada Chocolate, Piratas e outros malandros. Ensaios tropicais (Paz e Terra). Os vinte e seis ensaios reunidos em Mais malandros foram, em sua maioria, publicados no extinto site NO (Notícia e Opinião) e no Caderno Mais da Folha de São Paulo, sendo os demais publicados em periódicos estrangeiros.

Se Maxwell é conhecido como autor, entre outros, de uma interpretação clássica da Inconfidência Mineira (A devassa da devassa, Paz e Terra, 1977), de uma biografia definitiva do Marquês de Pombal (Pombal: paradoxo do Iluminismo, Paz e Terra, 1996) e de uma provocativa interpretação da Revolução dos Cravos, ainda inédita no Brasil (The making of Portuguese Democracy, Cambridge University Press, 1995), a prazerosa leitura do trabalho aqui resenhado confirma a erudição e a vastidão dos interesses do autor, o que, por si só, já valeria a empreitada. Contudo, em Mais malandros destacam-se também a sagacidade e o pendor heterodoxo do autor na articulação de seu amplo conhecimento histórico a eventos sociais e políticos contemporâneos, tecedura essa usualmente evitada pelos historiadores. Leia Mais

América Latina no século XIX: tramas, telas e Textos – PRADO (RBH)

PRADO, Maria Ligia Coelho. América Latina no século XIX: tramas, telas e Textos. São Paulo: EDUSP; Bauru: EDUSC, 1999, 228 p. Resenha de: FUNES, Patrícia. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n.40, 2001.

Em América Latina no Século XIX: Tramas, Telas e Textos, Maria Ligia Prado trabalha tanto tópicos clássicos do pensamento político latino-americano do século XIX quanto novos temas, produto das últimas revisões da história política: velhos e novos problemas abordados a partir de uma perspectiva atualizada e inovadora1. Borges, resgatando o processo da leitura e da interpretação, certa vez escreveu: “A veces creo que los buenos lectores son cisnes aun más tenebrosos y singulares que los buenos autores.”

Maria Ligia lê e analisa biografias, novelas, relatos de viajantes, quadros e pinturas para interpretar as sociedades latino-americanas do século XIX, especialmente no que se refere à produção de idéias e de imaginários políticos.

Procedamos por círculos concêntricos, partindo de fora para dentro. O livro (editado pela EDUSP e EDUSC em 1999) é um objeto primorosamente elaborado, impresso com esmero e acompanhado por ilustrações muito bem escolhidas, que se tornam imprescindíveis, como no caso do artigo sobre as representações pictóricas da natureza nos Estados Unidos e no Rio da Prata (“Natureza e Identidade Nacional nas Américas”). Este cuidado estético não pretende ser trivial, uma vez que se encontra associado a uma das preocupações da autora com relação ao suporte material da leitura: como se lê, como circulam os textos e para quem estão dirigidos (remeto ao artigo sobre novelas voltadas a um público feminino, editadas pela Imprensa Régia no Brasil Joanino). Maria Ligia também incorpora epígrafes e citações literárias, que em geral são pedras de toque um tanto misteriosas, mas que sempre sugerem uma intenção a decifrar.

A autora nos propõe sete ensaios de história das idéias políticas e das representações e imaginários sociais, tecendo uma trama menos visível e mais sutil, mas sempre operante, aludida no próprio título do livro.

Dissemos que a autora revisa alguns problemas clássicos da historiografia do século XIX, as emblemáticas questões sobre a Independência, enfocada aguda e originalmente em dois dos ensaios. O primeiro analisa a participação das mulheres no processo revolucionário e, mais concretamente, o apagamento e o nivelamento deste protagonismo na historiografia do século XIX a partir dos relatos biográficos. Assim, nos apresenta o processo independentista pelo reverso da tela e mostra os mecanismos de ocultamento e “feminilização” desta participação contestatória e rebelde, operação pedagógico-moralizante dirigida a fixar imagens de “bom comportamento”. Este interessantíssimo contraponto que Maria Ligia realiza entre a recuperação e a reconstrução do papel político das mulheres (Juana Azurduy, Manuela Sáenz, Leona Vicario, Policarpa Salavarrieta) e estas biografias, escritas por homens, desvela um imaginário de nação no qual a família é a metáfora. O lugar da mulher corresponde à moral católica de “mãe e esposa”, à ordem privada e não à pública; em síntese, a valores tradicionais, precisamente num momento em que se recusa esta ordem e em que a vocação é pretensamente secularizadora na ordem política.

O outro ponto abordado na questão da Independência é o das relações entre a Igreja e o processo de ruptura revolucionária e, dentro disto, o papel do clero revolucionário: Hidalgo, Morelos, Camilo Torres, Luis Vieira são associados aos movimentos das classes subalternas. É interessante aqui a reflexão aguda de Maria Ligia acerca das tensões entre os novos e velhos princípios de legitimidade política no interior do clero – cruzado por referências ideológicas diversas, mas explicáveis em seu contexto sociopolítico – e também e particularmente no caso de Hidalgo é instigante a análise da autora a respeito dos dilemas entre liberdade e violência dentro de um contexto revolucionário.

A brecha entre utopias políticas e resultados na construção de uma nova ordem – a distância entre os sonhos e as desilusões – é uma questão que Maria Ligia problematiza neste artigo e em outros dois: refiro-me ao inteligente trabalho sobre as visões acerca da soberania popular, seus recortes e adaptações no pensamento de Luis María Mora e Esteban Echeverería e também em sua leitura de Facundo, de Sarmiento (“Para Ler o Facundo de Sarmiento”). As peripécias na construção dos estados e nações, das identidades e do poder, e o papel da igreja, da ciência e do positivismo, objetivados na criação de instituições universitárias, são analisados com destreza pela autora, comparativamente em três países: Brasil, México e Chile (“Universidades, Estado e Igreja na América Latina”).

Mais do que me referir pontualmente a cada um deles, gostaria de assinalar uma preocupação historiográfica e interpretativa, subjacente a vários trabalhos do livro e que, a meu juízo, está na base das intenções da autora ao pensar na relação entre as idéias e a política. Consideramos que o livro de Maria Ligia nos propõe abordagens sugestivas e instigadoras do ponto de vista da disciplina e da metodologia. Grande parte dos trabalhos é comparativa, estratégia que lança luz sobre traços comuns das sociedades e da política latino-americanas, mas particularmente sobre as especificidades e singularidades de cada processo. O exercício comparativo é uma ferramenta que permite romper com o componente “nacionalitário” e “nacionalizante” que teve a história política tradicional, e ao mesmo tempo abrir a análise a visões menos endogâmicas e autofágicas.

Maria Ligia adverte: “Para defender-se das habituais acusações de elitista, ideológica, particular, factual, nacionalista, a história política teve que repensar suas abordagens e indicar caminhos de investigação inovadores.” Assim, a atuação humana, as subjetividades, a longa duração, a fixação de símbolos identitários são buscas às quais a autora recorre em seu rigoroso trabalho, com resultados muito férteis e explicativos.

Por outra parte, já no terreno das idéias políticas e em épocas de orfandades e intempéries teóricas globalizadoras, em nosso entender a autora não cai em alguns riscos aos quais estão expostos aqueles que trabalham com a produção textual e discursiva. Mais concretamente, Maria Ligia evita o risco do “reducionismo lingüístico ou discursivo” que, no limite, chega a delinear a natureza exclusivamente ficcional da narrativa histórica.

Pensamos que ao abordar o campo das idéias, das ideologias, do pensamento, da produção intelectual, corre-se o risco da análise enredar-se em dois tipos de atitudes: a de pensar em uma “soberania” do mundo das idéias, em que estas se geram e se reproduzem com uma autonomia absoluta numa espécie de território “nebuloso” cujo império é o das meras representações, situadas em algum lugar “acima” das sociedades. Uma segunda atitude é a da ultra-simplificação da linguagem política, que se autolegitima circularmente por estar impregnada do social. A esta complexidade haveria que acrescentar ainda uma outra, já “clássica” entre os analistas das sociedades latino-americanas: a obsessão pela cópia ou a originalidade do pensamento latino-americano, já anunciada nos debates sobre as idéias inspiradoras do processo independentista. A velha visão entre o universal e o particular, inerente à modernidade, cobra, nessas sociedades nas quais a modernidade foi e é um tema controverso, uma vigorosa centralidade. Assim, aqueles que sublinham o caráter de mera “cópia” ou “reflexo” no campo das idéias não deixam de dar uma explicação muito tranqüilizadora no momento de analisar os limites e frustrações dessas ideologias para entender estas sociedades, e de atribuir a essa “colonização” ideológica uma quota de responsabilidade nada desdenhável para explicar suas “disciplinas pendentes”. O avesso desta atitude que, entretanto, circula na órbita do mesmo eixo, é considerar os “modelos clássicos”, as “idéias originais” (o liberalismo, o positivismo, o romantismo, o naturalismo e também os nada vernáculos “nacionalismos”, por exemplo) corpos fechados e acabados que, ao serem contrastados com as “indóceis” sociedades latino-americanas e com suas produções intelectuais (tão obstinadamente resistentes a disciplinarem-se no perímetro destes marcos) dão como resultado uma caracterização destas sociedades como “incompletas”, “inacabadas”, “disformes”, ou sob o império interpretativo dos “proto” ou dos “sub”.

Maria Ligia adverte para estes riscos, por exemplo, ao referir-se a positivistas e liberais, refletindo: “Não se trata, como afirmam tantos, de uma má compreensão ou de uma deformação das idéias matrizes, e sim de uma consciência bastante clara desses atores, para quem as idéias estão sempre a serviço de uma causa político-social, fato que os levou a fazer leituras peculiares dos textos filosóficos clássicos. As ambigüidades encontradas explicam-se, para o historiador, pela análise dos cruzamentos entre os vários campos e por seu entendimento dentro de cada contexto social particular.”2

O caminho que Maria Ligia elege – a nosso ver, com êxito – para evitar estes deslizamentos, é o de trançar a produção ideológica aos contextos sociopolíticos, (re)situando as idéias no tabuleiro do poder, forma pela qual consegue diferenciar-se tanto das visões teleológicas como das essencialistas.

Para não me alongar demasiado, agrego um pequeno parágrafo sobre o astuto e sensível ensaio a respeito das possíveis leituras da natureza na conformação das identidades nacionais; em minha opinião, este é um artigo cheio de criatividade que estimula pensar a respeito de variadas questões, tanto por sua construção quanto por sua análise. A natureza para o historiador, diz-nos Prado, é um objeto sobre o qual se elaboram representações que comportam visões de mundo, repertórios diversos constitutivos da identidade, do território e da nacionalidade. Neste sentido, sua comparação das obras de Turner e Sarmiento, acompanhada pela leitura das imagens dos pintores do Rio Hudson e dos viajantes do Rio da Prata no começo do século XIX, parece-nos um exercício analítico muito agudo e perspicaz, no qual a autora desenha as cumplicidades entre natureza, política e história.

Pinturas, biografias, novelas, telas e textos são suportes nada convencionais que Maria Ligia entrelaça para aproximar-se das sociedades latino-americanas do século XIX, de suas idéias e seus horizontes de pensamento, sem perder de vista a atualidade de algumas problemáticas ou como estas rebatem no presente – lugar explícito onde a autora se instala para realizar sua análise.

Para concluir, gostaria de reproduzir a epígrafe de Karl Bauer que abre o artigo sobre a leitura de novelas no Brasil joanino: “A postura forçada e a ausência de movimento físico durante a leitura, combinada com essa sucessão tão violenta de idéias e sentimentos […] cria preguiça, conglutinação, inchaço e obstrução das vísceras, em uma palavra, hipocondria, que, como se sabe, afeta em ambos os sexos os órgãos sexuais e conduz a estancamentos e corrupção do sangue, aspereza e tensões no sistema nervoso, e, em geral, ao enfraquecimento de todo o corpo.” Karl Bauer, 17913

Não se preocupem. Nada disso ocorre com a leitura deste livro. Ao contrário, por sua escritura ágil e fluida nosso corpo se alonga e se estira. Ativa e estimula novas perguntas e ressignifica velhos problemas através de proposições criativas e originais que nos aproximam da compreensão das sempre complexas e fascinantes sociedades latino-americanas.

Notas

1 Este texto foi lido por ocasião da apresentação do livro no Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de San Martín, organizada por este Centro e pelo Instituto Gino Germani, da Universidade de Buenos Aires, em 8 de junho de 2000. Tradução de Stella Maris Scatena Franco.

2 PRADO, M. Lígia C. América Latina no século XIX: tramas, telas e textos. São Paulo: EDUSP; Bauru: EDUSC, 1999, p. 116-117.

3 Id., p. 119.

Patrícia Funes

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Religion grecque et politique française au XIXe siecle, Dionysos et Marianne – TRABULSI (VH)

TRABULSI, José Antônio Dabdab. Religion grecque et politique française au XIXe siecle, Dionysos et Marianne. Paris: L’Harmattan, 1998. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Varia História, Belo Horizonte, v.15, n.20, p. 186-190, mar., 1999.

Raros são os historiadores brasileiros que publicam livros no exterior e, ainda mais infreqüentes, aqueles que o fazem sobre temas distantes da História do Brasil. O Professor Dabdab Trabulsi, da Universidade Federal de Minas Gerais, já havia publicado, em Paris, um volume sobre Dionysisme, pouvoir et socíété (Belles Lettres, 1990), obra que recebera prêmio, na França, por seu valor e, agora, publica um trabalho ainda mais ambicioso. Trata-se de um estudo, propriamente, historiográfico, sobre a interpenetração de ciência e política, no século XIX, centrando-se sobre o tratamento dispensado à religião grega pela erudição francesa, no contexto da História da França.

Wolfgang J. Mommsen1 lembrava que já Goethe advertira que cada geração cria seu próprio passado e Dabdab Trabulsi, logo de início, explícita uma abordagem que procura dar conta do contexto de produção da historiografia: “há que examinar os condicionamentos diversos que influem sobre a elaboração dos modelos de interpretação da História e, ao mesmo tempo, estudar a dinâmica científica, que tem uma dinâmica própria, e que pode fazer perdurar certos modelos bem adiante dos contextos sociais e intelectuais que lhes deram origem” (p. 9). A partir deste enfoque, o primeiro capítulo aborda a evolução política e intelectual francesa no século XIX, em especial a oposição entre catolicismo e laicização e suas repercussões tanto no ensino básico como superior. No segundo capítulo, dedicado aos fundamentos do debate historiográfico, debruça-se sobre a religião grega em meados do século, aprofundando-se em Fustel, Renan, Duruy, Girard, Boissier. Destaque-se que o estilo francês, literário, por oposição à erudição alemã, é relacionado, após a derrota de 1870-71, à superioridade da Educação alemã, que teria garantido a vitória militar aos prussianos (p. 37).

No capítulo terceiro, “A Idade da Erudição Triunfante”, a emulação à erudição alemã, de cunho filológico, acaba por produzir seus resultados, a começar pelo Dictíonnaire des antiquítés grecques et romaines, de C. Daremberg, E. Saglio e E. Pottier (a partir de 1877). O autor estuda os verbetes da enciclopédia que se referem a Dioniso e dialoga com os autores daquela época como se fossem nossos contemporâneos: Gerard faz uma “muito boa” apresentação, Lenormant é “demasiado etimológico”, Legrand compreende melhor as mênades do que um autor atual, Devereux, “que não conseguiu compreender”, algo que Legrand já explicara no século passado. Devereux “está totalmente equivocado” (p. 65)2 . Embora pouco usuais na historiografia anglo-saxônica e alemã, estes juízos e mesclas de abordagens afastadas no tempo podem ser o resultado de uma fluidez tipicamente francesa3 . Ainda neste capítulo, menciona en passant a “invenção do Oriente”, ainda que não explore o conceito de “invenção”, tão explorado na historiografia contemporânea, em geral, e sobre a Antigüidade, em particular4.

Em seguida, volta-se para a vulgarização, as polêmicas e os manuais escolares, objeto pouco explorado pelos estudiosos da historiografia. A imagem dominante, que continuará como referência por longo tempo, será, segundo o autor, aquela elaborada nos grandes trabalhos de erudição, dominados pelo positivismo e a filologia comparativa indo-européia. Com o tempo, a Antropologia começa a deslocar a lingüística como modelo explicativo, comparando os antigos aos “primitivos”. Os livros didáticos. por outro lado, seguem, com certo atraso, os autores eruditos, dando pouco destaque a Dioniso, associado à Ásia e, desta forma, à oposição ocidente/oriente, aludida acima, quando se mencionou a invenção do Oriente. A breve conclusão constata que “o exame dos diversos autores mostrou-nos que estas teorias e métodos foram elaborados no calor da luta social e política” e que “a História da Antigüidade e de sua religião participou na obra de laicização dos espíritos que contribuiu para consolidar a República. Seu esforço metodológico foi “exportado” para outros domínios e intelectuais saídos dos estudos da Antigüidade levaram este sopro crítico para a criação de outras disciplinas científicas” (p. 94).

Dabdab Trabulsi constrói um quadro coerente, cujo ponto alto consiste, precisamente, na articulação entre o estudo da Antigüidade e a política francesa. A oposição entre as correntes católicas e laicas, tão presente na França do oitocentos, apresenta-se, de forma explícita, nas formulações sobre a religião grega e o dionisismo, em particular. O estilo literário francês, oposto ao estilo erudito alemão, liga-se à influência crescente e irresistível da ciência alemã, cujos parâmetros, gradativamente, passam a ser reconhecidos pelos estudiosos franceses. Neste contexto, os autores alemães citados pelos franceses aparecem no livro apenas de forma indireta, sempre referidos pelos autores franceses estudados. Isto explica que a os fundamentos da filologia indo-européia, criação alemã por excelência, apareça de forma superficial. H.J. Klaproth, criador do termo lndogermanisch, em 1823, ainda usado pela historiografia alemã, foi apropriado pelos franceses, alterando seu nome para “IndoEuropeu”, menos germânico e intenso ao nacionalismo francês. A noção de Ursprache não pode, além disso, ser separada de Urvolke Urheimat: uma língua, um povo, uma cultura. Naturalmente, a leitura francesa dos alemães era muito seletiva e não é casual que nada disso apareça nos autores franceses. Uma comparação, pois, entre o que diziam os franceses dos alemães e os originais alemães muito poderia contribuir para elucidar a especificidade da construção discursiva francesa.

A construção discursiva dá-se, assim, por contrastes, e a historiografia francesa não se mirava e diferenciava apenas na alemã, mas há, também, uma oposição por silêncio: a historiografia em língua inglesa. Se os franceses mantinham uma relação particularmente complexa com os alemães, o silêncio quanto à literatura erudita britânica não podia ser mais significativa, especialmente após a derrota napoleônica. Os clássicos britânicos sobre a religião grega, desde Potter, Blackwell, Musgrave, Milford e Jones, nos séculos XVII e XVIII, chegando a Gladstone e Brown, já no século XIX5 , não foram ignorados à toa pela erudição francesa do século XIX, pois o referencial, por um lado protestante e por outro monárquico, não encontrava ressonância na oposição francesa entre católicos e laicos. A historiografia de língua inglesa tem ressaltado, nos últimos anos, que, a despeito desse silêncio francês, havia relações íntimas entre os paradigmas interpretativos que se formavam, em particular no que se refere à hermenêutica filológica e suas derivações colonialistas e racistas6 . Este contexto permitiria notar que o estudo da Antigüidade não apenas serviu para fortalecer a laicização dos espíritos como, principalmente, para assentar as bases de uma Weltanschauung que, a um só tempo, se queria neutra e científica e que se fundava em classificações iníquas. O anti-semitismo, primeiro latente e, depois, ativo e triunfante é só uma das manifestações desse novo paradigma. Ainda que tema pouco explorado por Dabdab Trabulsi, diversos autores franceses estudados neste volume não escondem seu propósito de naturalização da superioridade grega frente à inferioridade oriental. Neste sentido, o caso Dreyfus revela este outro lado do êxito dos novos paradigmas, com um novo anti-semitismo, agora científico, por oposição àquele religioso.

De toda forma, o livro de Dabab Trabulsi contribui para que se entenda melhor como a historiografia francesa continua a preferir imaginar-se auto-suficiente e com uma contribuição sempre positiva para a sociedade francesa. Já se mencionou, mais de uma vez, que a França tem dificuldade em lidar com um passado nem sempre tão humanista quanto sua consciência gostaria que fosse, nem tão autônomo e original como conviria ao nacionalismo. Dionysos et Marianne insere-se bem nesta tradição e o autor, ainda que brasileiro, não deixa de adotar uma perspectiva eminentemente francesa. O mérito maior desta obra consiste em demonstrar que também um brasileiro pode escrever um estudo historiográfico à francesa e para os franceses, mérito tanto maior quanto Dabdab Trabulsi retoma e vivifica estes valores com competência e conhecimento de causa. Até mesmo o estilo da escrita francesa do autor, envolvente e acolhedor, favorece esta identificação do leitor com os argumentos apresentados. O volume constitui, pois, uma leitura agradável e recomendada a todos os que se interessam pelo estudo da historiografia.

Notas

1… die bekannte. schon von Johann Wolfgang Goethe hervorgehobene tatsache. dass eine jede Generation die Vergangenheit die Geschichte. in der si wiedererkennt; ihr Geschichtsbild ist Teil ihrer geistig Kulturelfen und nicht selten auch ihrer politischen ldentitat. em Historlsche Zeltscrift. 238, 1, 1984, Die Sprache des Historikers, p. 80.

2 Contraste-se com Ellen Somekawa & Elizabeth A. Smith: there is no one neutral/po/itical position from which to view events and hence no one correct intepretation, em Journal of Social Hlstory, 1988, 22,1, Theorizing the writing of history, p. 154.

3 Segundo Ernest Schulin, ich habe versucht. den Weg einzelner bedeutender Geschchtswissenschaften in unserem Jahrhundert zu skizzeieren: … der franzosischen mil ihrer breiten, unideo/ogischen Vergangenheits rekonstruktion. em Hlstorische Zeitschrlft. 245, 1, 1987, Geschichtswissenschaft in unserem Jahrhundert. Probleme und Umrisse einer Geschichte der Historie, p. 29.

4 Cf. Mark Golden & Peter Toohey (orgs), lnventing Ancient Culture, Londres. Routedge, 1997.

5 J. Potter, Archaeologia Graeca, or the Antiquities of Greece, Londres, 1697; T. Blackwell, Enquiry into the Life and Writing of Homer, Londres. 1735; S Musgrave, On lhe Graecian Mythology, Londres, 1782; W. Mitford, The History oi Greece. Londres, 1784-1804; W Jones, on the gods of Greece, ltaly and lndia, em The Works of Sir William Jones, vol.1 ” Londres. 1807; W Gladstone, Juventus Mundi: The Gods and Men of the Heroic Age, Londres, Macmillan,1869: R. Brown, Semitic influences in Hellenic Mythology, Londres, 1898.

6 Cf. M. Bernal, Studies in History and Phílosophy of Science, 1993, 24,4, Essay review, Paradise Lost, pp. 669-675; M. Bernal, Social Construction of the Past, organizado por G. Bond & A. Gilliam. Londres. Routledge, 1994, The image of Ancient Greece as a tool for colonialism and European hegemongy, pp. 119-128; E. M. Wood, Peasant-Cítízen and Slave, The Foundations of Athenian Democracy, Londres, Verso, 1989.

Pedro Paulo A. Funari – Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected]

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Trajetória política do Brasil. 1500-1964 – IGLÉSIAS (VH)

IGLÉSIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil. 1500-1964. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Resenha de: ANASTASIA, Carla Maria Junho. Varia História, Belo Horizonte, v.9, n.12, p. 156-157, dez., 1993.

Aqueles que têm o privilégio de conhecer a intimidade compartilhada com a História pelo Prof. Francisco lglésias; seu trânsito, com singular competência, pelas ciências sociais; sua fina ironia, não se surpreenderam com as qualidades de Trajetória política do Brasil, livro que vem reiterar a posição do autor, considerado um dos maiores historiadores do pais.

Trajetória política do Brasil é obra da mais refinada tradição historiográfica e, embora recentemente publicada, já se coloca ao lado dos clássicos da História do Brasil. A identificação do trabalho do Prof. Francisco lglésias com as obras de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., e com o magistral Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, é imediata.

Na introdução, o autor explícita a necessidade do trato rigoroso das questões metodológicas. Enfatiza as imprescindíveis conexões da história política com a sociologia, economia e cultura. Pelo caráter abrangente de seu texto, ressalta somente as invocar para caracterizar o sentido geral da obra. Tratando dos cortes temporal e temático – que permitem o estudo da história por partes afirma fazer “dupla história especial; no espaço e no assunto”. História especial no espaço ao tratar especificamente do Brasil; história especial nos “aspectos do real”, ao privilegiar o político.

Com rara habilidade, o autor desenha a trajetória política do Brasil do período colonial à fase imediatamente anterior ao golpe político militar de 1964. A luz dos ensinamentos de Marc Bloch, explica essa trajetória do lugar onde ela se torna inteligível – como parte de uma totalidade – a história geral. Reitera o autor que o pleno sentido da história política do Brasil” … só se esclarece no relacionamento das partes, com as quais se forma um sistema, configurador de várias fisionomias'”.

Assim, ao analisar o período colonial, compara a política administrativa implementada no Brasil por Portugal com o quadro político delineado nas colônias espanholas e ressalta as relações que se estabelecem entre os estados europeus. Emerge, nessa primeira parte da obra, o Brasil inserido em um sistema mais amplo, que se convencionou denominar Antigo Sistema Colonial.

O mesmo procedimento é adotado na Parte 11 na qual o autor examina a transição do mundo colonial para o Brasil independente. Novamente aparece o un1verso europeu do Iluminismo, do Racionalismo, das políticas agressivas das potências do além-mar, o papel desempenhado por Portugal e Espanha. Situa-se nesta intrincada rede de relações políticas a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil e o final da transição para a Monarquia.

Na terceira parte, o autor apresenta as singularidades do regime monárquico brasileiro em uma América Latina republicana. A análise se torna mais complexa à medida em que avança o processo de nacionalização da independência. Apesar da maior complexidade do texto, é a questão da dicotomia centralização versus descentralização, decisiva no período colonial, que continua a informar o exame do processo político pelo autor. E assim terá seu próprio lugar na análise do federalismo na República.

Na Parte IV, ao examinar o período republicano, surgem, com mais força as especificidades da trajetória política brasileira. Sem dúvida, a preocupação central do texto e o ponto mais alto do trabalho.

Deve ser ressaltado como o cuidadoso trato do autor com as palavras consegue transmitir ao leitor fortes impressões. Não há como não antecipar àqueles que ainda não tiveram o livro nas mãos. a presença, na obra, de vigorosos perfis de homens públicos da República e a densidade da análise de momentos cruciais deste período. A fundação da República e Floriano, homem que se deixou tomar pela paixão política; Juscelino Kubitschek e suas realizações, pelos quais o autor deixa transparecer grande admiração; Jânio Quadros, sua estranha personalidade e seu ambíguo comportamento político são exemplos de virtudes, circunstâncias e acasos, cuja descrição impressiona vivamente o leitor.

O trabalho do Prof. Francisco lglésias, ao contrário dos pesados textos acadêmicos, é de leitura saborosa. Não sem razão, em número alentado de páginas constam apenas vinte e sete notas.

Ao final, o autor apresenta, além de uma cronologia, bibliografia selecionada e comentada. E é sem surpresa que se encontra, com algumas poucas exceções, as obras clássicas da historiografia brasileira nesta síntese da história do Brasil que já nasce clássica.

O autor afirma que seu livro é um ” … texto a ser lido por qualquer pessoa culta'”. Essas pessoas e, em especial, os estudiosos da história do Brasil certamente terão um enorme prazer ao ler Trajetória política do Brasil.

Carla Maria Junho Anastasia – Professora do Departamento de História- UFMG.

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Historia Americana y Argentina | UNCUYO | 1957

Historia Americana y Argentina

La Revista de Historia Americana y Argentina (Mendoza, 1957-) es una publicación semestral (enero-junio y julio-diciembre) del Instituto de igual nombre de la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad Nacional de Cuyo.

Su objetivo es publicar artículos, notas y debates sobre un tema específico (dossier), originales e inéditos, productos de investigaciones. También se incluyen críticas bibliográficas. Los trabajos están sujetos a doble arbitraje ciego, y dirigidos a un público especializado. Posee un Comité Asesor conformado por especialistas nacionales e internacionales. Su temática abarca problemáticas de historia política, social, económica y cultural iberoamericana, americana y argentina.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2314-1549

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