O reino do encruzo: história e memória das práticas de pajelança no Maranhão (1946-1988) | Raimundo Inácio Souza Araújo

O livro de autoria de Raimundo Inácio Souza Araújo, professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Maranhão, apresenta-nos, de uma maneira sensível e respeitosa, as práticas culturais associadas à pajelança no Maranhão, dando visibilidade às transformações ocorridas com a intensificação do êxodo rural e com a pluralização do campo religioso, principalmente com a chegada da prelazia católica e dos evangélicos de viés neopentecostal no município de Pinheiro e em outros municípios maranhenses, avessos aos entrecruzamentos e trânsitos culturais que marcavam as religiosidades locais. Com uma narrativa rica de significados, o livro é um convite à reflexão sobre (in)tolerância religiosa no contexto contemporâneo e ao ato de narrar o outro a partir da negatividade, a exemplo do catolicismo e do (neo)pentecostalismo, interpretações cristãs que viam nas práticas de pajelança crenças e costumes que deveriam ser abandonados.

A pajelança emerge nas 288 páginas do livro como uma manifestação cultural que integra o complexo religioso afro-maranhense, marcado por um regime de entrecruzamentos que dialoga com o tambor de mina, o catolicismo popular, o espiritismo e as práticas curativas. O pajé insurge textualmente como uma autoridade no plano dos cuidados terapêuticos, incluindo a realização de partos no meio rural, num período histórico marcado pela ausência de médicos na cidade e no campo, territórios pontilhados pela presença de curandeiros e seus unguentos, permeando as sensibilidades e sociabilidades do tecido rural-urbano e sua interface com os ritos lúdico-religiosos. A gramática musical está por toda parte, desde os sons dos tambores, as ladainhas, as cantigas e as doutrinas que convocam os encantados, incorporando-se inicialmente no pajé e, depois, nos demais filhos do terreiro. O estado de transe, a voz alterada e a performance desenham o corpo dos incorporados e contribuem para a construção da teatralidade da festa. Leia Mais