A era da ilusão: a diplomacia nuclear em tempos traiçoeiros – ELBERADEI (CTP)

ELBARADEI, Mohamed. A era da ilusão: a diplomacia nuclear em tempos traiçoeiros. São Paulo: Leya, 2011. Resenha de: ARIAS NETO, José Miguel. É Possível um Mundo sem Armas Nucleares? Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 05 – 05 de outubro de 2012.

“Para que então a amaldiçoada fadiga que Deus deu ao gênero humano como tarefa diária durante a sua curta vida? Para que a carga sob a qual cada um vai abrindo o seu caminho para a sepultura? E ninguém foi interpelado sobre se sim ou não desejava carregar com ela, se queria ter nascido neste lugar, nesta época e neste ambiente. Sim, porque já que a maior parte dos males que afligem os homens deriva deles próprios, das suas leis e governos deficientes, da arrogância dos opressores e de uma quase inevitável fraqueza de governantes e governados, que destino foi esse que submeteu o homem ao jugo de sua própria espécie, à fraca ou louca arbitrariedade do seu semelhante?” Johann Gottfried Herder. Idéias para a Filosofia da História da Humanidade. (1784-1791)

“Deve, portanto, instaurar-se o estado de paz; pois a omissão de hostilidades não é ainda a garantia da paz e se um vizinho não proporciona segurança a outro ( o que só pode acontecer num estado legal) cada um pode considerar como inimigo a quem lhe exigiu tal segurança. Immanuel Kant. A paz perpétua. (1795-1796).

O livro de Mohamed Elbaradei é extraordinário. A começar pelo título, cujo original em inglês The age of deception, traduzido elegantemente para o português como A era da ilusão.

Tanto o original como a tradução induzem à uma reflexão. O leitor deve atentar para o fato de que deception não é uma decepção no sentido trivialmente atribuído à palavra, assim como também o termo ilusão pode induzir ao engano se entendido como engano ou confusão. De fato o termo ilusão é perfeitamente intercambiável com deception na medida em que seja entendido como “manobra astuciosa para enganar ou iludir”, também como registra o Houaiss: promessa de prazer, felicidade, durabilidade etc. que se revela decepcionante, dolorosa ou efêmera; esperança vã; decepção, desilusão.Esta compreensão é fundamental para que de imediato se saiba que o livro é uma obra que busca despertar uma centelha de esperança na nossa contemporaneidade. Esperança no diálogo e não na força, na autoridade moral e não na imposição arbitrária. É uma obra digna de um Nobel da Paz, ao autor à IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica) concedido em 2005. A vida e o livro de Mohamed dão uma resposta às indagações de Herder: ele, assim como nós, não foi interpelado sobre se desejava ou não nascer neste tempo, no lugar e no ambiente em que veio ao mundo. Mas ele tomou, durante sua curta vida, a tarefa diária de construiruma paz cosmopolita.

Daí o título que é denúncia sobre a “arte de iludir”, e sobre a “ilusão” e, neste caso sim, o engano, que Elbaradei aponta exaustivamente, em se acreditar que é possível um mundo sem armas nucleares mantendo-se o status quo atual, no qual os países detentores de armamentos procuram impedir, por meio da astúcia, irmã maligna da prepotênciaII, que os não detentores desenvolvam seus programas, inclusive para fins pacíficos. Em última instância, trata-se de um livro que analisa a questão do ponto de vista das relações de poder.

Assim, o título do livro possui um duplo sentido que indica o direcionamento da crítica encetada pelo autor e, ao mesmo tempo, a inabalável crença de que um mundo com programas nucleares pacíficos só existirá a partir do diálogo, da negociação franca, da superação das desconfianças mútuas, e da renúncia a um mundo dividido assimetricamente.

O livro é dividido em doze capítulos, além de introdução e conclusão. Em cada um dos capítulos é analisado um “caso” de atuação da IAEA em situações de conflito sobre o desenvolvimento de programas nucleares. No conjunto o livro abarca os últimos vinte anos, havendo alguns recuos até os anos oitenta que funcionam mais ou menos à guisa de notas explicativas. Os casos analisados são o do Iraque após a primeira e durante a segunda guerras do Golfo; a Coréia do Norte, dos primórdios do programa nuclear até às detonações de bombas nucleares; o caso da Líbia; da descoberta da rede clandestina de A.Q. Khan e finalmente o caso do Irã é abordado em quatro capítulos, dos primórdios do programa à sabotagem do Acordo Irã-Turquia- Brasil. Há ainda um capítulo no qual é narrada a premiação com o Nobel e os desdobramentos desta na atuação da agência e do próprio Mohamed.

A astúcia, quando desempenhando o papel de irmã maligna da prepotência, não é aquela que afirmava Hobbes ser a alternativa para os mais fracos defenderem-se dos mais fortes, ao contrário, como Mohamed bem a caracteriza, é a utilização, com base na potência ou projeção da força, dos critérios de dois pesos e duas medidas, tema que intitula um dos mais inquietantes capítulos do livro. De fato, pensando nos EUA e no Reino Unido, Elbaradei aponta os seguintes desdobramentos na política internacional do final dos anos oitenta aos nossos dias: a) apesar da destruição pela IAEA do programa nuclear do Iraque e apesar desta não encontrar vestígios de armas de destruição em massa (informação que hoje se tem seguramente) se faz uma guerra destrutiva para depor o regime; b) pressiona-se a Coréia do Norte, mas quando esta faz seu primeiro teste com um artefato nuclear, faz-se um acordo; c) Também se é tolerante com a Índia, Paquistão e Israel – países não signatários do TNP; d) adota-se, na administração Bush e Blair, como explica o autor, o mantra “nenhuma centrífuga funcionando no Irã”, a despeito do fato deste ser signatário do referido acordo, e por isto mesmo, possuir o direito de desenvolver programa nuclear com fins pacíficos e, finalmente, e) o mau exemplo das potencias nucleares em não apenas manter, mas incrementar seus arsenais nucleares, quando, de acordo com os dispositivos do TNP deveriam estar destruindo-as.

Além disso, os EUA, o Reino Unido e Israel procuraram e obtiveram estrondoso sucesso em sabotar todas as iniciativas que a IAEA sob a batuta de Elbaradei, tomou no sentido de estabelecer um protocolo adicional de inspeções com o Irã, aproveitando-se do clima de desconfiança em relação a este último por parte do mundo ocidental. Esse processo de sabotagem continua inclusive na censurável e vergonhosa atitude dos EUA e do Conselho de Segurança da ONU em dinamitar o acordo Brasil-Turquia-Irã em 2010.

Enganar-se-ia, porém, quem apressadamente pensar que Elbaradei adota uma narrativa do tipo “mocinho-bandido”, invertendo os termos destas, fazendo dos EUA , do Reino Unido ou de Israel “um outro eixo do mal”, por exemplo. De fato, Elbaradei não economiza críticas ao Iraque, à Coréia do Norte ou ao Irã, demonstrando como estes regimes muito fizeram para provocar a “desconfiança” do ocidente, atitude que forneceu às potências nucleares que dominam o Conselho de Segurança da ONU, os argumentos – verdadeiros e falsos – para desenvolverem esta política, aparentemente insana. Digo aparentemente, pois o livro de Elbaradei é ilustrativo quanto a esta questão também e não permite nenhuma ilusão.

Para discutir este problema é preciso levar em consideração três questões fundamentais nas Relações Internacionais, com aquele interesse cosmpolita Herderiano-Kantiano: a História, a Cultura e a Política.

Comecemos com a História e façamos aqui uma junção de Herder com Kant, mesmo que para desgosto de ambos os filósofos. Herder, discípulo de Kant, tinha uma perspectiva de História fundada na tragédia e não na dialética, o que bem caracteriza o romantismo alemão e seus seguidores, especialmente Leopold Von Ranke que cunhou a famosa e mal entendida frase wie es eigentlich gwesen ist, isto é a História tal qual se passou. Ranke aqui só retoma Herder quando este afirma que a História deve ser a ciência do que é, e não do que deveria ser, afirmação que o segundo faz contra as formulações ético-teleológias de Kant e o primeiro contra as de Hegel. Mas se Ranke recusa a idéia de uma finalidade moral na história – recusa que é compartilhada por Fustel de CoulangesIII – é porque refuta a idéia de uma história mestra da vida, com seu cortejo de exemplos e prescrições morais. Como conseqüência – de grandes implicações para os estudos históricos – não há um destino dado apriori a ser cumprido pela humanidade. Por outro lado, a história tem um sentido conferido pelo historiador em seu trabalho artístico de reconstrução do conhecimento a partir de seu presente.

É a busca rankeana pelos “nexos causais” que permitirão a formulação de “totalidades significativas” na história. Essas aparecem- e aqui se reata com a filosofia de Hegel -como a realização do espírito no mundo, como aquilo que essencialmente é, e o trabalho do historiador é olhar com olhos imparciais – pelo lado da ciência – e reconstituir o conhecimento através da escrita – pelo lado da arte.

Esta perspectiva tem uma grande importância em nossos dias, na medida em que, tanto Herder, quanto posteriormente Ranke, insistem em que olhemos as questões de um ponto de vista “neutro, imparcial” como fundamento da busca de uma verdade possível, mesmo que fragmentada. A utilidade destas formulações reside no fato de que devemos ter, em nosso modo de ver as coisas, certa dose, do que a antropologia do século XX denominou “relativismo”. Ou, retomando as formulações de um dos mais antigos historiadores e de um “especialista em história da guerra”, procurar compreender os negócios humanos como Heródoto, que afirmava em sua História: “Ao escrever a sua História, Herodoto de Halicarnasso teve em mira evitar que os vestígios das ações praticadas pelos homens se apagassem com o tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gregos assim como a dos bárbarospermanecessem ignoradas; desejava ainda, sobretudo, expor os motivos que os levaram a fazer guerra uns aos outros”.IV É esta dose certa de relativismo que possibilita a Elbaradei fazer uma contundente crítica do que ele chama de “diplomacia nuclear”, com seus teatros, simulações e dissimulações que tem jogado o mundo em uma tensão sem fim e originado atos da mais completa barbárie quando se constata o sofrimento inominável a que é submetida nesse processo a população mais vulnerável. As guerras, tensões, os bloqueios e sanções são os exemplos de como essa diplomacia tem moído carne humana num liquidificador que não desliga. Igualmente criminosos e responsáveis, desse ponto de vista, são os governos de todos os países envolvidos nessa “diplomacia” nuclear, deletéria para a vida humana. São todos igualmente culpados: dos EUA à Coréia, passando por Israel, Iraque, Irã, inclusive aqueles que pecam pela omissão, pelo silêncio.

Eis as coisas como são. No entanto, aqui também residem, em parte, alguns dos limites desse “relativismo ético”. A questão é: as coisas poderiam e deveriam ser diferentes¿

Torna-se necessário, então, retomar a questão da historicidade das relações políticas e culturais no Ocidente. E aí encontramos a junção de Herder, Ranke e Kant. De fato, se os dois primeiros recusavam a idéia de uma finalidade última da História, uma escatologia moral (Endzweck) e, portanto, de ações pautadas segundo “imperativos categóricos”, não deixaram de se impressionar com as perspectivas ético-cosmopolitas das ações humanas e com a crítica da razão que tanta água jogou no moinho do romantismo.

Com Kant, compreendemos que a razão cartesiana é parcialmente burra, ou seja, que há um sem-número de fenômenos que ela não pode compreender. Ora, estes fenômenos, são aqueles nos quais românticos vão buscar o entendimento para a vida dos homens: sentimentos, impressões, tradições, costumes, ou seja, “o espírito do tempo” residiria nestes fenômenos e não no formalismo das instituições, leis, etc. Em outras palavras, Kant afirma na primeira proposição da sua Ideia de História Universal que se prescindirmos de uma doutrina teleológica “ não teremos uma natureza regulada por leis, e sim um jogo sem finalidade da natureza, e uma indeterminação desconsoladora toma o lugar do fio condutor da razão”.V É exatamente no campo da indeterminação que os românticos vão apostar. Se, para eles, as coisas são como são também é possível que as coisas sejam diferentes, não a partir de uma perspectiva racional de soma zero, mas sim como produto das tensões em que emoções e sentimentos não fiquem de fora. Em suma, a razão pode até ajudar, mas não é tudo e ao se insistir apenas em um conjunto prescritivos de normas jurídicas a coisa não vai dar certo. Isto é, o que os românticos recusam na postura iluminista é o seu caráter prescritivo que tende ao autoritarismo na medida em que diagnostica o real como erro, a partir da formulação teleológica do que deveria ser. O conhecimento, assim concebido, torna-se, como teorizaram os frankfurtianos, apenas uma racionalidade instrumental, dominadora e totalitária. Assim, enunciada uma suposta “verdade”, o que dela difere é colocada no registro da ignorância e do atraso. O etnocentrismo ocidental aglutina a este pensamento equívoco, um argumento moral também equívoco: isto é, que as potencias ocidentais são “mais racionais”, mais adiantadas, e, por isto mesmo, “mais responsáveis” que os “subdesenvolvidos” e “atrasados”. Após o 11 de setembro este argumento se transmutou na falácia do denominado “choque de civilizações”. Elbaradei descarta tudo istoVI e remete à idéia e à prática do diálogo.

Este diálogo, é como gostaria de conceitualizar aqui, um diálogo amplo, no qual intervêm diferenças culturais e sentimentos que não podem ser desprezados. Aliás, em sua ótica – que talvez consiga visualizar a nós do ocidente melhor por ser egípcio – este desprezo tem colocado todas as tentativas de acordos a perder. Inúmeras vezes aponta em seu livro que os norte-americanos não sabem como falar com os iraquianos, e como isto seria fundamental – saber falar – para que as coisas funcionassem bem. Em suma é necessário conhecer e respeitar o outro – respeito que é uma característica fundamental de “civilização”, entendida esta não nos termos do século XIX, mas em seu sentido ampliado no XXI, isto é, um conceito que envolve as noções de cultura (conhecimento), tecnologia e educação (fraternidade e compaixão – o tratamento dispensado ao outro).

Elbaradei leva essas concepções às suas últimas conseqüências. Em um relato emocionante, fala de seus filhos: “ Meu filho e minha filha não se importam com aspectos como cor, raça e nacionalidade. Não vêem nenhuma diferença entre seus amigos Noriko, Mafupo, Justin, Saulo e Hussam ….[ E falando da escolha feita pela filha observa] Laila reunia forças para me apresentar ao homem que ela amava. Ela sabia que, de alguma maneira, minha expectativa era que ela se casasse com um egípcio. Mas na condição de alguém que observa diariamente os efeitos desastrosos da desconfiança cultural abençoei-a pela escolha feita.” VII Tratava-se, no caso, de um jovem britânico. Mas não é só no plano privado e pessoal que se vislumbram estas atitudes. Apesar de todas as campanhas contra a IAEA e contra ele pessoalmente feitas pela imprensa americana, sempre ao sabor dos interesses dos governos daquele país, Elbaradei remete-se com carinho àquele país, quando então a administração Obama ainda parecia realizar esforços para superar a questão iraniana: “Minha última visita aos Estados Unidos como diretor geral da AIEA foi absolutamente diferente de tudo o que eu havia vivido nos últimos oito anos. Em Washington, tive uma série exaustiva de reuniões (…). Para onde quer que me virasse, encontrava expressões de agradecimento. Eu sabia que estava em casa nos Estados Unidos.”VIII Esta busca de um diálogo ampliado – que vai além da pura prescrição jurídica – não exclui esta última. De fato, Elbaradei compreende que as relações internacionais se pautam pela história – confundida muitas vezes com memórias de ressentimentos e desentendimentos culturais – por um diálogo marcado pela desconfiança e por poderes assimétricos e por políticas desiguais e injustas e pelas normatizações jurídicas – um norte da conversa, por assim dizer, mas que são insuficientes frente aos estragos causados pelo ressentimento, pela desconfiança e pelas imposições de força.

É possível modificar este estado de coisas¿ Não só é possível como é imprescindível, uma vez que a questão nuclear é um dos universais do tempo presente. E foi este universal, anunciado pelas cores infernais da destruição, enunciada no leste e no oeste pela sabedoria dos antigos.

Diante do resultado do teste de Trinity, na manhã de 16 de julho de 1945, quando o jornalista Willaim Laurence exclamou: “Prometeu rompeu os grilhões e trouxe à Terra um novo fogo” e Oppenheimer recitou o Bhagavad Gita: “Agora eu me transformei na Morte, o destruidor de mundos”, a humanidade passou a formar uma comunidade de destino: ou remamos juntos ou naufragamos juntos também.

Estar no mundo implica em tentar construir uma esfera pública de exercício da liberdade, mas a liberdade só pode ser exercida entre os iguais e, neste sentido, ela contraria a soberania absoluta, a mônada liberal, isto é, só haverá uma esfera pública global com a redução da soberania. Como observa Hannah ARENDT “A famosa soberania dos organismos políticos sempre foi uma ilusão, a qual, além do mais, só pode ser mantida pelos meios de violência, isto é, com meios essencialmente não-políticos. Sob condições humanas, que são determinadas pelo fato de que não é o homem, mas são os homens que vivem sobre a terra, liberdade e soberania conservam tão pouca identidade que nem mesmo podem existir simultaneamente. Onde os homens aspiram ser soberanos, como indivíduos ou como grupos organizados, devem se submeter à opressão da vontade, seja esta a vontade individual com a qual obrigo a mim mesmo, seja a „vontade geral‟ de um grupo organizado. Se os homens desejam ser livres, é precisamente à soberania que devem renunciar”.IX Elbaradei retoma, assim, o coro das universais preocupações, juntando sua voz às de Oppenheimer, Einstein, Szilard, entre outros, que desde 1946, anunciaram: um mundo ou nenhum.X Estes cientistas ancoraram naquela época, como Elbaradei hoje, as esperanças de um mundo sem armas nucleares nos mais generosos impulsos, sentimentos e argumentos racionais, isto é, no cosmopolitismo produzido pelo Romantismo e pelo Iluminismo. Como observa Tzvetan Todorov: “A abordagem cosmopolita não abole as diferenças, mas conferelhes um quadro comum e um estatuto de igualdade de direitos”.XI É um truísmo afirmar que os estudiosos da História, das Ciências Políticas e das Relações Internacionais devam ler Elbaradei. O que é importante frisar é que qualquer cidadão com um interesse desinteressado pelas questões humanas pode e deve ler Elbaradei para compreender que as relações entre ciência, tecnologia e política podem produzir um mundo instável, mas que isto não é, de modo algum, inevitável. Afinal, ciência, tecnologia e política são fundamentalmente produtos de ações humanas que dependem de nossas escolhas. Elbaradei fez a dele.

Notas

2 HERDER In GARDNER, 1984: 53

3 HARTOG, François. O século XIX e a História: o caso Fustel de Coulanges. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.

4 HERODOTO. História. São Paulo: Tecnoprint, s/d: 31.

5 KANT, Immanuel. Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986: 11.

6 Para uma crítica da idéia do “choque de civilizações” o último livro de Tzvetan Todorov é de leitura fundamental. Ver no conjunto de referências deste texto.

7 P. 239

8 P. 350

9 2001: 213

10 Trata-se do nome de um relatório público sobre o pleno significado da bomba atômica, republicado em 2008, e que se encontra nas referências deste texto. 9 2010: 209

Referências

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

ELBARADEI, Mohamed. A era da ilusão: a diplomacia nuclear em tempos traiçoeiros. São Paulo: Leya, 2011.

HARTOG, François. O século XIX e a História: o caso Fustel de Coulanges. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.

HERDER, J. G. Idéias para a filosofia da história da humanidade. In GARDNER, Patrick. Teorias da História.Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1984, p. 41-59.

HERODOTO. História. São Paulo: Tecnoprint, s/d.

KANT, Immanuel. Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MASTERS, Dexter e WAY, Katharine. Um mundo ou nenhum: um relatório público sobre o significado da bomba atômica. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

RANKE, Leopold Von. Da unidade essencial dos povos romanos e germânicos e de sua comum evolução. In HOLANDA, Sérgio B. (Org.). História: Ranke. São Paulo: Ática, 1979, p. 65-79

___________________. O conceito de História Universal. In MARTINS, Estevão de Rezende ( Org.). A história pensada. São Paulo: Contexto, 2010, p. 202-215.

SMITH, P. D. Os homens do fim do mundo: o verdadeiro Dr. Fantástico e o sonho da arma total. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.] TODOROV, Tzvetan. O medo dos bárbaros: para além do choque de civilizações. Petrópolis: Vozes, 2010.

José Miguel Arias Neto – Pós Doutor em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (2011). É professor associado de História Contemporânea no curso de Graduação em História e Docente do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Moderna e Contemporânea, atuando principalmente nos temas: política, representações, militares, marinha. É coordenador dos Grupos de Pesquisa: Estudos Políticos e Militares Contemporâneos e de Estudos Culturais e Mídia.

Acesso à publicação original

Uma antropologia dos militares – Reflexões sobre pesquisas de Campo CASTRO; LEIRNER (A)

CASTRO, Celso; LEIRNER, Piero. Uma antropologia dos militares – Reflexões sobre pesquisas de Campo. Rio de Janeiro: FGV, 2009. Resenha de:  ARIAS NETO, José Miguel. Nos caminhos da fé: história, religião e religiosidade da Antiguidade ao mundo contemporâneo. Antítese, v. 2, n. 4, p. 1137-1144, jul./dez. 2009.

Há uma “Antropologia dos Militares”? O livro organizado por Celso Castro e Pierre Leirner procura responder positivamente à questão. A obra divide-se em apresentação e onze capítulos, alguns mais teóricos, outros apresentando estudos de caso. Há estudos sobre as cadetes pioneiras da Academia da Força Aérea (AFA) por Emilia Takahashi, o serviço de comunicação do Exército por Lauriani Porto Albertini, mulheres de militares por Fernanda Chinelli, o mundo do quartel, por Cristina Rodrigues da Silva, rituais militares por Juliana Cavilha, formação de praças do Exército por Aline Prado Atassio. Ao lado destes, alguns textos que desenvolvem reflexões mais teóricas como os de Celso Castro, Piero Leirner, Alexandre Colli de Souza e Máximo Badaró. O único texto de um historiador é a bela reflexão que faz Adriana Barreto de Souza sobre a pesquisa em Arquivos Militares.

Outra característica que de imediato chama a atenção é o fato de que as mulheres são maioria neste grupo de pesquisadores que estuda predominantemente o Exército, com a exceção dos textos sobre as Cadetes Pioneiras da AFA e em parte o que explora o “mundo do quartel”, no qual Cristina Rodrigues da Silva relata a pesquisa que realizou também na AFA. Não há um texto sobre a Marinha do Brasil. É fato que este silêncio é significativo e deve-se refletir sobre ele, contudo, este não é o espaço pertinente. Também esta marcante presença feminina no campo dos estudos militares é alvissareira para a academia.

O livro, como qualquer obra coletiva, apresenta textos de diferentes níveis. Alguns, fruto de acurada reflexão teórica, apontam problemáticas bastante relevantes para os estudos militares na área de antropologia, ou melhor dizendo, para a constituição do que seria uma antropologia dos militares, ou seja, relativa aos militares como bem destaca Leirner à página 31. Outros se debruçam mais sobre a experiência realizada, apoiando-se nas reflexões desenvolvidas pelos pesquisadores seniores.

O subtítulo reflexões sobre pesquisa de campo indica o fio condutor, ou seja, a problemática que articula todos os textos da obra, da qual, derivam as questões apresentadas pelos autores.

Em outras palavras, é o importante momento em que o pesquisador reflete sobre a trajetória da sua pesquisa e como esta influenciou decisivamente nos resultados obtidos e nas conclusões apresentadas. Neste sentido, é o pensamento que se volta sobre si e se desdobra na indagação que todos nós devemos fazer: O que é esta pesquisa que eu faço? Como a faço? E de que maneira o modo como a faço influencia o que estou enunciando ao mundo sobre meu objeto. É, na linguagem dos historiadores, a busca do posicionamento do pesquisador, do lugar social da pesquisa: De onde falo? Para quem falo?, questões de há muito postas por vários pensadores, dentre os quais Claude Lefort no importante livro As formas da História e Michel de Certeau no belo A Escrita da História.

Assim, o movimento dos autores em seu exercício de reflexão sobre o processo de produção do conhecimento é aquele que descreve a formulação da problemática, a pesquisa, no caso em questão, a já tradicional observação antropológica participante e os resultados, mediados pelo contato com o “objeto” ou, como este grupo de pesquisadores se referem aos militares, “com seus nativos”. Estas experiências, embora, marcadas pelo traço comum do estudo de militares, são diferentes em cada caso e, por isto mesmo, narradas em diferentes registros do sensível, isto é, alguns com mais esperança e otimismo, outros nem tanto.

Este registro do sensível é importante, pois, ele revela um aspecto fundamental da pesquisa do etnólogo: o envolvimento direto e pessoal com o seu “objeto”. E causa ao historiador certa surpresa a perplexidade que estes antropólogos revelam quando diante de “seus nativos”.

E que perplexidade é esta? E por que ela causa surpresa? Para iniciar retomo as formulações, por demais conhecidas, de Bacon sobre as relações entre saber e poder, retomadas contemporaneamente por Foucault.

Estas formulações enunciam que não só o conhecimento, mas principalmente sua produção é sempre fruto de relações de poder. Disto também já sabiam, no século XVI, nossos primeiros etnólogos, como Bernardino de Sahagún que ao longo de quarenta anos escreveu junto com os caciques astecas a Historia General de las cosas de Nueva España. Buscava ele, inicialmente, conhecer a cultura asteca para extirpar o pecado da idolatria. Isto porque logo os espanhóis perceberam que os nativos adoravam seus “falsos deuses” no interior dos rituais e dos templos cristãos.

Assim, para esses missionários-etnólogos o conhecimento adquirido, a partir da sua posição de conquistadores, permitiria uma real cristianização dos nativos. Sabemos que o resultado, como bem destacou Tzvetan Todorov em A conquista da América, a questão do outro, não foi o esperado pelos próprios missionários, que passaram, especialmente no caso de Bernardino a admirar e amar a cultura de “seus nativos”, numa espécie de reverso da conquista que constitui um dos mais ricos processos de mestiçagem cultural no período.

No caso do livro organizado por Celso Castro, esta questão é quase que enunciada como uma novidade. Em seu texto, no qual narra sua experiência na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), relata que a pesquisa foi vista como “inusitada” por oficiais e cadetes da escola. Um diálogo particularmente interessante ocorre quando chegando à Academia pela primeira vez, o major que chefiava o serviço de relações públicas, lendo sua carta de apresentação exclamou: “Já sei! Já entendi o que você quer! Agora entendi tudo! Você quer fazer uma coisa tipo aquele trabalho do Gertz sobre a briga de galos em Bali!”.

Ao que Celso Castro observa: Inusitado por inusitado, não sei o que era mais: se minha pesquisa, o se me ver diante de um “nativo” que fazia esta afirmação. Pior que isso, ele passou a perguntar qual a minha “tendência”: se era a do Lévi-Strauss, a do Gertz, a do Malinowski… Confesso que, do alto dos meus 23 anos de idade e apenas um semestre de curso de mestrado, fiquei aterrorizado com a perspectiva de ter que discutir teoria antropológica com meus nativos, desde o primeiro dia da pesquisa de campo. (p. 23-24).

Esse tipo de “leitura do real” remete à questão de como o pesquisador “pensa” o seu sujeito, no caso em questão, como Celso e seu grupo pensam “seus nativos”, os militares. E aqui é importante demonstrar as características específicas do grupo a ser estudado.

Celso Castro começa a estudar militares, ele mesmo vindo de família de militares, no ano de 1987, isto é, no momento de democratização do país após quase vinte anos de regime militar. Assim, as instituições militares e os militares, eram amaldiçoados pela tradição de “esquerda” bastante forte nas faculdades de Filosofia, onde se encontravam os cursos de Ciências Sociais e História. Por outro lado, a visão do mundo universitário que tinham os militares também não era, por assim dizer, muito alvissareira. Querer estudar militares neste período e mesmo em períodos posteriores –como bem mostra o livro– era e, em certo sentido, ainda é um desafio. Pode-se dizer que atualmente a situação é bastante diferente quer de um lado, como de outro. Mas as mudanças na situação política não alteraram a natureza de instituições como as Militares ou como a Universidade, dotadas de suas hierarquias ritualizadas, processos disciplinares e procedimentos próprios.

Assim, o pesquisador que se debruça sobre temas militares vai se deparar com instituições totalizantes, cujos eixos centrais são a hierarquia e a disciplina.

E é esta realidade que vai marcar o andamento e desdobramentos de seu trabalho. Assim, antes de começar uma pesquisa ele pode, atualmente, através do livro organizado por Castro e Leirner ter uma idéia da realidade com a qual vai se deparar, e neste sentido o livro é importantíssimo, pois inserir-se como observador em uma estrutura totalizante requer um conhecimento prévio de suas características básicas e de seu funcionamento.

E é este o fundamento da perplexidade do antropólogo. Como testemunha o próprio Celso Castro: A maior parte da antropologia foi e até hoje continua sendo feita com grupos de alguma forma socialmente subalternos em relação ao antropólogo, ou que não dominam a linguagem acadêmica. A pesquisa com camadas médias ou elite pode, todavia inverter o sentido desta relação de dominação/subordinação. Em muitos momentos da pesquisa , ficou evidente que alguns de meus nativos sentiam-se numa posição intelectual, social ou moral superior à minha (p.24).

A fonte deste sentimento prossegue Celso Castro, é coletiva, não individual. Ela repousa nas características dos militares, que de acordo com ele e os demais autores, tem uma visão de mundo fundada em jogos de oposições: mundo civil/mundo militar, amigo/inimigo. É a partir, portanto, destas categorias, que o pesquisador que adentra uma instituição militar vai ser analisado e julgado e deste julgamento depende o sucesso ou fracasso de seu trabalho ou, pelo menos, da impossibilidade de realização deste como observador participante na instituição.

Assim, no momento em que estão desbravando e inaugurando um novo campo de abordagem da antropologia, os pesquisadores depararam-se com duas contingências estruturantes de seus trabalhos e de sua visão sobre os mesmos: o histórico –a democratização brasileira e o sociológico– a natureza de uma instituição militar. E ficam perplexos diante da recusa de seu “objeto”, ou de “seus nativos” em serem elementos apenas “observáveis” – como se isto fosse possível e algum dia tivesse realmente acontecido– e daí o sentimento de horror quando um militar, não apenas quer discutir antropologia, mas quando a instituição militar controla e limita as condições em que o trabalho etnográfico ocorre, pois, não apenas no contexto da democratização, os militares querem garantir a transmissão ao mundo de determinada memória do passado (remoto e próximo), mas também fixar uma imagem no presente e projetá-la no futuro como continuidade, no caso em questão, de um grupo que se sacrifica em benefício da pátria, isto é, de todos nós.

Esta operação de construção e transmissão de uma imagem do passadopresente e futuro como uma continuidade, isto é o controle da memória e da representação do grupo no universo público, é de fato uma característica específica das Instituições Militares, ou é comum aos vários grupos sociais contemporâneos? Faço a questão pensando, por exemplo, em trabalhos como o de Michael Pollak que demonstra o controle da memória exercido pelos alsacianos, cujo território foi ocupado e dominado sucessivamente ora por franceses, ora por alemães. O que o livro Antropologia dos Militares demonstra é que há, dadas as características dos militares, modos específicos de controle da memória na engenharia do poder que se instaura no interior das instituições e que tem por objetivo não apenas reificar a visão “oficial”, por assim dizer, para “os de dentro”, mas também conquistar ou, numa linguagem mais política, cooptar “os de fora” fazendo com que todos compartilhem da mesma visão, sobre si mesmos e sobre suas instituições. Por isto, o antropólogo sempre deve estar em campo, como bem ressalta Castro, isto é, sempre atento para não ser apanhado nesta rede.

Uma segunda questão, diz respeito ao discurso mais ou menos homogêneo do grupo de antropólogos e da historiadora que participam do livro acerca da “epopéia” para conseguir realizar uma pesquisa em uma Instituição Militar. Este discurso funciona como uma espécie de “narrativa fundadora” do próprio grupo de pesquisadores de modo a valorizar o empreendimento realizado. E este valor é sempre correlacionado às dificuldades existentes, isto é, quanto maiores forem os obstáculos vencidos, maior é o valor do que se realiza. Esta é uma operação fundadora bastante comum, por exemplo, em grupos migrantes em áreas novas de colonização, mas também, por exemplo, para nos situarmos na academia, da História Oral. Fundada por Heródoto, desvalorizada e repudiada pelos “positivistas”, a Historia Oral contemporânea ganha força, vitalidade e legitimidade como campo novo no âmbito da História. Mas para isto, que dificuldades enormes tiveram os historiadores orais que vencer!, que tradições assentadas no texto escrito tiveram que questionar e superar até provarem o seu valor! Este tipo de narrativa fundadora é uma operação fundamental na constituição da legitimidade do campo, e seu público, no caso dos antropólogos é duplo: a academia e o quartel. O discurso dirigido para a acadêmica visa demonstrar que é possível, apesar das dificuldades, trabalhar com os militares sem passar a amá-los, isto é, sem ser “cooptado”. Já para o quartel, a mensagem é: somos capazes de estudá-los e compreendê-los objetivamente, sem aceitar esta categorização amigo/inimigo na qual vocês procuram nos enquadrar. Nosso trabalho transcende esta categorização e conseqüentemente ultrapassa os limites do mundo pensado por vocês como divisão entre civis e militares.

O que me remete à minha última questão. O tratamento dado aos militares como “meus nativos”. Este tratamento, usado sistematicamente por todos os autores do livro, parece ser uma espécie de reação à perplexidade que o antropólogo sente diante do seu “objeto participante”. Na medida em que se descobre em uma relação de poder na qual se encontra em “desvantagem”, ou em uma posição “subordinada” à autoridade, poder e rito das Instituições Militares o pesquisador acaba por usar uma “categoria nativa” dos antropólogos para “enquadrar” os militares dentro de sua própria visão de mundo de modo a inverter esta relação de desvantagem em que se encontra. A contrapartida, portanto, à designação de “paisano” ou “civil” dada pelos militares é tratar a estes como “seus nativos”.

Confesso que esta categorização, como modo de operar um distanciamento em relação ao “objeto” de estudo me causa surpresa. Isto porque, em parte, o termo “nativo” contraria a idéia do livro de que o militar é um constructo histórico-cultural, como tudo o mais que existe neste mundo criado pela humanidade. Em segundo lugar, os cientistas sociais são treinados para identificar as estratégias narrativas que o induzem ao comprometimento com a visão de seu interlocutor, esteja ele morto ou vivo, especialmente no caso dos Historiadores.

Por exemplo, o ambiente familiar criado por Joaquim Nabuco no seu magnífico livro O Estadista do Império, visa, entre outras questões, glorificar a monarquia e os liberais monarquistas. A leitura do livro de Nabuco introduz o leitor em uma experiência de familiaridade. É como se o leitor participasse do diálogo que Joaquim trava com Thomaz e com os políticos imperiais. Esta sensação de “familiaridade” criada por Nabuco tem por objetivo criar uma empatia do leitor com a sua visão e mobilizá-lo para sua causa. Esta é a operação historiográfica que fazem os historicistas como bem observou Walter Benjamin: trata-se de criar uma empatia com os vencedores e perpetuá-los como tais. Por outro lado, dado à sua enorme erudição e profundo conhecimento das fontes, Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Do Império à República cria também um ambiente familiar ao fazer com que o leitor participe da conversa que estabelece com a elite política imperial. O mecanismo operacional e o estilo são opostos aos de Nabuco. Também oposta é a finalidade desta operação, pois Sérgio Buarque, que não tem nenhuma simpatia, quer pela monarquia, quer pelo imperador, visa com esta familiaridade destruir por dentro a representação da monarquia criada pelos monarquistas pós-queda do regime e perpetuada por intelectuais, como Oliveira Viana. Não é possível estabelecer uma empatia com o regime monárquico após a leitura do livro de Sérgio Buarque.

No caso do livro Antropologia dos Militares o termo “nativo” com o qual os militares são tratados denota a vontade de criar um afastamento, por todas as razões já aqui apresentadas, como forma de evitar a construção ou a demonstração de uma empatia. A terminologia, entretanto, soa bastante artificial, quando se verifica que os pesquisadores possuem uma familiaridade com seus temas e um conhecimento de sua pesquisa realizada por meio de uma intensa “observação participante” através da qual estabelece relações e vínculos bastante fortes e significativos com os militares. Esta familiaridade não resulta de modo algum em empatia, ou em outras palavras, como já observou Tzvetan Todorov no seu livro Em face do Extremo, compreender não é justificar. Ele se refere no caso, à compreensão dos regimes totalitários. Diria, portanto, que a familiaridade é fundamental para o trabalho do cientista social, mas o desenvolvimento de uma empatia com seu objeto ou não, é uma questão política de primeira grandeza, pois se refere a uma opção que deve ser assumida publicamente.

Assim, a experiência da leitura de Antropologia dos Militares é fundamental para os iniciantes no campo dos estudos militares perceberem a intensa relação de poder que se estabelece no processo de construção da compreensão de determinado fenômeno e como esta relação caracteriza o conhecimento que temos dos “outros” e de “nós” mesmos.

BRÜGGER, Niels (ed.). Web History, Nueva York, Peter Lang, 2010, 362 p.

José Miguel Arias Neto – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor Associado da Universidade Estadual de Londrina (UEL) / Brasil.