América Latina ‐ estudos comparados, histórias conectadas / História Revista / 2017

O dossiê que vem a lume reúne artigos que enfatizam a dimensão sociocultural de eventos e processos históricos ocorridos da América Latina. Idealizado a partir dos debates que surgiram quando da realização do III Colóquio Internacional Diversidade das Culturas, em 2016 – atividade do Projeto de Cooperação Internacional CAFP‐BA –, o dossiê privilegiou o comparativismo como estratégia analítica capaz de superar a perspectiva etnocêntrica, apresentando a experiência local como um modo de acessar a especificidade de uma cultural.

Ao observar, localizar e compreender as diferenças locais, o olhar comparativo permite expandir o horizonte analítico e o posicionamento compreensivo, próprio das ciências da Cultura. O leitor poderá exercitar esse tipo de posicionamento com o artigo Ciudades mineras en la Puna Colonial de Carlos Alberto Garcés. Nele, o autor percorre o processo de formação e desenvolvimento dos núcleos urbanos localizados na região da Puna argentina no período colonial, até meados do século XIX. Partindo do viés comparativo, o trabalho de Jorge Kulemeyer, intitulado Etnicidad sudamericana según la época del cristal con que se mire y mida, propõe se debruçar sobre as ações governamentais e os projetos políticos desenvolvidos em distintos países da América Latina no âmbito da discussão sobre identidade das populações aborígenes. Também, em Expresiones narrativas de subjetividades sociales diversas en el Noroeste andino argentino, de Maria Luisa Rubinelli, esse posicionamento da diferença pode ser vislumbrado. Seu interesse volta‐se para a forma como a mulher “transgressora” foi caracterizada pelos distintos setores da sociedade Jujenha, em especial as elites econômicas locais. Exercício similar deve ser observado no artigo Los hilos largos de la trama: Apuntes etnográficos y análisis de redes familiares en los valles orientales de Jujuy (Argentina) entre 1852 y 1910 de Frederico Fernández, em que o autor analisa o fenómeno do apadrinhamento batismal como dispositivo socio‐parental que estabelece intercambios simbólicos e hierarquias entre grupos familiares. Em cada um desses artigos observa‐se o interesse comparativo, capaz de auxiliar na investigação das regularidades, dos deslocamentos e das transformações de unidades culturais, em especial aquelas associadas ao Estado‐Nação.

Perceber as conexões entre eventos e processos para além dos paralelismos entre variáveis é uma característica da historiografia contemporânea. Essa percepção é explorada no artigo O contrabando na fronteira oeste da América portuguesa no século XVIII, de Nauk Maria de Jesus, que analisa o contrabando de ouro e prata na região com o intuito de evidenciar como esse tipo de comércio foi incorporado na sociedade e na economia do Antigo Regime. Percurso semelhante pode ser observado no artigo de Deusa Maria Boaventura, Do mito ao experimento: a cartografia e a urbanização de Goiás no século XVIII, que sustenta a existência de uma relação clara entre a estratégia de posse e controle do território colonial com o processo de formação de militares em Portugal, capacitados para realizar tarefas que iam desde os levantamentos cartográficos até a fundação de cidades e contribuíram decisivamente para a definição dos limites territoriais da capitania. A história da historiografía também se fortalece com a abordagem que privilegia as interconexões, como propõe Tomás Sansón Corbo em seu artigo Tránsitos atlánticos e interconexiones regionales en la estructuración de los campos historiográficos de la Cuenca del Plata (primera mitad del siglo XX). O forte intercâmbio de bens, pessoas e ideias, ocorrido nas primeiras décadas do século XX indica a importância de superação das barreiras nacionais para a construção de novos objetos de pesquisa. É também o que demonstra Leonardo Seabra Coelho em Coleções, traduções e intelectuais: Oliveira Vianna e o intercâmbio cultural entre escritores brasileiros e argentinos nas décadas de 1930 e 1940. Também, Experimentos do Êxodo: Julio Le Parc e o GRAV, de autoria de Leandro Candido de Souza, reconstrói a trajetória de Julio Le Parc e sua produção artística e seu processo de engajamento nas lutas políticas da América Latina, na segunda metade do século XX.

Esperamos que a leitura desse volume seja um convite à intensificação das trocas de experiências entre os pesquisadores interessados em refletir sobre a diversidade das culturas.

Boa leitura.

Cristiano Arrais (UFG)

Jorge Kulemeyer (UNJ)

Organizadores


ARRAIS, Cristiano; KULEMEYER, Jorge. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê