História e índios / História Social / 2013

John Monteiro e o projeto ampliado de história indígena

“É importante não reduzir o termo indígena ao seu sentido ameríndio. Pensar que o indígena pode ser também o africano, o filipino, o marroquino. Enfim, todos os que tiveram de reagir às ofensivas comerciais, à cristianização, à dominação política dos ibéricos, fossem portugueses ou espanhóis. Um ponto comum a todos esses grupos tem a ver com o processo de ocidentalização e com as múltiplas formas de responder a este processo. Nós não podemos desvincular as modalidades de cristianização dos índios do Brasil pelos jesuítas com as praticadas em outras regiões. Para entender as especificidades do Brasil é preciso pensar como isso se passou na Índia porque são processos sincrônicos que incluem o jogo duplo da colonização política e religiosa. Ambos buscavam a transformação do índio em cristão. Este tipo de comparação não é nada arbitrário porque os mesmos jesuítas circulavam em todas as partes do império português e até fora do Império”. (Serge Gruzinski, em entrevista a Maria Regina Celestino de Almeida. Revista Tempo, vol. 12, no. 23, 2007: p. 198).

Este volume da REVISTA HISTÓRIA SOCIAL apresenta o Dossiê “História e Índios” como uma homenagem a John Manuel Monteiro (1956-2013), querido professor, colega e intelectual, que teve uma enorme importância não só na formação de mais de uma geração de pesquisadores em história indígena, como na renovação e, talvez, na refundação de um campo de estudos que sempre esteve à margem, seja da História, seja da Antropologia. A influência de John Monteiro na minha formação se deu principalmente por meio da leitura do livro “Negros da Terra”, já que eu nunca fui seu aluno. Foi, em grande parte, com base nele que elaborei o meu projeto de doutorado e, por sorte, foi isso que o levou a participar na minha banca. Isso consolidou o papel fundamental que John começava a desempenhar em minha recepção como pesquisador. Tinha sido dele o convite para participar do meu primeiro Grupo de Trabalho na ANPOCS, assim como da minha primeira palestra na UNICAMP e, mais tarde, ele me fez o primeiro convite para uma banca de doutorado. Foi dele também o mais que generoso prefácio do livro em que publiquei parte do doutorado e, finalmente, foi ele quem me recepcionou com uma pauta de possíveis projetos em comum, quando da minha entrada na UNICAMP. Este era o seu modo generoso e aberto, apesar de sempre discreto, de incentivar o trabalho de alunos e colegas mais novos. Foi isso que me permitiu aceitar a tarefa de escrever esta apresentação, como uma espécie de registro da larga e densa pauta de trabalho que John Monteiro nos deixa.

É possível identificar três blocos temáticos bastante consistentes nos textos publicados por ele. Depois de um primeiro momento dedicado mais claramente ao tema da escravidão indígena, do qual resulta o livro Negros da Terra, os seus textos se abrem em duas direções complementares. De um lado, uma história do pensamento social brasileiro – e mais especificamente paulista – que tem por eixo as ideologias bandeirante e indigenista. De outro, uma história da dinâmica colonial, que inclui a escravidão e sua relação com a história das sociedades indígenas, de onde surge a sugestiva categoria de “índios coloniais”.

Debruçando-se sobre personagens como Gabriel Soares de Sousa, Francisco Adolfo de Varnhagen, Machado de Oliveira, José Arouche de Toledo Rendon e Alfredo Ellis Jr. e, mais adiante, sobre a produção do IHGB, John Monteiro deixava claro que não é possível fazer História dos índios sem um quanto de Antropologia da história. Ao investigar a ideologia daqueles que produziram os relatos e documentos que formaram uma larga parcela do senso comum sobre a história dos índios no Brasil, John evidenciava as relações de poder que regem tais registros escritos ou imagéticos. Segundo essa concepção de História, os documentos não apenas registram a história que nos interessa, mas são parte dela, porque são parte de processos sociais de dominação, resistência, negociação, acomodação.

Essa posição reverbera o debate contemporâneo sobre como a formação e o desenvolvimento da Antropologia se dão, ao menos em parte, no mesmo espaço em que se formulam e se gerenciam as políticas estatais dirigidas às populações que a Antropologia estuda, conforme registra o livro organizado por L’Éstoile, Sigaud e Neiburg (2002). Isso nos insta a reconhecer o poder no centro da reflexão histórica, da mesma forma que a história no centro da reflexão sobre as relações de poder. Disso decorre também um modo particular de pensar a relação entre História e Antropologia, que passa pela reflexão sobre os dispositivos de classificação social que fundam e extinguem grupos, e tanto ordenam quanto são ordenados pelos processos históricos.

É nesse ponto que Monteiro lança mão da categoria de “índio colonial”, não como correspondente à categoria culturalista de “índio genérico”, como a proposta por Darcy Ribeiro, mas mais de acordo com a leitura sociológica de Karen Spalding. Se o índio genérico seria o produto da desagregação social e da perda de cultura, segundo uma perspectiva assimilacionista das relações coloniais, o índio colonial é virtualmente o inverso disso. Tal categoria descreve o modo pelo qual os grupos indígenas se situavam diante da realidade colonial e a agenciavam, afastando-se das suas origens pré-coloniais, ao mesmo tempo em que buscavam se diferenciar dos grupos sociais que emergiam diretamente do processo colonial, por meio da migração voluntária ou forçada.

Isso implica uma leitura da dinâmica colonial que não a resume à dupla alternativa indígena da dizimação ou da fuga, como tendeu a ser figurado por Florestan Fernandes, e que reverbera a dicotomia pureza pré e contágio pós-contato. No lugar disso, emerge a produção de uma grande variedade de respostas que resultaram em novas sociedades e tipos de sociedades. Ainda que concordando com a ideia de que o congelamento e o isolamento das etnias são um fenômeno sociológico e cognitivo produzido pela própria colonização e por uma incompreensão europeia da dinâmica da sociedade indígena, como sugere Viveiros de Castro, John Monteiro chama atenção para como tais dispositivos classificatórios tinham suas intencionalidades e eram, neles mesmos, produtivos, não podendo, portanto, continuar sendo pensados no registro do puro equívoco.

Com isso, John Monteiro deixou uma contribuição relevante para os debates sobre as etnogêneses no Brasil, por meio da radicalização da perspectiva histórica do fenômeno. Aquilo que mais comumente surge nas etnografias como um fenômeno novo, resultado de processos recentes de globalização, multiculturalização e de políticas de identidade pós-modernas, ganha outra densidade e extensão teórica. Deixam de ser modernos ou pós-modernos para serem intrínsecos à relação colonial (colonial mesmo sob os regimes do Império e da República, que fique claro), que busca impor suas próprias grades classificatórias e, com isso, passa a fazer parte das dinâmicas nativas de definição de alteridades e identidades.

O índio colonial chama atenção, assim, para a necessidade de investigarmos com mais atenção a inserção de diferentes grupos indígenas no interior do espaço colonial ou em suas margens, assim como a revisão das formas mais simplistas – mas ainda assim comuns – de reduzir a agência indígena à simples resistência. Seus trabalhos – e de vários de seus orientandos – chamam atenção para o protagonismo de lideranças indígenas e seus projetos de poder, mas sempre tendo em vista as condicionantes impostas por uma série de fatores provocados pelas dinâmicas coloniais: a agência indígena não podendo ser pensada em separado independentemente da apropriação (no sentido forte e ativo) dos símbolos e dos discursos europeus. Essas questões – relativas aos jogos classificatórios – estavam presentes em seu trabalho desde Negros da Terra, mesmo sem terem sido formuladas explicitamente como problema teórico. Valeria apontar, como ilustrativas, por exemplo, as suas reflexões sobre o jogo ambíguo entre as categorias de “escravos” e de ‘“administrados”, de um lado, e de “índios”, “crioulos” e “negros da terra” de outro. Jogo que eu também encontraria na documentação oitocentista sobre o sertão do São Francisco.

Por outro lado, houve também as análises em que John refletia sobre as categorias étnicas utilizadas pelos colonos e autoridades, em especial a de “carijó”, utilizada pela população indígena escravizada como forma de articulação, uma identidade de resistência dentro das próprias unidades produtivas. Enfim, um esforço constante em apontar na direção de uma história e de uma antropologia menos submetida aos rótulos herdados do processo de dominação colonial.

Negros da Terra é importante também por ter fixado a centralidade da escravidão na sua reflexão, o que não impedia que o tema fosse abordado a contrapelo das leituras tradicionais, centradas no bandeirantismo paulista, amplamente festejado em livros didáticos, monumentos, nomes de ruas e estadas. A proposta era apresentada por meio do desafio de oferecer uma versão propriamente indígena dessa história ou, ao menos, dadas as características da documentação disponível, uma visão cujo eixo ou perspectiva se desloca da lógica bandeirante para a lógica indígena.

Em primeiro lugar, havia a apresentação detalhada e, por isso, muito pouco linear, do processo de aprisionamento, escravização e expropriação territorial indígena, no qual ganhavam destaque documentos de autoria indígena reclamando terras e liberdade. Por meio deles, a ideia de inconstância da relação indígena com os colonos escapava tanto da simples racionalidade econômica quanto de qualquer atavismo ontológico, para ganhar a forma de uma “agência” que emergia do jogo complexo entre lógicas rituais, negociações políticas e resistências armadas.

A agência indígena se manifestaria também nas chamadas “fugas” indígenas das fazendas e dos aldeamentos. É interessante notar como John recupera com algum detalhe o caráter ambíguo dessas fugas, na medida em que elas não serviam para necessariamente negar a lógica da escravidão ou do missionarismo, mas para negociar melhores condições no interior deles. O interesse nesse tópico é amplo. Primeiramente, porque, assim concebidas, tais fugas estabeleciam uma relação bastante dinâmica entre unidades produtivas coloniais e o sertão, ou mesmo entre outras unidades, como as missões – em um jogo entre espaços de cativeiro, de liberdade e de negociação. Mas também porque, desta forma, sua interpretação entrava em comunicação direta com uma revisão que estava sendo realizada simultaneamente na historiografia sobre a escravidão negra. Essa revisão tinha no livro Negociação e Conflito de poucos anos antes (REIS; SILVA, 1989) exemplos muito semelhantes, ainda que para períodos e regiões distintas, de situações nas quais o significado das fugas assumia a mesma ambiguidade e estabelecia o mesmo tipo de dinâmica para a população negra entre espaços de cativeiro, de liberdade e de negociação. Essa última consideração aponta para a discussão proposta por John sobre o caráter, além de econômico, também de mentalidade do fenômeno escravidão no Brasil, já que a escravidão enquanto mentalidade teria operado até mesmo em situações ou contextos em que contrariava a lógica econômica colonial.

“Negros da Terra” também refletia sobre a relação entre o destino das populações indígenas e todo um campo de reflexão sobre a “pobreza” colonial, de forma que pensar a escravidão indígena implicava repensar a formação da própria sociedade colonial, tanto em seu aspecto econômico quanto em seu aspecto propriamente antropológico, interessada na formação social fundamentalmente mestiça, cabocla e, no limite, constituída majoritariamente por uma população desindianizada da sociedade colonial. Assim, a escravidão indígena abria-se à inevitável comparação (“pelo menos implícita”, como ele mesmo disse) com a escravidão negra no Brasil. Essa comparação era feita por meio das bases econômica e cultural da escravidão, mas também – e essa é uma surpresa da releitura recente do livro – por meio dos processos sociais e políticos manifestos nos processos judiciais de liberdade. No último capítulo do livro – sobre os anos finais da escravidão indígena – John abre uma discussão sobre os dois planos em que a liberdade era disputada e alcançada por índios escravizados: as alforrias e as ações na justiça. Um momento tão sucinto quanto brilhante do livro, que oferece uma visão dos momentos em que a população indígena – e particularmente a população feminina, ainda que isso não tenha sido destacado no texto – consegue decodificar e manipular as regras estabelecidas pelo próprio Estado, que garantia a violência que a escravizava.

Digo que essa passagem é uma surpresa da releitura recente porque não fui capaz de perceber, à época, a simultaneidade que tal análise sobre as ações de liberdade indígena encontrava com a emergência do mesmo tema das alforrias e ações de liberdade negra – também predominantemente das mulheres negras escravizadas. É do mesmo ano de “Negros da Terra”, por exemplo, o livro de Keila Grimberg, que instaurou no Brasil a preocupação com o tema, mas que já era trabalhado pela literatura norte-americana sobre a escravidão negra, que John certamente conhecia. Era justamente na direção de recuperar o avanço sobre o tema da escravidão indígena e da sua comparação com a escravidão negra que os projetos recentes de John Monteiro apontavam.

Em sua última palestra para o pequeno grupo de colaboradores do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena (CPEI), ele nos ofereceu um esboço desse projeto. Baseando-se em pistas levantadas em uma crescente bibliografia sobre o tema na América do Norte, Caribe, Amazônia, Paraguai e Região Platina, ele propunha questionar o próprio conceito de escravidão, concebido exclusivamente na concepção moderna e mercantilista. No lugar disso, propunha iluminar as relações que teriam existido entre essa e uma série de práticas indígenas que a etnologia rotulou de outra forma, mas que não deveriam ser pensadas como estanques, como a circulação de pessoas, o casamento por rapto e o cativo de guerra. Sugeria também que algumas categorias sociais surgidas no século XVIII e que eram vistas apenas do ponto de vista da classificação racial, como a de mamelucos, poderiam apontar para categorias sociais marcadas pela adoção de determinadas práticas sociais, como o cultivo de uma rede de afins, por meio de práticas como o cunhadismo, de forma a ampliar o acesso a cativos.

John alertava ainda para a emergência recente de uma bibliografia sobre a relação entre sociedades indígenas e escravidão negra na América do Norte e que traz à análise contextos e situações em que grupos indígenas se tornavam senhores de escravos, grupos de escravos encontravam assentamento em território indígena, adoção de um discurso racializado pelos grupos indígenas etc. John chamava atenção para como tais situações não nos são desconhecidas, apontando como exemplo a relação de servidão que os Guaiakus impunham aos Guaná (prototerenas), mas como elas são geralmente tratadas como apenas episódicas e sem importância para a história e para a etnologia indígena.

Essa retomada do tema da escravidão, de forma ampliada e comparada, tanto quanto o seu retorno ao tema da colonização portuguesa em Goa, que havia sido matéria de sua monografia de graduação (“Portuguese Colonization in the Tropics: Afonso de Albuquerque’s Marriage Plan in Goa”, 1978) por meio de um dos artigos que fazem parte de sua tese de livre docência (“Tupis, Tapuias e Historiadores, 2001), apontam para o aprofundamento daquele questionamento que ele dirigia à história indígena e à própria etnologia feita entre nós sobre o necessário alargamento da nossa percepção sobre as categorias de pensamento que nos foram impostas pela colonização e sobre as quais construímos tanto disciplinas quanto castelos teóricos.

Nessa última palestra que John nos ofereceu, no CPEI, ele nos reportava à entrevista que uma das suas primeiras orientandas, Regina Celestino de Almeida, havia realizado com Serge Gruzinski e da qual nós retiramos a epígrafe deste breve texto, para atribuir-lhe o mérito de evidenciar, com uma naturalidade típica daqueles que não estão comprometidos com os termos do debate americanista feito no Brasil, a extensão da crítica para a qual John Monteiro apontava.

Não só por isso, é adequado começar a apresentação dos textos que compõem este Dossiê “História e Índios” justamente pelo texto de Maria Regina Celestino de Almeida, primeira orientanda de doutorado de John Monteiro, que defendeu no ano de 2000, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNICAMP, uma tese sobre “Os Índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial: novos súditos cristãos do Império Português”. A autora abre este volume com um texto-depoimento sobre a importância de John Monteiro na sua formação pessoal e no desenho da sua pesquisa histórica, mas, principalmente, na promoção de uma abordagem interdisciplinar sobre a presença e atuação dos índios na história. O registro da contribuição de John Manuel Monteiro na elaboração de um campo de estudos histórico-antropológico, que a autora reputa fundamental, serve de mote para uma reflexão mais ampla sobre os avanços e desafios da produção do conhecimento nessa linha interdisciplinar.

A seguir, os textos deste volume podem ser agrupados em três blocos. O primeiro e maior deles diz respeito àquilo que mais acima chamamos de uma história da dinâmica colonial, se concebermos o “colonial” menos como um recorte temporal ou institucional do que como uma modalidade de relações de poder. Neste caso, temos dois textos que abordam tal relação a partir de perspectivas opostas: um deles sobre a recepção da legislação indigenista por parte dos colonos; o outro sobre o modo pelo qual a dinâmica colonial foi incorporada a uma perspectiva indígena das relações interétnicas.

O texto de Francisco Cancela discute a implantação da política indigenista pombalina na antiga Capitania de Porto Seguro durante a segunda metade do século XVIII. Partindo dos debates historiográficos sobre o Diretório dos Índios e sustentado na ideia de “tradução”, o autor busca demonstrar que a recepção das autoridades régias e dos colonos a essa legislação dependeu dos seus diferentes contextos e, assim, por outro lado, como essa legislação ocupa um lugar de destaque na variabilidade das experiências coloniais da América Portuguesa. O esboço historiográfico apresentado por Erik Petschelies busca descrever as relações políticas dos índios Guaikuru (região do Chaco) com outros índios e europeus durante a Conquista a partir da sua própria perspectiva, segundo a qual, sugere o autor, a chegada dos europeus ampliou o espectro das suas relações sociais.

Os outros três textos deste bloco falam de um tema central à reflexão de John Monteiro: os conflitos em torno dos dispositivos de controle do trabalho indígena, sucessivamente por meio da escravidão, por meio das Missões Religiosas, assim como por meio de uma instituição estatal, como os Correios.

O trabalho de Almir Antonio Souza tem por objetivo demonstrar que a experiência da escravidão, mesmo no Brasil Meridional do século XIX, se estendeu aos povos indígenas, por meio do registro das recorrentes expedições de apresamento, principalmente ao longo do chamado Caminho das Tropas, que ligava os pampas gaúchos no Uruguai, Argentina e província de São Pedro do Rio Grande do Sul à vila de Sorocaba. No caso do texto de João Paulo P. Costa, o estudo da relação dos índios com o Correio do Norte do Brasil, no Ceará do primeiro quarto do século XIX, serve para mostrar a importância dos mecanismos de controle e disciplinamento do trabalho indígena, assim como das estratégias de negociação e resistência destes no entendimento da história da região. Da mesma forma, é a insistência indígena em manter certo espaço de autonomia diante dos missionários que está no centro do trabalho de Márcio Couto Henrique sobre as missões religiosas na Amazônia do século XIX, em que ganha destaque o registro dos sítios que os indígenas mantinham afastados dos aldeamentos, contra as expectativas das autoridades.

Em seguida, temos textos sobre aquilo que podemos entender como dinâmicas que, ao longo do século XX e do regime republicano, operam críticas àquela dinâmica colonial: de um lado, a partir da política indigenista, manifesta nos museus; e, de outro, a partir da política indígena, reconstituída a partir de uma perspectiva biográfica.

Walter Francisco F. Lowande destaca ações de coleta e registro arqueológico e etnográfico relativo aos povos indígenas promovidas pelos antropólogos do Museu Nacional do Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1950, em termos comparáveis às salvaguardas promovidas pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Com isso, o autor pretende rediscutir o papel da Antropologia e do Museu Nacional na ampliação da noção de “patrimônio cultural brasileiro”, sob um aspecto ainda não discutido pela historiografia sobre patrimônio. Já o teto de Mariana da Costa A. Petroni aborda, por meio do registro em livro das memórias de Álvaro Tukano, relativas às décadas de 1980 e 1990, um período importante para a construção do campo indigenista e para a emergência do movimento indígena em escala nacional no Brasil.

Um terceiro bloco traz duas reflexões sobre um tema que, apesar de não ter sido trabalhado por John Monteiro, estava no horizonte das preocupações que ele compartilhava conosco no CPEI: a questão educacional. O texto de Lígia Duque Platero reconstitui parte do processo de escolarização promovida pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e pela Missão Evangélica Caiuá na reserva indígena de Dourados (MS), entre 1940 e 1970, tendo por base a memória dos Kaiowá, dos Guarani e dos Terena. O relato da experiência escolar Kaingang contemporânea, por sua vez, principalmente os conflitos relativos ao ensino de história, é o ponto de partida do texto de Juliana Schneider Medeiros e Cláudia Pereira Antunes, para discutir a Lei 11.645 / 2008, que estabelece a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena como uma possibilidade de interculturalidade nas escolas não indígenas.

Finalmente, temos um segundo texto escrito especialmente em homenagem a John Monteiro, agora sob a perspectiva dos alunos que John deixou ainda em pleno processo de formação. Escrito por Ernenek Mejía, Mariana Petroni e Patricia Lora, reproduzindo uma apresentação oral à mesa em homenagem ao Prof. John Monteiro realizada na Semana de Ciências Sociais (evento da graduação em Ciências Sociais da UNICAMP / 2013), o texto fala em nome de “pelo menos quinze estudantes de pós-graduação saudosos e aturdidos diante da tarefa de terminar uma dissertação ou tese sem o seu principal interlocutor, mas, principalmente, com o compromisso de seguir com sua obra”.

José Maurício Arruti – Professor do Departamento de Antropologia / Diretor do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena – CPEI.


ARRUTI, José Maurício. Apresentação. História Social. Campinas, n.25, 2013. Acessar publicação original [DR]

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