História e índios / História Social / 2013

John Monteiro e o projeto ampliado de história indígena

“É importante não reduzir o termo indígena ao seu sentido ameríndio. Pensar que o indígena pode ser também o africano, o filipino, o marroquino. Enfim, todos os que tiveram de reagir às ofensivas comerciais, à cristianização, à dominação política dos ibéricos, fossem portugueses ou espanhóis. Um ponto comum a todos esses grupos tem a ver com o processo de ocidentalização e com as múltiplas formas de responder a este processo. Nós não podemos desvincular as modalidades de cristianização dos índios do Brasil pelos jesuítas com as praticadas em outras regiões. Para entender as especificidades do Brasil é preciso pensar como isso se passou na Índia porque são processos sincrônicos que incluem o jogo duplo da colonização política e religiosa. Ambos buscavam a transformação do índio em cristão. Este tipo de comparação não é nada arbitrário porque os mesmos jesuítas circulavam em todas as partes do império português e até fora do Império”. (Serge Gruzinski, em entrevista a Maria Regina Celestino de Almeida. Revista Tempo, vol. 12, no. 23, 2007: p. 198).

Este volume da REVISTA HISTÓRIA SOCIAL apresenta o Dossiê “História e Índios” como uma homenagem a John Manuel Monteiro (1956-2013), querido professor, colega e intelectual, que teve uma enorme importância não só na formação de mais de uma geração de pesquisadores em história indígena, como na renovação e, talvez, na refundação de um campo de estudos que sempre esteve à margem, seja da História, seja da Antropologia. A influência de John Monteiro na minha formação se deu principalmente por meio da leitura do livro “Negros da Terra”, já que eu nunca fui seu aluno. Foi, em grande parte, com base nele que elaborei o meu projeto de doutorado e, por sorte, foi isso que o levou a participar na minha banca. Isso consolidou o papel fundamental que John começava a desempenhar em minha recepção como pesquisador. Tinha sido dele o convite para participar do meu primeiro Grupo de Trabalho na ANPOCS, assim como da minha primeira palestra na UNICAMP e, mais tarde, ele me fez o primeiro convite para uma banca de doutorado. Foi dele também o mais que generoso prefácio do livro em que publiquei parte do doutorado e, finalmente, foi ele quem me recepcionou com uma pauta de possíveis projetos em comum, quando da minha entrada na UNICAMP. Este era o seu modo generoso e aberto, apesar de sempre discreto, de incentivar o trabalho de alunos e colegas mais novos. Foi isso que me permitiu aceitar a tarefa de escrever esta apresentação, como uma espécie de registro da larga e densa pauta de trabalho que John Monteiro nos deixa.

É possível identificar três blocos temáticos bastante consistentes nos textos publicados por ele. Depois de um primeiro momento dedicado mais claramente ao tema da escravidão indígena, do qual resulta o livro Negros da Terra, os seus textos se abrem em duas direções complementares. De um lado, uma história do pensamento social brasileiro – e mais especificamente paulista – que tem por eixo as ideologias bandeirante e indigenista. De outro, uma história da dinâmica colonial, que inclui a escravidão e sua relação com a história das sociedades indígenas, de onde surge a sugestiva categoria de “índios coloniais”.

Debruçando-se sobre personagens como Gabriel Soares de Sousa, Francisco Adolfo de Varnhagen, Machado de Oliveira, José Arouche de Toledo Rendon e Alfredo Ellis Jr. e, mais adiante, sobre a produção do IHGB, John Monteiro deixava claro que não é possível fazer História dos índios sem um quanto de Antropologia da história. Ao investigar a ideologia daqueles que produziram os relatos e documentos que formaram uma larga parcela do senso comum sobre a história dos índios no Brasil, John evidenciava as relações de poder que regem tais registros escritos ou imagéticos. Segundo essa concepção de História, os documentos não apenas registram a história que nos interessa, mas são parte dela, porque são parte de processos sociais de dominação, resistência, negociação, acomodação.

Essa posição reverbera o debate contemporâneo sobre como a formação e o desenvolvimento da Antropologia se dão, ao menos em parte, no mesmo espaço em que se formulam e se gerenciam as políticas estatais dirigidas às populações que a Antropologia estuda, conforme registra o livro organizado por L’Éstoile, Sigaud e Neiburg (2002). Isso nos insta a reconhecer o poder no centro da reflexão histórica, da mesma forma que a história no centro da reflexão sobre as relações de poder. Disso decorre também um modo particular de pensar a relação entre História e Antropologia, que passa pela reflexão sobre os dispositivos de classificação social que fundam e extinguem grupos, e tanto ordenam quanto são ordenados pelos processos históricos.

É nesse ponto que Monteiro lança mão da categoria de “índio colonial”, não como correspondente à categoria culturalista de “índio genérico”, como a proposta por Darcy Ribeiro, mas mais de acordo com a leitura sociológica de Karen Spalding. Se o índio genérico seria o produto da desagregação social e da perda de cultura, segundo uma perspectiva assimilacionista das relações coloniais, o índio colonial é virtualmente o inverso disso. Tal categoria descreve o modo pelo qual os grupos indígenas se situavam diante da realidade colonial e a agenciavam, afastando-se das suas origens pré-coloniais, ao mesmo tempo em que buscavam se diferenciar dos grupos sociais que emergiam diretamente do processo colonial, por meio da migração voluntária ou forçada.

Isso implica uma leitura da dinâmica colonial que não a resume à dupla alternativa indígena da dizimação ou da fuga, como tendeu a ser figurado por Florestan Fernandes, e que reverbera a dicotomia pureza pré e contágio pós-contato. No lugar disso, emerge a produção de uma grande variedade de respostas que resultaram em novas sociedades e tipos de sociedades. Ainda que concordando com a ideia de que o congelamento e o isolamento das etnias são um fenômeno sociológico e cognitivo produzido pela própria colonização e por uma incompreensão europeia da dinâmica da sociedade indígena, como sugere Viveiros de Castro, John Monteiro chama atenção para como tais dispositivos classificatórios tinham suas intencionalidades e eram, neles mesmos, produtivos, não podendo, portanto, continuar sendo pensados no registro do puro equívoco.

Com isso, John Monteiro deixou uma contribuição relevante para os debates sobre as etnogêneses no Brasil, por meio da radicalização da perspectiva histórica do fenômeno. Aquilo que mais comumente surge nas etnografias como um fenômeno novo, resultado de processos recentes de globalização, multiculturalização e de políticas de identidade pós-modernas, ganha outra densidade e extensão teórica. Deixam de ser modernos ou pós-modernos para serem intrínsecos à relação colonial (colonial mesmo sob os regimes do Império e da República, que fique claro), que busca impor suas próprias grades classificatórias e, com isso, passa a fazer parte das dinâmicas nativas de definição de alteridades e identidades.

O índio colonial chama atenção, assim, para a necessidade de investigarmos com mais atenção a inserção de diferentes grupos indígenas no interior do espaço colonial ou em suas margens, assim como a revisão das formas mais simplistas – mas ainda assim comuns – de reduzir a agência indígena à simples resistência. Seus trabalhos – e de vários de seus orientandos – chamam atenção para o protagonismo de lideranças indígenas e seus projetos de poder, mas sempre tendo em vista as condicionantes impostas por uma série de fatores provocados pelas dinâmicas coloniais: a agência indígena não podendo ser pensada em separado independentemente da apropriação (no sentido forte e ativo) dos símbolos e dos discursos europeus. Essas questões – relativas aos jogos classificatórios – estavam presentes em seu trabalho desde Negros da Terra, mesmo sem terem sido formuladas explicitamente como problema teórico. Valeria apontar, como ilustrativas, por exemplo, as suas reflexões sobre o jogo ambíguo entre as categorias de “escravos” e de ‘“administrados”, de um lado, e de “índios”, “crioulos” e “negros da terra” de outro. Jogo que eu também encontraria na documentação oitocentista sobre o sertão do São Francisco.

Por outro lado, houve também as análises em que John refletia sobre as categorias étnicas utilizadas pelos colonos e autoridades, em especial a de “carijó”, utilizada pela população indígena escravizada como forma de articulação, uma identidade de resistência dentro das próprias unidades produtivas. Enfim, um esforço constante em apontar na direção de uma história e de uma antropologia menos submetida aos rótulos herdados do processo de dominação colonial.

Negros da Terra é importante também por ter fixado a centralidade da escravidão na sua reflexão, o que não impedia que o tema fosse abordado a contrapelo das leituras tradicionais, centradas no bandeirantismo paulista, amplamente festejado em livros didáticos, monumentos, nomes de ruas e estadas. A proposta era apresentada por meio do desafio de oferecer uma versão propriamente indígena dessa história ou, ao menos, dadas as características da documentação disponível, uma visão cujo eixo ou perspectiva se desloca da lógica bandeirante para a lógica indígena.

Em primeiro lugar, havia a apresentação detalhada e, por isso, muito pouco linear, do processo de aprisionamento, escravização e expropriação territorial indígena, no qual ganhavam destaque documentos de autoria indígena reclamando terras e liberdade. Por meio deles, a ideia de inconstância da relação indígena com os colonos escapava tanto da simples racionalidade econômica quanto de qualquer atavismo ontológico, para ganhar a forma de uma “agência” que emergia do jogo complexo entre lógicas rituais, negociações políticas e resistências armadas.

A agência indígena se manifestaria também nas chamadas “fugas” indígenas das fazendas e dos aldeamentos. É interessante notar como John recupera com algum detalhe o caráter ambíguo dessas fugas, na medida em que elas não serviam para necessariamente negar a lógica da escravidão ou do missionarismo, mas para negociar melhores condições no interior deles. O interesse nesse tópico é amplo. Primeiramente, porque, assim concebidas, tais fugas estabeleciam uma relação bastante dinâmica entre unidades produtivas coloniais e o sertão, ou mesmo entre outras unidades, como as missões – em um jogo entre espaços de cativeiro, de liberdade e de negociação. Mas também porque, desta forma, sua interpretação entrava em comunicação direta com uma revisão que estava sendo realizada simultaneamente na historiografia sobre a escravidão negra. Essa revisão tinha no livro Negociação e Conflito de poucos anos antes (REIS; SILVA, 1989) exemplos muito semelhantes, ainda que para períodos e regiões distintas, de situações nas quais o significado das fugas assumia a mesma ambiguidade e estabelecia o mesmo tipo de dinâmica para a população negra entre espaços de cativeiro, de liberdade e de negociação. Essa última consideração aponta para a discussão proposta por John sobre o caráter, além de econômico, também de mentalidade do fenômeno escravidão no Brasil, já que a escravidão enquanto mentalidade teria operado até mesmo em situações ou contextos em que contrariava a lógica econômica colonial.

“Negros da Terra” também refletia sobre a relação entre o destino das populações indígenas e todo um campo de reflexão sobre a “pobreza” colonial, de forma que pensar a escravidão indígena implicava repensar a formação da própria sociedade colonial, tanto em seu aspecto econômico quanto em seu aspecto propriamente antropológico, interessada na formação social fundamentalmente mestiça, cabocla e, no limite, constituída majoritariamente por uma população desindianizada da sociedade colonial. Assim, a escravidão indígena abria-se à inevitável comparação (“pelo menos implícita”, como ele mesmo disse) com a escravidão negra no Brasil. Essa comparação era feita por meio das bases econômica e cultural da escravidão, mas também – e essa é uma surpresa da releitura recente do livro – por meio dos processos sociais e políticos manifestos nos processos judiciais de liberdade. No último capítulo do livro – sobre os anos finais da escravidão indígena – John abre uma discussão sobre os dois planos em que a liberdade era disputada e alcançada por índios escravizados: as alforrias e as ações na justiça. Um momento tão sucinto quanto brilhante do livro, que oferece uma visão dos momentos em que a população indígena – e particularmente a população feminina, ainda que isso não tenha sido destacado no texto – consegue decodificar e manipular as regras estabelecidas pelo próprio Estado, que garantia a violência que a escravizava.

Digo que essa passagem é uma surpresa da releitura recente porque não fui capaz de perceber, à época, a simultaneidade que tal análise sobre as ações de liberdade indígena encontrava com a emergência do mesmo tema das alforrias e ações de liberdade negra – também predominantemente das mulheres negras escravizadas. É do mesmo ano de “Negros da Terra”, por exemplo, o livro de Keila Grimberg, que instaurou no Brasil a preocupação com o tema, mas que já era trabalhado pela literatura norte-americana sobre a escravidão negra, que John certamente conhecia. Era justamente na direção de recuperar o avanço sobre o tema da escravidão indígena e da sua comparação com a escravidão negra que os projetos recentes de John Monteiro apontavam.

Em sua última palestra para o pequeno grupo de colaboradores do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena (CPEI), ele nos ofereceu um esboço desse projeto. Baseando-se em pistas levantadas em uma crescente bibliografia sobre o tema na América do Norte, Caribe, Amazônia, Paraguai e Região Platina, ele propunha questionar o próprio conceito de escravidão, concebido exclusivamente na concepção moderna e mercantilista. No lugar disso, propunha iluminar as relações que teriam existido entre essa e uma série de práticas indígenas que a etnologia rotulou de outra forma, mas que não deveriam ser pensadas como estanques, como a circulação de pessoas, o casamento por rapto e o cativo de guerra. Sugeria também que algumas categorias sociais surgidas no século XVIII e que eram vistas apenas do ponto de vista da classificação racial, como a de mamelucos, poderiam apontar para categorias sociais marcadas pela adoção de determinadas práticas sociais, como o cultivo de uma rede de afins, por meio de práticas como o cunhadismo, de forma a ampliar o acesso a cativos.

John alertava ainda para a emergência recente de uma bibliografia sobre a relação entre sociedades indígenas e escravidão negra na América do Norte e que traz à análise contextos e situações em que grupos indígenas se tornavam senhores de escravos, grupos de escravos encontravam assentamento em território indígena, adoção de um discurso racializado pelos grupos indígenas etc. John chamava atenção para como tais situações não nos são desconhecidas, apontando como exemplo a relação de servidão que os Guaiakus impunham aos Guaná (prototerenas), mas como elas são geralmente tratadas como apenas episódicas e sem importância para a história e para a etnologia indígena.

Essa retomada do tema da escravidão, de forma ampliada e comparada, tanto quanto o seu retorno ao tema da colonização portuguesa em Goa, que havia sido matéria de sua monografia de graduação (“Portuguese Colonization in the Tropics: Afonso de Albuquerque’s Marriage Plan in Goa”, 1978) por meio de um dos artigos que fazem parte de sua tese de livre docência (“Tupis, Tapuias e Historiadores, 2001), apontam para o aprofundamento daquele questionamento que ele dirigia à história indígena e à própria etnologia feita entre nós sobre o necessário alargamento da nossa percepção sobre as categorias de pensamento que nos foram impostas pela colonização e sobre as quais construímos tanto disciplinas quanto castelos teóricos.

Nessa última palestra que John nos ofereceu, no CPEI, ele nos reportava à entrevista que uma das suas primeiras orientandas, Regina Celestino de Almeida, havia realizado com Serge Gruzinski e da qual nós retiramos a epígrafe deste breve texto, para atribuir-lhe o mérito de evidenciar, com uma naturalidade típica daqueles que não estão comprometidos com os termos do debate americanista feito no Brasil, a extensão da crítica para a qual John Monteiro apontava.

Não só por isso, é adequado começar a apresentação dos textos que compõem este Dossiê “História e Índios” justamente pelo texto de Maria Regina Celestino de Almeida, primeira orientanda de doutorado de John Monteiro, que defendeu no ano de 2000, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNICAMP, uma tese sobre “Os Índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial: novos súditos cristãos do Império Português”. A autora abre este volume com um texto-depoimento sobre a importância de John Monteiro na sua formação pessoal e no desenho da sua pesquisa histórica, mas, principalmente, na promoção de uma abordagem interdisciplinar sobre a presença e atuação dos índios na história. O registro da contribuição de John Manuel Monteiro na elaboração de um campo de estudos histórico-antropológico, que a autora reputa fundamental, serve de mote para uma reflexão mais ampla sobre os avanços e desafios da produção do conhecimento nessa linha interdisciplinar.

A seguir, os textos deste volume podem ser agrupados em três blocos. O primeiro e maior deles diz respeito àquilo que mais acima chamamos de uma história da dinâmica colonial, se concebermos o “colonial” menos como um recorte temporal ou institucional do que como uma modalidade de relações de poder. Neste caso, temos dois textos que abordam tal relação a partir de perspectivas opostas: um deles sobre a recepção da legislação indigenista por parte dos colonos; o outro sobre o modo pelo qual a dinâmica colonial foi incorporada a uma perspectiva indígena das relações interétnicas.

O texto de Francisco Cancela discute a implantação da política indigenista pombalina na antiga Capitania de Porto Seguro durante a segunda metade do século XVIII. Partindo dos debates historiográficos sobre o Diretório dos Índios e sustentado na ideia de “tradução”, o autor busca demonstrar que a recepção das autoridades régias e dos colonos a essa legislação dependeu dos seus diferentes contextos e, assim, por outro lado, como essa legislação ocupa um lugar de destaque na variabilidade das experiências coloniais da América Portuguesa. O esboço historiográfico apresentado por Erik Petschelies busca descrever as relações políticas dos índios Guaikuru (região do Chaco) com outros índios e europeus durante a Conquista a partir da sua própria perspectiva, segundo a qual, sugere o autor, a chegada dos europeus ampliou o espectro das suas relações sociais.

Os outros três textos deste bloco falam de um tema central à reflexão de John Monteiro: os conflitos em torno dos dispositivos de controle do trabalho indígena, sucessivamente por meio da escravidão, por meio das Missões Religiosas, assim como por meio de uma instituição estatal, como os Correios.

O trabalho de Almir Antonio Souza tem por objetivo demonstrar que a experiência da escravidão, mesmo no Brasil Meridional do século XIX, se estendeu aos povos indígenas, por meio do registro das recorrentes expedições de apresamento, principalmente ao longo do chamado Caminho das Tropas, que ligava os pampas gaúchos no Uruguai, Argentina e província de São Pedro do Rio Grande do Sul à vila de Sorocaba. No caso do texto de João Paulo P. Costa, o estudo da relação dos índios com o Correio do Norte do Brasil, no Ceará do primeiro quarto do século XIX, serve para mostrar a importância dos mecanismos de controle e disciplinamento do trabalho indígena, assim como das estratégias de negociação e resistência destes no entendimento da história da região. Da mesma forma, é a insistência indígena em manter certo espaço de autonomia diante dos missionários que está no centro do trabalho de Márcio Couto Henrique sobre as missões religiosas na Amazônia do século XIX, em que ganha destaque o registro dos sítios que os indígenas mantinham afastados dos aldeamentos, contra as expectativas das autoridades.

Em seguida, temos textos sobre aquilo que podemos entender como dinâmicas que, ao longo do século XX e do regime republicano, operam críticas àquela dinâmica colonial: de um lado, a partir da política indigenista, manifesta nos museus; e, de outro, a partir da política indígena, reconstituída a partir de uma perspectiva biográfica.

Walter Francisco F. Lowande destaca ações de coleta e registro arqueológico e etnográfico relativo aos povos indígenas promovidas pelos antropólogos do Museu Nacional do Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1950, em termos comparáveis às salvaguardas promovidas pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Com isso, o autor pretende rediscutir o papel da Antropologia e do Museu Nacional na ampliação da noção de “patrimônio cultural brasileiro”, sob um aspecto ainda não discutido pela historiografia sobre patrimônio. Já o teto de Mariana da Costa A. Petroni aborda, por meio do registro em livro das memórias de Álvaro Tukano, relativas às décadas de 1980 e 1990, um período importante para a construção do campo indigenista e para a emergência do movimento indígena em escala nacional no Brasil.

Um terceiro bloco traz duas reflexões sobre um tema que, apesar de não ter sido trabalhado por John Monteiro, estava no horizonte das preocupações que ele compartilhava conosco no CPEI: a questão educacional. O texto de Lígia Duque Platero reconstitui parte do processo de escolarização promovida pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e pela Missão Evangélica Caiuá na reserva indígena de Dourados (MS), entre 1940 e 1970, tendo por base a memória dos Kaiowá, dos Guarani e dos Terena. O relato da experiência escolar Kaingang contemporânea, por sua vez, principalmente os conflitos relativos ao ensino de história, é o ponto de partida do texto de Juliana Schneider Medeiros e Cláudia Pereira Antunes, para discutir a Lei 11.645 / 2008, que estabelece a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena como uma possibilidade de interculturalidade nas escolas não indígenas.

Finalmente, temos um segundo texto escrito especialmente em homenagem a John Monteiro, agora sob a perspectiva dos alunos que John deixou ainda em pleno processo de formação. Escrito por Ernenek Mejía, Mariana Petroni e Patricia Lora, reproduzindo uma apresentação oral à mesa em homenagem ao Prof. John Monteiro realizada na Semana de Ciências Sociais (evento da graduação em Ciências Sociais da UNICAMP / 2013), o texto fala em nome de “pelo menos quinze estudantes de pós-graduação saudosos e aturdidos diante da tarefa de terminar uma dissertação ou tese sem o seu principal interlocutor, mas, principalmente, com o compromisso de seguir com sua obra”.

José Maurício Arruti – Professor do Departamento de Antropologia / Diretor do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena – CPEI.


ARRUTI, José Maurício. Apresentação. História Social. Campinas, n.25, 2013. Acessar publicação original [DR]

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História e biografia / História Social / 2013

O que significa uma existência? O que supõe o ato de narrar uma vida descrevendo seus contornos, iluminando aspectos que, em um primeiro-olhar, poderiam parecer desinteressantes e fornecendo sentido ao que parece se esvair com o tempo? Tais questões receberam distints respostas ao longo do tempo, ligadas a modalidades escriturárias diversas e a diferentes regimes de verdade e historicidade. (HARTOG, 2003). Como em outros momentos, nosso gosto pela biografia ancora-se num extenso leque de interesses pelo “outro”, por suas experiências de vida, sua exemplaridade, curiosidade essa não isenta de voyeurismo. O vivo interesse por trabalhos biográficos – refletindo-se numa pluralidade de públicos, leitores e audiência – talvez exceda a simples lógica de mercado ou os apelos que sempre parecem exercer os personagens notáveis. A multiplicação de relatos autobiográficos, entrevistas, perfis e escritas de vidas de personagens ilustres ou não pode ser indicativa de uma “tonalidade particular da subjetividade contemporânea” (ARFUCH, 2010). O mercado editorial de obras biográficas atesta a vitalidade do gênero em nossos dias.

Entretanto, podem nos causar alguma estranheza as reivindicações de um retorno da biografia, pois ela nunca deixou de ter o seu lugar entre um público leitor ávido por conhecer os caminhos e descaminhos de trajetórias singulares. Ainda que adicionemos o adjetivo histórica a essa escrita biográfica que parece retornar triunfante, poderíamos chegar à curiosa indagação: existe algo como uma biografia não histórica, ou seja, há a possibilidade de narrar uma vida abstraindo-se de alguma modalidade de ordenamento cronológico que nos situe, ainda que perifericamente, no interior de um conjunto de experiências históricas?

O problema, desse modo, pode ser mais bem situado se pretendermos considerar as mudanças pelas quais as biografias escritas por historiadores têm passado ao longo dos últimos anos. A cisão da história e da biografia em regimes discursivos distintos operada pelos gregos foi um marco importante para os rumos futuros dos dois gêneros que, desde então, mantiveram relações de afastamento / aproximação, ao passo que os relatos de experiências individuais foram se tornando cada vez mais populares, sobretudo pela sua imersão na ideia de exempla. São bem conhecidas as palavras de Plutarco, quando, no prefácio de “Vidas de Alexandre”, parte de sua conhecida obra Vidas Paralelas, afirma que “não escrevemos histórias, mas vidas”. Ao contrário dos historiadores, não era dever dos biógrafos a exatidão documental, a clareza do detalhe ou a precisão empírica. Sua escritura dever-se-ia concentrar na produção de narrativas exemplares – ainda que desafiando as evidências – que pudessem instruir os homens do presente. Ao longo do período medieval, a biografia como repositório de virtudes pedagógicas não perdeu sua função, e os relatos hagiográficos, nos lembra François Dosse, inscreviam-se em um discurso distante daquilo que se esperava do historiador, ou seja, do pacto de verdade instaurado pela obra de história. As vidas dos santos, portanto, deveriam edificar o leitor e não revelar a veracidade do passado. (DOSSE, 2009, pp. 137-138).

A constituição da história como um campo cientifico não trouxe bons ventos ao gênero biográfico, ainda que diversos tenham sido os autores que se dedicaram a perscrutar a dimensão individual do conhecimento histórico. (LORIGA, 2011). Vemos em Carlyle o lamento de que, no século XIX, a experiência heroica tenha sido vista com reservas pelos intelectuais daquele tempo. “Nossa época”, afirmava, “parece negar a existência dos grandes homens e negar até mesmo que sua existência seja desejável”. Talvez Carlyle estivesse se referindo ao tipo de pensamento professado por Buckley que, sem grandes temores, afirmava que os homens não deveriam deixar a escrita da história a cargo de “biógrafos, genealogistas, contadores de anedotas, cronistas de corte, esses bons divulgadores de mundanidades”. De modo oposto, os experimentos literários do romance moderno já promoviam os questionamentos sobre a identidade do sujeito que marcariam a new biography do final do século XIX e início do século XX. (LEVI In: AMADO; FERREIRA, 1996) Sob um ponto de vista mais estritamente historiográfico, contudo, os avanços da disciplinarização não tiveram “na biografia um dos seus eixos principais, preferindo investir em entidades despersonalizadas e / ou coletivas ao indicar os sujeitos e formular os nexos causais de suas narrativas: a nação, o Estado, a civilização, o povo, o meio geográfico, a raça” (SCHMIDT In: CARDOSO; VAINFAS, 2012, p. 191). A pouca relevância da biografia histórica resistiria mesmo aos ataques mais virulentos dos Annales contra a historiografia do século XIX. (GUIMARÃES In: SOUZA, 2008).

Crise e retorno são palavras que, não raramente, aparecem associadas ao debate recente sobre as transformações ocorridas no campo da historiografia nas últimas quatro ou cinco décadas. Viveríamos uma crise dos grandes modelos de explicação histórica, com o descrédito do marxismo, dos Annales e dos estruturalismos de diversos tipos, cada vez menos capazes de darem respostas à diversificação das perguntas feitas pelos historiadores contemporâneos. (CHARTIER, 1994). Por outro lado, assistiríamos à proliferação de abordagens de escala reduzida com maior apelo às ações humanas e às estratégias de grupos ou indivíduos em meio a sistemas norma” vos mais ou menos totalizantes. A biografia situar-se-ia na confluência desses dois movimentos: ela seria um dos sinais mais evidentes da desconfiança dos pra” cantes do campo historiográfico a respeito da vitalidade dos grandes esquemas interpreta” vos fundados na longa duração e, simultaneamente, atestaria a emergência de uma nova conjuntura intelectual definida pela crescente presença de uma guinada subjetiva (SARLO, 2005), fomentadora de uma miríade de gêneros discursivos caracterizados pela presença proeminente da primeira pessoa.

A importância e vitalidade do gênero biográfico tornaram-se uma evidência nas últimas décadas, e certamente a questão colocada por Revel (2010) a respeito da possibilidade de a biografia se tornar um problema historiográfico deverá ser respondida de modo afirmativo. Poucos historiadores, hoje, parecem reiterar as posições de Knecht, para quem os parâmetros da biografia são evidentes e, portanto, é inútil imaginar uma intriga ou estrutura narrativa biográfica. (KNETCH, 2000, pp. 172-173). Para além das recorrentes aporias que opõem indivíduo / meio e ação / contingência, podemos nos indagar a respeito dos sentidos de enfrentar a perenidade da experiência humana delimitada no espaço de uma vida. Recuperar do passado os traços, mais ou menos visíveis, de uma existência requer do historiador o exame de um amplo conjunto de evidências. Os desafios lançados pelas fontes reveladoras dos enigmas de um indivíduo são o tema das importantes reflexões de Ana Carolina Maciel. A interface entre a finitude da vida e a manutenção – historicamente constituída – dos seus vestígios materiais forma o cerne das indagações do texto que, de forma sintética, poderiam ser articuladas a uma pergunta, enunciada pela própria autora: seriam as “ilusões de eternidade” que determinam a preservação da vida individual por meio de seus objetos?

A preservação dos objetos de alguém que se foi passa a constituir uma espécie de biografia material que pretende, ao contrário da existência humana, conservar-se indefinidamente, alimentando a ilusão de resistência ao tempo e adquirindo uma trajetória particular. A cultura material deve, deste modo, fornecer o atestado da prova da presença dos indivíduos, a evidência da trajetória de homens e mulheres do passado. Lembra-nos Maciel, entretanto, que, paradoxalmente, esses vestígios remetem à obsolescência, e o que se coloca em jogo é a possibilidade de o historiador extrapolar os limites do papel e da pena sem que, com isso, as histórias dos seus personagens se tornem menos fiáveis. Essas preocupações ganham forma na pesquisa de pós-doutoramento da autora, na qual determinados sujeitos testemunham não apenas sobre fatos de suas próprias vidas, mas também acerca de seu legado material. O conjunto de fontes reunidas, de documentais a audiovisuais, permite a construção de narrativas sobre o passado acolhido e preservado.

O percurso biográfico como possibilidade de acesso a contextos sociais ampliados em diferentes tempos e espaços é o fio condutor do texto de Katani Maria Nascimento Monteiro. O personagem enfocado, o político e professor Celeste Gobato, que fez carreira no estado do Rio Grande do Sul, permitiu à autora escapar de um dos usos mais comuns da biografia: aquele cujo valor do biografado está na possibilidade de sintetizar várias outras trajetórias, iluminando, desse modo, aspectos mais gerais da formação social. Para evidenciar o caráter não só individual como também social de uma vida, Katani Monteiro recorre à noção de rede de funções, de Norbert Elias, pela qual as ações humanas são relacionadas aos instrumentos de poder dentro de uma rede caracterizada pelo funcionamento de funções interdependentes, na qual as margens de intervenção individual são sempre limitadas pela própria rede, mas que podem ser muito variáveis em sua natureza e extensão.

Os espaços de atuação de Celeste Gobato, nas tribunas políticas e nas salas de aula, configuram determinadas redes de sociabilidade que foram importantes no acúmulo de “capital simbólico” por parte do personagem e que o levaram a ser indicado para a intendência da cidade de Caxias do Sul, em 1924, ainda que nunca lá ” vesse residido. A autora demonstra como o domínio de um saber específico – Gobato era conhecido agrônomo – significava a aquisição de uma consagração simbólica legitimadora de determinadas posições sociais em um processo no qual o personagem construía sua trajetória pública em meio às idiossincrasias e tensões dos campos pelos quais transitava. O recurso à obra de Bourdieu é passo indispensável na análise, pois fundamenta as incursões de Katani Monteiro pelo jogo dos “capitais” acumulados e reconvertidos por Gobato.

Em anos recentes, a produção biográfica alimentou-se do alargamento dos interesses de pesquisa dos historiadores, num diálogo que se estendeu por diversos campos do conhecimento. O caráter transversal do gênero biográfico é o objeto do artigo de Lilia Moritz Schwarcz. O tom quase confessional do texto é assumido pela revelação dos impasses com os quais a autora se deparou ao longo de suas pesquisas sobre personalidades tão controversas quanto distintas, como Lima Barreto, Pedro II ou o pintor Nicolas-Antoine Taunay. Em primeiro lugar, a velha tentação de produzir uma narrativa unificadora e contínua para a trajetória dos indivíduos estudados que, por muitas vezes, insistem em não se comportar como gostaríamos de imaginar. Em segundo, a tendência de selecionarmos indivíduos proeminentes ou de buscarmos “conferir evidências a sujeitos que em seu contexto possuíram pouco destaque”, transformando-os, deste modo, em figuras de proa. E, em terceiro lugar, na preocupação de defendermos nossas obras, lembra a autora, acabamos criando heróis, “paladinos em sua coerência”, ignorando, muitas vezes, as ambivalências tão caras aos nossos personagens e também a nós.

Esses impasses caracterizam todo empreendimento biográfico que, por excelência, constitui uma complexa relação entre o autor e seu personagem. Não raramente, a identificação do biógrafo com seu biografado assume contornos quase próximos de uma relação familiar. Esperamos de nossos sujeitos que eles se enquadrem em nossos modos de ver e sentir o mundo e, como quase sempre isso não ocorre, não ocultamos nossas decepções. Schwarcz não esconde suas angústias de pesquisadora no cotidiano de suas incursões biográficas, mas também oferece modelos para aqueles que decidem conviver com um determinado passado: “um personagem que passa, com o tempo, a se comportar como amigo (ou inimigo íntimo) ”. Tais modelos, inspirados em autores diversos como Bourdieu e Carl Schorske, por exemplo, não são esquemas interpreta” vos excludentes, mas que, em conjunto, podem ser úteis para o enfretamento dos impasses de uma modalidade de escrita biográfica que viu no voluntarismo individualista o seu foco central, sem desviar para um contextualismo mecânico e excessivo que explica qualquer ação humana e seus resultados.

O artigo de Regina Célia Lima Xavier vem ao encontro dessas preocupações com base no exame da trajetória de Mestre Tito, um escravo que, depois de liberto, tornou-se bastante conhecido em Campinas, no século XIX, por seus dotes de curandeiro. A questão premente é: o que a trajetória de um indivíduo comum, como o estudado por Xavier, poderia dizer sobre a história? O relato pormenorizado, e muitas vezes linear, de uma vida fora alvo de inúmeras desconfianças em função, em tese, da sua incapacidade de oferecer respostas para problemas historiográficos de mais longo alcance. Essa incerteza agravar-se-ia ainda mais no caso particular de Tito de Camargo, personagem sobre o qual a documentação disponível era bastante escassa e indireta. Seus passos foram sendo reconstruídos por meio dos papéis encontrados em acervos judiciários, em registros municipais, em notícias de jornal e em fontes da Igreja. O trabalho de investigação, deste modo, não poderia partir de uma “escrita de si” ou de alguma outra forma de narrativa essencializadora do personagem. Suas configurações identitárias comportavam significados múltiplos que foram sendo atribuídos e agregados à sua existência ao longo dos anos. O seu próprio nome já assinalava um processo complexo e delicado de construção de sua individualidade, distante da constância nominal sobre a qual se poderia suspeitar de algum indício de coerência ou organicidade.

As nominações atribuídas ao escravo sem pátria, Tito, Mestre Tito, Tito de Camargo Andrade, revelam elementos constitutivos de sua personalidade que são tecidos em distintos momentos de sua trajetória. Do escravo “sem nação” ao reconhecimento de suas habilidades de curandeiro, o personagem forjou a singularidade de suas experiências em meio aos limites e possibilidades advindos da relação com o seu tempo. Ao final, a individualidade de Tito, constituída de múltiplas formas, revela a possibilidade de uma reflexão historiográfica mais atenta ao entrelaçamento dos temas e não simplesmente à sua fragmentação ou ênfase monográfica. A operação narrativa aqui é modelada em função de uma relação dialógica e recíproca entre indivíduo e contexto, escapando tanto às abordagens que tentam compreender o sujeito nas distintas manifestações de sua performance singular quanto àquelas que concedem às formas sociais e culturais a capacidade de moldar as ações humanas.

Os textos integrantes do dossiê fornecem uma significativa variedade de abordagens e questões que, ademais, traduzem alguns dos problemas mais comuns encontrados no debate teórico recente sobre a biografia histórica, bem como nos estudos de corte biográfico realizados por historiadores ao longo das últimas décadas. Ao leitor resta, portanto, o convite para envolver-se nos dilemas e possibilidades de algo demasiadamente humano: a esperança de narrar e compreender o outro.

Referências

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CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p. 100-113, 1994.

DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009.

GUIMARÃES, Manoel Salgado. Prefácio: a biografia como escrita da história. In: SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: o homem por trás do monumento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

HARTOG, François. Régimes d´historicité: présentisme expériences du temps. Paris: Le Seuil, 2003.

KNECHT, Robert J. La biographie et l´historien. Cahiers de l´Association international des etudes françaises. Paris, n. 52, p. 169-181, 2000.

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_______. O pequeno X: da biografia à história. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

REVEL, Jacques. A biografia como problema historiográfico. In: História e historiografia: exercícios críticos. Curitiba; Editora da UFPR, 2010.

SARLO, Beatriz. Tiempo pasado: cultura de la memória y giro subjetivo. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argen” na, 2005.

SCHMIDT, Benito Bisso. História e biografia. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS. Novos domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

Alexandre de Sá Avelar – Professor do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia.



AVELAR, Alexandre de Sá. Apresentação. História Social. Campinas, n.24, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Literatura nos Arquivos / História Social / 2012

O conhecimento histórico contemporâneo continua a purgar o pecado da ingenuidade narrativa nele predominante até o passado recente. O cuidado agora devido às dimensões retóricas da disciplina produz amiúde certa instabilidade no que tange a seus modos realistas tradicionais. Ademais, a crítica a concepções ditas “historicistas” do ofício leva a reconfigurações significativas de noções tais como temporalidade, agência, determinação e outras concernentes à prática dos historiadores. Much ado about nothing , quem sabe, ou assim me parece, pois a história pode, ou deve, ser em igual medida arte narrativa e discurso de demonstração e prova, como Carlo Ginzburg tem argumentado incansavelmente, às vezes com alguma dose de impaciência, faz tempo.

Digamos que boa parte da culpa caiba a Hayden White, ou quiçá que muito do mérito seja dele, a depender do ponto de vista. White expulsou os historiadores do paraíso da suposta abstenção retórica em nome do idioma empírico pertinente à disciplina. Ao fazê-lo, contudo, enamorou-se da própria escultura, esgarçou o argumento ao ponto de professar a descrença na possibilidade do discurso referencial em história. A hipótese idealista da redução do mundo a redes de textos, tornando impossível qualquer teoria do conhecimento baseada em pressupostos referenciais, permanece indemonstrável, opção que conduz ao colapso de texto e contexto no mesmo abismo reducionista da experiência exclusivamente estética da historiografia, da literatura, da cultura. Em assuntos que tais, melhor evitar alternativas falsas, “o texto ou o autor”, pois “nenhum método exclusivo é suficiente” (Compagnon, 2010, p.94).

História e literatura. Ao dizer literatura pode-se pensar em obras de ficção propriamente ditas; ou na disciplina dedicada a interpretá-las, a crítica literária. No primeiro caso, literatura igual a obras de ficção, a questão é refletir sobre metodologias de abordagem delas a partir de uma perspectiva histórica. No segundo caso, literatura igual a crítica literária, o que interessa é comparar epistemologias ou modos de saber – jeitos de construir objetos de pesquisa, de conceber a perspectiva do sujeito do conhecimento, de constituir o legado do conhecimento, suas tradições e assim por diante. Em suma, comparar história e crítica literária no que concerne à maneira como lidam com o seu mistério central: isto é, como se chega a saber, em cada disciplina, aquilo que seus praticantes alegam saber.

Apresso-me, pois, em definir “literatura”no sentido de obra de ficção, para evitar discussões intermináveis em torno de palavra sobre a qual não há muito acordo sobre o que significa, mas também porque chegar a uma tal definição permite passar logo em seguida ao labor de qualificá-la ou relativizá-la, o que ajuda a pensar. Ao que parece, não obstante a diversidade de visada entre eles, críticos literários comumente concebem obra de ficção como texto narrativo não-referencial (Candido, Cohn, Gallagher). Ademais, tendem a adotar como parâmetro um acontecimento histórico específico, a saber, a emergência do romance e o modo de ser dele no Oitocentos ocidental. “Não-referencial” no sentido de que esse tipo de texto se emancipa de qualquer base de dados específica, cria o mundo ao qual se refere ao se referir (sic) às personagens e acontecimentos que o constituem. Textos que não operam por meio da oposição entre verdade e mentira, verdadeiro e falso, eles pressupõem um leitor que aceite o jogo no terreno da verossimilhança, que adote a atitude de suspender o juízo realista para adentrar outro nível de discurso, inteiramente inventado no detalhe, constituído por enquadramentos imaginários, não-referenciais, ainda que jamais independente da circunstância histórica na qual vem a ser. Textos de ficção são narrativos porque neles as vozes são instáveis, podem ser dissociadas de sua origem autoral, daí decorrendo que muito da tradição da crítica literária se constitua em torno da interpretação de narradores e seu significado na fatura das histórias contadas. Autores supostos ou narradores imaginários produzem situações nas quais dão a ver, por assim dizer, o que há nas mentes das personagens do mundo que criam.

Desnecessário dizer que nesses procedimentos de escrita não há nada que se assemelhe ao que fazem os historiadores, cuja retórica leva outro barro. O melhor então é mudar de roupa sem trocar de pele, observar de novo que as linhas gerais desse jeito de definir ficção remetem a um processo histórico específico, isto é, à maneira de ser de muito da literatura ocidental no século XIX, a era de ouro do romance. Ao dizer história e literatura, nós, historiadores, ou ao menos este historiador, quer refletir sobre procedimentos de interrogação de uma série específica de, a saber, a ficção ocidental oitocentista, em especial o romance, mas não só ele.

História e literatura, conhecimento histórico e crítica literária, quiçá história social e crítica literária. Há entre essas duas disciplinas diferenças importantes na abordagem da literatura. As tradições disciplinares criam matrizes, grades de visão, que não precisam ser excludentes e que parece ridículo conceber em estado de competição entre elas. Gabrielle Spiegel refletiu sobre essas diferentes perspectivas de interpretação. Ao se voltar a um texto literário específico como objeto de estudo, o crítico literário o transforma numa realidade constituída, delimitada em sua essência, por mais que permaneça aberto a leituras diversas, a interpretações conflitantes. A literatura parece especialmente capaz de produzir “objetos” desse tipo, cousas quase mágicas em sua suposta desconexão coma história, com o lugar e tempo de seu vir-a-ser primário. Um volume de Dom Casmurro, qualquer volume, qualquer impressão dele, será sempre Dom Casmurro, parecerá haver nele o sopro de uma alma capaz de se subdividir infinitamente sem deixar de estar inteira em cada novo artefato dela. Esse tipo de perspectiva tende a tornar o intérprete mais sensível ao que há de imaginário na literatura, aos procedimentos artísticos que fazem com que ela funcione enquanto literatura, pois criam eficazmente a fantasia (isto é, uma ilusão resultante do trabalho e da habilidade artísticas) de autonomização do mundo de personagens e acontecimentos que a constituem (Wood, Todorov).

O historiador, por seu turno, estuda contextos e processos históricos que não existem eles próprios, cujos contornos se definem no andamento da pesquisa. O historiador constói o seu objeto, e construí-lo é por sua vez interpretá-lo. Spiegel leva o paralelo entre a história e a crítica literária ao ponto de argumentar que o crítico é um leitor de seus objetos de investigação, enquanto o historiador se torna um escritor dos seus, já que ele mesmo os constitui por meio de procedimentos empíricos e conceituais específicos correntes no ofício. Decerto o contraste é esticado demais. Tanto críticos literários quanto historiadores sabem, por exemplo, que a literatura do século XIX acontecia na imprensa, era indissociável dela. Jornalismo e literatura eram ofícios quase intercambiáveis: as mesmas personagens praticavam regularmente os dois ofícios, e se exercitavam nas variadas formas de texto existentes em cada um deles. O dossiê que ora apresento é prova cabal disso. Ademais, a imprensa do século XIX estava permeada por procedimentos de ficcionalização nos vários tipos de textos que a constituíam (Thérenty), fosse noticiário, correspondência, anúncio, humor, até editorial, além de crônica, conto e romance-folhetim, gêneros os quais se suporia literários, apesar de sobre a crônica ainda pairar um preconceito documentário duro de matar. A separação entre os ofícios de literato e jornalista foi processo longo, doloroso quiçá em especial para os leitores de jornais e revistas, submetidos hoje ao protocolo difícil da escrita neutra, supostamente independente, que expulsa a imaginação para deixar entrar, sem peias, a ideologia.

Não importa o quão limitadas em sua abrangência, as observações de Spiegel permitem abordar outro problema, respeitante aos ruídos comumente havidos quanto a tentativas de teorizar uma perspectiva historicamente informada da literatura. História não é termo estável, passível de estabilizar e ancorar interpretações de alegorias mais ou menos complexas presentes em textos literários. Às vezes fica-se com a impressão, ao ler a crítica, de que ocorre uma estranha combinação entre o entendimento do caráter complexo, fraturado e heterogêneo do texto literário e a postulação de um processo histórico linear e incontroverso, como se o conhecimento histórico consistisse na elaboração de uma narrativa mestra da história nacional, ou ocidental, ou universal, ou o que seja, pois nada disso ele pode ser. A alternativa, pior ainda, é que o entendimento impressionista de que a história não pode ancorar cousa alguma, de que o conhecimento histórico se produz numa arena de luta, num campo de forças em disputa por sentidos e interpretações, resulte na adoção de um ponto de vista decididamente hostil à história, levando o reducionismo estético às fronteiras da insensatez crítica e do casuísmo político. Em suma, para resumir: se as obras literárias permitem deslocamentos discursivos diversos, autorizam interpretações variadas, às vezes divergentes, o mesmo é verdade quanto ao processo histórico; acontecimentos passados não são necessariamente mais lógicos, menos permeados por contradições e intenções não declaradas, do que qualquer texto ou discurso.

Em texto recente, Susan Buck-Morss apresentou o que talvez seja um exemplo extremo de o quanto a atenção à história pode contribuir para o entendimento mais complexo de obras “geniais”, intemporais ao menos enquanto continuam a ser lidas em determinados nichos do mundo acadêmico. No caso, a filosofia de Hegel, mais precisamente as páginas nela existentes dedicadas à análise dialética das relações entre senhores e escravos, decisivas até há bem pouco tempo nos estudos sobre a escravidão moderna, pois conducentes a interpretações definitivas sobre a reificação da experiência escrava, o arbítrio senhorial, as características específicas da alienação de senhores e escravos pertinentes a esse tipo de formação social. Pois Buck-Morss demonstra que Hegel filosofava a partir da leitura regular que fazia das notícias que lhe chegavam, em jornais e revistas, sobre a revoluçãodo Haiti, na virada dos séculos XVIII ao XIX, que resultou na formação do único país independente nas Américas originário duma insurreição de negros escravos, libertos e livres. A revolução do Haiti permaneceu um episódio inimaginável, às mentes europeias, mesmo enquanto acontecia; ler as mesmas páginas de Hegel com isto em mente as torna outras, quem sabe com repercussões quanto às injunções políticas contemporâneas de nossas opções a respeito do modo de recortar objetos e imaginar métodos de pesquisa.

A leitura dos artigos constantes de mais este dossiê da ousada e duradoura História Social: Revista dos pós-graduandos em História da Unicamp é instrutiva e prazerosa. Uma ou duas palavras sobre cada um deles, à guisa de aperitivo. Jefferson Cano explora os primórdios da presença do romance na imprensa da Corte, em seu jeito folhetim de ser, seriado, mui comentado, central nos debates a respeito de que literatura convinha àquele país por fazer. Daniela Silveira aborda os contos de Machado de Assis publicados no Jornal das Famílias, descobre maneiras de o autor tirar proveito do que aprendia a respeito das expectativas de suas leitoras, suas artimanhas para driblar a aflição masculina em relação ao que se dava para ler às moças. Ana Flávia Ramos analisa as crônicas de Machado de Assis na série Balas de Estalo, descreve as características dessa série coletiva e a maneira de inserção nela de Lélio, a personagem inventada pelo autor para figurar como seu narrador. O texto mostra a densidade política e literária dessas crônicas ao acompanhar as mudanças de percepção e humor de Lélio diante da resistência escravocrata às leis de emancipação escrava. Leonardo Pereira escreve sobre “cousas do sertão” em Coelho Netto. Ao fazê-lo, oferece contribuição importante ao tema candente do pós-emancipação, mostra como o debate a respeito do caráter do sertanejo expõe as incertezas e ambiguidades inerentes ao processo de pensar o mundo sem escravidão e monarquia na ainda tão pouco conhecida década de 1890. Julia O’Donnell tira do esquecimento Benjamin Costallat, provoca reflexão a respeito dos mecanismos de atribuição de relevância pautados pelo mercado e pelos interesses políticos de momento, capazes de alçar uma obra à glória momentânea para reduzi-la em seguida ao silêncio mais cabal. Além disso, há na personagem uma preocupação constante com a referencialidade, o que torna a sua obra um jeito de imaginar em detalhe os cinematógrafos, automóveis, janotas e vaporosas de um outro tempo. Ana Porto nos diz de gente de papel assassinada, esquartejada, carregada em malas, ainda que muita vez o que aparecia nos livros e folhetins fosse recriação de crimes e esquartejamentos tidos e havidos. Conta-se pois uma história da popularização da literatura de crime no país, em diálogo com o que ocorria noutras paragens, sempre fascinante o problema de entender os motivos pelos quais essas histórias seduzem tantos leitores.

Referências

BUCK-MORSS, Susan. Hegel, Haiti, and universal history. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2009.

CANDIDO, Antonio. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 2ª. ed.

COHN, Dorrit. The distinction of fiction. Baltimore e Londres: The Johns Hopkins University Press, 1999.

GALLAGHER, Catherine. “The rise of fictionality”. In: MORETTI, Franco. The novel. Volume 1: history, geography and culture. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2006, pp.336-363.

GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

SPIEGEL, Gabrielle M. The past as text: the theory and practice of medieval historiography. Baltimore e Londres: The John Hopkins University Press, 1997.

THÉRENTY, Marie-Ève. La littérature au quotidien: poétiques journalistiques au XIXe. Siècle. Paris: Éditions du Seuil, 2007.

TODOROV, Tzvetan. A literature em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

WHITE, Hayden. Como funciona a ficção. São Paulo: Edusp, 1992.

WHITE, Hayden. Meta – História: a imaginação histórica do século XIX. Baltimore e Londres: The Johns Hopkins University Press, 1990 (edição original: 1978).

WOOD, James. Tropics of discourse: essays in cultural criticism. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

Sidney Chalhoub – Professor Titular, Departamento de História, UNICAMP.


CHALHOUB, Sidney. Apresentação. História Social. Campinas, n.22-23, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Documentos Judiciais e História Social / História Social / 2011

O uso de documentos judiciais como fonte histórica já está estabelecido na historiografia. Há cerca de quatro décadas, esse material vem sendo abordado por historiadores interessados em resgatar aspectos da fala, da vida e do cotidiano das camadas mais pobres da população, que por muito tempo foram relegadas à margem da História. O potencial dessa documentação abriu relevantes e férteis caminhos de investigação em nossa produção acadêmica, sobretudo, no campo da História Social. Por outro lado, a importância dos documentos judiciais para a pesquisa histórica – e para a formação de cidadãos – revela, de maneira gritante, a indiferença do Poder Público em matéria de arquivamento e preservação. O dossiê “Documentos Judiciais e História Social” propõe-se a discutir esse paradoxo, ou seja, se de um lado o leitor encontrará estudos de caso que mostram, com brilhantismo, as potencialidades da documentação judicial, por outro, deparar-se-á com textos que colocam em relevo a importância desse material.

Assim, logo na abertura, Paulo Afonso Zarth aborda “A importância dos arquivos do poder judiciário para a pesquisa histórica”, destacando sua experiência junto ao acervo do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Em busca de elementos para o estudo da história agrária do Planalto Sul Rio-grandense durante o século XIX, Zarth propõe-se a questionar pesquisas que enfatizavam a predominância das plantations na região. Amparado por ampla documentação sobre a estrutura de posse de terra, bens e disputas judiciais, Zarth pôde apresentar uma visão mais aprofundada das relações sociais e econômicas na região destacando-se, especialmente, a presença considerável de pequenos produtores de origem nacional e escravos, ao contrário de uma visão que lançava este porte de unidades produtivas nas mãos de imigrantes europeus.

No artigo seguinte, “O problema de viés de seleção na pesquisa histórica com fontes judiciais e policiais”, Karl Monsma ressalta a necessidade de estabelecimento de metodologia criteriosa para a escolha e tratamento de fontes policiais e judiciais. Ao passo que reforça a importância deste tipo de material de pesquisa, Monsma nos conduz por uma série de fatores que podem condicionar a própria constituição dos acervos documentais e, assim, determinadas escolhas por recortes de fontes, tanto quantitativas como qualitativas, podem influenciar decisivamente nos resultados das pesquisas.

O trabalho de Rita de Cássia Mendes Pereira, “O trabalhador rural nas fontes da justiça do Trabalho (Vitória da Conquista-BA, 1963-1982)”, relata, inicialmente, os esforços do grupo de pesquisadores reunidos no Laboratório de História Social do Trabalho da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (LHIST / UESB), na organização de fontes para o estudo da região à qual pertence a cidade baiana. As atividades de coleta e catalogação do material produzido pela Junta de Conciliação da cidade embasaram a formulação dos problemas apresentados pela autora em relação a utilização dos documentos. O que possibilitou perceber as diferenças quanto à natureza das reivindicações e às estratégias de luta adotadas, pelos trabalhadores que recorreram à Justiça do Trabalho pelo cumprimento da legislação trabalhista e pela ampliação de direitos.

Em “Não só para “inglês ver: justiça, escravidão e abolicionismo em Minas Gerais”, Luiz Gustavo Santos Cota analisa a lei que proibiu o tráfico atlântico de escravos para o Brasil, publicada em 7 de novembro de 1831, e questiona o epíteto atribuído ao dispositivo como algo para “inglês ver”. A partir da pesquisa em processos judiciais, especialmente aqueles produzidos na década de 1880, o autor percebeu que a lei de 1831 serviu de importante instrumento na luta contra a escravidão. Ao observar a mobilização de advogados simpáticos à causa abolicionista e a ação dos mesmos para mobilizar o repertório legal necessário para garantir a liberdade dos cativos, o autor reforça a importância do uso das fontes judiciais para o questionamento de impressões arraigadas na historiografia, e aprofunda os novos desdobramentos de pesquisas que utilizaram este tipo de fontes.

O último texto do dossiê, “A Luta Pela Preservação dos Documentos Judiciais: a trajetória do combate à destruição das fontes a partir da Constituição de 1988”, de Magda Barros Biavaschi e Alisson Droppa, trata de uma longa trajetória da luta pela preservação de documentos que há décadas demonstraram o seu valor histórico e cultural. Os autores detalham a mobilização nas arenas judiciais, legislativas, na imprensa e nas associações de profissionais como magistrados, advogados e historiadores para garantir a permanência de processos judiciais e, em especial, trabalhistas de modo que possam garantir o acesso à informação, à pesquisa, em suma, à cidadania. A defesa do arquivamento integral de nossos arquivos judiciais fica evidente no dossiê.

Certamente, ao deparar-se com as páginas desta edição da revista História Social, o leitor identificará a relevância política e historiográfica dos temas debatidos. No artigo de Zarth, percebe-se que o próprio ato da preservação interferiu diretamente na concepção do objeto, especialmente, em relação à história do “homem esquecido”, tal como também nos é mostrado por Luiz Gustavo Cota. Os caminhos e as dificuldades estabelecidas pelo “viés de seleção” apresentado por Monsma reforçam a necessidade das séries documentais completas. Quanto mais preservado um acervo, ou seja, quanto menor o corte estabelecido para preservação das fontes, mais chances teremos para criar critérios de seleção e análise que resultem conclusões mais sólidas. No caso dos processos judiciais trabalhistas, estudados por Rita de Cássia, observa-se a importância da reflexão e do engajamento de instituições e intelectuais quanto ao uso e à preservação desse material. Nesse sentido, o artigo de Biavaschi e Droppa nos conduz por uma outra história, recente e triste, de uma ampla mobilização pela manutenção destes documentos tão ricos e relevantes para a observação do que nos foi deixado pelo passado e do nosso legado para gerações futuras enquanto grupos organizados transforma História em fumaça. Que este dossiê, “feito de pedra, tijollos, cimento e ferro”, em referencia a fonte utilizada por Zarth, que ajude-nos a salvar o “quanto possível, contra a ação destruidora do fogo, a importante papelada que constitui a garantia da riqueza de todos”.

Samuel Fernando de Souza – Pós-doutorado no CECULT-UNICAMP (2008 – 2012). Professor da Escola DIEESE de Ciências do Trabalho.


SOUZA, Samuel Fernando de. Apresentação. História Social. Campinas, n.21, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Racismo: história e historiografia / História Social / 2010

Introdução: a história social e o racismo

O tema que preside o dossiê desta nova edição da Revista História Social pode parecer corriqueiro para muitos, mas não é. Durante muito tempo, o racismo foi um objeto das ciências sociais e, sob a rubrica das “relações raciais” ou da “questão negra”, diversos estudos sobre o assunto foram realizados pela antropologia e pela sociologia. Os historiadores ficaram relativamente de fora do debate, salvo por algumas incursões na área da história intelectual e das ideias. Talvez o fato possa ser explicado pela intensa politização do tema, geralmente relacionado à necessidade de se responder questões candentes sobre as características da sociedade brasileira ou de relacionar a natureza das relações sociais no Brasil ao desenvolvimento do país. Enquanto os historiadores preocupavam-se mais com o processo de formação dessa sociedade, os estudiosos de outras áreas lidavam com temas candentes e aparentemente mais próximos dos dilemas sociais.

De um modo ou de outro, no entanto, sociólogos e antropólogos recorreram à história para lastrear suas interpretações. Gilberto Freyre, por exemplo, criticou as análises racistas que dominavam a cena política nas décadas iniciais do século XX, mostrando que a “predisposição do português para a miscigenação” e para a “colonização híbrida e escravocrata nos trópicos” havia levado o Brasil a relações raciais menos tensas e a valorizar o mestiço, figura-chave na formação da identidade nacional. Tais ideias, inovadoras nos anos 1930, logo se desdobraram na famosa tese da democracia racial brasileira e fizeram fortuna, lastreando-se sempre numa visão positiva do processo colonizador nessa parte da América. Seus críticos, especialmente aqueles que escreveram na década de 1960, como Florestan Fernandes, deslocaram a avaliação do fenômeno da colonização para as relações de poder inerentes à escravidão: invertendo as conclusões de Freyre, atribuíram à dominação e à exploração escravistas as condicionantes que haviam alijado os negros do mercado de trabalho, impedindo-os de se integrarem à sociedade de classes.

A última posição prevaleceu, e o racismo acabou sendo frequentemente explicado como um “legado da escravidão”: uma herança do passado colonial que sobreviveu por quase todo o século XIX, deixando marcas profundas na sociedade brasileira, como um pecado de origem. Essa visão da história contém pelo menos dois elementos distantes da perspectiva dos artigos que compõem o dossiê “Racismo: história e historiografia”. De um lado, toma a escravidão como um fato único, constituído de características específicas, sem que na sua constituição estejam presentes lutas, tensões e conflitos, sem que haja mudanças em suas características ao longo do tempo. De outro, o próprio racismo perde historicidade: ao se tornar um fato decorrente da escravidão, ganha certa naturalidade, constituindo-se como uma prática a ser denunciada, mas que está sempre remetida a outro tempo – uma incômoda permanência do passado.

Diferentemente, os artigos deste dossiê analisam questões específicas, em busca da compreensão dos embates entre os diversos sujeitos históricos e do modo como eles entendiam as circunstâncias nas quais estavam vivendo. A abordagem, característica da história social, faz com que, para compreensão da história do racismo, seja necessário repensar as relações entre escravidão e liberdade. Três textos ocupam-se desse tema, com contribuições importantes.

Ao abordar a experiência dos libertos ao longo do século XIX, Sidney Chalhoub mostra a dificuldade que senhores de escravos, políticos e autoridades policiais tinham em lidar com a liberdade daqueles que conseguiam a alforria. Se o Brasil possuía maiores taxas de alforria que outras nações escravistas, isso não significou uma distensão nas relações sociais; ao contrário. Na conjuntura da abolição do tráfico atlântico de escravos, o contingente de libertos vivia sob a ameaça da revogação da alforria, da reescravização e da escravização ilegal – práticas que se associavam a diversas restrições dos direitos de cidadania para esses homens e mulheres que haviam conseguido escapar da escravidão. Tais tensões cresceram ainda mais no momento da Abolição e logo depois dela. Walter Fraga e Wlamyra Albuquerque examinam esse período, mostrando como até mesmo as festas em torno da libertação dos escravos estavam repletas de preocupações e disputas a respeito dos destinos dos ex-escravos e como, nesse ambiente de mudanças e incertezas, a ideia de “raça” foi ganhando cada vez mais espaço.

Assim, mais que a escravidão ou a exploração escravista, era a liberdade, durante a vigência da escravidão e depois da abolição, que provocava tensões: as conquistas dos ex-escravos e suas reivindicações colocavam em causa as políticas tradicionais do domínio senhorial. Como se vê, há aqui uma nova maneira de se abordar a história da escravidão. Ao mesmo tempo, e por decorrência, o racismo deixa de ser um conjunto de ideias ou um “fato”, que pode ser linearmente explicado, para enraizar-se no terreno das relações conflituosas entre sujeitos historicamente situados, mudando ao longo do tempo. Deixa, portanto, de ser algo que ocorre depois da escravidão, ou está mecanicamente associado ao processo da abolição, para ser um processo inerente às tensões entre escravidão e liberdade.

O dossiê é composto ainda por três outros artigos, que exploram dimensões das abordagens mais recentes da história do racismo e seus desdobramentos. Petrônio Domingues ataca outro aspecto da “naturalização” do racismo – o que pressupõe que os negros são um grupo homogêneo, naturalmente irmanado, sem dissensos internos. Ao examinar as associações afro-paulistas de Rio Claro que lutavam contra o preconceito e a discriminação num contexto em que as políticas públicas fundavam-se no racismo científico, o texto nos mostra como o enfrentamento do racismo nem sempre se fez de um mesmo modo, com os mesmos objetivos. O texto de Jerry Dávila aborda um tema diametralmente diverso, ao analisar a inflexão do pensamento de Gilberto Freyre, quando foi chamado a se pronunciar sobre o apartheid sul-africano na década de 1950. A análise de um relatório produzido por Freyre e do modo como foi lido e avaliado naquele contexto internacional permite mostrar nuances na formulação das teses que se recusam a reconhecer a existência do racismo no Brasil. Por fim, mas não em último lugar, Robert Slenes atualiza o tema, ao mostrar o quanto a incorporação dos estudos africanistas é capaz de proporcionar uma alteração nos paradigmas tradicionais dos estudos na área das ciências humanas e sociais.

Esses três textos tratam de facetas diversas dos movimentos sociais ligados ao racismo. O exame mais cuidadoso das modalidades de luta contra a discriminação em contextos específicos é tão importante quanto a análise cuidadosa do modo como se desenvolveram as ideias que defendem a existência de uma harmonia racial no Brasil: é só por meio de estudos circunstanciados que conseguiremos entender como pensamentos, valores e projetos ganharam corpo e mobilizaram pessoas ao longo do tempo. É essa disposição de esmiuçar o tema em seus diferentes matizes, à procura dos pilares capazes de fundar diferentes propostas para a conformação das relações sociais no Brasil, que renova o estudo do tema e pode levar, também, a redimensionar o modo como compreendemos o quadro de disciplinas que compõe a área das ciências humanas.

A leitura de todos esses textos mostra o quanto é preciso desnaturalizar o racismo e as noções que muitas vezes têm servido para sua análise. A abordagem da história social, ao levar em conta os interesses em confronto e procurar examinar os sujeitos em seus contextos específicos, indica um novo caminho para o entendimento do tema, e propõe uma nova maneira de conceber a relação entre as várias áreas das ciências humanas. Como se pode ver, um tema instigante, tratado de forma bem pouco corriqueira. Aqui, a história não é um baú no qual se escondem explicações simplistas para as mazelas da sociedade brasileira, mas a matéria mesma que a constitui: por isso, o estudo de um tema como o do racismo é sempre uma atitude política – no passado, e no presente.

Silvia Hunold Lara – Professora Titular, Departamento de História, UNICAMP.


LARA, Silvia Hunold. Introdução. História Social. Campinas, n.19, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Cultura e Política na América Latina / História Social / 2010

O campo da História, no Brasil, vem se beneficiando de um aumento significativo da produção bibliográfica a respeito da América Latina. O crescimento do interesse pela região à qual tradicionalmente o país “dava as costas” deve-se a uma multiplicidade de fatores, entre eles: maior facilidade de acesso a fontes, através da digitalização de acervos documentais; ampliação do mercado editorial, que hoje disponibiliza muito mais títulos estrangeiros; e desenvolvimento de uma política econômica, educacional e cultural cada vez mais voltada aos nossos vizinhos. Este movimento vem sendo ainda reforçado por uma série de iniciativas dos governos da região no sentido de promover a integração latino-americana. Para lembrar apenas alguns empreendimentos nesse domínio, podemos citar o Mercado Comum do Sul (Mercosul), desde 1991; a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), projeto de uma zona de livre comércio continental, estabelecido em 2004, e, mais recentemente, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), criada em 2010, com o intuito de fortalecer a integração continental, política, econômica, social e cultural da região.

No meio acadêmico, essas políticas de integração vêm se refletindo em um incremento na troca de experiências científicas, no fomento de pesquisas envolvendo países da região, na organização de eventos internacionais e na produção acadêmica de trabalhos versando sobre a América Latina. No Brasil, a área de História tem passado por uma ampliação notável, com a expansão dos cursos de pós-graduação por todo o país e a criação de novas áreas de estudo, como História da África ou História da Ásia. O campo de estudos latino-americanos vem ganhando destaque, consolidando-se, ao mesmo tempo, pelo acúmulo de uma produção de várias décadas e pelas novas publicações que ampliaram temas e perspectivas historiográficas.

Nesse sentido, o Dossiê Cultura e Política na América Latina expressa o vigor alcançado pela pesquisa em História da América Latina e oferece uma amostragem bastante interessante dos trabalhos que vem sendo desenvolvidos na atualidade. Revela, sobretudo, grande interesse pela história contemporânea, período que abarca o maior número de textos neste Dossiê. Vale também assinalar a variedade de proveniência dos pesquisadores: Acre, Rio Grande do Sul, São Paulo, Brasília e Chile.

Comecemos essa apresentação pelo artigo que trata o tema mais recuado no tempo. Deise Cristina Schel transporta-nos ao século XVI, analisando as cartas de Lope de Aguirre, um dos protagonistas da Jornada de Omagua e Dorado, realizada em 1560 e 1561 na região do Amazonas. Buscando fugir às interpretações tradicionais que descrevem o conquistador como um traidor, louco ou herege, Schel analisa três cartas redigidas pelo personagem dando sua versão sobre os conflitos surgidos durante a expedição da qual tomou parte. A autora identifica a ambigüidade de Aguirrre, nessa sua “escrita de si”, entre a admissão de sua rebeldia e a reafirmação de sua qualidade de bom servidor da Coroa.

Priscila Pereira, por sua vez, discute um tema clássico da historiografia latino-americana, o das independências, mas sob um novo prisma, pois afasta-se do “centro”, para concentrar seu estudo na província de Salta. Analisa a emergência de novos atores sociais na guerra que agitou a região, entre 1814 e 1821. O artigo discorre sobre as razões que levaram os gauchos e os paisanos saltenhos a entrar em um conflito armado que se prolongou por vários anos. A autora dedica-se, do mesmo modo, a compreender os possíveis significados que o conceito de gauchos, empregado por Martín Miguel de Güemes para nomear os membros das milícias campesinas sob sua liderança, adquiriu na província de Salta, no contexto das guerras de independência rio-platenses.

Ainda no terreno da política, mas num recorte cronológico muito mais próximo, Lucas Gebara Spinelli problematiza o zapatismo no México, refletindo sobre as contradições de sua atuação como movimento social, por um lado, e como organização de luta armada, por outro. Desvela, igualmente, o contexto de repressão militar e paramilitar, de cerco midiático e de criminalização da imagem do Exército Zapatista de Libertação Nacional por parte do Estado. Outro trabalho sobre conflitos sociais no México, já no cruzamento entre política e cultura, é o artigo de Caio Pedrosa da Silva, que analisa a historiografia a respeito da Rebelião Cristera, movimento armado deflagrado na década de 1920 contra a limitação do papel da Igreja católica, prevista pela Constituição de 1917. Nesse texto, há destaque para duas interpretações distintas do movimento: aquela de Jean Meyer, que privilegia a oposição entre o Estado e os camponeses católicos e aquela de David G. Ramirez, que publicou, em 1930, sob o pseudônimo de Gorge Gram a obra Héctor, na qual a dicotomia mais importante situa-se no campo dos católicos, entre aqueles que recorrem à luta armada e aqueles que preferiram buscar uma negociação com o Estado.

Articulando também história política e cultura, Germán Albuquerque discute como o conceito de Terceiro Mundo, criado pelo demógrafo Alfred Sauvy, em 1952, para designar os países coloniais ou recém-emancipados, generalizou-se, tornando-se uma expressão complexa, com vertentes econômicas, políticas, geopolíticas e culturais. Na vertente cultural, como aponta o autor, a matriz a partir da qual os intelectuais nutriram relações e debates foi a noção segundo a qual os homens de letras tinham um papel político importante a desempenhar nas sociedades terceiromundistas, como porta-vozes e consciência crítica dos excluídos. O artigo aborda as críticas que foram surgindo, no mesmo seio dessa intelectualidade, a um conceito considerado ambíguo e confuso, por agrupar dentro de uma mesma categoria países com realidades sociais e políticas extremamente distintas. Continuando no terreno do cruzamento entre os intelectuais latino-americanos e a esfera política, Felipe de Paulo Góis Vieira discorre sobre a obra Doze contos peregrinos, de Gabriel García Márquez, procurando compreender os discursos identitários presentes nos contos do escritor colombiano. O artigo estabelece uma relação entre o período histórico no qual García Márquez redigiu os contos, no final dos anos 1970, e a construção, em sua obra, de uma identidade latino-americana ancorada nas noções de exílio, ditadura, violência e solidão.

Silvia Sônia Simões também trabalha com os estreitos laços que unem cultura e política, ao evocar o movimento artístico que ficou conhecido como a Nova Canção Chilena. Em seu artigo explica que esse movimento caracterizou-se pelo engajamento político e pela denúncia social, mas também por uma nova leitura da música tradicional chilena, atualizando e renovando o folclore do Chile e dos países vizinhos, além de promover a fusão de gêneros eruditos e populares. Uma canção que empregava vários instrumentos musicais, recolhidos nas províncias mais distantes do país, num esforço em produzir uma arte profundamente chilena, latino-americana, que tocasse nos problemas sociais vividos pelo povo no campo e na cidade.

Encerrando o Dossiê, dois dos artigos discutem o tema da política externa brasileira em relação aos vizinhos latino-americanos durante a ditadura militar. Ananda Simões Fernandes mostra como o governo militar brasileiro procurou evitar supostas ameaças de esquerda oriundas da Bolívia, do Uruguai e do Chile, por intermédio de um apoio efetivo aos golpes militares de direita nesses países. Observa, ainda, que essa intervenção tinha por objetivo a consagração do Brasil como uma potência na região. Vicente Gil da Silva aborda o mesmo tema, mas sob um prisma um pouco distinto, pois parte da documentação do Departamento de Estado dos EUA e da embaixada estadunidense no Brasil. A ênfase, portanto, recai no alinhamento do Brasil com os Estados Unidos, materializado na contenção do comunismo e na promoção de golpes de Estado na região, por intermédio de uma atuação política calcada na vigilância e transmissão de informações, no intercâmbio entre os agentes de inteligência e na interferência direta na política dos países vizinhos.

Como se pode observar, vários dos textos aqui presentes parecem dialogar entre si, citando os mesmos eventos-chave – Revolução Cubana (1959), I Encontro da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) em Cuba (1967), guerra do Vietnã (1959-1975) – que marcaram toda uma geração de latino-americanos, bem como um conjunto de temáticas – terceiromundismo, antiimperialismo, identidade latino-americana, ditaduras militares – que estiveram no centro dos debates políticos e culturais da América Latina nas últimas décadas.

Por fim, demonstrando o vivo interesse que as problemáticas mais contemporâneas vêm despertando, completam esse número da Revista História Social um artigo e uma resenha. O artigo de Taís Sandrim Julião aproxima-se dos últimos dois textos do Dossiê aqui apresentados ao tratar da política externa brasileira durante a ditadura militar brasileira. Entretanto, diferentemente desses trabalhos, que enfocam o governo do general Garrastazu Medici, contempla o período logo posterior, o do governo do militar Ernesto Geisel, e centra-se preferencialmente na atuação do Brasil junto à ONU. Nesse trabalho, o foco situa-se no conceito de “Pragmatismo Ecumênico Responsável” como mote da política externa brasileira voltada aos interesses do projeto de desenvolvimento nacional. Segundo a autora, no governo Geisel o Brasil conduziu uma política externa de diversificação das parcerias, mostrando pragmatismo na atuação política e econômica e certa independência em relação aos antagonismos ideológicos que regiam a Guerra Fria.

A resenha que fecha o volume, de Felipe de Paula Góis Vieira, dá um toque de século XXI a esse Dossiê de Política e Cultura na América Latina, com um comentário sobre a obra do antropólogo Néstor García Canclini, Latino-americanos à procura de um lugar neste século. A escolha é bastante apropriada para finalizar as discussões levantadas por vários dos artigos, menos no sentido de dar coerência e organicidade a esse conjunto de pesquisas, do que para abrir para novas perspectivas, indagando o que significa a latino-americanidade dentro de uma conjuntura pós-moderna marcada pelas migrações maciças, pelas comunidades transnacionais, pela cultura globalizada e pela fragmentação. Não há respostas prontas. Há que seguir caminando e reinventando.

Mariana Joffily – Universidade Federal de Santa Catarina.

JOFFILY, Mariana. Apresentação. História Social. Campinas, n.18, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Revoluções no Século XX / História Social / 2009

A permanente “Era das Revoluções”

(..) Deve-se aderir ou não? Esta questão não

se punha para mim, nem para os outros (…)

Era a MINHA revolução…(…)

(Vladímir Maiakóvski – Autobiografia)

O breve século XX, sintetizado por Eric Hobsbawm em A era dos extremos, na verdade não foi tão breve. Talvez fosse tão apropriado, a partir das divisões feitas pelo grande historiador britânico, nascido na Alexandria no mesmo ano da Revolução Soviética, compreender também o século XX como A era das revoluções. Mas este alargamento pode ser apropriado para tantos outros séculos passados. Para nós, que utopicamente lutamos contra todas as distopias, o século XXI é o nosso momento da Revolução.

Se o século XVIII foi marcado pela revolução burguesa clássica, no caso francês, bem como pela revolução anticolonial, o exemplo das treze colônias norte-americanas, esgotamento do feudalismo e ante-sala da consolidação capitalista, o século XX foi o da encruzilhada entre o capitalismo e o socialismo.

Certamente 1917 significou um alfa-ômega de esperança pelo fim da exploração humana. Era o divisor de águas ensaiado na Comuna de Paris e teorizado no Manifesto de Karl Marx e Friedrich Engels, a pedido da Liga dos Comunistas. Seguiu-se a ela, em 1949, a Revolução Chinesa, em 1959, a Revolução Cubana, em 1979, a Revolução Sandinista e tantas outras que não chegaram a se consolidar.

Já disse em outro artigo (Anticomunismo, Revolução Russa, Guevara e Guerra Fria) que um dos maiores discursos inventados do Século 20 é o de que a chamada “Guerra Fria” iniciou após o final da 2ª Guerra Mundial. Seu significado traduz o que muitos têm reproduzido até os dias atuais, ou seja, a de que uma espécie de guerra suja acontecia entre os Estados Unidos e a União Soviética em torno da partilha do mundo pós-1945. Raramente a “Guerra Fria” aparece como a síntese ideológica da luta de classes do capital contra o trabalho, expressão pós-consolidação da União Soviética.

Na verdade, o que a visão conservadora e despolitizada, traduzida como “Guerra Fria” sempre escondeu foi uma estratégia sutil de anticomunismo presente desde o Século 19, após o surgimento do marxismo, aprofundada depois da Comuna de Paris e absolutizada com a vitória da Revolução Soviética. A burguesia mundial nunca pôde e não pode tolerar o proletariado e os trabalhadores no poder.

A direita liberal e conservadora, desde então, não mede esforços para desqualificar, atacar e fazer a luta contra a tradição marxista. Após o fim da União Soviética, em 1991, então, diferentemente do que se apregoa ela se aprofundou.

Todos os símbolos e as conquistas do socialismo no século XX continuam a ser negados ou ignorados. As derrotas conjunturais das primeiras experiências socialistas foram superlativizadas e seus erros transformados em aporte para a condenação de uma sociedade para além do capital.

Logo após a Revolução de Outubro, ainda em 1917, as grandes agências de notícias divulgavam comunicados uníssonos para o mundo sobre “o que se passava na Rússia Soviética”. No Brasil, a imprensa liberal divulgava ou abordava-os no mesmo tom em seus editoriais, baseados em falsidades e mentiras.

Nelas, as barricadas de Viborg, o bairro proletário de Petrogrado, as greves e as manifestações de rua, bem como a do Dia Internacional da Mulher, não inauguravam a Revolução de Fevereiro e a derrubada de Nicolau II. Na versão das agencias internacionais, o czar abdicava do trono em nome de seu irmão Miguel ou de seu filho Aléxis. Estrategicamente, tirava-se o papel político da luta de classes naquele processo, apagava-se da História a aliança de operários e soldados, eliminava-se a liderança dos bolcheviques.

Em várias notícias que visavam cizânia e descrédito sobre o que acontecia na Rússia, o escritor Máximo Gorki era apresentado como o verdadeiro líder do movimento e inimigo de Lênin. Este era colocado como um agente e espião do imperialismo alemão (após 1920 passou a ser chamado de ditador russo), enquanto que os bolcheviques estavam a serviço da Alemanha beligerante. Ao mesmo tempo, ao menos enquanto durou a guerra civil e o cerco dos exércitos brancos ao poder soviético, a derrota dos bolcheviques, ao menos na grande imprensa, era iminente a cada dia. Enquanto a Rússia era qualificada como o reino do terror e da anarquia, pois o Conselho dos Operários e Soldados, os sovietes, uma “ideia diabólica” de Lênin, destruía a disciplina e desorganizava a sociedade; as medidas socialistas, as reformas do novo governo proletário e as conquistas como a reforma agrária e a redistribuição de terras, o trabalho de oito horas, a paz na guerra e as vitórias contra o cerco das potências imperialistas, etc., eram desqualificadas ou identificadas como um ataque à família e à propriedade privada.

No Brasil, os apoiadores locais eram os mais visados do discurso de direita. Os anarquistas e os maximalistas, simpáticos ao que acontecia na Rússia, eram denunciados como agentes estrangeiros que queriam fazer do país uma Rússia bolchevista. O perigo vermelho ganhava espaço no imaginário conservador. Após 1917, os reflexos da crise econômico-social da I Guerra nas grandes greves não eram considerados e os impactos positivos da Revolução Soviética no movimento operário brasileiro eram vistos como “uma ameaça à civilização”, dirigida “por uma das mais terríveis associações revolucionárias de Moscou”. O caráter de classe e burguês do contra-ataque à Rússia Soviética era evidente, identificando a libertação do proletariado do jugo czarista e burguês, desde o primeiro momento, como uma das “maiores tragédias da história”. As lideranças locais, os anarquistas e socialistas e, sobretudo, os comunistas no pós-1922, eram identificados como “maus elementos” ou “extremistas”.

Mesmo com o papel fundamental da União Soviética na derrota do nazi-fascismo juntamente com os aliados, o anticomunismo não deu tréguas. Aliás, aumentou. Entre o final da Segunda Guerra Mundial e o fim da União Soviética, registrado pela historiografia oficial como período da “Guerra Fria”, nunca o comunismo teve um combate tão intenso, um aprofundamento das práticas anteriores a 1945.

Com a expansão das experiências socialistas para além da URSS, sob a direção dos Estados Unidos e seu instrumento primordial, a CIA, o combate ao comunismo foi aprofundado no Ocidente e em nosso País. Mais ainda após a Revolução Chinesa, em 1949 e, especialmente, com a Revolução Cubana, em 1959. Aí sim, a ameaça vermelha passou a ser um concreto problema continental.

A preparação do Golpe de 1964, através do IPES e do IBAD, através de intensa propaganda político-ideológica reafirmou o perigo comunista e o caminho da “comunização” do Brasil pelo governo João Goulart. A consolidação da Ditadura Civil-Militar e a escalada de violência do terrorismo de Estado contra todas as correntes de esquerda do País, só fizeram aprofundar esta característica anticomunista, mesmo que 1964 tenha se qualificado como uma “Revolução” pelos seus vencedores.

O período de lutas políticas e ideológicas intensas durante a Queda do Muro de Berlim, em 1989, a derrocada do socialismo no Leste Europeu e o fim da União Soviética, em 1991, foi outro momento de intensidade político-ideológica. Até com o anúncio apressado do fim da História, quando o neoliberalismo chega ao seu auge, enquanto que a reflexão relativista ganhou força na academia e na mídia. Depois disso, nada de conteúdo parecer ter mudado, especialmente depois da Revolução Bolivariana na Venezuela e as vitórias, mesmo que no plano institucional, do boliviano Evo Morales, do equatoriano Rafael Corrêa e do nicaraguense Daniel Ortega, entre outros.

Para muitos de nós historiadores que vivemos e praticamos a ideia de Revolução nos últimos tempos, a escolha do Dossiê Revoluções do Século XX é extremamente simbólica. 2009 foi um ano de efemérides, várias delas relacionada à questão da revolução. A decisão da História Social pela temática é um marco da própria Revista dos Pós-Graduandos da UNICAMP. 2009 iniciou com o debate sobre os 50 Anos da Revolução Cubana, em um contexto de graves reflexos da crise do capitalismo iniciada no ano anterior.

2009 também foi o ano da rememoração dos 20 anos da Queda do Muro de Berlim, dos 30 anos da Revolução Sandinista na Nicarágua, dos 60 Anos da Revolução Chinesa e dos 70 Anos do fim da Guerra Civil Espanhola.

Pois partes destes momentos foram pensadas na presente edição da História Social, demonstrando que a academia, assim como a vida, ainda se importa com o tema da Revolução.

Um evento “reputado pela historiografia oitocentista como sendo uma anomalia social e manifestação da barbárie habilmente abortada pelas autoridades régias” é apresentado no artigo “Combates pela História da Conjuração Baiana de 1798: ideias de crise e revolução no século XX”, de Patrícia Valim. O tema é tratado perante convocação da população de Salvador que foi instigada “pelos pasquins sediciosos, afixados em locais públicos da cidade, para uma “revolução” que instituiria o que os partícipes do evento qualificaram de “República Bahinense”. Para Valim, a historiografia brasileira oscilou, tratando a Conjuração como evento regional e nacional, qualificada por alguns no debate político-ideológico em torno da revolução brasileira, como Affonso Ruy, como a “Primeira Revolução Social Brasileira”. Por isso, a compreensão sobre as revoltas coloniais em uma perspectiva mais ampla, tradição tão cara a parte da historiografia brasileira, tem neste ensaio uma contribuição atualizada ao debate, incluindo o Brasil e seus movimentos sócio-políticos com projetos de Revolução para os séculos XX e XXI, herdeiros das lutas sociais de séculos anteriores.

A reação conservadora que se deu com a Queda do Muro de Berlim, reforçou o esquecimento sobre o processo histórico da Alemanha pós-I Guerra. Porém, não foi o que fez George Araújo em “Uma revolução que não deve ser esquecida: Alemanha, 1918-1923”. Seu artigo, com variada análise historiográfica, demonstra que não esteve tão longe a previsão de Karl Marx sobre o início da vaga revolucionária contra o capital em países da linha de frente imperialista e que “apesar de derrotada, a Revolução Alemã figura como um dos momentos mais importantes do movimento proletário internacional”. Assim, mesmo que fracassadas as tentativas “de grupos de esquerda de tomar o poder e promover uma revolução socialista”, o autor afirma que aquele momento tem importância histórica para se entender a crise capitalista atual, pois naquela época “muitos enxergavam a época em que viviam como uma oportunidade de se repensar as estruturas socioeconômicas às quais estavam submetidos”, situação mantida na atualidade. Para Araújo, “o desenlace da Revolução Alemã seria, em certa medida, determinante para as histórias europeia e mundial”, na esteira da Revolução bolchevique. Afinal, a Alemanha da década de 1920 e suas contradições sociais e econômicas, entre o primeiro conflito mundial e a ascensão do nazismo, foi entrecortada pela República de Weimar, quando a Alemanha este efetivamente às portas da revolução. Sua derrota, por outro lado, foi outro momento histórico para a III Internacional Comunista, afinal, naquele momento, a defesa do socialismo na União Soviética passou a preponderar sobre a ideia de revolução mundial.

A Espanha revolucionária, no “ensaio” da Segunda Guerra Mundial, entre 1936 e 1939, foi o objeto do artigo “O discurso anticomunista católico e as imagens da guerra civil na Espanha: ordem x desordem”, quando aborda o periódico católico O Santuário. Para Marco Antônio Pereira, citando Pierre Vilar, o conflito representava para os conservadores fascistas um “complô bolchevique-judeu-maçônico” tendo atrás “os inimigos de Deus organizando a Revolução”, assim como para os republicanos, os socialistas, os anarquistas e os comunistas, vencer “o exército abria caminho para uma revolução”. Assim, à direita e à esquerda o tema da revolução estava presente no conflito que levou brigadistas de todo o mundo para defender a Espanha republicana, bem como movimentou o eixo nazi-fascista, sobretudo com o apoio da Alemanha hitlerista e da Itália de Mussolini ao projeto político liderado por Francisco Franco.

Pesquisando o processo revolucionário da China e seus três momentos, o artigo “Chen Bilan” de Bárbara Funes nos mostra a classe operária chinesa em luta, em 1925, apresentando parte da história desta mulher da Oposição de Esquerda e sua luta contra a opressão milenar das chinesas. Nesse sentido, aparecem como pano de fundo a independência nacional chinesa e a revolução agrária, desde a Revolução de 1911, bem como o movimento de emancipação das mulheres que se combinava com os ideais socialistas influenciados pela Revolução Russa, resultando na criação do Partido Comunista Chinês, em 1920. Por fim, o artigo avança para a dissidência internacional em torno da continuidade da Revolução Russa. Contrapõe os apoiadores de Stalin e de Trotsky em perspectivas diferenciadas de revolução, abordando as influências soviéticas sobre a China, num primeiro momento, bem como a via chinesa para o socialismo e a oposição a ela pelos trotskistas, na ação da militante Chen Bilan.

Também pesquisando o processo revolucionário da chinês, Cristiane Santana, em “Notas sobre a História da Revolução Cultural Chinesa (1966- 1976)”, nos trás o tema da Revolução Chinesa e seu desdobramento na enigmática conjuntura daquele país entre as décadas de 1960 e 70. Para a autora, no contexto do cisma sino-soviético surgiu a elaboração maoísta que refletia os caminhos que a Revolução na China seguiria em um momento de crescente burocratização do Partido Comunista Chinês. Assim, a “revolução tinha como objetivo identificar e destituir os elementos que seguiam a ‘linha capitalista’ e aqueles que difundissem a ideologia burguesa na academia e na cultura”. Aquela fase da Revolução Chinesa, assim como a Guerra Popular influenciou o PCdoB e a luta contra a Ditadura Pós-1964, através da Guerrilha do Araguaia, incentivaria correntes de esquerda e a ideia de Revolução no Brasil. Como em outros lugares do mundo, estudantes e trabalhadores se organizaram na Ação Popular, no Partido Comunista do Brasil (Ala Vermelha) e no Partido Comunista Revolucionário, visando “efetuar o cerco das cidades a partir dos campos”. Todo esse quadro é bem composto por Santana, demonstrando os limites das concepções e as contradições de classe que permeavam este momento da Revolução Chinesa.

Bruno Durães e Iacy Mata estudam vários elementos históricos da luta cubana contra o domínio espanhol, bem como a questão dos afro-cubanos naquele país do Caribe, assim como as saídas do governo para enfrentar o pós-89, no chamado “Período Especial”. O artigo “Cuba, os afro-cubanos e a revolução: passado e presente” traz para a análise o passado e o presente da Ilha que desafiou o marco do imperialismo mundial no século XX, os EUA, rompendo com o etapismo proposto pelo marxismo da III Internacional para os países da América Latina e Caribe. Mas não deixou de apresentar contradições em sua via para o socialismo, como a complexa permanência das desigualdades raciais, sobrepostas aos problemas sociais, problemas desafiadores para a continuidade da Revolução iniciada em 1959.

A Nicarágua é pauta de dois artigos. No primeiro deles, “Sob o signo do imperialismo “yankee”: aspectos da repercussão da intervenção norte-americana na Nicarágua na imprensa brasileira (1926-1927)”, Rafhael Sebrian estuda quatro periódicos brasileiros, Correio da Manhã, O Estado de São Paulo, Folha da Manhã e Folha da Noite, procurando entender debate acerca da contradição do imperialismo e do pan-americanismo. Sebrian mostra a resistência armada liderada por Augusto Sandino, a fim de combater as tropas de intervenção norte-americana que, como diz o autor, citando um dos jornais, “ao primeiro sinal de ‘revolução’, envia-se um cruzador de guerra para ‘proteger os interesses americanos’”. O autor conclui pela majoritária e extemporânea condenação dos órgãos de imprensa estudados á ocupação norte-americana na Nicarágua da década de 1920. Para os EUA, sua histórica ação intervencionista não foi diferente diante da Revolução Cubana, no apoio aos Contras em 1979, assim como na atualidade, na movimentação da sua Quarta Frota. Entender o processo revolucionário do século XX deixando de lado o papel intervencionista dos Estados unidos é ver a História pela metade.

Cinquenta anos depois, a Revolução Sandinista na Nicarágua voltou a produzir debates entre “os intelectuais latino-americanos em relação às possibilidades da esquerda armada conquistar o poder e estabelecer um sistema político democrático”. No segundo artigo sobre a Nicarágua, “Octavio Paz, mídia e Revolução Sandinista”, de Priscila Dorella, é investigada a posição do poeta e ensaísta Octavio Paz, em torno da Revolução de 1979. Indica a importância do debate revolucionário no país que teve na sua História a Revolução Mexicana e tem a Revolução de Chiapas como fonte inspiradora de outros movimentos na América Latina. A autora procura buscar no pensador mexicano um dos dilemas do século XX, a contraposição / relação entre a democracia, a justiça e a igualdade social nos projetos revolucionários. A defesa dos valores democráticos na América Latina “o fez um escritor dissonante em relação ao contexto latino-americano de Guerra Fria, em que os intelectuais se aproximavam, em grande medida, das concepções de esquerda (trotskistas, maoístas, leninistas etc)”, afirma Dorella, citando Castañeda. O artigo mostra o contraponto liberaldemocrático de Octávio Paz às perspectivas marxistas e revolucionárias que estiveram presentes na esquerda mundial e latino-americana, evidenciando sua crítica e impertinente comparação da Nicarágua com Cuba, deixando em segundo plano a participação do Governo Ronald Reagan no apoio direito e indireto aos Contras. A autora aponta bem este contraponto, sem de deixar dominar pela posição conservadora de Paz, ao afirmar que a “Revolução Sandinista teve, inicialmente, um caráter pluralista reunindo marxistas, social-democratas, democratas cristãos e conservadores pró-empresariais”.

O artigo “FARC-EP: o mais longo processo de luta revolucionária da América Latina”, de Diego Ceará, apresenta o processo histórico de formação e desenvolvimento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular e seus 45 anos de luta do movimento guerrilheiro em busca do poder. A Colômbia das FARC é o objeto deste corajoso ensaio que apresenta a guerrilha colombiana e “suas raízes na guerra civil que dilacerou o país a partir do final dos anos 1940”. Para o autor, o movimento revolucionário na Colômbia foi produzido na Guerra Fria que, no contexto de enfrentamento entre socialistas e capitalistas e da Revolução Cubana (1959), inspirando o surgimento das FARC-EP e a defesa da “revolução patriótica, popular e antiimperialista para a construção da “Nova Colômbia”. Posteriormente, citando Leongómez, Ceará, afirma que a Revolução Nicaraguense (1979) “revitalizou o mito da ação guerrilheira como instrumento de conquista do poder na América Latina” e na Colômbia, razão direta para a ofensiva militarista dos EUA, fortalecida com os governos de George W. Bush e Álvaro Uribe que passam “desqualificar politicamente o movimento insurgente”, quando “os guerrilheiros passaram a ser chamados de ‘narcoguerrilha’”.

Por fim, dois artigos especulam sobre a perspectiva de revolução e / ou transformação social para o futuro, a grande utopia do século XX. No primeiro deles, “Ainda existe a possibilidade de uma ruptura progressista?”, de Gilberto Maringoni procura recolocar o debate sobre uma estratégia socialista tendo como centro dessa disputa o Brasil atual e a contraposição entre a ortodoxia liberal e os desenvolvimentistas. Assim, ao lado destes, os socialistas e revolucionários, “pautados na luta de classes e tendo como núcleo fundamental a classe operária, os trabalhadores, os setores pobres da cidade e do campo e parcelas da pequena burguesia”, buscando outras frações de classe, devem se inserir “na real disputa de forças na sociedade”. Como tática e estratégia devem “estabelecer metas de curto, médio e longo prazo, examinar quem são aliados e inimigos e traçar um programa mínimo e um programa máximo de ação”. A partir de Caio Prado Júnior (revolução como reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas que, concentradas em período histórico relativamente curto, dão em transformações estruturais da sociedade), Maringoni afirma que, após a ofensiva neoliberal, revolução e socialismo, banidos da agenda política por vários anos, voltam à ordem do dia. Em relação ao Brasil, o rompimento deve se dar com o rompimento das amarras financeiro-especulativas desta fase do capitalismo”, sendo que o desenvolvimento deve entrar na agenda de luta, a qual “passa por uma ruptura revolucionária, pressupõe a supremacia da política, com sociedade organizada, instituições democráticas e Estado forte”, além da “mobilização organizada, principalmente em partidos, por parte da população”.

O neoliberalismo, “ao destruir as instituições intermediadoras dos conflitos sociais, prepara uma nova vaga de lutas muito violentas”. Esta é a tese provocadora apresentada em “Epílogo e prefácio (um testemunho presencial)” de João Bernardo, o qual compara a década de 1960 com a atualidade. No texto, Bernardo argumenta que a luta contra o capitalismo não tem sido mais dos operários qualificados, mas de trabalhadores precários. Muito menos de estudantes letrados, mas de analfabetos funcionais, de jovens dos subúrbios “enquadrados por mais ninguém senão por eles próprios e capazes do furor destrutivo necessário para abalar as instituições em que vivem”. Apostando no “confronto generalizado” bem como na crítica ácida e autonomista aos sindicatos e partidos, Bernardo se junta a todos nós que pensamos sobre “os sonhos e os objectivos que não foram realizados” que nos foram tirados, realizamos as catarses que, como afirma o autor, “hoje restituíram-nos a utopia”.

Esta edição de História Social também nos brinda com ótimos artigos em sua secção livre. Kátia Michelan, que aborda os “Cronistas medievais: ajuntadores de histórias”, mostrando “como se davam as escolhas de textos para compor as crônicas” e “como se desenvolveu o processo de acesso à leitura”, buscando também refletir sobre os “tipos de textos eram comumente lidos” naquele período histórico. No artigo, mesmo que estude os cronistas (reprodutores do que encontram em outros livros), a questão da revolução não é deixada de lado. Pelo contrário, citando Elizabeth Eisenstein, a autora chama as transformações decorrentes da invenção técnica da imprensa como “revolução cultural”, mesmo que relativize com Roger Chartier, para quem a invenção de Gutemberg não resultou necessariamente na “criação de um grande conjunto de leitores”, pois, embora ela seja de “fundamental importância, não é a única técnica capaz de assegurar a disseminação em grande escala de textos impressos”, vistas pelo historiador francês, também, como “revoluções da leitura no Ocidente”.

As Minas Gerais colonial são apresentadas no artigo de Marco Antonio Silveira. Em “Narrativas de contestação: os Capítulos do crioulo José Inácio Marçal Coutinho (Minas Gerais, 1755-1765)”, são indicadas as “formas de organização política por parte dos libertos da Capitania de Minas Gerais”, articulando uma narrativa histórica dos mesmos que busca “ratificar seu papel na constituição local da Res publica”, centrada numa “contestação frente à falta do reconhecimento merecido por parte dos brancos e das autoridades”. Na linha argumentativa do autor, pode-se depreender que as questões étnicas e de classe contornam as experiências históricas no tão longe e tão perto século XVIII, tendo sido marca das revoluções ou tentativas de formação histórica brasileira.

Eloisa Dezen-Kempter, em “Uma nova revolução urbana: reinterpretando territórios no final do século 20” procura entender a passagem do modelo capitalista industrial para o terciário avançado, o qual deixou cidades com vazios urbanos e áreas de produção obsoletas. A autora argumenta que “a reestruturação produtiva e a recessão econômica ao final dos anos 1970”, provocou “uma crise urbana sem precedentes”, construindo a “adoção de programas de reconversão de áreas portuárias e industriais abandonadas ou degradadas”. Este contexto gerou “a necessidade de proteção da história e memória destes espaços”, catalisando “a renovação e revitalização destas paisagens industriais”. O artigo de Eloisa trata de uma “revolução silenciosa” no interior do modo de produção. Alerta ser “fundamental investir numa perspectiva de análise e intervenção mais aprofundada das diversas questões relacionadas com o patrimônio industrial, de modo a ser possível conhecer melhor a sua complexidade, as relações entre preservação e reabilitação urbana, imagem e identidade, manutenção e projeto, conservação e mudança”.

Por fim, para quem herda um pouco da formação do Programa de Pós-Graduação em História da UNICAMP, apresentar este Dossiê é um retorno a casa que pariu parte da minha formação acadêmica. Também é uma volta a História Social e uma zapeada nas revoluções do século XX, herdeiras das lutas anteriores e faróis das mudanças que vivenciamos e acompanharemos no século XXI. Viva a Revolução!!!!!

Diorge Alceno Konrad – Universidade Federal de Santa Maria.

KONRAD, Diorge Alceno. Apresentação. História Social. Campinas, n.17, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Poder e Repressão / História Social / 2009

É atribuída ao chanceler Bismarck a conhecida declaração a respeito das leis e salsichas e da inconveniência de que o povo venha a saber como são feitas. O chanceler poderia ter acrescentado à sua comparação as instituições, cujos “ingredientes” e processos de fabricação são tão obscuros quanto os que resultam nas salsichas e cuja história é igualmente desaconselhável não apenas ao povo – que deveria respeitar e se submeter àquelas – como aos seus próprios componentes, que deveriam preferencialmente acreditar na missão e significado da causa que abraçam, coisa que freqüentemente fazem; não é por outra razão que devemos sempre desconfiar da história das instituições contada pelos nativos. E não é também por outra razão que cabe aos historiadores e aos demais cientistas sociais sabotar toda tentativa acobertadora dos discursos oficiais produzidos sobre as instituições – seja para acalmar os povos ou emular seus representantes – desvendando os processos históricos, as contingências ambientais e os desafios que agem como o fiat da montagem das instituições e respondem pelos enviesamentos determinantes produzidos na sua forma e no seu conteúdo.

E quanto a isso, ainda há muito que fazer. Comparada a outras historiografias, a história das instituições ainda é entre nós pouco freqüentada, em que pese o auspicioso crescimento de trabalhos na área, notadamente os voltados para objetos escamosos, destituídos de charme e até mesmo suspeitos, como a polícia e a justiça (estou certo que todos os que andam por essas áreas sabem o que estou dizendo e que já experimentaram o olhar de estranhamento dos ouvintes quando revelam seu tema de pesquisa).

E basta entrar numa sala de aula disposto a tratar do tema para se dar conta do quanto ainda pesa entre nós o cacoete de ver nas instituições um objeto menor, produto e instrumento da dominação, destituído de ‘gênero próprio’ e cujo estudo seria ocioso uma vez que revelaria o que já se sabe a partir do que já é supostamente sabido sobre a dominação e seus instrumentos.

No entanto, se os investigadores da área, como apontam Marcos Bretas e Francisco Linhares em textos que compõe esse dossiê, já ultrapassamos a fase de ver na polícia – e eu acrescentaria no sistema dejustiça como um todo – um mero instrumento dos grupos dominantes, sem complexidades próprias no que diz respeito à dinâmica que faz com que toda instituição se transforme em algo que é ao mesmo tempo menos e mais do que foi tencionado pelos que a propuseram e implementaram. Certamente esse número da História social: revista dos pós-graduandos em História da Unicamp é uma prova disso.

Os trabalhos dos autores acima citados, que se ocupam da análise de tentativas de proposição de um modelo de e um discurso sobre a polícia, ambas ocorridas na República Velha, são exemplares do modo como nos chamam a atenção para a necessidade de nos determos nos meandros do processo, em seus distintos momentos e em função de conjunturas diferentes, de formação da identidade profissional e corporativa, da construção de uma imagem institucional e, sobretudo, da distância entre discursos e intenções reformadoras e as condições sociais reais nas quais as instituições e as escolhas se tornam possíveis. É esse também o foco da análise de Thaís Battibugli ao apontar as complexas relações entre as instituições policiais e as disputas políticas em São Paulo no período democrático que se segue ao fim do estado novo, tomando a cultura institucional como uma variável chave no entendimento das ações e interesses num cenário de competição corporativa. Rogério Giampietro Bonfá nos mostra como o conceito de soberania nacional foi utilizado para legitimar a ação do estado na expulsão de estrangeiros e como essa construção foi conseqüência da submissão dos demais poderes ao poder executivo durante a República Velha.

Seja analisando a atuação da polícia na repressão aos africanos na Bahia pós-levante Malê, ou na repressão aos suspeitos de participação na Revolução Praieira em Pernambuco, como fazem respectivamente Luciana da Cruz Brito e Wellington Barbosa; seja ainda enfocando a formação e atuação da polícia secreta na repressão aos anarquistas em São Paulo no início da República, como o faz Claudia Baeta, os três autores apontam em seus trabalhos duas mesmas questões que me parecem centrais, e por isso mesmo não se trata de uma coincidência, mas um indicativo de por onde andam nossas percepções: o entendimento de que a ação das instituições – a polícia no caso – não é monolítica e que elas são atravessadas por pressões e contradições que produzem respostas distintas e abrem espaços de questionamento que – essa a outra questão – são percebidos e utilizados pelos diferentes atores envolvidos no conflito e na disputa dentro das instituições, campo de lutas e de possibilidades.

Entender processos específicos de conformação e atuação das instituições voltadas para o controle social continua a ser um desafio para a nossa historiografia. Desafio que os artigos que compõe esse dossiê enfrentam por diferentes ângulos e através de diversas perspectivas, todas elas apontando questões e problemas de análise instigantes e que, certamente, representam uma importante contribuição a uma história social das nossas instituições, sobretudo por apontar caminhos e possibilidades de análises de diferentes materiais empíricos. E lembremos que achar e indicar caminhos é a primeira condição para percorrê-los e encorajar outros a fazê-lo.

Por essa razão, sinto-me especialmente honrado em apresentar esse dossiê e espero que a dupla satisfação que obtive na leitura dos textos que o integram, tanto por suas qualidades quanto pelo que representam no avanço de uma área de pesquisa à qual tenho tentado somar minha contribuição, seja a mesma que os leitores venham a experimentar. E que tirem bom proveito!

Ivan de A. Vellasco – Professor Doutor. Universidade Federal de São João Del Rei.


VELLASCO, Ivan de Andrade. Apresentação. História Social. Campinas, n.16, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Mundos do trabalho / História Social / 2008

Os artigos que compõem este número da revista atestam a vitalidade da História Social do Trabalho. Passado o impacto dos estudos produzidos entre o final dos anos 1970 e meados da década de 1980, esta área de conhecimento atravessou períodos difíceis e de incerteza. Mudanças profundas do capitalismo – tanto no que concerne à introdução de novas tecnologias nas fábricas e novos modelos de gestão empresarial, quanto ao “consenso neoliberal”, articulado ao acelerado processo de mundialização da economia e reforçado pela derrocada dos assim chamados países socialistas – levaram a declarações sobre o fim da sociedade industrial do trabalho, ao menos como esta foi concebida e conhecida segundo os padrões tayloristas e fordistas de organização do trabalho.

Os pesquisadores da História do Trabalho, confrontados com os desafios colocados por este quadro, tinham que se defrontar também com a “concorrência” de novos temas, objetos e abordagens de pesquisa, que faziam estremecer os bem acomodados alicerces de investigações tributárias de uma longa tradição de estudos marxistas de variados matizes. O ambiente instável oscilou entre o desânimo e a perplexidade. Houve os que resolveram mudar de assunto, enquanto outros agarravam-se fortemente ao que restava do vendaval ou debatiam(-se) na defensiva. Outros ainda apostaram numa solução de compromisso: bastaria juntar aos melhores ingredientes da história social os novos condimentos da história cultural, e a receita estava pronta. Resultado do valor nutritivo do prato à parte, tal fórmula pode ser entendida ora como rendição a outros paradigmas de conhecimento, ora como anexação de novos territórios. Seja como for, em ambos os diagnósticos, o corolário teria sido uma crise de identidade da História Social do Trabalho.

O fato é que muitos dos seus praticantes, sem perder a autoconfiança, reconheciam que sua agenda de pesquisa precisava ser modificada e ampliada para dialogar com outros interlocutores acadêmicos e se inserir no vasto repertório do debate político contemporâneo. A questão permanece aberta, mas nos últimos anos o que se observa é o fortalecimento da História do Trabalho. Atestam-no a marcante presença do GT “Mundos do Trabalho” nos simpósios da Associação Nacional dos Historiadores (Anpuh), o incremento dos acervos de diversos arquivos e centros de documentação voltados à temática do trabalho, o crescente número de dissertações e teses anualmente defendidas em diferentes programas de pós-graduação do país, as parcerias com instituições fora do âmbito acadêmico, a ampliação de redes de pesquisa e conferências internacionais e o surgimento de novos periódicos especializados. Com efeito, o vigor atual da História do Trabalho se expressa nos artigos desta revista, escritos por uma nova geração de pesquisadores.

A seqüência dos textos obedece aqui a uma organização cronológica, bem como a um arranjo por assunto, ordenado, grosso modo, em seis eixos temáticos, embora possam ser agrupados também segundo outros critérios, como abordagens ou problemas de investigação.

O primeiro eixo diz respeito à experiência dos escravos na formação da classe trabalhadora brasileira, mostrando a fragilidade das interpretações que consagraram uma divisão rígida entre o trabalho escravo e o chamado trabalho livre. A derrota de algumas propostas dos abolicionistas no fim do Império é o tema de Roberto Saba. Diante dos movimentos abolicionistas que tomavam as ruas, lideranças escravistas, guiados por um pragmatismo político conservador, aferraram-se no parlamento ao direito da propriedade escrava. É nesse contexto, segundo o autor, que cabe entender os debates que envolveram a elaboração e aprovação da Lei dos Sexagenários. Se, como Roberto Saba demonstra, certas leis emancipacionistas frustraram alguns líderes abolicionistas, peço licença ao autor para acrescentar aqui que, mesmo para os arautos da “causa da liberdade”, como os da envergadura de um Joaquim Nabuco, era também no parlamento, e não nas ruas, que o fim da escravidão deveria ser decidido. Cativos sem consciência em razão da suposta “morte civil” infligida por séculos de escravidão deveriam ser representados por “homens de casaca”, conforme pontificou Nabuco em O Abolicionismo. No entanto, algumas décadas de pesquisas empiricamente sustentadas já deram conta de mostrar que, no pós-abolição, os libertos estavam civilmente vivos e não endossaram invariavelmente as apostas dos abolicionistas imigrantistas que viam no mercado de trabalho livre o antídoto eficaz contra as heranças deixadas pela escravidão. Iacy Maia Mata, em “Libertos na mira da Polícia”, revela justamente as estratégias dos ex-escravos para afastar de seu horizonte o trabalho assalariado nas fazendas baianas após 13 de maio de 1888. Baseada em jornais, processos judiciais e documentação policial, Mata abre um leque de opções de liberdade que, mesmo limitado, oferecia mobilidade aos trabalhadores negros no campo e na cidade. Foi contra essa recusa ao assalariamento que a Polícia aumentou seus efetivos e seus mecanismos de controle social. Seguindo essa mesma linha tênue entre escravidão e liberdade, Robério S. Souza estuda uma encarniçada greve de ferroviários baianos, ocorrida em 1909, quando eles bradaram: “tudo pelo trabalho livre”. O que estavam expressando neste grito de guerra era uma experiência de exploração que remontava aos tempos e à memória do cativeiro. Afinal, os grevistas eram, em grande parte, afrodescendentes que não demarcavam as fronteiras entre escravidão e trabalho livre com a mesma precisão de muitos historiadores subseqüentes, conforme vasta produção acadêmica vem demonstrando nos últimos 30 anos, na qual se inserem os trabalhos de Iacy Mata e Rogério Souza.

Do mesmo modo, a imagem monocromática da classe operária na Primeira República – branca e imigrante – não permitiria compreender como foi possível a convivência de um fundidor negro (“trabalhador livre”) e um barbeiro português (proprietário de seu pequeno salão) em uma mesma sociedade mutualista na cidade de Campinas / SP. Paula Nomelini investiga tal possibilidade ao analisar as associações campineiras de recreação e ajuda mútua, entre 1906 e 1930, abrindo o eixo temático sobre “culturas de classe”. A cultura associativa dos trabalhadores não era estritamente militante. Os estatutos de diversas sociedades – fossem elas organizadas por ofício, etnia, empresa, “identidade negra”, ou para fins recreativos ou assistenciais – preconizavam a neutralidade política. No entanto, Nomelini registra que associações de caráter não especificamente sindical expressaram nítida identidade de classe e mobilizavam-se em favor de melhores condições de vida, além de funcionarem segundo princípios democráticos de organização. Não foi por outra razão que muitos trabalhadores se filiaram a sociedades de natureza distinta, compondo, assim, uma densa rede de relações sociais. Nesta mesma corrente de investigação, Uassyr de Siqueira, respaldado em pesquisa paciente e minuciosa, rastreia um amplo campo associativo na cidade de São Paulo durante a Primeira República. Seu objetivo é identificar e analisar espaços informais de sociabilidade, embaralhando as fronteiras entre trabalho e lazer ao “adentrar” no recinto de sociedades recreativas e botequins, espaços onde se podia relaxar e escapar dos controles sociais do dia-a-dia. Estes adeptos de uma espécie de “Internacional das vítimas da pinga” sofriam ataques de uma cruzada dos militantes anarquistas contra o abuso do álcool, o que era parte integrante de um contexto também internacional do movimento operário das primeiras décadas do século XIX, como bem destacam outros autores referenciados por Siqueira. No campo da “cultura militante e letrada”, Alonso Lima investiga idéias, mitos e símbolos presentes no jornal anarquista A Lucta Social da cidade de Manaus, na década de 1910. Os artigos que configuram este eixo de investigação fazem parte dos esforços recentes da História Social no sentido de explorar temas e problemas da cultura operária, até bem pouco tempo relegados a segundo plano, tais como rituais, lazer, celebrações, identidades, produção simbólica e relações de sociabilidade, esgarçando, assim, os limites das abordagens clássicas da história dos trabalhadores, em geral, e do movimento operário, em particular.

Ainda na Primeira República, temos um terceiro eixo de estudos ligado às experiências comunistas. Caio Bugiato, jovem pesquisador de Ciência Política, problematiza a tese, de resto já bastante criticada por outros pesquisadores, de que os anos iniciais de vida do Partido Comunista do Brasil (PCB) teriam sido uma mera correia de transmissão de um suposto comunismo internacional gravitando harmonicamente em torno de Moscou. Sem perder de vista os impactos da Revolução Russa na formação do comunismo no Brasil, o autor sustenta que foram os fatores internos ao PCB que presidiram a fundação e os passos iniciais do partido, marcados por uma atuação mais autônoma do que sugerem estudos empenhados em demonstrar que a orientação político-ideológica dos comunistas brasileiros era um simples decalque dos ditames do Comintern. No terreno da história biográfica, Frederico Bartz percorre com grande sensibilidade a trajetória, senão errática, ao menos tortuosa e, talvez, única do imigrante libanês Abílio Nequete, também fortemente influenciado pela Revolução de 1917 e fundador de um dos primeiros núcleos do PCB. O leitor, certamente, se surpreenderá com os múltiplos caminhos de um militante um tanto idiossincrático, capaz de desconcertar qualquer biógrafo mais inclinado a encontrar coerências e uniformidade nas histórias de vida de seus personagens. De cristão ortodoxo e, depois, espírita, Nequete aderiu ao comunismo, do qual se afastou para criar o Partido Tecnocrata, sob a máxima “técnicos de todos os países, uni-vos”. O “Marx dos Técnicos” incorporou à sua tecnocracia uma doutrina religiosa toda própria, o evidentismo, sobre o qual o leitor encontrará uma definição no artigo de Bartz. Vale registrar, enfim, que a história do comunismo já não é apenas a história de suas direções, de seus conflitos internos, orientações políticas e documentos oficiais. Do mesmo modo, novas pesquisas buscam não mais reduzir o comunismo a uma propriedade ou essência, como “partido de cúpula”, “seita secularizada” e “títere de Moscou”. Assim, os artigos aqui referidos ampliam as investigações sobre a história intelectual do PCB, suas tensas conexões com o comunismo internacional, suas iniciativas culturais e redes de sociabilidade, além das vozes dissonantes de seus militantes, captadas por meio de investigações biográficas, campo crescentemente explorado pela História Social.

Adentramos agora em um conjunto de textos cujos objetos de pesquisa se situam na cronologicamente indefinível “era Vargas”. A conjuntura de “esforço de guerra” durante parte do Estado Novo (1937-1945) foi vivida pelos trabalhadores como um período de sufocamento político, perda de direitos, precarização das condições do trabalho e recrudescimento da arbitrariedade patronal. O artigo de Fernando Pureza se dedica a uma dimensão ainda pouco explorada do cotidiano do operariado durante a Segunda Guerra Mundial: o custo de vida, a renda familiar e, sobretudo, a visão de economia dos próprios trabalhadores, tomando Porto Alegre como cenário de conflitos e mobilizações. A distribuição irregular do leite, por exemplo, envolta em concepções morais, levou alguns condutores de caminhão destinado à entrega do precioso líquido a baterem em retirada frente aos ataques de “populares” enfurecidos. Apesar dos constrangimentos sociais e políticos daquela conjuntura, os trabalhadores não permaneceram inertes. Entre outras iniciativas, muitos deles colocariam à prova a eficácia e os intentos de mais de uma década de atividade legiferante no campo dos direitos trabalhistas. A Justiça do Trabalho, recém-instalada sob a promessa de defender a “parte frágil” da relação entre capital e trabalho, foi um dos espaços legítimos de atuação de trabalhadores e sindicatos. Edinaldo Oliveira Souza, ao percorrer “os bastidores das disputas trabalhistas” do Recôncavo Baiano, entre 1940 e 1960, questiona a eficácia do instituto da conciliação dos conflitos na arena jurídica como mecanismo de colaboração de classes, segundo os princípios advogados pelo corporativismo. O autor mostra que, na prática cotidiana dos tribunais, os propósitos conciliatórios não alcançaram a almejada “paz social” e se abriram a numerosos conflitos, os quais não se limitavam à disputa por “vantagens econômicas”, pois envolviam igualmente noções de honra pessoal, dignidade profissional e solidariedade de classe. Ao longo de anos de embates dentro e fora dos espaços institucionais, os trabalhadores foram capazes de construir uma cultura jurídico-política de direitos que os tornava aptos a “manobrar” as cortes trabalhistas em seu próprio benefício, como ocorreu durante a “greve dos 700 mil”, em São Paulo, em 1963. Dissecada por Larissa Corrêa, esta paralisação teve desdobramentos jurídicos de grande impacto nacional, que só puderam ser bem interpretados mediante a análise minuciosa de dissídios coletivos salvos da sanha incendiária da Justiça do Trabalho. A autora apresenta tribunais permeáveis à forte pressão do movimento operário, com manifestações ruidosas batendo em suas portas e lideranças pouco inclinadas à deferência esperada diante de magistrados paramentados. Ao contrário das teses que consideram os tribunais trabalhistas como invariáveis defensores dos interesses patronais, das páginas do artigo de Corrêa emergem rituais e roteiros em que os atos não estão definidos de antemão. O que encontramos nesses textos, portanto, é uma parte do ingente investimento de revisão historiográfica iniciada nos anos 1980, que vem procurando explorar as ambigüidades do populismo e questionar as teses que ressaltavam a invariável subordinação da classe trabalhadora à retórica e às práticas dos governos de viés trabalhista. Assim, projetos e discursos “oficiais” são articulados às experiências, expectativas e frustrações dos próprios trabalhadores, em meio às suas noções acerca dos direitos, das leis e da justiça.

Um quinto arco temático enfeixa três artigos ocupados, entre outros assuntos, com questões relativas ao processo e ao mercado de trabalho. Andréa Teixeira Silva, com base em depoimentos orais, reconstitui o trabalho de famílias produtoras de farinha de mandioca de Feira de Santana / BA, cujas memórias remontam ao período de 1948 e 1960. Aqui estamos diante do cotidiano do trabalho camponês, pontilhado por relações de solidariedade e lazer que demarcavam o trabalho masculino e feminino. Por outro lado, a produção da farinha, em que pese estar associada a festas acompanhadas de música, comida e bebida, não compunha um suposto mundo rural idílico e ao abrigo de desentendimentos entre os próprios trabalhadores locais. Viviane Barbosa, por sua vez, também se debruça sobre o cotidiano dos trabalhadores rurais, marcado pela diversidade e pela adversidade social, política e ecológica. Do difícil trabalho das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão emergem instigantes questões de gênero e todo um universo simbólico muito particular. Por outro lado, submetidas ao olhar preconceituoso sobre sua atividade profissional, as quebradeiras tinham de enfrentar ainda a violência de grileiros de terra, os cercamentos e a exploração predatória dos recursos naturais, cujos desdobramentos mais recentes foi a criação de instituições e movimentos voltados à defesa ambiental e ao direito à terra. Os artigos de Andréa Teixeira e Viviane Barbosa reforçam a assertiva de que a história operária não é mais exclusivamente a história dos trabalhadores urbanos, masculinos, sindicalizados e grevistas. Processo de trabalho, condições de vida e experiência cotidiana de mulheres trabalhadoras ocupam cada vez mais o elenco dos temas descobertos e / ou revalorizados pela História do Trabalho, que, ademais, deixou de ter como palco apenas os grandes centros industrializados do país, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, alargando suas fronteiras para outras regiões do país. Por fim, Fabiana Pina investiga a política educacional da Ditadura Militar destinada às “necessidades” do mercado de trabalho a partir do famigerado Acordo MEC-USAID, que pretendia fazer das universidades o locus precípuo da formação da mão-de-obra, com vistas ao “desenvolvimento nacional”.

O último eixo temático se volta também aos desafios mais recentes do mundo do trabalho, tais como reestruturação produtiva, introdução de novas tecnologias, globalização e precarização do trabalho. Antonio Bosi transita em meio à linha quase indiscernível entre formalidade e informalidade do mercado de trabalho, de modo a percorrer as ruas em que catadores de materiais recicláveis fazem das sobras do consumo doméstico um meio de sobrevivência. Da quase invisibilidade física e social dos catadores, Bosi resgata uma ética positiva do trabalho, a partir da qual eles buscam obter reconhecimento público e exprimir os limites de seu pertencimento e de sua exclusão da sociedade. Preocupado com os significados subjetivos do trabalho, o autor entra “no chão das lojas”, como o das Casas Pernambucanas, e entrevista jovens trabalhadoras que atribuem valor e sentido ao que fazem em comparação ao que seus pais faziam, o que coloca o texto de Bosi na rota das pesquisas que têm por objeto questões relativas às diferenças, tensões e continuidades entre gerações de trabalhadores. Com efeito, antigos operários talvez possam estranhar o bombardeio infernal de um novo vocabulário empresarial a que os mais jovens são submetidos diariamente nas fábricas: “gestão de pessoas”, “responsabilidade social”, “trabalhador multifuncional”, “cultura de qualidade”, Just in time, “modelos participativos” e todo um cortejo de expressões altissonantes que o autor escrutina criticamente. Com efeito, sob a denominação edificante de Turn-Key, segundo o artigo de Fábio Villela, desenvolveu-se um regime de trabalho na construção da linha 4 do Metrô de São Paulo, que, em 2007, resultou em 7 vítimas de desabamentos. Villela passa em revista todo um novo processo de “macdonaldização” que tomou conta das fast constructions, baseadas em novos “modos de socialização” dos trabalhadores. Tal processo não apenas criou uma terminologia grandiloqüente, mas envolveu um conjunto de parcerias entre universidades, centros de pesquisa e poder público, sob a batuta dos empresários, visando levar a cabo um processo de reestruturação das cidades, cujo termo, “tecnópolis”, engendra uma realidade de “gentrificação”, outra denominação pomposa que encobre processos de elitização e segregação urbana. Paralelamente a isso, antigos bairros operários passaram a conviver com verdadeiros “cemitérios de empresas”, como ocorre no processo de desindustrialização do Jacarezinho na Zona Norte do Rio de Janeiro. Cristiane Thiago e Sérgio Pereira acompanham essa desagregação do local nos anos 1990, fruto das privatizações praticadas pelas políticas de feitio neo-liberal. Os autores analisam ainda a reestruturação produtiva da Companhia Siderúrgica Nacional, de Volta Redonda / RJ, e seu corolário de demissões e descaso em relação à cidade, o que, por outro lado, motivou as lideranças e os moradores a se mobilizarem em torno de reivindicações urbanas. Por fim, temos o artigo de Marcilio R. Lucas sobre reestruturação produtiva na Votorantim Metais, em Três Marias / MG, desde os anos 1990. Ao considerar o tratamento endocrinológico de emagrecimento da fábrica (“empresa enxuta”), em meio ao processo de desregulamentação dos direitos operários, Lucas problematiza as generalizações acerca dos efeitos amplamente desagregadores dos novos modelos de gestão empresarial sobre o movimento sindical, mostrando que o sindicato local (Sindimet) não mordeu a isca dos discursos de colaboração de classes da Votorantim. Por outro lado, o autor está atento às tensões entre lideranças e trabalhadores, que, pressionados ou persuadidos pela fábrica, entram em rota de colisão com posições irredutíveis do sindicato. Em síntese, os trabalhos hoje situados na fronteira entre a História e a Sociologia do trabalho estão sensíveis aos desafios colocados pelas dramáticas mudanças atuais no processo de trabalho. No entanto, como os textos acima sintetizados sustentam, a eficácia dos modelos de “gestão de pessoas” não se faz sobre uma tábua rasa, mas são interpelados por costumes, tradições e experiências em comum, dando seqüência à linhagem de estudos thompsonianos, com vistas à compreensão e ao enfrentamento dos dilemas contemporâneos da industrialização.

Em suma, os artigos desta coletânea derivam de investigações ainda em andamento ou de dissertações e teses recém-defendidas por jovens pesquisadores e, na sua grande maioria, desenvolvidas em programas de pós-graduação em História. Trata-se, pois, de um conjunto de autores em fase de construção e estruturação de suas trajetórias de pesquisa, cujos resultados apontam para o revigoramento do campo da História Social do Trabalho, conforme busquei demonstrar ao longo deste texto.

Uma coletânea de 18 artigos como esta sempre desafia a (in)capacidade de síntese de apresentadores prolixos como eu. O que os leitores têm a fazer de melhor é percorrer as instigantes páginas que se seguem. A eles peço desculpas por não tê-los advertido disso logo no primeiro parágrafo desta Apresentação.

Fernando Teixeira da Silva – Departamento de História / Unicamp.


SILVA, Fernando Teixeira da. Apresentação. História Social. Campinas, n.14-15, 2008. Acessar publicação original [DR]

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Revoltas populares / História Social / 2006

Em 1988 Michelle Perrot reuniu uma série de artigos escritos, entre as décadas de 1970 e 1980, sob o título de Os excluídos da história. [1] Mulheres, prisioneiros e operários eram considerados como objetos fundamentais para a análise. Da mesma forma, em 1985, foi publicado History from bellow: studies in popular protest and popular ideology, [2] que homenageava George Rudé, um dos pioneiros historiadores na investigação exaustiva das formas de protesto de trabalhadores rurais e urbanos. Os autores procuravam afirmar a importância de indivíduos que permaneceram por décadas esquecidos e levantar as questões possíveis, apresentando resultados de pesquisas e mostrando as profícuas interlocuções teórico-metodológicas de seu tempo. O cotidiano de pessoas comuns, os sistemas de valores e costumes identitários, as solidariedades e conflitos existentes, assim como as suas diferenças, eram cada vez mais investigados. Reivindicava-se um espaço que estava inexplorado na produção acadêmica.

Esta mudança de perspectiva teve contribuição de variados questionamentos suscitados por pesquisadores sobre a participação dos trabalhadores na história – fruto de um momento de conturbadas mudanças políticas, como o fim do stalinismo e a crítica a certo marxismo, assim como das recentes interlocuções teórico-metodológicas que ampliaram as possibilidades na abordagem do objeto. Neste momento, entre as diversas variantes de investigação da questão, é possível citar, sumariamente, duas delas. Em um caso, os trabalhadores apareciam secundariamente, distantes do centro das decisões. Surgiam, mais detalhadamente, apenas em períodos de revolta ou atuação mais conflitante. Ou seja, o dia-a-dia destes homens e mulheres era ignorado, suas vidas tornavam-se vazias de informações, por serem supostamente desinteressantes ou pouco marcantes no movimento da história. Quando muito, apareciam descritos como indivíduos desprovidos de capacidade para racionalizar as informações que lhes chegavam. Enfim, pessoas que não eram sujeitos de suas próprias histórias, mais reativas que propositivas, e com reações mais espasmódicas que cotidianas. Suas lutas eram geralmente explicadas pela ação de alguma liderança esporádica ou, quando muito, por meio da chefia de algum homem letrado ou poderoso, “capaz” de planejar algo significativo.

No segundo caso, mormente marxista, os conceitos de “classe” e “luta de classes” tornaram-se centrais para as análises, desviando a experiência do trabalhador comum para o segundo plano. Ou seja, esquecendo do trabalhador como indivíduo em suas múltiplas experiências e a identidade deste indivíduo. Diferentemente da abordagem anterior, os marxistas mostravam a formação de associações, ideologizadas ou não, que construíram movimentos sociais fortes, como foi o caso da organização operária. No entanto, o trabalhador comum era investigado restritamente aos interesses do grupo, da classe, conflitantes com os de outro grupo de homens. “Classe” e “luta de classes” foram utilizados como conceitos apriorísticos, únicos a serem investigados e distantes das vicissitudes dos trabalhadores em suas experiências mais comuns. Em outras palavras, a análise caminhava da “luta de classes” e da “classe” para os indivíduos e havia pouco espaço para o sentido contrário.

Nas últimas três décadas, aproximadamente, houve por parte dos historiadores um esforço para ampliar a compreensão das complexas identidades de trabalhadores e trabalhadoras. No Brasil, o papel dos imigrantes e a atuação sindical desses marcou boa parte de trabalhos de Michael Hall, Paulo Sérgio Pinheiro e Bóris Fausto. Os estudos acerca da escravidão rural e urbana cresceram a passos largos e trouxeram à tona questões novas, fontes e metodologias de análise inéditas, diferentes interlocuções teóricas a exemplo da influência de Edward P. Thompsom (marxista que defende uma relação direta entre economia e moral).

Acredito que o resultado destas abordagens foi revelar outras informações acerca dos trabalhadores. O cotidiano das suas atividades, suas idades, nacionalidades, gênero, cores e etnias, seus conflitos mais comuns, seus anseios e esperanças, a vida amorosa e de prazer, as crenças e os sistemas de valores tornaram mais transparentes a história destes homens e mulheres. Com as novas fontes e metodologias empregadas, tivemos a oportunidade de reconstruir o indivíduo num momento específico de sua vida, descrevendo a cor e tipo do traje, o caminho que estava fazendo numa hora exata do dia e até a motivação que levara uma outra pessoa a cometer o desatino de matá-lo com uma arma qualquer. Estes “detalhes” mostraram as possibilidades crescentes de investigação. A história individual e coletiva dos trabalhadores passou a ser possível, e com ela surgiram outras explicações capazes de vencer uma “história dos vencedores” e trazer à luz “sujeitos históricos” e seus embates mais comuns e, tantas vezes, silenciosos.

Certamente, persistem algumas barreiras que precisam ser vencidas. Uma delas diz respeito à divisão entre história do movimento operário e do trabalhador escravo. Estas histórias foram separadas entre abolição e república, que a tudo pareciam explicar. Era como se trabalhadores escravos não tivessem história que se irmanasse a de seus colegas do pós-abolição. Novamente, o conceito de “classe” separava temporalmente trabalhadores escravos de operários, sugerindo a aceitação de uma linearidade histórica. Outra barreira é aquela criada pela ausência de problematizações sobre diferenças de cor, nacionalidade e sexo no processo de extinção do trabalho escravo e de formulação de novas relações de trabalho. Há pesquisas que abordam esta questão, mas ela segue timidamente explorada. Tantas vezes não passa de uma menção. Problema seriíssimo para um período no qual o discurso racista levava a conflitos cotidianos entre os próprios trabalhadores, além do fechamento de postos de trabalho para aqueles cuja cor não fosse a desejada pelo patrão.

Os artigos deste número da Revista História Social refletem questionamentos que mobilizaram os historiadores nestas últimas décadas. Procuram compreender a história mediante o estudo de medidas governamentais ou patronais, mas também, e principalmente, sob a ótica dos próprios trabalhadores. Percebe-se o afastamento dos autores em relação a conceitos outrora canônicos na historiografia, o uso de fontes diversas para investigar o passado. Lê-se interlocuções teórico-metodológicas que ampliam nosso olhar para o passado. O leitor terá importante contribuição às suas reflexões no que tange à história de trabalhadores e trabalhadoras e às revoltas e conflitos que esses mesmos homens e mulheres protagonizaram.

Álvaro Pereira do Nascimento

Novembro / 2006

Notas

1. PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

2. Edição brasileira: Krantz, F. (org.). A outra história: ideologia e protesto popular nos séculos XVII a XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Apresentação. História Social. Campinas, n.12, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Imagem e som / História Social / 2005

Imagens e sons. Ex-votos, música anarquista, matinas e aves-marias, o documentário do Estado Novo que se transforma numa arte do coletivo, cinema e história, fotografia e história. Esses temas estudados são matéria de sentimento, de emoções. São matéria de arte.

Justamente: um historiador debruçado sobre o objeto artístico, tentando compreendê-lo segundo diversas configurações históricas, poderá deparar-se com duas sensações imprecisas e frustrantes.

A primeira é a de um poço sem fundo. Por menos que se ofereça vazão às associações livres, por mais que se restrinja aos quadros de percepção de uma ou outra época, por rigorosos que sejam os parâmetros determinados para a análise, sobrará a convicção de que, mesmo dentro dos limites impostos e escolhidos, a matéria examinada é instável e não se revela por inteiro.

A segunda é de que, sejam sutis, fluidos e finos os instrumentos abstratos empregados nessa tarefa, eles se mostrarão grosseiros e desproporcionados diante do objeto fugacíssimo.

Essas constatações, banais em princípio, levam-nos a perceber a inadequação do conceito diante da obra. Embora não haja remédio, a faculdade discursiva, as formas articuladas do pensamento só se podem fazer através da generalidade conceitual, e a razão, esquelética, esquemática, esquadrada, conduz à compreensão da densidade espessa, protéica, própria à arte.

Mas, justamente, de que compreensão se trata? Se nos colocarmos na óptica da razão, a obra de arte é antes de tudo um objeto a ser destrinchado. O poder compreensivo e racional emana em mão única. A obra-objeto subordina-se ao sujeito que a cataloga, define, classifica, sintetiza, analisa, interpreta. A natureza da razão é ativa, ela dá existência, pelos seus meios, a objetos que sem ela estariam num limbo, fora, ou à espera do batismo cognitivo que ela determina.

Casos caricaturais, porque mais grosseiros, mas tão correntes, levam ao extremo uma tal situação. Um processo interpretativo possui sua bela lógica, sua forte coerência. Se é estático, parece ter previsto todas as categorias possíveis; se é dinâmico, avança no tempo, revela uma história necessária, demonstra todo o sentido do passado, prevê sem falhas o futuro e vive de transições.

Poderíamos dizer simplesmente que o emprego de conceitos teóricos, intérpretes e ordenadores, não basta: “Hay que poner talento”. Mas não se trata aqui apenas de uma virtuosidade instrumental.

Ao contrario, é preciso compreender que o objeto não é mais explicado, ele é explicante. Ou melhor, ele é o sujeito do qual uma observação minuciosa, fiel, atenta, busca extrair lições.

Portanto, não objeto, em realidade, mas sujeito, e sujeito pensante, com o qual é preciso aprender, como se aprende com o mais intrincado e profundo sistema teórico. Não, entretanto, com os mesmos meios. E preciso aceitarmos que existe um pensamento, uma reflexão sobre o mundo, sobre o homem, sobre as coisas, que não se dá no âmbito do conceito e da razão.

Racionalistas puros e duros traçarão a linha divisória e denominarão, com pejo, o oposto, o avesso, como aquilo que não é o que sou: irracional. A razão possui alguma coisa de militar, necessariamente sempre alerta contra os inimigos que nos rodeiam, informes, anormais, perigosos. A nostalgia de uma razão impossível, sucumbida diante dos delírios, possui a angústia vã da vigília, o medo certeiro do descanso: é assim que o pintor nos ensina — o sono da razão produz monstros.

A obra de arte, entretanto, fala dos monstros, da noite, do terror, e também do harmônico, do luminoso, do calmo — e mesmo do racional, mas a seu modo. Nada se passa numa inteireza franca ou numa transparência, nada se reduz à definição — quando ele existe, o raciocínio rigoroso está comandado por algo que o ultrapassa e que pode revelá-lo como falácia.

No exterior da razão, esse algo é indizível, pelo menos através das palavras corretas e próprias às construções interpretativas. A inteligência exigida e secretada pela obra de arte, sua lucidez específica, são diversas. Elas estão contidas num gesto, numa inflexão da voz, num olhar, numa rima, no tom de um céu, no volume de um seio, nas proporções de uma janela, numa metáfora, no som do violino ou do trombone. Esses e infinitos outros são momentos de um todo que adquire sentido através de uma percepção sensorial, de uma intuição. Um veículo indispensável são as emoções, em todas as suas gamas; é a experiência insubstituível. Nós compreendemos através delas, e não pelo recado do conceito.

Apreender a obra ou fazê-la são atos que pressupõem ou que dependem do mistério. As certezas científicas de nosso tempo, os racionalismos pouco sábios, não toleram a idéia de que algo lhes escape, temem as trevas e crêem na luz universal, tão enganadoramente torva. Entretanto, é inútil excluir o mistério — ele está em nós e em torno de nós. E as obras de arte nos ensinam — dura tarefa — a conviver com ele.

Da mesma forma, muitos pensamentos suficientes e autoritários decidiram terminar de uma vez por todas com a idéia insuportável de gênio. Não podemos explicá-lo, portanto, ele não existe. Fruto de um obscurantismo perverso ou de um idealismo reacionário, além de não existir, ele deve ser insultado. Os antigos, os renascentes, os românticos, com enfoques diversos, sabiam, porém, que a criação artística provém do inexplicável. E que os artistas, maiores ou menores, assenhorearam-se de um poder que não é concedido a todos, e que, eles próprios, artistas, dificilmente conseguiriam no-lo descrever.

Genialidade e mistério, noções incômodas em tempos de causalidades explicativas. Mas contidas nas obras de arte, que nos fazem penetrar nos negrores da não-razão.

Os românticos foram direto ao cerne. Deram-nos a experiência das trevas, do sem destino, do sem sinal. Mostraram-nos que todos os sinais são falsos, não em nome de um sentido superior, mas porque não há sentidos. Lançaram-nos na angústia do mistério, onde certas vozes falam mais sabiamente que outras: as da loucura, as da criança, as da mulher, as do povo, as do demônio, todos esses seres que não foram iluminados pela razão, mas que sabem exprimir as falas das trevas.

As situações inverossímeis multiplicam-se na música, na pintura, na literatura românticas, o comportamento incoerente dos personagens, movidos por paixões que não se explicam — que, exatamente, não possuem razões. Tudo é inteiro e denso, e só pode entregar-se assim. Toda tentativa de esmiuçamento, de recorte, de detalhe, está fadada ao fracasso. Torna-se muito diflcil, precedidos por práticas analíticas que exigem cadeias causais e a abolição de todo acaso, aceitarmos hoje esse amálgama disparate de ações sem sentido.

O incompreensível é absurdo, dirão as análises racionais. Que mecanismos psicológicos, que situações sociais, históricas, econômicas, políticas dão conta de tais quimeras? A atitude romântica justamente, por sua vez, denuncia: eles não dão conta. E, ao afastamento determinado pela razão, faz emergir, torna visível, palpável, presente, a espessura do desconhecido, a experiência do terrível, através dos choques, das comoções, dos arrepios.

Mas haverá aqui uma oposição entre o racional e tudo o que está fora da razão? Visto do lado da ortodoxa positividade lógica não há dúvida: o irracional é o não-ser da razão, que o recusa e estigmatiza. Fora de tais parâmetros, entretanto, não descobrimos o terrível inimigo das justezas racionais, os implacáveis espíritos negando e ameaçando sem trégua o reino harmonioso dos universais que regulam o bem. Descobrimos apenas que se trata de não-razão, isto é, de um outro domínio, pelo qual podemos ser levados a perceber o mundo e os seres, a uma sabedoria que não cabe nas equações. Atinamos que os caminhos emocionais, intuitivos, são modos também de conhecimento, mais profundos até, embora impronunciáveis, ou tão pouco, ou de outro modo. Poderíamos chegar ao princípio de uma razão dilatada, uma razão que desconfiasse dos seus próprios silogismos, e que aprendesse a respeitar, senão como superiores, pelo menos como iguais, essas outras sendas de saber.

Talvez pudéssemos ir mais longe, e pensar mesmo os grandes sistemas filosóficos sob a forma de obras de arte, considerando que, tanto quanto a definição dos conceitos, contam a riqueza das metáforas, o vigor do estilo, a beleza da arquitetura dos raciocínios. O conceito não seria mais nem meio instrumental, nem transparência — existiria numa densidade rica, infinita, de possíveis. Um grande romance e uma grande teoria explicam o mundo — sem que haja verdadeira diferença de natureza entre eles.

Uma vez os preconceitos desfeitos, teríamos então uma densidade reflexiva e sensível. Os românticos, é bem claro, não inventaram o irracional, nem foram verdadeiramente seus adeptos. Apontaram distintamente para o irracionalismo da racionalidade que, tantas vezes, tomada de uma embriaguez triunfante, enlouquece. Muitos e muitos foram, na sua história, os momentos em que a ciência mostrou-se enlouquecida, em pecado de orgulho, em excessos trazidos pelo rigor de um raciocínio que se basta a si próprio, e que incide, universal e autoritário, em conseqüências desastrosas, sobre o mundo. A hybris da razão faz aflorar o germe irracional ali escondido.

Assim, diante do fracasso das etapas ordenadas, vence uma noção tão imprecisa quanto imponderável: o desejo. São noções dessa natureza com as quais, nesse âmbito, temos que lidar. Não há regras, ou lições teóricas para tanto. São laços criados por impulsos, por afetos, por adesões. Para que possamos aderir a elas, é preciso de algum modo atraí-las. Os românticos, ainda eles, sabiam os climas propiciatórios, as noites enluaradas, os lagos silenciosos, os ermos melancólicos. Pela saciedade, puderam estes transformarem-se em atributos caricaturais. É inegável, entretanto, que eles tiveram realmente poderes.

Baudelaire, Poe e Dostoiévski perceberam que as provações do corpo: o jejum, a febre, as fraquezas — ou os seus estímulos: as bebidas, as drogas, as excitações histéricas — podiam nos levar a estados privilegiados onde uma percepção superior surgisse.

Disso tudo, entretanto, o que permaneceu foram as obras de arte. Românticas ou não, elas enfeixam universos a serem explorados com essas vibrações emotivas, intuitivas. E se são as obras pensantes, como dissemos, elas nos indicarão as sendas, elas extrairão dos movimentos da alma os modos que nos levam às contemplações almejadas.

Volta aqui uma idéia, de antiqüíssima origem — a freqüentação, o contato constante, respeitoso e desvelado. Não esperemos chaves para portas fechadas, soluções para problemas armados. Surgirá, porém, uma progressiva modificação do espírito, que aprende por meio da própria metamorfose.

O ensino trazido pelas artes se faz por ascese, por iniciação, pelo olhar demorado, pela escuta atenta. Isso acarreta uma séria moralização à soberba dos conceitos e da teoria. Pois as obras gostam da nossa atenção. Mais e mais a elas nos consagramos, mais e mais elas nos devolvem sentidos ocultos, inimaginados. E com isso fogem constantemente ao rigor classificatório, escapam das camisas-de-força que lhes são impostas. Denunciam assim a estreiteza e a tirania dos sistemas. Indicam-lhes os limites.

Não é possível prescindir, nesses domínios, do trabalho da razão, da busca metódica, da exatidão comparativa ou analítica. Eles esclarecem, situam, permitem que o pensamento não enverede pela indignidade do arbitrário. Revelam-se também como modos da freqüentação. Está bem claro, porém, que eles não substituem o legítimo contato. Os imperceptíveis vasos comunicantes entre cada um e a sinfonia, ou o quadro, ou a estátua, ou o poema, o badalar do sino, a seqüência do filme, o segmento de mundo refeito pela fotografia, um romance de Zamiatin estabelecem-se por meio da relação privilegiada. Capaz de criar ainda laços invisíveis entre os espectadores, ouvintes, leitores, de uma mesma obra. Não exatamente os mesmos sentimentos, não os comportamentos unânimes, mas ligações complexas, possivelmente até emaranhadas e contraditórias. Com essa natureza específica, chegamos aqui ao centro de uma ‘religio artis’, no seu sentido mais precisamente etimológico.

Os instrumentos racionais, então, se prestam como uma das maneiras, e dentre as mais elevadas, da aproximação. Desde que eles se encontram submetidos ao principal, humílimos servos. Assim como o contemplador, que se submete e se entrega às trevas insondáveis.

Jorge Coli

COLI, Jorge. Apresentação. História Social. Campinas, n.11, 2005. Acessar publicação original [DR]

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Viagens e narrativas / História Social / 2003

No terceiro ato d’ A tempestade, Próspero vale-se de magia e conduz os náufragos até sua ilha, oferecendo-lhes farta mesa, servida por espíritos. “ – São fantoches com vida”, espanta-se Sebastião: “ – Agora creio / que haja unicórnios, que na Arábia serve / uma árvore de trono à Fênix, / que a reinar lá se encontra neste instante”. Antônio também opina, e confessa crer em “… tudo o mais que de hábito / tem sido posto em dúvida (…) / Os viajantes não mentem, muito embora / na pátria os tolos os acoimem disso”. Quem acalma os ânimos de Antônio é Gonzalo, sábio conselheiro:

“Ora senhor, não tenhas medo. Quando

nós éramos meninos, quem creria,

porventura, que houvessem montanheses

com barbela de touro na garganta,

a pender-lhe do peito, como um saco

balouçante de carne? Ou gente houvesse

com a cabeça no peito? Ora, tudo isso

nos é prontamente asseverado

pelos viajantes sobre os quais apostas

correm de um contra cinco”.[1]

Nem todos os viajantes, contudo, descrevem homens sem cabeça ou aves que renascem das cinzas, já que, do outro lado da ficção, espreita a sempre buscada verdade da história, ou – de modo menos enfático – uma quase tangível melhor versão, à qual se chegaria, a partir de procedimentos objetivos de criação, traçados por um tão ansiado quanto indemonstrável método historiográfico. Também sobre isto, muitas apostas correram e vão continuar a correr, opondo crentes e cépticos de vários matizes, os quais se acusam, mutuamente, de acreditar no que não viram ou imaginaram ver, ante a tensão sempre constante que opõe ausência e presença dos objetos históricos; o que foi e aquilo que sobrou nos vestígios documentais – em suma, a interpretação.

O problema é muito antigo, aparecendo, por exemplo, no conflito religioso-literário que opôs André Thevet e Jean de Léry, no século XVI, mas é na Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto (1614) que ele aparece com saborosa evidência, conforme se lê no início do capítulo CXIII do livro: “por me temer que particularizando eu todas essas coisas que vimos nesta cidade, a grandeza estranha delas possa fazer dúvida aos que as lerem, e também por não dar matéria a murmuradores e gente praguenta, que querem julgar das coisas conforme ao pouco que eles viram, e que seus curtos e rasteiros entendimentos alcançam, de lançarem juízos sobre as verdades que eu vi por meus olhos, deixarei de contar muitas coisas que quiçá dariam muito gosto a gente de espíritos altos, e de entendimentos largos e grandes (…). Mas por outra parte não porei também muita culpa a quem não me der muito crédito, ou duvidar do que eu digo, porque realmente afirmo que eu mesmo, que vi tudo por meus olhos, fico muitas vezes confuso quando imagino…” [2]. O autor da Peregrinação dava-se conta de que o relato constitui a principal ponte entre o testemunho direto e o leitor distante; entre a observação presencial e a ausência interpretativa; entre uma possível verdade do fato e sua narrativa.

Embora as idéias de Paul Veyne sobre a oposição verdadeiro / verossímil – “a história é uma narrativa de acontecimentos verdadeiros” [3] – possam iniciar uma discussão do problema, é interessante lembrar, nesta breve apresentação, a indagação que fez Paul Ricoeur, ao tratar da questão da verdade em história: “aquela história que ocorreu [e que preencheria, portanto, segundo Veyne, a única condição básica “para ter a dignidade da história”] e que interessa ao ofício do historiador, prestarse-á a um conhecimento na linha da verdade, de acordo com os postulados e regras do pensamento objetivo postos em função nas ciências?”[4´] Para Ricoeur, objetividade é entendida no sentido epistemológico estrito; “é objetivo aquilo que o pensamento metódico elaborou, pôs em ordem, compreendeu, e que por essa maneira pode fazer compreender”, [5] ou seja, em história, a objetividade só se realiza – tornando-a verdadeira, portanto – quando ela é capaz de explicar (ou convencer), o que não quer dizer que seus procedimentos métodicos sejam os mesmos da física ou da biologia, a começar pelo fato óbvio de que à objetividade do historiador deve corresponder sua própria subjetividade, ou seja, os valores e escolhas que determinam seus passos, em meio aos alicerces monumentais sobre os quais constrói o seu trabalho, aliando pesquisa e erudição, esforço e sensibilidade, confiança e descrença.

Quando o tema são os viajantes, essas questões, aqui apenas esboçadas, ganham cores mais interessantes, já que, desde Heródoto (“Desejoso de saber, interrogo”), o testemunho de quem viu e pôs-se a contar tem servido à explicação da história. Além disso, embora os viajantes contem o que viram, fazem-no sempre a partir de processos de escolha e seleção, e mesmo considerando a insistência dos historiadores em buscar a generalização, os relatos valem, principalmente, como representações da diferença, já que – à exceção dos narcisistas, sempre numerosos – as imagens que devemos buscar no espelho dessa forma específica de conhecimento é aquela que nos define pela contemplação do Outro. É por isso que os textos de viajantes – trabalhados com maestria neste número especial da Revista de História Social – também se prestam à necessária expatriação do historiador, que se desloca através deles para, no retorno, pôr em cena uma terceira e fundamental personagem: o leitor, a quem os relatos – graças à sua mediação – acabam oferecidos.

Esta última instância, a do leitor, é a que oferece menos riscos, já que os comprometimentos dos viajantes e historiadores – cada um, a seu modo, vendo, selecionando, organizando e dando a conhecer – são sempre avaliados em função de sua capacidade de demonstrar, objetivamente, a veracidade do discurso: enquanto Paul Veyne considera que só os fatos verdadeiros podem aspirar à dignidade da história, para Paul Ricoeur, cabe aos historiadores buscar a dignidade da objetividade, construindo, assim, suas próprias verdades.

Depois, resta a sedução dos percursos e das boas viagens que se abrem nas próximas páginas.

Notas

1. SHAKESPEARE, William. A tempestade, trad. Carlos A. Antunes, Biblioteca Clássica UnB, 1982

2. PINTO, Fernão Mendes. Peregrinação. Fac-símile da edição de 1952, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, p. 329.

3. VEYNE, Paul. Como se escreve a história, Lisboa, Edições 70, 1983, p. 22.

4. RICOEUR, Paul. História e verdade, trad. F. A. Ribeiro, Rio de Janeiro, Forense, p. 9.

5. Idem, p. 23.

Paulo Miceli


MICELI, Paulo. Apresentação. História Social. Campinas, n.10, 2003. Acessar publicação original [DR]

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História e Religião / História Social / 2000

Com este sétimo número, a revista História Social, dirigida e editada pelos alunos do Programa de Pós-graduação em História da Unicamp, apresenta algumas importantes alterações que já tinham sido propostas em números anteriores: um novo Conselho Editorial, renovado anualmente, maior abertura à colaboração externa, ou seja, a publicação de artigos de alunos e de profissionais de outras instituições acadêmicas e não apenas daqueles ligados ao programa da Unicamp, bem como a abertura para novos e instigantes temas, além dos normalmente privilegiados pela revista.

Como em outros números, o principal objetivo deste foi o de divulgar, cada vez mais, trabalhos inéditos e de qualidade, que se inserem no debate historiográfico brasileiro. Com esse intuito, trazemos em torno do dossiê História e Religião importantes questões teóricas e metodológicas para o debate não só das relações entre a(s) História(s) e as Religiões, como inquietações de historiadores que se preocupam com a religiosidade brasileira, com as experiências de vários sujeitos históricos e com os discursos que produzem diversas — e muitas vezes contraditórias — realidades a serem analisadas e desconstruídas. Como se poderá ver neste número e nos seguintes, História Social, sensível aos novos temas e aos novos olhares, apresenta objetos, fontes, desafios e reflexões que se esforçam em oxigenar o debate e abrir perspectivas de pesquisa e escrita ao historiador.

No Dossiê História e Religião, Renata Cardoso Beleboni apresenta sua entrevista com Jean-Pierre Vernant sobre o homem grego e seu espírito livre. Anderson J. Machado de Oliveira propõe uma reflexão sobre o papel da Festa da Glória como elemento de resistência cultural no Segundo Reinado, na cidade do Rio de Janeiro. Anna Paola P. Baptista expõe e analisa as novas interpretações aos valores espirituais, tradicionalmente compartilhados pelo catolicismo ocidental, oferecidas pelas obras de arte sacra na primeira metade do século XX. Gláucia Regina Silveira, inspirada pela oposição entre o racionalismo e o espiritualismo no século XIX, mostra a aliança estabelecida entre a prática médica e o mundo fora da matéria. Marcia Janete Espig aborda aspectos do Milenarismo, próprio ao movimento do Contestado (1912- 1916), relacionando-o a elementos importantes de seu imaginário. Marilda Santana da Silva discute o envolvimento de algumas mulheres das freguesias de Minas Gerais colonial com o Tribunal Eclesiástico, ali instalado em 1745 com a criação do Bispado de Mariana. Marta Rosa Borin, para problematizar alguns dogmas católicos e algumas práticas que a Igreja, após o Concílio Vaticano II, queria esquecer, mas que o movimento de Schoenstatt insistia em manter vivas, analisa a perseguição a João Luiz Pozzobon.

Na seção “Artigos”, Eliana Almeida de Souza Rezende discute as concepções de higiene, cidade e indivíduo, em voga no começo do século XX em São Paulo, a partir de imagens produzidas pelo doutor Geraldo Horácio de Paula. John D. French utiliza o método de estudo de comunidade para investigar a participação feminina de base na política e na mobilização da classe operária após a Segunda Guerra Mundial, na região da Grande São Paulo. João Fábio Bertonha apresenta aspectos da vida e do pensamento de Francesco Frola e sua importância dentro do movimento antifacista italiano mundial e, especialmente, no Brasil. Silvia Helena Zamirato faz uma reflexão sobre as mudanças que a cidade de São Paulo experimentou no período de 1930 / 1940, quando novos personagens fizeram-se presentes em suas ruas, engrossando as fileiras da miséria urbana.

Este número conta ainda com a apresentação dos arquivos do poder legislativo por Dainis Karepavs, além de resenhas e comentários de livros recentemente lançados que discutem variados temas da historiografia brasileira. Finalizando, recebe destaque a relação de dissertações e teses defendidas no Programa de Pós-graduação em História da Unicamp e os resumos e abstracts dos artigos apresentados pela revista.

Agradecemos a todos que participaram conosco deste sétimo número da Revista História Social.

O Conselho Editorial

Conselho Editorial. Apresentação. História Social. Campinas, n.7, 2000. Acessar dossiê [DR]

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Patrimônio Urbano e História / História Social / 1999

História Social é uma revista anual dirigida e editada pelos alunos do Programa de Pós-Graduação em História Social da UNICAMP. Desde o seu primeiro número, em 1994, a revista sofreu algumas mudanças, não apenas no seu Conselho Editorial, renovado anualmente, mas também nos seus objetivos e aspirações. Em primeiro lugar, a abertura cada vez maior à colaboração externa, que tem origem na apresentação freqüente de textos originais de procedências diversas, e não apenas aqueles oriundos do programa de pós-graduação na UNICAMP. Isso prova que História Social já se tornou uma opção respeitável para a publicação dos pesquisadores em história do país. Na tentativa de consolidar essa posição, tentamos também reforçar a abertura a temas atuais, promovendo entrevistas com importantes historiadores contemporâneos e traduzindo contribuições significativas do debate historiográfico. A consolidação da estrutura da revista, dividida em seções fixas – dossiê, artigos, tradução, fontes e arquivos, entrevistas e resenhas – responde a esse mesmo impulso de estabelecer com mais clareza os espaços de publicação em História Social.

É preciso também lembrar algumas das características da organização interna da revista: seu comitê editorial é composto por alunos do Programa de Pós-Graduação em História Social da UNICAMP; além deste há um comitê científico, renovado bi-anualmente e formado por professores ligados ao Programa; enfim, a partir do próximo ano, entrará em atividade também um corpo de consultores, reunido a cada número da revista, e constituído por professores de várias instituições de ensino e pesquisa no país e fora dele, que foram ex-alunos deste Programa. O objetivo do novo conselho, além de multiplicar as trocas acadêmicas entre as diferentes gerações de alunos e as diferentes instituições em que estes colaboram, é, especialmente, o de intensificar o intercâmbio intelectual e tornar mais plural e rico o debate em torno da revista.

Junto a isso, estamos mantendo a tradição de transparência no processo de seleção dos artigos – marca particular de História Social –, onde a autoria das colaborações e dos pareceres é conhecida, tornando público, para os interessados, os critérios e responsabilidades envolvidos nas avaliações.

Estamos tentando sedimentar as bases para as transformações futuras – e necessárias – que a revista deverá passar nos próximos números: vencer o desafio de uma periodicidade semestral estável, a busca pelo cadastro nos indexadores nacionais e internacionais de história, a ampliação do alcance desta publicação no meio acadêmico dos historiadores. Todo esse esforço presente seria inútil sem a colaboração do corpo discente do Programa de Pós-Graduação em História Social da UNICAMP, tanto em sua participação no Conselho Editorial quanto no envio de artigos e resenhas; do mesmo modo os professores do Programa, com seu apoio intelectual e logístico, e a Coordenação da Pós-Graduação, que apoiou financeiramente a realização deste número. Agradecemos ainda a gráfica do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), que imprime História Social.

Este sexto número da revista traz uma série de colaborações importantes. Em torno do tema do dossiê – Patrimônio Histórico –, apresentamos uma entrevista, feita por Ana Cláudia Brefe, com Pierre Nora, o historiador francês que publicou, entre outras coisas, Les Lieux de mémoire. Além da entrevista, Ana Rosas Mantecón trata em seu artigo das representações elaboradas pelas classes populares sobre o patrimônio histórico na cidade do México; Carlos Kessel, por outro lado, trata das polêmicas arquitetônicas em torno do estilo “neo-colonial” no Brasil nas décadas de 20 e 30, enquanto Marly Rodrigues discute, através da experiência do CONDEPHAT, em São Paulo, os sentidos e alcances das idéias de patrimônio e memória. Para além do dossiê, apresentamos a tradução do artigo do historiador italiano Giovanni Levi, onde polemiza com parte da história cultural contemporânea, representada pelo trabalho de Robert Darnton, influenciada pelo antropólogo americano Clifford Geertz. Em seu artigo, Benito Schmidt explora as representações utópicas que um militante operário dos fins do século XIX construiu em torno da idéia de uma cidade / sociedade socialista. Na seção “Fontes e arquivos”, João Fábio Bertonha apresenta os arquivos diplomáticos brasileiros, italianos, ingleses e americanos, discutindo sua riqueza para a história social no país. A seção de resenhas esquadrinha algumas das contribuições em torno da história social publicadas recentemente.

O Conselho Editorial


Conselho Editorial. Apresentação. História Social. Campinas, n.6, 1999. Acessar publicação original [DR]

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História social inglesa / História Social / 1997-1998

Com esse volume História Social chega a seu quinto número. A quantidade e a qualidade das contribuições recebidas nos levaram a optar pela edição de um número duplo.

Na seção Artigos, Luciana Arêas e Jaime Rodrigues apresentam resultados inéditos de pesquisas. “As comemorações do 1º de maio” e “Ferro, trabalho e conflito”, os autores dialogam com a temática do dossiê desta edição.

A seção Dossiê, “História social inglesa”, é composta pela transcrição inédita da mesa redonda “A era de Hobsbawm”, promovida pelo Instituto Cajamar (SP) em 1992, com a participação de Nicolau Sevcenko, Marco Aurélio Garcia, Michael Hall e José Sérgio Leite Lopes que debateram com Eric Hobsbawm sua obra. A influência e a atualidade da história social inglesa na historiografia brasileira justifica a organização de um dossiê especial dedicado ao tema. Os artigos de Ana Paula Vosne Martins, Artur Vitorino e Ana Rosa Cloclet são o resultado de um longo debate que se realiza no programa de pós-graduação em História Social da Unicamp. Os três autores discutem a obra de E. P. Thompson sob diferentes perspectivas: enquanto Cloclet traça uma relação entre o historiador inglês e a escola dos Annales, Martins o faz com relação ao conceito de gênero e Vitorino critica o conceito central de experiência na obra do autor de A formação da classe operária inglesa. Por fim, para além da obra individual dos dois historiadores ingleses citados acima, com a tradução do artigo de Miles Taylor, “As guinadas lingüísticas na história social britânica”, procuramos apresentar ao leitor brasileiro recente balanço historiográfico nesta área.

Na seção Resenhas continuamos priorizando a reflexão sobre livros de pesquisadores ligados ao programa.

Nesse número, Fontes e Arquivos, traz um informe sobre o arquivo e a biblioteca da Academia Brasileira de Letras e o documento “Requerimento dos escravos da Nação ao Imperador, 1828”. Inauguramos uma nova seção, Dissertações e Teses, trazendo as referências dos trabalhos defendidos no Departamento de História no ano de 1997.

Agradecemos a todos que colaboraram com este número e aproveitamos a ocasião para informar o nosso novo e-mail: [email protected].

Esse número duplo consolida a proposta inicial de uma revista feita por alunos para a divulgação de resultados de pesquisas desenvolvidas por colegas das mais diversas áreas de estudo. Consolida também a importância da renovação constante do Conselho Editorial, bem como da experiência profissional propiciada aos seus participantes. Esperamos que nossos leitores apreciem esta edição de História Social e tenham a mesma satisfação em lê-la que tivemos em organizá-la.

O Conselho Editorial


Conselho Editorial. Apresentação. História Social. Campinas, n.4-5, 1997-1998. Acessar publicação original [DR]

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África do Sul / História Social / 1996

Não poderia nos trazer maior satisfação o lançamento do número 3 de História Social, revista do corpo discente do Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp. Afinal, embora o número anterior já tenha concretizado boa parte das propostas da revista, o trabalho de divulgação e debate da pesquisa histórica só adquire significado no estabelecimento de sua continuidade.

História Social tem conseguido boa aceitação em meio a colegas do Brasil e do Exterior, sendo que cresceram significativamente as contribuições enviadas na forma de artigos de pesquisa, traduções, informes e resenhas. Seu correio eletrônico, [email protected], desde o momento de abertura, já recebeu cerca de 50 mensagens de colegas interessados em apoiá-la, conhecê-la melhor, saber quais são as normas para publicação (sempre republicadas ao fim de cada número), e em enviar contribuições. Reforçamos nosso princípio no sentido de estreitar ainda mais as relações da revista com os alunos do programa através de permanente troca de contatos via correio eletrônico, cartas ou pessoalmente. Igualmente, recebemos livros e revistas, material doado para a Biblioteca do IFCH. Livros recebidos, conforme é de praxe, serão resenhados. Logo, não deixem de incluir História Social na lista de divulgação de suas publicações.

O presente número conta com os artigos A tutela e o contrato de soldada: a reinvenção do trabalho compulsório infantil, de Gislane Campos Azevedo; Hayden White, a ironia e os historiadores, de João Tristan Vargas; As representações travestidas de militante, de Luiz Rogério Oliveira da Silva; e O movimento operário da construção civil santista durante a Primeira Guerra Mundial, 1914-1918, de Fernando Teixeira da Silva e Maria Lúcia Caira Gitahy. Conta também com a tradução de artigo de François Hartog sobre a obra de Pierre Nora (Tempo e história: “como escrever a história da França hoje?”), além das seções “Resenhas” e “Fontes e Arquivos”.

E ainda traz outras novidades, pois, com o objetivo de ampliar suas áreas de atuação, História Social passa a contar com as seções “Dossiê” e “Entrevista”. A primeira irá trazer sempre mais de um ponto-de-vista sobre um mesmo tema, enquanto a segunda visa o debate com pesquisadores ou a divulgação de entrevistas em história oral. Neste número, “Dossiê” aborda a situação da África do Sul, a trajetória de seu processo democrático e suas relações com a produção historiográfica. Estes sãos os temas tratados na entrevista exclusiva com Eddie Webster (Sair da sala de aula e ouvir os trabalhadores) e no artigo de Edgar Pieterse, (Reflexões sobre os movimentos sociais urbanos na África do Sul numa “era de globalização”).

Agradecemos as colaborações enviadas para este número e ratificamos outro de nossos princípios: o de incrementar o envio de colaborações e a participação tanto dos alunos da pós em história quanto dos colegas de outras universidades e institutos de pesquisa. Isso significa duas coisas: queremos conversar com todos os interessados em renovar o Conselho Editorial e, historiadores e historiadoras!, não deixem de remeter artigos, traduções, livros, resenhas, entrevistas e informes. Só assim História Social se firmará em caráter definitivo.

Por fim, numa época em que a pesquisa acadêmica em história se vê desafiada, entre outras dificuldades, por cortes no fomento institucional, é com positividade que tomamos conhecimento, e divulgamos, tantos trabalhos interessantes em nossa área.

O Conselho Editorial


Conselho Editorial. Apresentação. História Social. Campinas, n.3, 1996. Acessar publicação original [DR]

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História Social | Unicamp | 1994-2013

hISTORIA SOCIAL UNICAMP História Social

A revista História Social (1994-2013) é uma publicação acadêmica de responsabilidade dos alunos do Programa de Pós-Graduação em História do IFCH/UNICAMP.

Tem por finalidades: publicação de trabalhos históricos e historiográficos inéditos, na forma de artigos; divulgação de resenhas, traduções e entrevistas relativas a temáticas históricas; divulgação de fontes e arquivos para a pesquisa na área de História; divulgação de dissertações e teses defendidas no Programa de Pós-Graduação em História da UNICAMP.

Periodicidade semestral (a partir de 2008).

[Acesso livre].

ISSN 2178-1141 (Online)

ISSN 1413-7046 (Impresso)

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