Patrimônio Cultural e Ensino de História / Mnemosine Revista / 2016

Ensinar história por meio de registros culturais é considerar que professores e professoras têm no próprio vivido seu objeto de ensino e aprendizagem. A sociedade em seus gestos arbitrários de lembrança e esquecimento produz rastros materiais e práticas culturais vinculadas a tradições, sons, saberes, que, potencialmente, servem para identificar as disputas simbólicas implicadas nos usos que são feitos do passado.

Tanto professores quanto estudantes em contato com registros culturais elaboram narrativas que são tensionadas frente à narrativas acadêmicas e à história ensinada. As narrativas elaboradas são híbridas e exercem influências nas matrizes curriculares. Os estudantes elaboram sentidos em diálogo com a história ensinada pelos professores que, por sua vez, utilizam das percepções subjetivas e propõem outras formas de entender a história, mais próxima do vivido, incorporando lembranças despertadas no contato com o patrimônio cultural.

Esse movimento é interferente na cultura escolar. As estratégias de uso educativo do patrimônio geram um saber ensinado original, em diálogo com outros materiais pedagógicos em sala de aula.

Este dossiê reúne artigos que refletem sobre as práticas de memória e aprendizagens da história. Textos que se propõe a compreenderas potencialidades de do trabalho com fios de memória tecidos por disputas simbólicas, em que estão presentes gestos de esquecimento, exercícios de rememoração e intencionalidades educativas. Vincula-se aos estudos que configuram os diferentes espaços formativos que interpretam o vivido por meio da cultura material e que se propõe a analisar sujeitos ignorados por uma narrativa histórica canônica e triunfalista.

O primeiro artigo discute a memória histórica na tensão com as narrativas produzidas em livros didáticos e outros materiais disponibilizados na escola. Joan Pagés e Joan Llusá (Universidade Autônoma de Barcelona) apresentam experiências desenvolvidas na formação de professores e alunos da educação básica. Com foco nas memórias traumáticas, analisam como os sujeitos constroem tramas narrativas em que estão presentes gestos de lembrança e esquecimento. O uso da história oral é destacado como método para verificar esses gestos na confrontação com o que é ensinado nas escolas.

O artigo de Vitória Azevedo da Fonseca intitulado Educação Patrimonial Encontra o Ensino de História: perspectivas teóricas em práticas educativas, propõe uma reflexão sobre o uso do patrimônio em sala de aula. A autora apresenta atividade construídas em salas de aula da educação básica focadas em uma educação sensível que são interferentes na elaboração de sentidos para a disciplina história.

Em outra perspectiva, Marcela Mazilli apresenta as construções simbólicas que estão presentes na elaboração das narrativas museais. Em Museu do Diamante: o projeto de construção de uma identidade nacional por meio da criação de museus em Minas Gerais pelo SPHAN nas décadas de 1940-1950, a autora revela os projetos políticos presentes no colecionismo que deram origem aos museus no Brasil na década de 40. Apresenta, em diálogo com a educação, um espaço potente para o debate sobre a nacionalidade e as escolhas arbitrárias presentes nos museus.

Leonardo Palhares e Helena Azevedo analisam a presença do ausente quando discutem escolhas feitas por professores da educação básica no ensino da história e cultura indígena. Os autores apresentam experiências desenvolvidas em uma escola de Belo Horizonte em que os estudantes expressaram suas concepções acerca dos povos indígenas por meio de imagens. Questionam em que medida os livros didáticos mobilizados por professores em sala de aula possibilitam uma reflexão sobre a cultura indígena na medida em que muitos apresentam estereótipos sobre esses sujeitos esquecidos em uma narrativa histórica canônica e triunfalista.

O artigo subsequente destaca a legislação pertinente sobre a educação indígena em diálogo com conceitos presentes em uma literatura especializada. Elisom Pain, Patrícia Magalhães e Tatiana de Oliveira Santana, propõem olhar para a educação escolar indígena em processos na relação com o patrimônio cultural. No artigo Educação Escolar Indígena como Patrimônio Cultural, os autores discutem as leis relacionadas a educação indígena interconectadas a conceitos como de interculturalidade e entre- lugar.

Luciano Roza apresenta a possibilidade de discutir a positivação das memórias afro-brasileiras e africanas em museus digitais. Em seu artigo O Museu Digital da Memória Afro-Brasileira e Africana: potencialidades para o reposicionamento da experiência histórica afro-brasileira no mundo virtual discute as transformações nas representações sobre o negro no questionamento de narrativas históricas trazendo como possibilidade o uso da internet. O autor questiona em que medida esses instrumentos são usados para revelar o protagonismo de sujeitos antes subalternizados pelo discurso histórico ou se também podem circunscrever o passado do negro a eventos muito específicos impossibilitando a representação de suas ações a movimentos políticos mais amplos como o processo de independência do Brasil, por exemplo.

Os quatro últimos artigos estão focados na chamada educação museal. A Educação Museal é um processo no qual são ofertadas atividades pedagógicas pelos pelas instituições de guarda e preservação, mas também propostas por professores que realizam visitas com estudantes a esses espaços de formação e outros sítios e monumentos cuja questão da memória e do patrimônio cultural implique em uma abordagem educativa. Esse processo está relacionado à capacidade dos museus de produzirem conhecimentos. Os museus são instituições privilegiadas que propõem uma narrativa memorial constituída na visualização de objetos de cultura material, legendas, focos de luz, totens multimídia, entre outras soluções expográficas. Dessa forma, a educação por meio dos museus se estabelece na visualização de bens materiais expostos ao olhar que potencializam a aprendizagem sensível da cultura

Soraia Dutra e Maria do Céu analisam experiências educativas desenvolvidas em Inhotim, a partir de materiais pedagógicos disponibilizados para professores no projeto Descentralizando o acesso. As autoras investigam ações desenvolvidas por professores que utilizaram desses materiais e propõe discutir como museus e escolas podem estabelecer parcerias garantido a especificidade de cada espaço institucional.

Júlio César Virginio em Práticas de Memória em Ensino de História: as ressonâncias de uma prática com o museu, apresenta as potencialidades do espaço museal para ensinar história. Em seu texto, apresenta reflexões sobre as ressonâncias de uma prática educativa no ensino de história desenvolvida em um museu da cidade de Belo Horizonte no ensino da Pré-História do Brasil. Segundo o autor, a prática educativa e de memória é parte de um processo iniciado antes da visita e que prossegue após a visita, considerando as dinâmicas próprias da sala de aula.

Marlene Jéssica Souza Brito e Elizabeth Aparecida Duque Seabra em Saberes dos estudantes sobre patrimônio Cultural nas aulas de história apresentam os resultados iniciais de um projeto de trabalho desenvolvido junto a estudantes do ensino fundamental e médio na cidade de Couto de Magalhães de Minas, na região do Alto Jequitinhonha. O trabalho aponta as formas como os estudantes se apropriam do patrimônio cultural da cidade frente às demandas de preservação e como utilizam esses espaços públicos. A partir das respostas dos estudantes frente à questão da memória e patrimônio local foram elaboradas categorias capazes de entender o movimento de apropriação que inclui valores econômicos, afetivos, identitários e históricos.

Em outro artigo, Soraia Dutra expõe resultados de uma pesquisa feita no setor educativo do Museu Histórico Abilio Barreto. Em A Reinvenção do Museu e o Reencontro com a Escola, a autora debate sobre a importância de estruturação setores educativos nos museus. Localiza ações desenvolvidas no MHAB e analisa expectativas dos professores na relação com o museu, discutindo a escolarização de práticas pedagógicas.

Por último, Jezulino Lúcio, Maria Fernanda e Laudiene Maciel relatam uma experiência desenvolvida na cidade de Campanha, Minas Gerais, em que usam o museu e a cidade em processos formativos com professores e estudantes de uma escola pública. Em Itinerários e Visões da Cidade: Educação para o Patrimônio nas Relações com as Narrativas Visuais da História, os autores debatem o espaço urbano e as relações subjetivas impresas em modos de ver e sentir a cidade nas práticas culturais que são definidoras de identidades. O projeto desenvolvido na cidade de Campanha estabeleceu relação entre a narrativa do Museu Regional do Sul de Minas e o espaço urbano. Por meio de atividades formativas com professores e estudantes, discutimos o patrimônio oficializado pela politica publica municipal e os gestos arbitrários da narrativa museal, ao mesmo tempo em que revelamos outras formas de ler a cidade estimulando habilidades visuais, auditivas e táteis.

Esperamos que esse dossiê possa estimular atividades que considerem as referências culturais para o ensino de história compreendendo as potencialidades de aprendizagens que rompem com visões unívocas sobre o nosso passado. Os textos apresentam os diferentes espaços formativos que interpretam o vivido por meio das referências culturais, em metodologias aplicadas no contexto escolar e fora dele. Consideramos ainda que o debate proposto contribui para um ensino de história sensível, crítico e reflexivo que têm como foco a rediscussão do lugar de grupos esquecidos pela escrita da história nos processos de luta e transformação política e social.

Jezulino Lúcio Mendes Braga – Doutor. Departamento de Organização e Tratamento da Informação Escola de Ciência da Informação Universidade Federal de Minas Gerais

Elizabeth Aparecida Duque Seabra – Professora de Prática de Ensino de História Coordenadora do PIBID UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI


BRAGA, Jezulino Lúcio Mendes; SEABRA, Elizabeth Aparecida Duque. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.7, n.4, out / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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