Natureza em Boiões: medicinas e boticários no Brasil setecentista | Vera Regina Beltrão Marques

O universo dos saberes e das práticas medicinais no período colonial vem sendo tema de importantes trabalhos. Somando-se à recente pesquisa de Márcia Moisés Ribeiro – que resultou no livro A ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII –, Natureza em Boiões: medicinas e boticários no Brasil setecentista, de Vera Regina Beltrão Marques, oferece-nos uma contribuição original ao estudo do problema.

Natureza em Boiões apresenta uma questão fundamental: a diversidade das raízes culturais das populações aqui residentes, mais do que a falta de médicos, teria sido crucial para a persistência de práticas de curas plurais nos trópicos. Em última instância, parte dos medicamentos receitados pelos doutos coimbrãos seria constituída por fórmulas resultantes da aproximação das culturas presentes no Brasil. Mesmo vulgarizados, muitos desses saberes provinham da intuição e do uso secular daqueles curandeiros e pajés conhecedores das matas, em caminhos nunca dantes palmilhados pelos colonizadores. Saberes muitas vezes relegados no plano do discurso por parte dos colonizadores, na prática, teriam sido fundamentais para a constituição da ciência farmacêutica moderna do Ocidente. Leia Mais

Preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga | Oracy Nogueira

Ao iniciar minha graduação em história, deparei-me, pela primeira vez, com estudos que desmistificavam noções, ainda freqüentes nos compêndios e livros didáticos, sobre a organização social brasileira. Trabalho importante fora, sem dúvida, Relativizando, de Roberto DaMatta (Rio de Janeiro, Rocco, 1990), por seu caráter introdutório e iconoclasta, no que concerne às relações interétnicas vigentes. Com o tempo, o acesso a uma tradição sociológica, antropológica e histórica, que, há muito, já tinha posto em xeque as premissas de uma “democracia racial à brasileira”, me permitiu a visualização desta ideologia de longa duração e o seu isolamento como objeto de análise.

No item ‘Digressão: a fábula das três raças ou o problema do racismo à brasileira’ (idem, ibidem, pp. 58-85), DaMatta realça o caráter colonial brasileiro, profundamente marcado por um sistema hierarquizado, implementado pelo branco, português, e definidor de uma lógica jurídica, política e socialmente discriminatória. Apesar de substituído, no decorrer do processo de independência e de abolição, não apenas deixaria marcas ‘tradicionais’ na nossa cultura, como teria a sua continuidade confirmada por uma ideologia, que traduziria a supremacia do branco frente aos outros grupos étnicos, consubstanciando, assim, o “racismo à brasileira”. Leia Mais