Comemorações / Revista Brasileira de História / 2011

Neste ano de 2011 a Anpuh está completando meio século, e a Revista Brasileira de História, 30 anos. Criada em 1961, por ocasião da realização do I Encontro de Professores Universitários de História, em Marília, com o objetivo de promover um intercâmbio entre os professores e as universidades, desde as sua origens a Anpuh se constituiu em um padrão para os seus congêneres nas demais faculdades de filosofia que estavam sendo criadas no país. Igualmente importantes para serem lembradas foram as lutas travadas no âmbito da Anpuh pela melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa histórica, bem como pela defesa dos princípios democráticos e contra o arbítrio e a repressão ao longo das décadas de 1960 e 1970. A recuperação de sua trajetória é uma contribuição importante para a compreensão da formação do campo da História como disciplina universitária e para a própria história das instituições de ensino e pesquisa no Brasil.

Em 1981 foi lançado o primeiro número da Revista Brasileira de História, com o objetivo de se constituir em um canal de divulgação da produção dos professores e historiadores brasileiros. Criada com o intuito inicial de suprir o vazio deixado pelo fim da publicação dos Anais dos Simpósios da Anpuh, que até 1978 divulgaram os trabalhos ali apresentados, a Revista Brasileira de História veio ao encontro das conquistas no campo científico e da necessidade de sua divulgação. De acordo com a apresentação da professora Alice Canabrava, sua primeira editora, uma parte do periódico deveria dar publicidade a artigos originais sobre pesquisas de História ou de seu interesse. A atualização permanente com respeito à bibliografia histórica seria objeto de outra seção. Foi considerada, de início, especialmente a produção dos periódicos consagrados à História, nacionais e estrangeiros, no sentido de proporcionar aos professores e pesquisadores uma contribuição que viesse suprir a carência das bibliotecas universitárias. Essa informação bibliográfica deveria ser ampliada para divulgar também comentários de obras históricas. Finalmente, o “Noticiário” deveria tornar mais conhecida a atividade dos Núcleos Regionais, “dar maior publicidade aos conclaves de História realizados no país e no exterior e a outros assuntos de interesse para os que militavam no campo da História” (RBH, v.1, n.1, 1981, p.9).

Com periodicidade semestral, a RBH já publicou 61 números e um total de 764 textos, sendo 598 artigos e 166 demais contribuições (resenhas, entrevistas, apresentações etc.), atingindo mais de 4 milhões e 700 mil acessos no site SciELO (contabilizados de 1998 até a atualidade). Aproveitando a comemoração dos 30 anos da RBH, acompanha esta edição um índice completo dos textos publicados entre 1981 e 2010.

A partir do número 59, a RBH iniciou uma nova etapa, tornou-se somente digital e passou a oferecer uma versão completa em inglês. Essas inovações visam ampliar o escopo de circulação do periódico, permitindo o acesso à nossa produção de um público não conhecedor da língua portuguesa, bem como agilizar a consulta dos volumes novos e antigos. Um balanço dos acessos aos textos da RBH na internet nos mostra a dimensão e a repercussão que nossa produção pode alcançar através da web.

Nos últimos dez números, a quantidade de acessos por mês foi superior a 20 mil (mais de 240 mil / ano), uma abrangência impensável para os impressos, confirmando a grande importância da internet na disseminação dos conteúdos da RBH e fazendo da web um instrumento precioso para a divulgação da historiografia produzida no Brasil e sobre o Brasil. O sucesso desse empreendimento, resultado do esforço coletivo da comunidade dos profissionais de História, merece ser festejado, e por isso elegemos como tema deste dossiê as “Comemorações”.

Esse duplo aniversário, da Anpuh e da RBH, constitui um momento importante de comemoração. Como historiadores, sabemos que comemorar não é um ato sem maiores implicações, pois envolve escolhas e projetos. Comemoração é a cerimônia destinada a trazer de volta a lembrança de pessoas ou eventos, algo que indica a ideia de ligação entre os homens, fundada sobre a memória. Essa ligação também pode ser chamada de identidade. E é exatamente porque permitem legitimar e atualizar identidades que as comemorações públicas ocupam um lugar central no universo contemporâneo.

As sociedades contemporâneas, preocupadas com a aceleração do tempo e com o aumento da capacidade de esquecer, têm demonstrado grande interesse em retomar o estudo da memória e de sua própria história. Assim, emerge a necessidade permanente de constituir novas formas de preservação, de memorização, de arquivamento. As modalidades de comemorações assumem formas diversificadas de acordo com os objetivos a alcançar: o sentido de muitas delas é o de reforçar concepções e valores, promover o consenso, a harmonia entre os grupos ou atores sociais, mas podem também desencadear conflitos ou tensões. Nesta virada do milênio, grandes desafios se colocam para a sociedade brasileira, especialmente para nós, professores de História e historiadores. Olhar para trás parece ser útil para melhor descortinar o caminho à frente. Assim, ao recuperarmos aspectos da nossa história comemorando os aniversários da Anpuh e da RBH por meio deste número, temos como intenção transmitir para a comunidade de professores e historiadores um pouco do que fomos, o que somos e o que queremos ser.

Neste número, o dossiê “Comemorações” traz nove artigos: Hendrik Kraay em seu texto, “Alferes Gamboa e a Sociedade Comemorativa da Independência do Império, 1869-1889”, apresenta o estudo das festas da Independência brasileira promovidas por essa Sociedade no Rio de Janeiro e revela um significativo engajamento popular com o Estado imperial; Jaime de Almeida, em “Um lugar de memória e de esquecimento: Santa Librada, padroeira da Independência da Colômbia”, analisa como uma imagem religiosa de obscuras origens medievais tornou-se casualmente objeto de um culto cívico religioso voltado para a construção da memória da independência daquele país; Silvia Capanema Almeida, autora do texto “Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: conflitos memoriais na construção do herói de uma revolta centenária”, discute a consolidação da Revolta da Chibata (Rio de Janeiro, 1910) como um tema da memória nacional brasileira, mediante a análise de diferentes momentos e tentativas de recuperação, apropriação e comemoração do levante; Sílvio Correa no artigo “História, memória e comemorações: em torno do genocídio e do passado colonial no sudoeste africano” trata de algumas formas de compartilhar a experiência, do dever da memória e do reescrever da História no que tange ao genocídio durante a guerra colonial (1904-1907) no sudoeste africano; Marcelo Abreu no trabalho “Luto e culto cívico dos mortos: as tensões da memória pública da Revolução Constitucionalista de 1932 (São Paulo, 1932-1937)” analisa as tensões da memória pública desse movimento, baseando-se no estudo da invenção do culto cívico dos mortos em combate; Douglas Marcelino em “Os funerais como liturgias cívicas: notas sobre um campo de pesquisas” apresenta o processo de constituição de funerais em liturgias cívicas, destacando sua relação com outros fenômenos históricos, como a conformação dos imaginários nacionais, o processo de individualização moderno e as mudanças nas formas de lidar com a morte; Rodrigo Christofoletti no texto “Rapsódia verde: as comemorações do jubileu de prata integralista e a manutenção de seu passado / presente (1957-1958)” apresenta a série de eventos promovida em comemoração à trajetória do movimento fundado em 1932; Angélica Müller em “‘Você me prende vivo, eu escapo morto’: a comemoração da morte de estudantes na resistência contra o regime militar” analisa os ‘usos políticos do passado’ feitos pelos militantes do movimento estudantil na década de 1970, no intuito de reforçar a identidade associativa e legitimar a resistência contra a ditadura militar; finalizando o Dossiê, Marta Mega de Andrade no texto “O espaço funerário: comemorações privadas e exposição pública das mulheres em Atenas (séculos VI-IV a.C.)” estuda a comemoração funerária das mulheres em Atenas a partir dos epigramas. Trata-se de explorar a hipótese de que os contextos funerários, como espaços de ‘publicização’ e de exposição, mostram uma relação positiva da comunidade políade com as mulheres, através da valorização de temas como o das relações de philia e da recorrência de elogios derivados da tradição épica, em épocas anteriores destinados apenas aos elogios fúnebres masculinos.

A seção de avulsos apresenta seis artigos: Alexander Von Plato em seu texto “Mídia e Memória: apresentação e ‘uso’ de testemunhos em som e imagem” trata do registro de testemunhos, bem como dos efeitos desse registro e das mídias, em geral, sobre as pessoas entrevistadas; Eduardo Morettin no artigo “As exposições universais e o cinema: história e cultura” tem por objetivo examinar a presença do cinema nessas exposições entre 1893 e 1939; integrante de uma cultura visual construída por esses espaços dedicados a celebrar o capitalismo, o cinema tem sua trajetória identificada à das diferentes feiras mundiais pela sua capacidade de entreter e, ao mesmo tempo, educar; Diego Santos Vieira de Jesus e Verônica Fernandes, em “Do ‘terror suicida’ ao ‘bárbaro’: mídia e exclusão na política externa brasileira – o 11 de setembro segundo O Globo e a Folha de S. Paulo“, examinam a cobertura dos atentados de 11 de setembro de 2001 pelos jornais impressos de maior circulação no Brasil, no dia seguinte aos ataques, mostrando que a atuação de tais meios de comunicação foi fundamental na definição de práticas de exclusão no nível internacional; Tania de Luca no texto “A produção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) em acervos norte-americanos: estudo de caso” analisa a ação do DIP como editor e financiador de obras favoráveis ao regime, e a sua presença no exterior indicando os esforços do regime para atingir uma audiência internacional; Eugênio Rezende de Carvalho no texto “A dupla dimensão do movimento latino-americano de história das ideias” tem como propósito oferecer uma análise sobre a dupla dimensão do movimento intelectual de história das ideias, organizado na América Latina por volta da década de 1940, sob a liderança destacada do filósofo mexicano Leopoldo Zea (1912-2004); completando o conjunto, Alírio Carvalho Cardoso em “A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da União Ibérica (1596-1626)” discute os projetos existentes para a ocupação ou exploração econômica do antigo Maranhão, antes de 1625. Tais projetos – francês, inglês e holandês – concorrem com o plano luso-espanhol de ocupação da fronteira entre o Norte do Brasil e as Índias de Castela entre os séculos XVI e XVII.

Este número apresenta ainda quatro resenhas: Weder Ferreira da Silva analisa a obra Memórias e narrativas (auto)biográficas (organizada por Gomes & Schmidt); Diogo da Silva Roiz escreve sobre O alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro (1822-1853) (Reis; Gomes & Carvalho); Maria de Fátima Fontes Piazza focaliza O Café de Portinari na Exposição do Mundo Português: modernidade e tradição na imagem do Estado Novo brasileiro (de Luciene Lehmkuhl), e Helenice Rodrigues da Silva escreve sobre Pierre Nora – homo historicus (de François Dosse).

Acreditamos que os escritos aqui divulgados podem ser um estímulo para novas pesquisas e debates com vistas a fortalecer o campo de trabalho do profissional de história. Assim, convidamos nossos leitores a consultar o site da Anpuh e do SciELO e baixar nos seus computadores ou nos leitores digitais os artigos de seu interesse. Ainda que a publicação em papel possa fazer falta para alguns (e eu me incluo entre eles), o mundo digital cada vez mais abre novas portas e possibilidades.

Marieta de Moraes Ferreira
julho de 2011


FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.31 n.61, 2011. Acessar publicação original [DR]

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