La Europa Cosmopolita: sociedad y política en la segunda modernidade / Ulrich Beck e Edgar Grande

A obra La Europa Cosmopolita, publicada em 2006 pela editora Paidós em países de língua espanhola, é a última parte da série de estudos dividida em três volumes e escrita por Ulrich Beck sobre o cosmopolitismo, tendo como co-autor Edgar Grande2. Originalmente, o estudo foi apresentado ao público em 2004, ainda em alemão, sob o título Das kosmopolitische Europa: Gesellschaft und Politik in der Zweiten Moderne.

Contando com uma elaborada reflexão, os autores abordam na obra a sociedade de risco global, a possibilidade de uma modernização reflexiva e de realismo cosmopolita; fundamentos estes sobre os quais Beck e Grande discorrem suas análises sobre a ideia de Europa. Desse modo, a relação de temas colocada logo nas primeiras páginas do livro fornece ao leitor uma aparente sensação de afinidade com questões tradicionalmente cultivadas pela teoria crítica da Escola de Frankfurt. Preferivelmente a analisar a Europa como um mecanismo de mercado, os autores a vêem como um projeto dinâmico de política aberta, recorrendo a autores como Benedic Anderson para sugerir que a Europa precisa ser ―inventada‖, o que leva à discussão dos autores sobre o fato de que, ao invés de Europa, o que realmente existe é um processo de europeização.

Ulrich Beck e Edgard Grande discutem neste livro a possibilidade da principal dificuldade da europeização poder estar radicada no fato de que o projeto político que os europeus têm em mente não corresponde ao esquema que determina sua realidade. Sendo assim, necessita-se, segundo os autores, de um relato de europeização que torne compreensível a vinculação de fracassos e iniciativas (pp.15-21). Nesta circunstância, seria relevante que se repensasse a Europa, que se reconhecesse e entendesse as contradições da europeização, fundamentando seus momentos comuns em um novo conceito político de integração e em uma nova visão política; possibilidade de coexistência esta conceitualizada pelos autores como Europa cosmopolita.

A importância cultural da europeização radicada em um cosmopolitismo é caracterizada pelos autores através da fertilização cruzada de identidades e discursos com a qual se poderia relacionar um novo modelo cultural sócio-cognitivo, em que a ideia de Europa se tornaria realidade. Para Beck e Grande, a Europa não existe, o que existe é uma europeização entendida como um processo institucionalizado em transformação, obedecendo à lógica das consequências indiretas. A Europa é, deste modo, um projeto politicamente alternante e em permanente processo de transformação, ilustrando um estado de coisas que, na teoria de conjuntos imprecisos, é conhecido como a ―lei de incompatibilidade‖, ou seja, caso cresça a complexidade de um sistema, os problemas enunciados com sentido perdem sua determinação; e os enunciados determinados, seu sentido (pp.21-31). Entretanto, tal definição não significa a impossibilidade de se formular enunciados com sentido, e o conceito de cosmopolitismo, discutido por Grande e Beck, procura oferecer a chave para esta questão.

Os autores empregam o cosmopolitismo como um conceito caracterizado pela superação de dualismos, principalmente em sua dimensão global/local, nacional/internacional. A compreensão da europeização de forma cosmopolita apresentada caracteriza a preocupação com a transformação da subjetividade cultural e política, procurando determinar o conceito de sociedade européia como um caso regional, especial e histórico de interdependência global e de relação reflexiva. Contrário a um sistema de subordinação verticalizada, o cosmopolitismo seria o princípio da superação das diferenças, sendo sua condição de possibilidade, alegam os autores, o reconhecimento e o desenvolvimento das normas universais que permitem institucionalizar e fundamentar a igualdade do modo com que se trata o diferente. O sentido atribuído ao cosmopolitismo converte, por conseguinte, o reconhecimento da diferença em pensamento, convivência e ação, que exige um conceito de integração e identidade o qual permita a convivência sem que isto implique sacrificar a particularidade e a diferença em benefício de uma suposta igualdade. Vista desta forma, uma Europa cosmopolita seria uma Europa da diferença, reconhecida, aceitada e significada por limitações e regulações desta diferença – diferença e integração, lugar de diversidade como fonte da auto-consciência cosmopolita (pp.31-34).

O cosmopolitismo requer a existência de normas universais que permitam regular a relação com o diferente, e equilibrar a luta por reconhecimento de uma forma socialmente aceitável. Se o cosmopolitismo quiser garantir identidades e direitos coletivos, ele necessitará de um mecanismo político que permita produzir e estabilizar institucionalmente a diferença coletiva. Sem estes estabilizadores de diferença, o cosmopolitismo corre o risco de converter-se em universalismo substancial (pp.35-36). Esta racionalidade – que trouxe uma forma específica e complexa de etnocentrismo: uma globalização do jeito racional dominante ocidental de viver, que tem se tornado uma ameaça à vida das pessoas na maioria dos países não ocidentais; uma ameaça à peculiaridade de suas culturas e de suas próprias tradicionalidades identitárias – é muitas vezes vista como uma globalização das formas ocidentais de vida que não permitem lugar para as culturas diferentes. Nesse sentido, a modernização é uma ameaça à diferença e à variedade, guiada pelo princípio do etnocentrismo. Deste modo, nos encontramos diante do problema de uma intransponível lacuna entre diferença cultural e discurso universalista.

Assim entendido, o conceito de universalidade exclui e suprime a alteridade. Para lidar com esta generalização, e equilibrar a luta por reconhecimento, pode-se pensar a proposta de Jörn Rüsen, que sugere que se critique perspectivas diferentes pela projeção entre elas, e isso colocaria em movimento ambas as perspectivas, enriquecendo umas as outras3. Deste modo, a crítica poderia levar à integração. Este enriquecimento mútuo seria possível sobre uma certa condição expressa pela categoria universalística de igualdade argumentativa para a plausibilidade narrativa. Entretanto, uma tal tipologia das diferenças culturais precisa evitar o engano de um conceito de cultura como unidade previamente dada. Nesta direção, o cosmopolitismo europeu discutido por Beck e Grande propõe um método de conceitualização que procura evitar etnocentrismos bem como qualquer pressuposição de comparação que excluiria as culturas uma das outras, apresentando a alteridade de diferentes culturas como um espelho que habilita uma melhor compreensão de si mesmo, constituindo a peculiaridade de nossas próprias características culturais, e ocasionando uma inter-relação de culturas que permite às pessoas usarem o poder cultural de reconhecimento.

Para Beck e Grande, na Europa, a cosmopolitização do Estado tem dado origem a uma estrutura política que se baseia em pressupostos compartilhados de qualidade normativa, o que configuraria a possibilidade de respeito e reconhecimento baseado no consenso. Entretanto, os autores advertem que esta cosmopolitização do Estado também deveria se fundamentar na delimitação nacional, na livre vontade, nas interdependências transnacionais e no valor político, organizado e posto em prática pela tolerância constitucional; pela diversidade e incrementalismo transnacional; pelo pluralismo ordenado; pelo decisionismo reflexivo; e pelas afiliações múltiplas. (p. 133-139) Nesta interdependência global, a realidade se torna cosmopolita – sem obedecer a uma intenção, sem publicidade, sem obedecer a uma determinação, a um programa político, de forma completamente deformada, afirmam os autores. O surgimento deste cosmopolitismo estaria centrado em um projeto político que aponta à transformação das lealdades e das identidades em um mundo de múltiplas modernidades. Sendo assim, a europeização é entendida como um caso especial, como uma forma regional e histórica da gestão de fronteiras de interdependência global (pp. 171-174).

Outra questão importante para que a dimensão social possa ser generalizada, pressupondo que todos compartilham características básicas e que se reconheçam reciprocamente, é referida como a transnacionalização dos direitos humanos contra a soberania jurídica dos Estados nacionais, determinante para a criação de uma sociedade civil européia. Deste modo, a europeização da sociedade civil poderia criar as condições adequadas para realizar o experimento de vincular entre si direitos humanos e direitos civis, estatuto jurídico e identidade, formas de vida transnacional e participação política. Trata-se de europeizar as sociedades nacionais, de abri-las, de fazê-las permeáveis e receptivas umas às outras sem eliminar suas peculiaridades, incluindo seus provincianismos e suas limitações. Esta europeização horizontal dos Estados nacionais necessita, segundo Beck e Grande, de um humanismo cosmopolita; de uma dimensão social identitária, que compartilhe características básicas de humanidade (pp. 181-180). Sendo assim, compartilha-se da mesma qualidade normativa de ser um ser humano que configuraria uma possibilidade de respeito e reconhecimento.

Outro fator relevante para que se compartilhem características básicas de humanidade diz respeito ao fato de que a transformação interna das sociedades nacionais não poderia renunciar à experiência das guerras e das ditaduras e de sua assimilação política. Deste modo, criaram-se conceitos jurídicos e um tribunal situados além da soberania dos Estados nacionais, onde se idealizou uma prática político-jurídica que articula em forma de conceitos e de procedimentos jurídicos a ruptura da civilização representada pelo extermínio dos judeus organizado pelo Estado alemão4 (p.190). Esta categoria de ―crimes contra a humanidade‖ introduz uma nova lógica jurídica que rompe com a lógica baseada no conceito de nação, substituindo-o pelo princípio jurídico da responsabilidade cosmopolita. Se as tradições que deram lugar ao horror do holocausto eram européias, também eram os valores e os conceitos jurídicos com os que estes fazeres se julgaram ante o mundo como crimes contra a humanidade (pp. 191-192).

A discussão destes conceitos pode ser compreendida como resultado de desilusões políticas, ou como conseqüência de um aumento da sensibilidade moral, que diz respeito ao fato de termos nos tornado consciente do fato de que o reconhecimento da dignidade humana condensa um princípio central de justiça social. Deste modo, todo sujeito seria dependente de um contexto de formas sociais de interação regulada por princípios normativos de reconhecimento mútuo. Sendo assim, a integração normativa das sociedades seria substituída por princípios de institucionalização de reconhecimento que regulam compreensivelmente as formas de reconhecimento mútuo através do qual seus membros possam se relacionar no contexto social da vida. Se corroborarmos estas premissas, a consequência é que uma política ética, ou uma moralidade social, deveria ser fundamentada para a qualidade de garantias sociais de relações de reconhecimento.

Contudo, o tipo de cosmopolitismo apresentado por Beck e Grande parece sugerir algo mais do que a coexistência da diferença. Por essa razão, a perspectiva abordada pelos autores implica ainda o reconhecimento da dimensão transformativa dos encontros sociais. A fertilização cruzada que se dá quando as sociedades entram em contato conduz a formas sociais mais fixas e a uma certa lógica de convergência, que transcende a superficialidade da ―unidade na diversidade‖. Trata-se, deste modo, do fato da integração das sociedades envolver diferenciação e integração reflexiva. A europeização é compreendida pelos autores mais em termos de autotransformação reflexiva do que de princípios normativos. Sendo assim, a ideia de uma Europa Cosmopolita se baseia no princípio de unidade e diversidade, indo mais além no problematizar reflexivamente a subjetividade política da Europa.

A tarefa proposta por Ulrich Beck e Edgar Grande de se compreender a europeização de forma cosmopolita exige um conceito de integração e identidade que permita uma convivência, sem que isto implique sacrificar a particularidade e a diferença em benefício de uma hipotética igualdade. Entretanto, este cosmopolitismo requer a existência de princípios que permitam regular a relação com o diferente, e equilibrar a luta por reconhecimento. Este tipo de pensamento transcenderia os limites do etnocentrismo, sendo um compromisso para refletir, historicisar e universalizar os princípios básicos e determinantes do pensamento histórico, além de poder servir de escopo para se pensar a existência de princípios universais, bem como para que possa haver a regulação da relação com o diferente. Aqui se configura uma possibilidade de respeito e reconhecimento que estabilizaria a diferença, não havendo o risco do cosmopolitismo proposto por Beck e Grande, converter-se em universalismo substancial.

Notas

2. Ulrich Beck é sociólogo, professor da universidade Ludwig-Maximilians, de Munique, e da Escola Londrina de Economia e Ciências Políticas. Desde 1992, tem sido professor de Sociologia e diretor do Instituto de Sociologia da Universidade de Munique. De 1995 a 1997 foi membro da Comissão para Questões Futuras do Estado da Bavária e Saxônia. É editor, desde 1980, do jornal de Sociologia Soziale Welt, e autor e editor de vários artigos e livros, além de ser um dos principais tradutores de idéias sociológicas contemporâneas do alemão para o inglês. Sua importância no campo da Sociologia, e das ciências sociais em geral, é incontestável, julgando sua extensa e ininterrupta evidência de publicações em alemão e inglês desde a publicação de seu determinante Risk Society, em meados de 1980. Edgar Grande é cientista político e ex-professor da Universidade de Konstanz . Desde de 2004 é professor de política comparada no Instituto de Ciências Políticas Geschwister-Scholl, da Universidade Ludiwig-Maximilians, de Munique.

3. Ver: RÜSEN, Jörn. Towards a new idea of humankind – unity and difference of cultures in the crossroads of our time. Working Papers n.2. Kulturwissenschaftliches Institut, Essen; University of Witten/Herdecke; University of Duisburg-Essen. Essen, 2006. _____ Comparing cultures in intercultural communication. In. FUCHS, Eckhardt; STUCHTEY, Benedikt. Across cultural borders: historiography in global perspective. p.335-348. Rowman&Littlefield, 2002.; _____. How to overcome ethnocentrism: approaches to a culture of recognition by history in the twenty-first century. In. History and Theory. Theme Issue 43. p.118-129. Wesleyan University, 2004.

4. Em toda a Europa existe uma disputa cada vez maior sobre a subjetividade política de novas formas de comemorações pós-nacional baseadas no perdão e no reconhecimento das vítimas. A recordação do Holocausto é paradigmática destas formas de comemorações. Deste modo, é característico que uma ética da memória se converta em um cenário para o discurso público sobre a natureza da identidade histórica.

Johnny Roberto Rosa – Mestrando em História Cultural pela Universidade de Brasília – UnB. Bolsista Capes. Contato com o autor: [email protected].


BECK, Ulrich; GRANDE, Edgar. La Europa Cosmopolita: sociedad y política en la segunda modernidad. Barcelona, Buenos Aires, Mexico: Paidós, 2006, 392p. Resenha de: ROSA, Johnny Roberto. Em Tempo de Histórias, n.16, p.191-195, jan./jul., 2010. Brasília, Acessar publicação original. [IF].