Conhecimento histórico e internet / Aedos / 2011

É com grande satisfação que apresentamos a edição n° 8 da Revista Aedos, tratando de um assunto cada vez mais presente na atividade de pesquisa histórica: a Internet. O meio digital, ao qual essa mesma revista deve sua existência e circulação, permite ao historiador trocar e produzir dados que elevam o conhecimento a um novo patamar, seja pela digitalização de documentos e acervos, seja através de projetos institucionais de recuperação de fontes, ou ainda a elaboração estatística de dados informatizados. Revolucionando as comunicações e formas de armazenamento e indexação de informações, que tipo de consequências esse processo gera no campo da História? Como a pesquisa vem sendo transformada por esse acesso antes impensado à informação?

A proposta do dossiê é refletir sobre a utilização desse instrumento, uma vez que, através dele, o acesso ao conhecimento histórico foi massificado, revolucionando também o ensino e as práticas escolares, sobretudo pela riqueza de material audiovisual ao alcance de poucos cliques. A notável defasagem entre o uso da Internet na produção e reprodução do saber historiográfico e a pouca problematização feita sobre o assunto torna-se interessante campo de debates e é nesse sentido que os artigos que compõem o dossiê são apresentados. Abrindo a discussão proposta, Fábio Chang de Almeida, em “O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas”, aborda a utilização desse tipo de fonte no ofício do historiador, especialmente daqueles voltados para o estudo do Tempo Presente que, com o advento da Internet, passaram a contar com inesgotável aporte de fontes. Em “Reflexões sobre a modernidade, a tecnologia e a educação: o legado iluminista na Era da Wikipédia”, Israel Aquino analisa o impacto das novas tecnologias sobre a produção e disseminação do conhecimento, sobretudo através da popular experiência da Wikipédia, a enciclopédia virtual e colaborativa da Internet, trazendo relato de experiências desenvolvidas sobre a temática. Uma aplicação do tema à pesquisa histórica pode ser observada em “Akira: porque o pesadelo já começou”, no qual Vitor Batalhone Junior estabelece uma descrição iconográfica e um estudo iconológico do animê Akira a partir de fontes virtuais, disponíveis na Internet.

A seção de artigos diversos conta com publicações das mais variadas temáticas e debates historiográficos. Rosemere Olimpio Santana, em “Pérfida ou ingênua – a visibilidade da mulher paraibana através dos jornais e de casos de rapto – 1880-1910”, apresenta a construção de um discurso que deu visibilidade às práticas amorosas e a identidade feminina no período, sobretudo através da análise dos casos de raptos consentidos. Em “Gandhi e a verdade: reflexões entre autobiografia e história”, Sinuê Neckel Miguel tece relações entre a produção histórica acadêmica e a vida de Gandhi, procurando entender a importância do método de luta política não-violenta. A partir do estudo de um amplo conjunto documental, Veronica de Jesus Gomes, analisa e traça o perfil socioeconômico e intelectual de padres que teriam praticado abusos sexuais na Bahia durante os séculos XVI e XVII em “Nas malhas da Inquisição de Lisboa: um perfil dos sodomitas da Igreja e de seus amantes”.

Abordando a escrita da História da Política Externa Independente do governo João Goulart e o contexto da Guerra Fria, Charles Sidarta Machado Domingos, em “As relações internacionais do Brasil no governo João Goulart (1961-1964): leituras sobre a Política Externa Independente”, realiza uma análise historiográfica de trabalhos que privilegiaram as relações internacionais do Brasil durante esse período. Fabiano Farias de Souza, em “Operação Condor: Terrorismo de Estado no Cone Sul das Américas” analisa a literatura baseada no Arquivo del Horror, descoberto no Paraguai no início da década de 90 e que confirmou ações promovidas por governos militares baseadas em constantes violações dos Direitos Humanos. O artigo “O 15 de Novembro na Imprensa Carioca”, de Camila de Freitas Silva, mostra como a Proclamação da República repercutiu em jornais de grande circulação no Rio de Janeiro em 1889, mostrando a construção de discursos acerca do processo de mudança de governo.

Na seção Mesa Redonda desta edição, apresentamos o comentário crítico de Ana Paula Squinelo ao texto de André Átila Fertig e Tassiana Maria Parcianello Saccol, “A Guerra do Paraguai nos livros didáticos de História do Brasil”, publicado no nº6 da revista. Muito embora tenha havido impossibilidade dos autores responderem às críticas colocadas, Aedos coloca-se a disposição para dar prosseguimento ao debate.

Na seção das resenhas, dentre outros, George Zeidan Araújo trata da obra de Salvador Neves e Alejandro Pérez Coutubre, “Pólvora y tinta: Andanzas de bandoleros anarquistas”, trazendo ao conhecimento do público brasileiro uma obra da pouco estudada produção historiográfica uruguaia. Bruno Silva de Souza traz apontamentos sobre o livro de Reinhart Koselleck, “Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos”, cada vez mais presente nas discussões históricas. Abordando a utilização do cinema nas Ciências Humanas e Sociais, Bianca Melyna Filgueira trata da obra de Nildo Viana, “A concepção materialista da História do Cinema”. George Wilson dos Santos Sturaro traz uma visão das Relações Internacionais com a obra de José Luís Fiori, “O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações”. Evandro dos Santos apresenta “A questão dos livros: presente, passado e futuro”, de Robert Darnton e Mateus Dagios traz a discussão sobre o silêncio e suas diferentes práticas como modo discursivo no mundo grego na obra de Silvia Montiglio, “Silence in the Land of Logos”.

Nas resenhas de clássicos, Luiz Alberto de Souza discute questões teóricas sobre a historiografia contidas na obra de Dean Warren, “A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.”

Finalizando nossa edição, apresentamos a entrevista com o historiador italiano Carlo Ginzburg, que esteve em Porto Alegre para realizar uma conferência no seminário internacional Fronteiras do Pensamento. Célebre por seu trabalho com crenças populares europeias do século XVI, a conferência realizada teve como tema História na Era Google. Em uma conversa com Dênis Renan Corrêa e Marcos Schulz, Ginzburg falou sobre suas percepções sobre o impacto da revolução tecnológica na História e a forma como ele próprio se apropria desses recursos, não deixando de falar da importância dos livros para o conhecimento. Uma conversa que, de certa forma, retoma o tema de nosso dossiê, deixando claro que História e Internet ainda deverão render muitas discussões e reflexões.

Por fim, agradecemos a todos aqueles que contribuíram para o nosso trabalho: autores, pareceristas, funcionários e professores do PPG, equipe da Propesq / UFRGS e todos aqueles que, de alguma forma, colaboram para manutenção desse espaço como local sério e qualificado para a discussão historiográfica.

Boa Leitura a todos!

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Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.3, n.8, janeiro-junho, 2011. Acessar publicação original [DR]

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