Cronistas do Rio | Revista IHGRJ | 2021

Na opinião de Machado de Assis, o cronista seria uma espécie de historiador do cotidiano, que transita entre as fronteiras imprecisas da literatura com a história, a registrar acontecimentos corriqueiros que dificilmente renderiam manchetes nos jornais, mas que permitem ao historiador contemporâneo compreender as ideias que circulavam na sociedade durante uma determinada época, além de conhecer suas práticas e costumes1. Pois bem, este número da Revista é aberto pelo dossiê “Cronistas do Rio”, que contempla a obra de três escritores, que perscrutaram, cada qual a seu modo, a “vida ao rés-do-chão”2 da urbe carioca: o flâneur João do Rio (1881-1921), o rebelde Lima Barreto (1881-1922) e o “anjo pornográfico” Nelson Rodrigues (1913-1980), estudados respectivamente por Antonio Edmilson Martins Rodrigues, Luiz Ricardo Leitão e Marco Santos.

Como de costume, além do dossiê, a Revista se organiza em dois segmentos. O primeiro está voltado para contribuições acadêmicas, enquanto o segundo apresenta uma síntese da vida social do IHGRJ, eventos e informações de natureza institucional. Leia Mais

Cronistas, Escritores e Literatos / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2012

A Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade, que é uma publicação do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sendo este vinculado ao Departamento de História e ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Instituição, traz, no seu número 9, referente ao período de julho a dezembro de 2012, textos que abordam uma temática muito pertinente para o campo de estudo das Ciências Humanas e Sociais, em específico para a História e a historiografia escritas no Brasil, em particular as reflexões externadas a partir da década de 1980, tanto por historiadores de formação como por pesquisadores de outras áreas do saber. Qual seja o título deste número: Cronistas, Escritores e Literatos, que é composto por um conjunto de 11 produções. Integram também este número algumas merecidas homenagens à pessoa da saudosa Professora Maria Angélica Victoria Miguela Careaga Soler, cujas contribuições foram extremamente significativas à PUC-SP durante várias décadas de sua atuação humana e profissional nesta Instituição.

Na primeira parte, que homenageia a nossa querida Maria Angélica, temos 4 depoimentos, cada qual versando sobre alguns aspectos da vida e do modo de agir desta historiadora que marcou tão altivamente os caminhos de muitos de nós. No outro grupo, que aborda especificamente a temática Cronistas, Escritores e Literatos, há um conjunto de 11 produções científicas, sendo que este campo possui 9 artigos e 2 pesquisas que buscam, de formas muito particulares, problematizar determinadas atuações de alguns sujeitos, em diversas temporalidades e espaços, primando pelo trabalho com inúmeras fontes.

Iniciando o item Artigos, Elaine Pereira Rocha, por meio do escrito intitulado Estórias de indesejada sexualidade e de amor inimaginável: comparando romances no Brasil e África do Sul, realizou “um estudo sobre a construção das representações de raça e gênero em romances publicados no Brasil e na África do Sul na primeira metade do século XX”, discutindo “como questões relacionadas às políticas raciais e às práticas cotidianas de discriminação racial foram incorporadas e retratadas em romances, e como a sexualidade aparece racializada” em alguns escritos. Diego José Fernandes Freire, através do texto denominado Imagens da escrita, escrita das imagens: visualizações do engenho em Minha Formação (1900), ocupou-se da imagem que Joaquim Nabuco teceu, a partir de sua escrita do engenho Massangana, objetivando “analisar a representação visual da espacialidade banguê que se faz presente no livro Minha Formação.”

Eloísa Pereira Barroso, no escrito A alma encantadora das ruas do Rio de Janeiro, problematizou “as ideias que se constituem como matéria de linguagem da crônica de João do Rio”, sendo que o seu objetivo maior foi o de “extrair temas que aproximam o texto deste literato das grandes discussões da história cultural, na medida em que a vida urbana, além de tessitura literária, é tema de análise para as diversas questões que se colocam aos historiadores na modernidade.” Rafael Lima Alves de Souza, no artigo chamado Um e outro, nem um nem outro: Rio de Janeiro, tradição e modernismo na literatura de Marques Rebelo, problematizou e explorou “os limites da correlação entre tradição e modernidade na literatura de Marques Rebelo”, autor que, segundo ele, hoje é “pouco conhecido, mas que, por sua estreita relação com a cidade do Rio de Janeiro, foi considerado na década de 1930 por grande parcela dos críticos como legítimo representante de uma linha que remonta a Manoel Antonio de Almeida, passando por Machado de Assis e Lima Barreto.”

Fernanda Rodrigues Galve, em A dança no mar histórico das palavras poéticas: João Cabral de Melo Neto e Sophia de Mello Breynner Andresen (1933-1974), realizou “uma navegação no multiverso da vida e obra de João Cabral de Melo Neto e de Sophia de Mello Breynner Andresen, cujo ancoramento está na visibilidade do trabalho poético com a aproximação de seus significados e mediações no mar da história”, buscando “refletir como a capacidade da práxis artística comporta em si uma dimensão política e histórica.” Shirley Aparecida Gomide Cabral, no texto intitulado Uma cidade, dois olhares: Lisboa segundo Fernando Pessoa e José Saramago, “pelo viés da tradição das narrativas de viagem,” analisou “os diferentes olhares de dois autores consagrados da literatura portuguesa sobre a cidade de Lisboa.” Quais sejam: Fernando Pessoa e José Saramago. “Esses escritores, apesar de terem vivido em épocas e contextos diversos, escreveram obras que podem ser lidas como relatos de viajantes, tendo o amplo tema da viagem como força e motivação principal.”

As coautoras Larissa Silva Nascimento e Michelle Santos, no artigo denominado Imagens do Holocausto em Maus, de Art Spiegelman, e em Os emigrantes, de W. G. Sebald: o que os quadrinhos e a literatura nos ensinam sobre a realidade e a ficção, investigaram “a tradição imagética presente nas representações do Holocausto, procurando assinalar a problemática relação entre realidade e ficção nas obras Maus, escrita por Art Spiegelman, e Os emigrantes, de W. G. Sebald.” Márcia Maria de Medeiros, em A história da literatura e a compreensão dos meandros da sociedade inglesa da Baixa Idade Média, enfatizou que “Geofrey Chaucer é visto pelos intelectuais como um dos maiores escritores de língua inglesa de todos os tempos” e que “sua obra monumental, Os contos da Cantuária, externa a história de um grupo de peregrinos que vai de Londres até Cantuária visitar o túmulo de São Thomas Becket. No caminho, cada peregrino conta uma história, e no conjunto das mesmas desfilam muitos dos diferentes estilos literários da Idade Média, assim como no conjunto dos peregrinos, se retrata um cenário da sociedade inglesa do período em questão, a saber, os anos que compreendem os séculos XIV e XV.” Diante disso, a autora procurou destacar “um panorama da literatura inglesa até o aparecimento de Geoffrey Chaucer como expoente da mesma, retratando as principais características de sua obra maior e a articulação desta com o espaço histórico e social no qual o poeta estava contido.”

A última contribuição do item Artigos, de autoria de Vera Cecília Machline, chama-se A contribuição da narrativa The man in the Moone de Francis Godwin para cogitações seiscentistas sobre a Lua. Esse escrito reconstituiu “o contexto da narrativa de Francis Godwin, obra intitulada The man in the Moone, que estimulou novas cogitações seiscentistas sobre a Lua.” Conforme escreveu a autora, “essa obra foi originalmente publicada em 1638 e pertence a uma vertente literária de viagens imaginárias a orbes extraterrestres surgidas no início dos tempos modernos, que tem pontos em comum com o gênero inaugurado pela Utopia, cujo autor é Thomas More. Entretanto, a narrativa de Godwin influenciou especialmente outra linhagem da época, constituída por escritos cosmológicos argumentando que – tal como a Terra – a Lua e outros astros poderiam ser habitados.”

Finalizando esse número da Cordis, temos o item Pesquisas, no qual há dois escritos. Juliana Carneiro da Silva e sua orientadora de Iniciação Científica, Amnéris Ângela Maroni, no trabalho intitulado A literatura e o fora – perigosa (não-)relação: contestação, resistência e criação, dedicaram-se a analisar como a literatura, em particular por meio de romances ambientados sobretudo no Século das Luzes, transformaram a sociedade nas quais determinadas obras foram veiculadas. Maria Madalena Dib Mereb Greco e sua orientadora de graduação, Dolores Pereira Ribeiro Coutinho, no escrito chamado As mulheres e o discurso de submissão, ao trabalharem “com as relações entre homens e mulheres no século XIX e como s e construiu o conceito de família,” procuraram “recuperar as vozes ocultas, sobretudo das mulheres” que integravam o território do então sul da Província de Mato Grosso, utilizando-se, para tal, de “acordos e das convenções realizadas através de contratos de casamento, testamentos, destinação de dotes, contratos de arras e outros acertos cartoriais.”

A partir desse número, visando registrar academicamente e, não obstante, também notabilizar o trabalho realizado pelos pareceristas da Cordis, divulgamos especificamente a relação daqueles que, ao serem solicitados, enviaram-nos os seus pareceres a respeito da temática Cronistas, Escritores e Literatos. Somos gratos pelo empenho de todos os que prontamente colaboraram nesta empreitada. Temos ciência de que expressiva parte do que a Cordis representa, sendo um indicativo desta realidade a primeira “nota” obtida por este Periódico na mais recente avaliação realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), cuja divulgação ocorreu no primeiro semestre de 2012, na qual recebemos a classificação B3 para a área de História, deve- -se ao vosso inquestionável empenho. Dito isso, desejamos, agora, ótimas leituras e esperamos que individualmente e, mais ainda, no conjunto, este número da Cordis seja de grande valia à sociedade.

São Paulo (SP), dezembro de 2012

Marcelo Flório

Nataniél Dal Moro

Editores Científicos


FLÓRIO, Marcelo; MORO, Nataniél Dal. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 9, p. 1-5, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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