Cronistas do Rio | Revista IHGRJ | 2021

Na opinião de Machado de Assis, o cronista seria uma espécie de historiador do cotidiano, que transita entre as fronteiras imprecisas da literatura com a história, a registrar acontecimentos corriqueiros que dificilmente renderiam manchetes nos jornais, mas que permitem ao historiador contemporâneo compreender as ideias que circulavam na sociedade durante uma determinada época, além de conhecer suas práticas e costumes1. Pois bem, este número da Revista é aberto pelo dossiê “Cronistas do Rio”, que contempla a obra de três escritores, que perscrutaram, cada qual a seu modo, a “vida ao rés-do-chão”2 da urbe carioca: o flâneur João do Rio (1881-1921), o rebelde Lima Barreto (1881-1922) e o “anjo pornográfico” Nelson Rodrigues (1913-1980), estudados respectivamente por Antonio Edmilson Martins Rodrigues, Luiz Ricardo Leitão e Marco Santos.

Como de costume, além do dossiê, a Revista se organiza em dois segmentos. O primeiro está voltado para contribuições acadêmicas, enquanto o segundo apresenta uma síntese da vida social do IHGRJ, eventos e informações de natureza institucional. Leia Mais

Imigração / Revista Maracanan / 2010

Imigrante ou estrangeiro? Aparentando uma sinonímia tão naturalizada, esses conceitos envolvem representações distanciadas, impregnadas de capitais simbólicos que implicam relações diferenciadas entre o eu e o outro. Nesse sentido, caberia perguntar: em que circunstâncias o imigrante torna-se estrangeiro? Ou melhor, que injunções colocam-se como condutoras da opção por uma ou outra palavra? Por que o indivíduo que se vê como imigrante tende a ser visto como estrangeiro no olhar do “outro”? Como é enxergado aquele que parte? Estaríamos nós, estudiosos dos fenômenos e-imigratórios, atentos a estas questões?

Há cerca de vinte anos, falando em nome dos historiadores, ainda que focado na história das relações internacionais, Duroselle manifestava o desejo de que fossem empreendidos “estudos históricos com uma grande amplitude sobre o conceito, sobre as palavras que representaram ou representam, sobre os comportamentos infinitamente variáveis que suscitam a existência do ‘estrangeiro”.1

Para o autor, amigo ou inimigo, o estrangeiro é, inevitavelmente, “um homem diferente”, “com comportamento estranho, até imprevisível”. Dessa forma, cabe a ele introduzir “o aleatório”, visto representar a diferença, embora “não toda a diferença e nem sempre as mesmas diferenças”.2 Como desdobramento

… todos os casos de relações internacionais compreendem um elemento interno, em que os meios são conhecidos, e um elemento aleatório, que é a reação ao estrangeiro. Nenhuma teoria das relações internacionais é possível se não se determinam as combinações, infinitamente variadas, entre a hierarquia e o aleatório.3

A partir das últimas décadas do milênio, os estudos sobre os movimentos migratórios impuseram-se, de forma cada vez mais visível, no campo da História. Hoje, vários congressos da área vem abordando a temática, incluindo em sua programação simpósios que a contemplam sob ângulos e abordagens variadas: fluxos, legislação, trabalho, cotidiano, gênero, processos de assimilação ou estranhamento e tantas outras possibilidades.

Complexo e interdisciplinar por excelência, o tema das migrações, efetivamente, para muito além do campo da demografia, impôs-se no mundo acadêmico, refletindo um tempo no qual os deslocamentos humanos, por causas variadas, tornam presente a preocupação dos diferentes governos com o “outro” fixado em suas fronteiras, transformado, muitas vezes, em “bode expiatório” das crises enfrentadas.

Os estudos sobre a dialética travada entre emigração e imigração, cada vez mais, vem sendo assumidos por redes internacionais de pesquisadores, cuja contribuição tem sido reescrever o passado, desmistificando – ou pelo menos relativizando – algumas verdades consagradas. Tanto nos países de partida quanto nos de chegada, as pressões existentes clamam por olhares que se voltem para o passado, na busca da compreensão de um fenômeno que, decididamente, vem marcando a contemporaneidade, desde que os processos de mundialização tornaram o mundo menor,4 eliminando “universos encravados”.5

Em seu sexto número, a Maracanan propõe, como dossiê, o tema da imigração, contemplando a dialética inevitável entre o emigrar e o imigrar, com a publicação de artigos que, certamente, tornar-se-ão importantes referenciais para todos aqueles que se debrucem sobre a temática, escritos por pesquisadores de reconhecimento internacional.

Nas páginas da Maracanan o leitor travará contato não só com imigrantes galegos, italianos, japoneses e judeus, mas também com abordagens que priorizam análises historiográficas; políticas e-imigratórias; relações entre história e memória; recortes de gênero; movimento operário e anarquismo; imigração e modernização, em artigos nos quais a dialética entre o particular e o coletivo encontra-se sempre presente. Em última instância, as reflexões apresentadas ao leitor abrem perspectivas, consolidam informações e, acima de tudo, reconduzem olhares sobre o passado – próximo ou distante – e sobre o presente.

Xosé Manuel Seixas, referência obrigatória para os estudiosos da emigração galega, brinda-nos com seu conhecimento e erudição fazendo-nos melhor conhecer o estado da arte dos estudos emigratórios na Espanha. Os espanhóis também são o destaque do artigo de Marília Cánovas, que analisa sua presença na Santos da Belle Epoque.

Ruy Farias e Érica Sarmieto focam suas análises, especificamente, na imigração galega. O primeiro, apresenta-nos um olhar sobre galegas na cidade de Buenos Aires do segundo pós-guerra; a segunda, destaca, no drama urbano, o movimento anarquista, colocando foco sobre os mais radicais, em especial os padeiros.

No tocante aos estudos sobre a presença italiana no ultramar, o primeiro destaque deve ser dado ao instigante artigo de Vittorio Capelli. Focando sua análise na imigração italiana dirigida para a Amazônia e para o nordeste brasileiro, esse renomado historiador alarga nossa visão a respeito da presença estrangeira em terras brasileiras. Outro artigo sobre italianos no Brasil é o de Syrléa Marques Pereira, que interrelaciona história e memória no sentido de destacar a presença feminina no contexto imigratório.

Outros trabalhos privilegiam japoneses e judeus como atores do urbano, descatando sua atuação no mercado de trabalho. No tocante aos japoneses, Mariléia Inoue analisa o caso da imigração seletiva que acompanhou a criação da Ishikawajima do Brasil. No caso dos judeus, a análise cabe a Andréa Telo da Corte, que ilumina a atuação dos prestamistas naquela que era, então, a capital fluminense: Niterói.

Os lugares de memória no tocante à imigração são analisados por Eloisa Capovilla Ramos, que tece comparações entre as hospedarias de imigrantes de São Paulo e Buenos Aires, propondo novas reflexões sobre a imigração na América latina.

A qualidade das reflexões que compõem este número da Maracanan deve-se ao trabalho competente e comprometido da professora Érica Sarmiento, responsável pelo número, que liderou todo o trabalho de convite e contato com os pesquisadores.

Notas

  1. Jean-Baptiste Duroselle. Todo Império perecerá. Teoria das Relações Internacionais. [Trad]. Brasília: Ed. UNC / Imprensa Oficial, 2000, p. 49.
  2. Id. Ibidem, p. 50.
  3. Id. Ibidem, p. 59.
  4. A idéia de “mundo menor” foi defendida por Barraclough.ao analisar o impacto do progresso científico e tecnológico da chamada Segunda Revolução Industrial. Cf. Geoffrey Barraclough. Introdução à história contemporânea. [Trad.]. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976
  5. A expressão pertence a Pierre Chaunu. Cf. Conquista e exploração de novos mundos, século XVI. [Trad]. São Paulo: Pioneira / EDUSP, 1984.

Lená Medeiros de Menezes – Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imigração e Estrangeiros (LABIMI)


MENEZES, Lená Medeiros de. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v.6, n.6, 2010. Acessar publicação original [DR]

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