Cultura política na América Latina / História.com / 2014

A edição conta com o dossiê temático Cultura política na América Latina, que se enquadra dentro dos estudos e renovações teórico-metodológicas da chamada Nova História Política consolidada nas reflexões de René Rémond [2], e onde as relações políticas passam a ser observadas a partir das diversas instâncias das realidades sociais. No viés interpretativo de Rémond, o político está intimamente entrelaçado aos vários âmbitos da vida em sociedade, e para entendê-lo é necessário atentar para as estruturas sociais.

Para além do aspecto individual, a História Política estava solidificando suas bases na ideia de que não são as ações individuais que mudam ou condicionam o rumo de um evento, mas os interesses de grupos que se confrontam e dão sentido à conjuntura [3]. Conforme explicitou Francisco Falcon [4], essa nova perspectiva de entender a política descentraliza os estudos políticos das imagens dos grandes homens, como os monarcas.

Nesse sentido, a terminologia conceitual cultura política nascida no seio do movimento de renovação da História Política, inspirado por Rémond [5], se propõe a entender “‘uma espécie de códigos e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma família ou de uma tradição política’”6. Entretanto, o conceito não é uma exceção do campo da História, outras áreas como as Ciências Sociais o tem usado como a Antropologia Política. Trabalhos interessantes ganham relevância nesse debate como os dos pesquisadores Karina Kuschnir e Leandro Piquet Carneiro, que publicaram o título As dimensões subjetivas da política: cultura política e Antropologia Política pela revista Estudos Históricos, em 1999.

Para dar sentido a nossa proposta de dossiê temático, o artigo de Daniela de Jesus Ferreira, reúne um excelente esforço para compreender a atuação da imprensa comunista, no Brasil, especialmente nos anos de 1920 a 1930. A relevância da pesquisa está na preocupação com a expansão do pensamento comunista em território brasileiro, e os veículos utilizados para alcançar os objetivos político-partidários.

Leide Rodrigues dos Santos, em seu artigo, traz uma perspectiva muito parecida. A autora explicita que foca na “análise das músicas utilizadas como instrumento propagador das ideologias militares na ditadura brasileira (1964-1985)”. Sem dúvida, este texto representa uma preocupação acadêmica pertinente para o momento em que vivemos, especialmente depois dos relatórios divulgados pela Comissão Nacional da Verdade, em 10 de dezembro de 2014. Com foco voltado para a música enquanto instrumento de divulgação, a autora reafirma mais adiante que “o propósito primordial é perceber o quanto as músicas tidas como “ufanistas” também faziam parte do contexto em questão e assim perceber as influências exercidas que viriam marcar profundamente a história do país”.

Patrícia Maria Santos faz uma análise importante do movimento modernista em São Paulo, tendo como foco central a obra da artista Tarsila do Amaral produzida nos anos 1920, que tinha suas particularidades na representação do Brasil e dos brasileiros em sua obra. Mas, a preocupação central está em “compreender a sociedade e o cotidiano da década de 1920 em São Paulo, bem como identificar nas obras da artista evidências que permitam perceber as transformações processadas, seus acontecimentos e desfechos”. O artigo tem forte contribuição no entendimento do movimento modernista em São Paulo, sem cometer o famoso erro da generalização que comumente notamos nos trabalhos sobre essa temática.

Fechando a seção, o artigo de Luan Mendes de Medeiros Serqueira, traça uma excelente análise historiográfica sobre o itinerário do movimento político dos maçons, no Brasil, sem deixar de trazer as experiências de outros países. Segundo Serqueira sua proposta tem “como finalidade principal abordar um breve panorama da historiografia maçônica, isto é, a contribuição dos principais trabalhos não apenas pelos historiadores do meio acadêmica mas também pelos pesquisadores e historiadores maçons acerca dessa importante sociedade secreta”.

Na seção Artigo Livre contamos com a contribuição da pesquisadora Josilene Silva. Neste artigo nos deparamos com uma abordagem interessante sobre a guerra civil ocorrida em Moçambique, e que gerou um processo de silenciamento nacional sobre o conflito armado. Pensando nesse aspecto, Campos ressalta que “tem como objetivo refletir sobre o silenciamento nacional a respeito da guerra civil e de que forma as narrativas literárias se apresentam e são pensadas como espaços de memória, na tentativa de preencher a lacuna dessa experiência”. Ainda discutindo questões relacionadas à África, Leandro Rosa da Silva aborda “algumas mudanças que os contatos dos povos da África Índica com os europeus e os orientais trouxeram ao passado e identidades dos suaílis no século XVI”. A lógica narrativa, segundo Silva, será usada no sentido de descrever como o outro aparece a partir das perspectivas dos documentos de origem oriental e europeu.

Em História da Sala de aula dois artigos foram selecionados para compor a seção. A apropriação do livro didático como fonte de pesquisa representa sempre uma iniciativa louvável, levando-se em consideração a forte influência político-ideológica que ele pode exercer sobre a comunidade escolar. O primeiro artigo trata de uma contribuição de Everton Marques de Carvalho, onde o autor tenta entender como os livros didáticos abordam as questões políticas e econômicas. Na segunda contribuição, contamos com o artigo de Lívia Côrtes, que foca na experiência de estágio e o ensino de História.

Na seção Resenha contamos com a contribuição de Fernando Altoé, Kauan Willian dos Santos e André Augusto Bousfield. Que são análises críticas feitas sobre livros recentemente publicados.

Caberia neste momento reforçar nossos agradecimentos a todos os autores pelas contribuições. Esta revista representa uma luta dentro do processo de criação de revistas discentes. Algumas revistas no país tenderam a um segregacionismo absoluto. As seções desses periódicos estão reservadas para os doutores e mestres, o que impossibilita a publicação dos resultados de pesquisa discente. A produção dos estudantes de graduação e pós-graduação também faz parte do processo de construção do conhecimento histórico, e esta revista é um manifesto a todo tipo separatismo, inclusive o acadêmico.

Boa leitura.

Notas

2. RÉMOND, René. Uma história presente. In: Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.15.

3. Para Rémond, a política não tem fronteiras naturais e sua definição abrange o campo do abstrato, sendo o poder o seu objetivo direto. Pelo seu caráter abstrato, conclui que “ele (o político – grifo nosso) não tem margens e comunica-se com a maioria dos outros domínios”. Ao mesmo tempo em que temos certeza de seu caráter etéreo, sentimos sua concretude no cotidiano, confirmando a ideia de que no mínimo a ideia de poder compreende uma dualidade. RÉMOND, René. Do político. In: Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.443-44.

4. FALCON, Francisco. História e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.98-138.

5. BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RÏOUX e SIRINELLI (org.). Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998.

6. Ibidem, p.350.

Geferson Santana – Mestrando em Historia e Historiografia pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e sob o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Correio eletrônico: [email protected]


SANTANA, Geferson. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.2, n.3, 2014. Acessar publicação original [DR]

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