Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX) / Revista Brasileira de História da Educação / 2020

As palavras não são as coisas (Foucault, 2016). Estado, nação, civilidade, emancipação, progresso, educação, são rastros de realidades que se constituíram ao longo do tempo, e de diferentes formas, a partir dos movimentos dispersos, aleatórios ou deliberados de muitos sujeitos. História e memória são elementos da ordem das palavras que transformam o passado em coisas. Nesse processo de legitimação, tais coisas seriam, posteriormente, lembradas, (re)definidas, celebradas, esquecidas.

Estudar as memórias coletivas fortemente constituídas, como a memória da Independência brasileira, implica na análise de sua função, visto que ela se integra às tentativas de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento (Pollak, 1989). Assim, se forjam lugares onde a memória se cristaliza e se refugia a partir de um determinado passado, definitivamente morto. Como nos ensina Pierre Nora, a história é exatamente o que as nossas sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado. Para ele, os lugares de memória são, antes de tudo, restos, a forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama (Nora, 1993). Neste sentido, a coletânea composta aqui se insere nas investigações acerca das palavras (memória, história, narrativas, representações, celebrações, fontes) sobre as coisas (independência, nação, política, educação).

Na perspectiva da historiografia brasileira, a definição de ‘emancipação política’ proposta no verbete do Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889), identifica dois momentos: o primeiro deles que considera 1822 como um momento decisivo na construção da nacionalidade, a independência foi analisada por muitas décadas, como o ponto final de um processo contínuo e linear, que desde o século XVIII até o XIX, forjara uma consciência nacional. E, um segundo momento da historiografia, identificado nas últimas décadas do século XX, procurou inserir o processo da independência brasileira na longa duração e na dinâmica mais profunda do Antigo Regime (Vainfas, 2008).

No sentido de interrogar tanto o acontecimento histórico da independência (Brasil, 1822 e demais países), quanto suas representações posteriores (em livros, fontes, documentos, imagens) ou efemérides (cinquentenário, centenário, bicentenário), buscando destacar o papel da educação nesse processo de constituição de memórias (por sujeitos, instrumentos, instituições, políticas) e de forças (Estado, Nação), que se consolidaram os propósitos do presente Dossiê.

Resultado da segunda chamada pública da Revista Brasileira de História da Educação, o Dossiê recebeu 45 propostas. Após avaliação, foram selecionados 11 artigos que demonstraram adesão ao edital e pareceres positivos dos avaliadores ad hoc. Os textos selecionados remetem à presença de investigações sobre os processos de independência em quatro países da América Latina (Brasil, Uruguai, Argentina e Venezuela), conduzidas por três professores estrangeiros (Espanha, Argentina e Uruguai) e dezessete pesquisadores brasileiros de seis estados (MG, RS, RJ, PE, RN e BA). Os autores que integram este dossiê atuam como professores do ensino superior, professores da educação básica, graduandos, mestrandos e doutorandos, apresentando, ainda, uma relativa equidade de gênero (nove homens e oito mulheres). Os 11 artigos deste dossiê dialogam com diferentes áreas do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais (Educação, Letras e História), o que imprime marcas específicas nas análises sobre o complexo processo de construção dos estados nacionais, nos século XIX (sete artigos) e século XX (quatro artigos).

Entre os artigos, temos aquele que discorre acerca de temas caros à história da nação brasileira ao longo do século XVIII e XIX, como liberdade, educação, povo, igualdade, estado, e se intitula ‘Cultura ilustrada e educação conservadora: Bernardo Vasconcelos e sua carta aos senhores eleitores (1828)’. Luciano Faria Filho e Dalvit de Paula analisam a continuidade do projeto dos inconfidentes mineiros em Bernardo Vasconcelos (1828), demonstrando que, a despeito da modernidade constitucional de um país recém-independente, a Ilustração também inspirou e justificou o caráter conservador e centralizador do Estado Imperial brasileiro e, da mesma forma, as ações em torno da educação do povo, do esclarecimento das populações fazendo nascer a ‘máquina escolar’ e demais dispositivos culturais.

Rita Cristina Lages evidenciou formas a partir das quais as relações entre instrução e civilização se constituíram e se consolidaram em discursos políticos e projetos educacionais no Brasil Oitocentista. Em ‘Projetos educacionais para Minas Gerais no século XIX: nações estrangeiras na vitrine’, a autora inquire determinadas experiências de países estrangeiros, considerados avançados nos assuntos educacionais, que serviram como parâmetros para ações, experiências e propostas entre o contexto da Independência nacional (1822) e a República (1889), dando a ver certa continuidade na perspectiva do olhar para as ‘vitrines’. Ao tomar os relatórios oficiais da província mineira como fonte documental, o trabalho aborda a problemática das apropriações, da circulação de sujeitos, ideias e conhecimentos, tornando possível refletir, nessa chave de leitura, aspectos da formação e legitimação do Estado Imperial independente.

Ao examinar representações, tensões e impasses atinentes ao projeto de construção de uma unidade latino-americana, o estudo intitulado ‘Abordagens em livros didáticos de História do Brasil sobre a presença brasileira no cone sul latinoamericano (século XIX)’, de André Mendes Salles, professor do Departamento de História da UFRN e do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES-UFRN), e de José Batista Neto, professor titular do Centro de Educação da UFPE, constituiu, como base na investigação, 13 livros didáticos de História do Brasil, publicados entre 1886 e 1999. A partir desses instrumentos de formação escolar, os autores refletem a respeito de as narrativas sobre a presença brasileira na região platina, na segunda metade do século XIX, identificando permanências nos modos de entender e representar o exercício de poder do Império brasileiro, como nação autorizada a legitimar a independência do Uruguai.

Maria das Graças de Andrade Leal, é autora do estudo ‘Educação e trabalho; raça e classe no pensamento de um intelectual negro: Manuel Querino – Bahia (1870-1920)’. Especialista na história das populações afrobrasileiras e instituições operárias e educacionais desenvolve reflexões acerca da educação e do trabalho na obra do intelectual e educador afro-baiano Manuel Querino. Com essa proposta, expõe importante debate sobre projetos de escolarização e projetos de nação, articuladas às perspectivas de liberdade, civilização, progresso, cidadania em um país independente que transita entre as condições de monárquico, escravocrata, abolicionista e republicano. Neste aspecto, problematiza as narrativas recorrentes sobre velho / atraso (Império) e novo / avanços (República), acionando análises atinentes às permanências e continuidades, denunciando a existência de uma determinada divisão social do conhecimento como marca geral da história da educação no Brasil.

Antonio Mauro Romano dialoga com temáticas muito caras à história da educação, como saberes curriculares, Estado, militarismo, modernidade escolar, níveis de ensino, políticas públicas. Neste estudo, analisa aspectos relacionados à inclusão da instrução militar (Gimnástica y Ejercicios militares) como programa curricular do ensino secundário e os debates acerca da extensão da experiência dos Batalhões Universitários em direção ao ensino fundamental, no final do oitocentos (1887). A partir do estudo intitulado ‘Los dilemas en la formación ciudadana. Entre la instrucción cívica y la instrucción militar en los procesos de emancipación política en el siglo XIX en el Uruguay’, o autor questiona a presença do saber militar em um contexto de retirada de cena dos governos militares (1886) e da consolidação de um currículo humanístico como política pública.

No texto ‘La Gazeta de Caracas en el albor del movimiento independentista: análisis de las noticias educativas publicadas en el diario decano de la prensa venezolana’, Jordi Garcia Farrero examina o papel da imprensa no contexto de consolidação da independência política da Venezuela, a partir dos debates direcionados aos assuntos da educação. Procura refletir sobre um conjunto de ideias, memórias, narrativas e representações, dedicado à causa da liberdade no início do século XIX, que chamou de ‘pensamento pedagógico’, produzido por uma determinada geração de intelectuais. A análise incide sobre um período no qual se estabelecem as bases do nascimento de uma nova nação, não mais uma Venezuela colonial e, portanto, se justificavam as preocupações em torno da superação de uma velha condição colonial da educação.

No artigo ‘Pela iluminação do passado: livros e educação no contexto do cinquentenário da Independência (Capital brasileira, década 1870)’, as autoras analisam livros como engrenagens na construção e legitimação de representações, histórias e memórias. Aline de Morais, Aline Machado, Fátima Nascimento e Edgleide Clemente tecem reflexões acerca de determinadas narrativas e entendimentos relativos à Independência brasileira, no contexto de uma de suas efemérides. Ao mesmo tempo, buscam extrair e examinar as perspectivas educacionais e de formação dos sujeitos arroladas em tais livros e suas relações com o processo de consolidação da nação independente. Na análise, dão relevo aos questionamentos erigidos pelos autores dos livros estudados em torno do que se consideravam atrasos e incompatibilidades para um jovem país.

‘Educação e brasilidade: a política de nacionalização getulista no contexto escolar em Lajeado / RS (1939-1943)’ é o título do trabalho de Tiago Weizenmann. A pesquisa analisa a política de nacionalização como estratégia governamental, cuja finalidade era promover uma cultura cívico-patriótica no Brasil. Especificamente, reflete o contexto de uma região marcada pela presença de grupos étnicos europeus e seus descendentes, o Rio Grande do Sul, e suas políticas educacionais direcionadas à escola pública. Marcado pelo objetivo de forjar uma identidade coletiva, o projeto em análise conferiu espaço privilegiado a símbolos oficiais e a biografias dos grandes heróis, evidências de certa continuidade histórica no longo processo de construção e legitimação de um projeto de Brasil, Nação, Estado com reminiscências na Independência (1822) e República (1889).

No estudo de Márcia Cabral da Silva, os impressos e a circulação de ideias emergem como dispositivos culturais importantes para compreender processos de legitimação do Estado brasileiro. No artigo ‘Histórias da nossa terra: sobre o projeto cívico de construção da nação brasileira por meio do impresso’, a autora examina o processo de circulação de determinados saberes com características educacionais e políticas de patriotismo, nacionalismo e civismo no contexto de consolidação do (re)nascimento de uma nação republicana, cujo intuito maior era superar supostos atrasos de um passado imperial. Desta feita, a pesquisa lança ao debate algumas problemáticas acerca de modelos de formação e educação escolar dos sujeitos, impregnados pelo exercício de construção de determinada representação de Brasil (grandiosa, ufanista), de alguns brasileiros (heróis) e de brasilidade (tradição, crença, moral, pátria, território).

No artigo ‘Nacionalistas y libertarios: tensiones en torno de las conmemoraciones y símbolos patrios en la educación primaria (Argentina, 1910- 1930)’, Adrián Ascolani investiga aspectos do nacionalismo e história pátria no campo da educação no século XX, como saber curricular oficial das escolas primárias e como estratégia de formação das memórias por meio de símbolos, cerimônias e livros que deram centralidade ao episódio da independência política argentina (1816). Para tratar de tal problemática, o autor joga na cena reflexiva temas como cultura, positivismo, imprensa, anarquismo, militarismo, doutrinação, patriotismo, imigrantes e colonialismo. No contexto em análise, estava em relevo um movimento de renovação pedagógica, com base no escolanovismo e na necessidade de racionalização da escola moderna.

‘O Centenário da Independência Brasileira em nossas escolas primárias: narrativas históricas escolares em disputa’ é o estudo de Patrícia Coelho da Costa e Jefferson Soares, no qual analisam formas de apropriação e constituição de representações acerca da independência nacional no impresso pedagógico, A Escola Primária, e a sua reverberação nas escolas primárias, com a circulação determinada perspectiva deste fato. Ao examinar as orientações direcionadas aos professores, apontam interesses pela consolidação da identidade nacional, com ritos cívicos, homenagens e celebrações. Da mesma forma, interrogando disputas e tensões em um exercício de poder sobre construção de memórias e histórias, os autores dão relevo à presença e permanência de agentes e agências que tinham uma participação ativa desde o período monárquico, como o Colégio Pedro II e o IHGB.

As organizadoras do Dossiê ‘Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX)’ e a Comissão Editorial da RBHE entregam aos leitores e leitoras um conjunto composto por 11 artigos que permitem revisitar e agregar novos elementos às reflexões relativas aos processos de independência do Brasil e de três outros países da América Latina na expectativa de que os mesmos possibilitem outras investigações que deem visibilidade à temática da educação e suas relações com os processos de construção dos estados nacionais.

Referências

VAINFAS, R. (Org.). (2008). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.

FOUCAULT, M. (2016). As palavras e as coisas (10a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Martins Fontes.

NORA, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares (Yara Aun Khoury, trad.). Revista História e Cultura, 10, 7-28.

POLLAK, M. (1989). Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, 2(3), 3-15.

Aline de Morais Limeira Pasche – Doutora em Educação (2014) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPED). Integra o Núcleo de Ensino e Pesquisa em Historia da Educação (NEPHE-UERJ). E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-5964-6661

Cláudia Engler Cury – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atuou como Tesoureira da Sociedade Brasileira de História da Educação nos biênios (2013-2015 e 2015-2017), professora associada IV do departamento de história da Universidade Federal da Paraíba. Membro efetivo dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UFPB. É editora-chefe da RBHE. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0003-2540-2949


PASCHE, Aline de Morais Limeira; CURY, Claudia Engler. Introdução. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 20, n. 1, 2020. Acessar publicação original

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A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas / Revista Brasileira de História da Educação / 2019

A produção de dossiês temáticos tem sido uma prática recorrente nas últimas décadas nas publicações acadêmicas, especialmente no campo das ciências humanas e sociais. As chamadas públicas de artigos utilizadas por parte dos periódicos acadêmicos representam estratégias de mobilização de pesquisadores para pensarem e produzirem análises em torno de determinados temas. Estes, em regra, são oriundos de demandas do próprio campo acadêmico, seja para atualizar um debate que é estratégico para o funcionamento do campo, seja para atender uma demanda institucional ou para suprir lacunas teóricas ou temáticas no Estado da Arte do campo.

Considerando este elenco de razões associadas à presença dos dossiês nos periódicos acadêmicos, a publicação – pela Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), do dossiê A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas – justifica-se, por um lado, como demanda institucional que visa marcar a comemoração dos vinte anos da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE: 1999-2019). Por outro, investe e contribui para a atualização de uma discussão que é uma constante na área de história e, por extensão, da história da educação, ou seja: a reflexão em torno da sua escrita, a partir da problematização da historiografia da educação, entendida como a história da história da educação.

Acreditamos que é função precípua da SBHE fomentar esse debate sobre os diferentes modos de produzir conhecimento histórico-educacional, de maneira a mantermos atualizada a percepção sobre os movimentos teóricos e temáticos no interior da área de conhecimento e, assim, reconhecer tendências em curso no interior campo científico e disciplinar. Partimos da premissa que as reflexões sobre a historiografia da educação contribuem para a afirmação da identidade do campo, à medida que localizam e problematizam as obras e os autores reconhecidos como marcos da interpretação do passado educacional, considerando os tipos de fontes, as demarcações temporal e espacial, as teorias sociais e as linguagens utilizadas pela pesquisa na especialidade em diferentes contextos. Nessa chave de leitura, a análise historiográfica é regida pela compreensão, a um só tempo, textual e contextual das narrativas, considerando não somente os contextos disciplinar e científico, mas, também, a ambiência social, intelectual e política na qual as narrativas e os historiadores estavam e estão imersos.

O papel da SBHE na indução dessa reflexão sobre a historiografia da educação é perceptível à medida que analisamos os debates realizados nas dez edições dos Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE), organizados pela SBHE. Toda essa produção encontra-se publicada, seja na forma de livros, especialmente na Coleção Horizontes, mantida pela Comissão Editorial da SBHE, ou como Anais Congressuais que reúnem os trabalhos apresentados nos CBHEs. Nesse sentido, decidimos aproximar e somar os debates produzidos nos congressos e o potencial de disseminação de conhecimento da RBHE, a partir da publicação desse dossiê, como parte das atividades congressuais do X CBHE, realizado na cidade de Belém, entre os dias 02 e 05 de setembro de 2019. Essa ação permitiu a convergência de esforços e recursos e, sobretudo, reafirmou o compromisso da SBHE, da RBHE e dos CBHEs com o tema da historiografia da educação.

Esse dossiê reforça o papel da RBHE na publicização da pesquisa da área. O lugar ocupado pelo periódico – avaliado com os conceitos A1 e B1 nas grandes áreas de Educação e de História respectivamente, além da indexação em bases relevantes, como a SciELO – garante a visibilidade dos resultados das pesquisas e, por extensão, a circulação do conhecimento em âmbito nacional e internacional. Para além de lugar de exposição de artigos submetidos espontaneamente, o periódico assume com este dossiê, pela primeira vez organizado a partir de uma chamada pública, uma nova função, qual seja: fomentar e dirigir a produção de determinados temas e problemas históricos.

Dessa maneira, inaugura-se uma nova modalidade de publicação no periódico, com regras próprias e diferenciadas, se comparadas com os dezesseis dossiês publicados anteriormente pela revista, entre 2001 e 2018. Nessa nova modalidade não existe limite para o número de artigos publicados, uma vez que, dos mais de trinta textos submetidos à chamada publica, todos aqueles sintonizados com a temática e aprovados no mérito acadêmico foram publicados. A diversificação dos modos de publicar no periódico atende ao objetivo de qualificar a posição ocupada pela RBHE no espaço editorial acadêmico.

Sobre a posição da revista no contexto das publicações acadêmicas alguns dados são ilustrativos e pretendemos compartilhar nesse momento. Em primeiro lugar, destacamos o crescimento do número de artigos publicados anualmente e as mudanças na periodicidade da RBHE entre os anos de 2001 e 2018.

Analisando esse gráfico verificamos algumas oscilações no número de artigos publicados, mas, considerando a série que reúne todos os números da revista entre 2001 e 2018, é perceptível o crescimento sustentado, especialmente a partir de 2011. As mudanças de periodicidade são também evidências importantes desse movimento de ampliação da circulação do periódico. A RBHE foi criada como periódico semestral em 2001 e assim permaneceu até 2006, entre 2007 e 2015 a periodicidade foi quadrimestral, entre 2016 e 2017 a revista assumiu a trimestralidade, passando a publicação contínua em 2018, em sintonia com demandas dos campos editorial e científico, que exigem a aceleração do processo entre a submissão de originais, sua avaliação e publicação.

A ampliação crescente do número de artigos publicados é resultante do aperfeiçoamento técnico e gerencial do periódico, atendendo às modernas e internacionais normas para as publicações acadêmicas, assim como do amadurecimento e da consolidação da pesquisa em história da educação no país. É evidente que, sem produção qualificada na área, não há como sustentar um periódico como a RBHE. A rigor, é importante mencionar que a RBHE não é a única revista dedicada à publicação da produção em história da educação no mercado editorial acadêmico no Brasil, já que as grandes áreas da Educação e da História contam com, pelo menos, mais seis periódicos especializados no tema. Soma-se a esta produção veiculada em periódicos especializados um outro conjunto significativo de produtos de pesquisa em história da educação publicados em periódicos importantes, mas não especializados, da grande área de Educação. Acrescente-se, ainda, os periódicos internacionais vinculados ao tema. Em síntese, a amplitude desse espaço editorial é uma evidência, incontestes, da pujança da produção de pesquisas em história da educação no Brasil.

Um problema histórico do campo é a concentração da produção em determinadas instituições, estados e regiões do país. Esta não é uma questão exclusiva da história da educação, já que a concentração de recursos e, por extensão, de instituições qualificadas de pesquisa é uma constante nas diferentes áreas do conhecimento, reproduzindo as marcantes diferenças sociais e econômicas do país. Não obstante, a distribuição estadual e regional dos artigos publicados pela RBHE, entre 2001 e 2018, revela que, apesar da concentração da produção, a história da educação tornou-se um tema tratado em todas as regiões e em vinte e um dos vinte e seis estados que compõem a federação.

São Paulo e o Sudeste representam as maiores concentrações em termos estaduais e regionais. Na região Sul, Paraná e Rio Grande do Sul se equiparam, enquanto na região Nordeste os pesquisadores sediados em instituições do estado de Sergipe têm o maior número de artigos publicados na RBHE. No Centro-Oeste o Mato Grosso do Sul e no Norte o Pará são os estados de origem dos pesquisadores com maior concentração de publicações nas respectivas regiões.

Em termos institucionais, cerca de cento e quarenta instituições de pesquisa se fizeram representar por seus pesquisadores nos dezoito anos de circulação do periódico. O gráfico a seguir mostra as vinte instituições, nacionais e internacionais, que mais publicaram no periódico entre 2001 e 2018.

Outra frente de investimento importante da RBHE é a internacionalização do periódico. No âmbito do trabalho editorial destaca-se a inclusão de um Editor Associado com afiliação em instituição estrangeira, além do periódico contar com a colaboração de dez pesquisadores estrangeiros como membros do Conselho Editorial, perfazendo um total de 36% do conjunto dos conselheiros. Estes colaboradores estrangeiros estão vinculados a instituições da América do Norte, do Sul e da Europa. Sobre os artigos vale mencionar que 30 % são publicados em versão bilíngue (inglês e português), além do periódico aceitar a submissão de manuscritos em inglês e espanhol. Esse esforço de visibilidade da revista, para além das fronteiras nacionais, tem dado resultados, já que pouco mais de 20% dos artigos publicados, entre 2001 e 2018, foram submetidos, por demanda espontânea, por autores com afiliação institucional no exterior, distribuídos de acordo com o gráfico a seguir.

Fica evidente na distribuição dos artigos oriundos de pesquisadores com afiliação institucional no exterior a concentração na Península Ibérica e na América do Sul, com destaque para Argentina e Portugal. A questão da língua e da proximidade das fronteiras têm favorecido esse intercâmbio, contudo segue a necessidade de encontrar meios e estratégias capazes de ampliar a circulação internacional do periódico. A presença de pesquisadores franceses em número expressivo pode ser explicada pela ênfase na interlocução teórica da área com a cultura historiográfica francesa, especialmente em relação à chamada nova história cultural. Em relação à América do Norte percebemos nos últimos anos a ascendência de artigos procedentes do México e dos EUA, constituindo espaços de interlocução que deverão ser consolidados.

Apresentados estes dados e argumentos referentes aos papéis e às ações da SBHE e da RBHE nos planos acadêmico e editorial, passamos a apresentar o dossiê A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas. O Dossiê está composto por treze artigos, produzindo uma cartografia extensa de temas, abordagens e fontes mobilizadas na escrita da história da educação brasileira. Foram privilegiadas pelos autores, das mais diversas regiões do Brasil, reflexões que problematizaram o campo de pesquisa e as contribuições da SBHE ao longo de seus vinte anos de existência.

Abrindo o dossiê, o artigo Historiadores da Educação Brasileira: gerações em diálogo, de Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, que apresenta aos leitores pesquisa, realizada especialmente para os propósitos das efemérides dos vinte anos da SBHE, por meio do conceito de gerações, traçando uma ampla visada do perfil dos pesquisadores da área de diferentes tempos e espaços institucionais.

Em seguida, o artigo O “grupo de Laerte” e a escrita da história da educação (1962-1972), de Bruno Bontempi Jr, retomando as contribuições do professor Laertes Ramos de Carvalho, na organização do primeiro projeto integrado de produção de conhecimento em história da educação no Brasil, iniciado nos anos de 1950, na Universidade de São Paulo.

O artigo, Presença franciscana e supremacia jesuítica no campo da História e da História da Educação na época colonial – um diagnóstico na pesquisa historiográfica a partir da análise dos CBHE da SBHE, de Luiz Fernando Conde Sangenis e Peter Johann Mainka, permite um olhar sobre um período da história da educação brasileira, que começa a ganhar visibilidade entre os pesquisadores nos congressos realizados pela SBHE. Os autores salientam a predominância dos estudos sobre os Jesuítas e destacam a importância das pesquisas que dão visibilidade à presença da ordem Franciscana, no âmbito da história da educação brasileira.

Apresenta-se na sequência, um conjunto de artigos dedicados à história das instituições escolares trazidas por autores que nos apresentam estudos que vão desde as concepções sobre os tipos de instituições escolares: As escolas que construímos: a História de Instituições Escolares na Revista Brasileira de História da Educação, de Ademir Valdir dos Santos e Ariclê Vechia; A Contribuição dos Estudos sobre Grupos Escolares para a Historiografia da Educação Brasileira: reflexões para debate, de Rosa Fátima de Souza. Dando continuidade, dois artigos cujo olhar dos autores dirige-se para a vida cotidiana das escolas, amparados em abordagens sobre a cultura escolar e cultura material escolar: A Escrita da Arquitetura Escolar na Historiografia da Educação Brasileira (1999-2018), de Marcus Levy Bencostta; e A cultura material da escola: apontamentos a partir da história da educação, de Andre Luiz Paulilo. E, finalizando esse conjunto de artigos temos um estudo comparativo sobre as festas escolares em Portugal e no Brasil: Festejar aqui e lá: a escrita comparada das festas escolares no Brasil e em Portugal (1890-1920), de Renata Marcílio Cândido.

No artigo de Eliane Teresinha Peres, A constituição de um arquivo e a escrita da história da educação: do gesto artesão à prática científica, a autora discute o importante papel da organização dos acervos escolares, como parte da constituição da memória sobre o universo escolar e, também, como prática do exercício de formação dos pesquisadores.

Nos dois artigos que se seguem História e historiografia da Educação de Jovens e Adultos no Brasil – inteligibilidades, apagamentos, necessidades, possibilidades, de Cristiane Fernanda Xavier e Educação não escolar: Balanço da produção presente nos Congressos Brasileiros de História da Educação, de Maria Betania Barbosa Albuquerque e Jane Elisa Otomar Buecke, os autores enfatizam dois temas ainda pouco explorados no âmbito da história da educação brasileira, identificando, inclusive, as possíveis razões para essas ausências.

O penúltimo artigo do dossiê, Cartografia das produções em história da educação nos programas de pós-graduação em educação no Pará (2005-2018), de Laura Maria Silva Araújo Alves, Vitor Sousa Cunha Sousa Cunha Nery e Livia Sousa da Silva, para além de apresentar a vitalidade das pesquisas em história da educação no Pará, estado que acolheu a décima edição do Congresso Brasileiro de História da Educação, em setembro de 2019, apresenta e amplia a percepção sobre as diferentes escritas da história da educação no país.

Fechando o dossiê temos o artigo de Marisa Bittar, Vinte anos da Sociedade Brasileira de História da Educação: com os olhos no futuro. A autora recupera a história da SBHE (1999-2019) e projeta possibilidades para o futuro, apresentando para a comunidade de pesquisadores novos desafios.

Como se percebe nos textos aprovados, ainda que não constasse no escopo da chamada pública do dossiê o papel da SBHE, muitos artigos tomam como tema, como fonte ou como problema a entidade e as suas instâncias de divulgação e produção do conhecimento. Este movimento espontâneo dos pesquisadores evidencia o lugar central ocupado pela SBHE, RBHE e CBHEs, nos horizontes da produção do conhecimento em história da educação no país.

Desejamos uma boa leitura.

Carlos Eduardo Vieira – Doutor em História e Filosofia da Educação (PUCSP – 1998); Pós-Doutor nas Universidades de Cambridge (2008) e Stanford (2015). Professor e Pesquisador da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0001-6168-271X

Claudia Engler Cury – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atuou como Tesoureira da Sociedade Brasileira de História da Educação nos biênios (2013-2015 e 2015-2017), professora associada IV do departamento de história da Universidade Federal da Paraíba. Membro efetivo dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UFPB. É editora-chefe da RBHE. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0003-2540- 2949


VIEIRA, Carlos Eduardo; CURY, Claudia Engler. [A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas]. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 19, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Oitocentos | SÆCULUM – Revista de História | 2015

O ano de 2015 tem sabor especial para a revista Sæculum, porque estamos justamente completando 20 anos de nosso periódico, cuja história foi permeada por percalços e muitas alegrias. A principal delas deve-se ao esforço coletivo de professores do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba e dos professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação História que também completa dez anos de existência.

Em meio a um clima de comemorações escolhemos uma nova organização editorial para a revista, em números temáticos que se alternarão com edições de artigos livres. Para a presente edição, o número temático tem por mote os Oitocentos, com o objetivo dar visibilidade aos esforços empreendidos pelos grupos de pesquisa Sociedade e Cultura no Nordeste e História da Educação no Nordeste Oitocentista, ambos alocados no PPGH da UFPB, assim como estimular o diálogo com os pesquisadores dedicados a esse período histórico em outros centros de pesquisa. Leia Mais

História e História da Educação | SÆCULUM – Revista de História | 2010

Prezados Leitores:

As pesquisas em História da Educação vêm ganhando espaço cada vez maior entre os chamados “historiadores de ofício”. Os estudos acerca das práticas educativas; dos processos educacionais; da história das instituições escolares; do papel das políticas de Estado voltadas para a Educação; da história das disciplinas escolares, dentre uma infinidade de temas, têm sido alvo de pesquisas por parte dos historiadores em diversas temporalidades.

Compartilhando das perspectivas teóricas e metodológicas do campo da História, como as filiações com a História Cultural; a História Social inglesa; a Micro História italiana e as linhagens da perspectiva marxista têm dado uma nova face para as pesquisas da História da Educação que passaram, nos últimos vinte anos, a ter maior visibilidade para além dos limites dos cursos de pedagogia e dos estudos relacionados às ideias do pensamento educacional. Nessa perspectiva, as novas abordagens e objetos vêm se constituindo como um espaço de reflexão importante para fortalecermos os ofícios de Clio, que desta feita passa a se interessar mais de perto pelos problemas relacionados com a educação na sua historicidade. Leia Mais