Educação, desigualdades sociais e juventude negra na América Latina e Caribe: construindo a resistência antirracista/Kwanissa/2021

La ronda en el tiempo Desigualdades sociais
La ronda en el tiempo, Fanny Rabel, 1964 | Imagem: Lugares INAH

O Dossiê “Educação, desigualdades sociais e juventude negra na América Latina e Caribe: construindo a resistência antirracista” apresenta artigos de autores/as de diferentes países latino-americanos e caribenhos (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador e Uruguai), que oferecem um instigante e significativo panorama acerca do modo como a diversidade étnico-racial tem sido tratada na região, predominantemente como desigualdade e de forma discriminatória, sendo um dos aspectos significativos para entender como as desigualdades sociais e as relações assimétricas de poder foram construídas historicamente, bem como as lutas e as tensões para a superação do racismo e das iniquidades.

Os trabalhos que integram o presente dossiê foram produzidos a partir das discussões desenvolvidas nos Seminários “Educação, Racismo e Desigualdades Sociais”, coordenado pelas Profa. Dra. Cidinalva Silva Camara Neris (Universidade Federal do Maranhão, Brasil) e Profa. Dra. Kátia Regis (Universidade Federal do Maranhão, Brasil) e “Juventudes Negras e Racismo”, coordenado pelo Prof. Dr. Rodrigo Ednilson de Jesus (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil). Leia Mais

A Educação, a pandemia e a sociedade do cansaço | Ensaio – Avaliação em Políticas Públicas Educacionais | 2021

Mulher cansaco Desigualdades sociais
Mulher e cansaço | Foto: Globo.com

Han, em seu livro “A Sociedade do Cansaço”, fez um retrato do mundo de antes da pandemia da Covid-19 demonstrando que vivemos numa época de velocidade e de esgotamento, na qual o sistema de poder vigente valoriza indivíduos inquietos, hiperativos, que se arrastam no cotidiano produtivo, quase sempre bem-sucedidos e que executam inúmeras e variadas tarefas. Estamos vivendo na sociedade do desempenho, constituída por uma nova subjetividade proveniente das transformações sócio-históricas ocorridas desde o final do século XX (HAN, 2017).

Foucault, ainda antes de Han, seguia na mesma linha de pensamento ao declarar que, não no final do século XX, mas desde meados do século XVIII, vivemos em um sistema de biopoder ou biopolítica, um sistema que busca otimizar um estado de vida na população, a fim de criar indivíduos economicamente ativos. Produzir, inovar, responder com criatividade às situações de trabalho, de estudo, de relacionamento são o que se espera de todos nós. Autossuperação, iniciativa, eficiência e flexibilidade explicam a sociedade do desempenho de Han (2017) e a biopolítica de Foucault (2012) . Leia Mais

História e Educação (II) / Vozes, Pretérito & Devir / 2021

Vozes Preterito Devir Historia e Educacao II Desigualdades sociais

SILVA, Samara Mendes Araújo; COSTA FILHO, Alcebíades; BAPTISTA, Marcus Pierre de Carvalho. Apresentação. Vozes, Pretérito & Devir. Teresina, v.12, n.2, 2021. Acessar publicação original, relativa à primeira parte deste dossiê [IF].

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História e Educação (I) / Vozes, Pretérito & Devir / 2021

Vozes Preterito Devir Historia e Educacao II 1 Desigualdades sociais

Apresentação

Tecendo Conexões: História, Educação e Tempo Presente

Este bravo Indiano deu então alguns detalhes sobre a vítima. Era uma Indiana famosa por sua beleza, de raça parsi, filha de ricos negociantes de Bombaim. Tinha recebido naquela cidade uma educação absolutamente inglesa, e por suas maneiras, por sua instrução, qualquer um a creria europeia. (VERNE, 2006, p. 74) (grifo nosso).

Entremeando fios de História e Literatura a partir do universo fantástico tecido por Júlio Verne, em uma de suas obras mais icônicas, A Volta ao Mundo em 80 dias, iniciamos estas breves reflexões sobre a educação enquanto aspecto integrante demarcador e marcante da historicidade humana.

A educação, deste modo, torna-se um elemento de distinção, produto e produtor de identidades, e, também de diferenças, visto que é através desta e por meio desta, juntamente com nossas experiências, que atribuímos sentidos ao mundo, às temporalidades que nos atravessam e aos espaços que nos inserimos.

Voltemos à Júlio Verne, mais especificamente à moça indiana por ter recebido uma educação inglesa, rendeu-lhe bônus e ônus de ser percebida enquanto europeia, tanto por seus pares quanto para os outros. Através da educação tanto no exemplo da moça indiana da obra de Verne, quanto nos diversos contextos das historicidades analisadas pelas autoras e pelos autores que integram o presente Dossiê, é um dos principais veículos de processos de hibridização cultural e a (re)configuração de referenciais identitários que demarcam as posições e lugares sociais dos sujeitos e contribuem para reverberar a percepção de si, bem como a percepção do Outro.

A Educação, muito além de um elemento capaz de demarcar socialmente e culturalmente um sujeito, é um aspecto histórico-cultural, se modificada no tempo e no espaço. Por isto datada histórica e socialmente.

A recente compreensão da Educação enquanto um direito básico do ser humano, conforme o destaque dado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de sua necessidade para que os sujeitos compreendam os direitos inalienáveis e universais que todos possuem, ou, mesmo o realce feito pelo Artigo 6 da Constituição Brasileira (1988) que a estabelece enquanto um direito social garantido a todo brasileiro. Não é direito consolidado nem mesmo tornou-se acessível em todas as sociedades mundiais contemporâneas.

Deve-se frisar que o direito à educação, aliás, a conquista deste, conforme Pinsky (2013), não se refere somente a um direito inalienável ou básico da humanidade, mas também está atrelado diretamente a ideia e concepção de ser “cidadão”, posto que é necessário para os sujeitos possam exercer sua cidadania. Deste modo, para o autor, sem os direitos sociais e nestes inclui-se a educação, não é possível o exercício pleno da cidadania, tendo em vista que “[…] exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais” (PINSKY, 2013, p. 10).

No tempo presente tem-se a Educação enquanto integrante do rol de direitos legalmente garantidos, ainda que teoricamente, a todas as pessoas. Em função das lutas e embates feitos por grupos sociais (muitas vezes marginalizados) que buscavam ampliar (embora a maioria de suas disputas fossem para igualar) os direitos frente aos demais, dentre estes, o acesso, ampliação e melhoria da educação, haja visto que em séculos anteriores “[…] houve forte resistências contra o início de uma educação universal” (COGGIOLA, 2013, p. 311).

Ao refletirmos historicamente sobre a constituição da Educação enquanto veículo de (trans)formação e manutenção sociocultural, a partir da importância do direito à educação e da conquista deste teve para a emancipação feminina na sociedade ocidental nos últimos séculos, por exemplo. Podemos mensurar infimamente as repercussões no campo da historiografia quando analisadas e compreendidas as transformações das sociedades em determinado contexto histórico a partir dos componentes e elementos educacionais.

Relembramos ainda que se avolumam as discussões sob viés educacional, e, consequentemente as produções sobre a História da Educação, estas produções estão concentradas e são divulgadas por profissionais seja na área da História (historiadores de ofício) seja da área da Educação (possuem formação de base na área da Educação, ou outras licenciaturas que não História), os quais se organizam em eventos científicos e produções acadêmico-científicas a partir dos GT (Grupos de Trabalho) de História da Educação consolidados, no cenário nacional e internacional.

No último Simpósio da ANPUH (2019), ocorrido em Recife, o GT de História da Educação obteve o maior número de trabalhos inscritos em todo o evento, sendo o único com apresentações de trabalhos em todos os cinco (05) dias do evento. A SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação – (historiadores de ofício ou historiadores de exercício) congrega profissionais das mais diferentes áreas de formação que atuam, a cada nova edição amplia seu destaque em âmbito nacional e internacional.

Publicar DOSSIÊ com TEMÁTICA de HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, especificamente neste ano de 2020, marcado por inúmeros questionamentos (por vezes demais insensatos) sobre a importância do FAZER EDUCAÇÃO e sobre as ações dos SUJEITOS DA & NA EDUCAÇÃO, a contribuição e importância reside precisamente em apontar direções e conexões entre passado e tempo presente, conforme enfatiza Walter Benjamin em suas Teses sobre o Conceito da História (1940):

[…] O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.

[…] O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.

Enquanto organizadores, nos últimos meses, tivemos o privilégio de dialogar, debater e aprimorar ideias e conhecimentos na área da historiografia da educação com pesquisadores das mais diferentes instituições do país, conhecemos suas produções, inovações e contribuições que ampliam e diversificam o conhecimento sobre a História da Educação Brasileira.

Diferentes pesquisadores – portadores das mais diversas formações – idênticos em um fator são profissionais dedicados e exímios produtores de saber e conhecimentos sobre: HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. Estes profissionais cordialmente concordaram em integrar o volume I do DOSSIÊ da Vozes, Pretérito e Devir: Revista de História da UESPI (2020).

Ressaltamos, então, a importância do artigo “A educação da mulher”: o manual de história de educação feminina de Afrânio Peixoto (1936) de autoria de Roberlayne de Oliveira Borges Roballo e Alexandra Padilha Bueno que se propõe a refletir sobre o projeto de educação feminina de Afrânio Peixoto e o ideal de mulher moderna na primeira metade do século XX.

Deste modo, é preciso destacar a relevância que estas questões, tão pertinentes no decorrer dos últimos séculos, principalmente para a história da educação, não apenas ainda provocam questionamentos e inquietações, mas são necessárias considerando as sociedades em que vivemos e suas perspectivas no que se refere aos homens e mulheres e os espaços destinados a cada um.

Se na contemporaneidade questiona-se cada vez mais os espaços destinados a homens e mulheres ao refletirmos sobre as instituições escolares e a história da formação de professores, o olhar acerca de quem poderia frequentá-las, o que deveria ser estudado e quem deveria exercer a docência transformou-se diversas vezes ao longo dos distintos recortes temporais que atravessaram os sujeitos e estes espaços.

Este processo, por sua vez, não ocorreu isentos de críticas e a “feminização” da docência “[…] era alvo de discussões, disputas e polêmicas. Para alguns parecia uma completa insensatez entregar às mulheres usualmente despreparadas, portadoras de cérebros „pouco desenvolvidos‟ pelo seu „desuso‟ a educação das crianças” (LOURO, 2004, p. 376).

Do mesmo modo houve posicionamentos favoráveis a ocupação das mulheres na atividade docente, ainda que viessem acompanhados de uma naturalização dos papeis sociais destinados a homens e mulheres, na medida em que afirmavam que estas possuíam por questões naturais mais capacidade e habilidade para lidar com crianças e, assim, o mais apropriado seria que fossem responsáveis por ensiná-los. A docência, neste ponto, tornar-se-ia um prolongamento da maternidade, destino natural de toda mulher na perspectiva destes sujeitos (LOURO, 2004).

Deste modo, evidenciamos a importância dos artigos “O legado das professoras leigas no ensino rural no Piauí 1960-1980” escrito por Jéssika Maria Lima; “Professor primário no Ceará provincial: formação e profissão docente” de autoria de Adriana Madja dos Santos Feitosa e Diana Nara da Silva Oliveira; “Hortênsia de Hollanda e a circularidade metodológica aplicada à educação em saúde” produzido por Dulce Dirclair Huf Bais, que discutem questões pertinentes à história da formação de professores em espaços e temporalidades distintas no Brasil.

O primeiro trata especificamente sobre a atuação de professoras leigas no interior do Piauí, enfatizando os problemas sociais existentes na segunda metade do século XX no município de Alto Longá (PI), as políticas públicas destinadas para tentar sanar o problema e o papel destas professoras, que não possuíam uma formação específica para a docência, frente a isto.

Enquanto o segundo, por sua vez, discorre sobre a formação de professores na segunda metade do século XIX na província do Ceará, tendo por objetivo compreender as transformações que se fizeram presente no desenvolvimento do mestre-escola e as repercussões na formação de um novo ideal de docente para o ensino primário.

O último trata acerca da produção de Hortênsia Hurpia de Hollanda relacionada à educação em saúde e à disciplina Programas de Saúde, analisando a obra produzida por esta, através da parceria entre o Ministério da Educação e Cultura e o Ministério da Saúde, para docentes e discentes no ensino primário.

Assim, os três artigos destacados discutem e analisam questões distintas no tocante à História da Formação de Professores, seja o caso de professoras que se tornavam docentes durante o exercício do ofício, e, sem formação institucional ou formal, caso das professoras leigas no interior do Piauí, ou mesmo nas transformações da formação docente para o ensino do primeiro grau no Ceará provincial, bem como a análise da produção de materiais e ensino interdisciplinares entre a educação e a saúde e suas repercussões no ensino primário.

Da mesma forma que a formação de professores teve percursos plurais reconfigurando-se de acordo com o tempo, o espaço e as experiências dos sujeitos, as instituições escolares, especialmente no Brasil, também tiveram singularidades e tornaram objetos de estudo relevantes no âmbito da História da Educação.

As primeiras instituições escolares a surgir no território que veio a se tornar o Brasil foram os colégios dos jesuítas. Ao tempo que a Companhia de Jesus se instalava e consolidava o seu escopo de atuação na América Portuguesa, especialmente na missão de evangelização, foram fundando diversos colégios em várias partes do império luso-americano (CALAINHO, 2005).

A educação ofertada neste momento pela Companhia de Jesus e os colégios fundados por estes tinha dois focos distintos: a instrução das elites e a catequização dos povos nativo-americanos, tendo um currículo diferenciado para ambos, excluindo-se outros grupos sociais, privilegiando “[…] uma educação voltada para a formação da elite dirigente” (RIBEIRO, 1993, p. 16).

A partir da segunda metade do século XVIII, com a Reforma Pombalina, mas especialmente no decorrer do século XIX, o cenário das instituições escolares transformou-se na América Portuguesa, e, posteriormente, no Brasil Imperial.

De acordo com Schwarcz (2005) no início do período oitocentista com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil (1808), tem-se o surgimento das primeiras escolas cirúrgicas no Rio de Janeiro e Bahia que, nas décadas seguintes, tornam-se as primeiras faculdades de medicina do Brasil. De modo análogo é no período oitocentista que são fundadas as primeiras faculdades de Direito no Brasil e que se assiste a fundação das Escolas Normais e dos Liceus, responsáveis pelo ensino secundário. Assim,

[…] após a Independência, em 1824, é outorgada a primeira Constituição brasileira, que em seu art. 179, inciso XXXII previa a “instrução primária gratuita a todos os cidadãos”, embora na prática não tenha se concretizado totalmente. Em relação à educação secundária, esta Constituição não demonstrou nenhum compromisso, continuando assim, as aulas avulsas (BANDEIRA, 2007, p. 52).

Segundo Bandeira (2007), então, a criação de Liceus torna-se uma ação empregada por alguns Presidentes de Província que tinham por objetivo reduzir a precariedade do ensino público nestas localidades. Não obstante isto, a autora também destaca a existência de instituições escolares particulares em algumas regiões, bem como a criação do Colégio Pedro II (1837) por parte do governo imperial para servir de modelo e parâmetro às instituições de ensino secundário nas demais províncias.

No século XX, por sua vez, estas instituições continuam a transformar-se, bem como a própria política do Estado quanto ao ensino em suas diferentes modalidades. É neste contexto novecentista que assistimos o surgimento das primeiras universidades no país (FÁVERO, 2006), bem como de agências governamentais de fomento à educação e a pesquisa, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Deste modo, sobre questões referentes à instituições escolares versam os artigos “As primeiras instituições escolares e a expansão urbana no Itararé” de autoria de Cláudia Cristina da Silva Fontineles e Mariane Vieira da Silva; “A consolidação da pesquisa como política educacional: a atuação da Capes entre as décadas de 1960-90” escrito por José Antônio Gabriel Neto e Luís Távora Furtado Ribeiro (UFC); “Gênese histórica da educação social: da relação com a pobreza” de Maria Escolástica de Moura Santos.

Assim, a pesquisa realizada por Cláudia Cristina da Silva Fontineles e Mariane Vieira da Silva busca compreender os impactos que as primeiras escolas surgidas no bairro Itararé em Teresina (PI) no final dos anos 1970 tiveram em seu desenvolvimento urbano, bem como na formação escolar dos primeiros moradores. José Antônio Gabriel Neto e Luís Távora Furtado Ribeiro, por sua vez, contemplam este dossiê analisando a atuação da CAPES na expansão da pós-graduação brasileira entre os anos de 1960 e 1990. Por fim, Maria Escolástica de Moura Santos, propõe analisar o surgimento da Educação Social enfatizando questões relativas à pobreza, inclusão e exclusão de sujeitos marginalizados.

Já em relação à História da educação do ensino primário e do ensino secundário o dossiê em questão é contemplado pelos artigos “Ordenar o local para compor o todo: a instrução primária enquanto parte do projeto de nacionalização e disciplinarização da sociedade oitocentista, Bahia séc. XIX” escrito por Antonio Barbosa Lisboa; “Histórias da Educação da Infância Rural Piauiense nos Tempos da Palmatória (1930-1960)” assinado por Roberto Kennedy Gomes Franco; “Das aulas régias ao ensino médio: História da constituição à consolidação do ensino secundário piauiense (século XIX ao século XXI)” de autoria de Marcoelis Pessoa de Carvalho Moura e Maria da Glória Carvalho Moura; “A expansão do Ensino Secundário no Piauí: Uma escola propedêutica ou para o trabalho?” de Romildo de Castro Araújo.

Com relação ao ensino primário a pesquisa realizada por Antonio Barbosa Lisboa busca compreender a instrução primária enquanto uma estratégia de disciplinarização empregada pela província da Bahia no século XIX, especificamente das elites perante os grupos menos abastados. O artigo de Roberto Kennedy Gomes Franco, por sua vez, tem como enfoque a transformação do ensino primário no interior do Piauí entre os anos de 1930 e 1960, especificamente na região de Esperantina (PI).

Quanto ao ensino secundário a produção de Marcoelis Pessoa de Carvalho Moura e Maria da Glória Carvalho Moura propõe a construção de uma narrativa que verse sobre a trajetória histórica do ensino secundário no Piauí do século XIX ao XXI, discorrendo sobre o liceu, a expansão do ensino secundário no século XX a partir de iniciativas privadas até a expansão do ensino público no século XXI consolidando-o enquanto um direito social. O texto de Romildo de Castro Araújo, por sua vez, possuindo um foco mais específico, analisa especificamente a expansão deste ensino entre os anos de 1940 e 1960 no Piauí e a dicotomia entre uma escola voltada para o ingresso no ensino superior e outra para o mercado de trabalho.

Percebe-se, então, a pluralidade de possibilidades que se descortinam no horizonte das produções e pesquisas em História da Educação, seja a partir das temáticas de gênero, especificamente questões voltadas para o feminino, debruçando-se sobre as análises das instituições escolares, ou, escrutinando sobre níveis específicos de ensino, tal como as discussões sobre a história do ensino secundário e primário, ou, ainda sobre o próprio ofício docente ao abordar a história da formação de professores.

No entanto, é preciso destacar que o trabalho do historiador não se configura é um mero trabalho imaginativo, não se trata de uma criação que nasce sem um referencial teórico ou fontes históricas. Para a escrita da História há elementos fundamentais e imprescindíveis, necessário para a produção da narrativa: as fontes históricas.

Deste modo, no contexto da historiografia contemporânea entendemos fontes históricas, basicamente, enquanto qualquer vestígio ou elemento produzido pelos seres humanos ao longo das diferentes temporalidades e espacialidades, isto é, compreendemos que no paradigma atual a História passou a se preocupar, analisar e estudar toda ação humana (BURKE, 1992). Assim, o interesse pela História da Educação

[…] passou pela discussão a respeito de fontes escritas, sonoras, iconográficas, pictóricas, audiovisuais, arquitetônicas, mobiliárias, dentre outras consideradas peças essenciais para se esclarecer as circunstâncias concretas dos fenômenos ocorridos em determinadas épocas e sociedades (MELO, 2010, p. 13).

A discussão sobre fontes históricas para a produção da História da Educação se faz presente neste dossiê a partir de dois artigos responsáveis por encerrar este primeiro volume. “Possibilidades para uma História da Educação pelos arquivos da EEM Mons. José Augusto da Silva – Camocim-CE (1976-2020)” escrito por Anandrey Cunha e “A presença de periódicos pedagógicos nas pesquisas de História da educação matemática” de autoria de Jonathan Machado Domingues e Janine Marques da Costa Gregorio.

Por conseguinte, o artigo de Anandrey Cunha teve por objetivo refletir sobre os acervos escolares enquanto fontes para as pesquisas em História da Educação utilizando para tanto os arquivos da Escola Monsenhor José Augusto da Silva localizada em Camocim (CE). No caso de Jonathan Machado Domingues e Janine Marques da Costa, estes propõem-se a fazer uma reflexão sobre a História da educação matemática a partir de periódicos pedagógicos disponíveis em repositório de conteúdo digital da Universidade Federal de Santa Catarina.

Percebemos quão ampla, diversificada e plural a História da Educação pode ser, cabendo ao historiador as reflexões teóricas e metodológicos adequadas, além de atender às especificidades das temáticas e os objetos de estudos na elaboração do processo de reflexão e produção de pesquisas e narrativas historiográficas sobre os diferentes contextos educacionais que atravessaram os sujeitos ao longo do tempo e do espaço.

Os trabalhos reunidos neste Dossiê buscam iluminar estas questões dentro do campo da História da Educação, indicando, ainda, novas possibilidades para ampliação de conhecimentos e discussões.

Convidamos, então, todos e todas para a apreciação e leitura deste volume que ora apresentamos.

Referências

ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na colônia. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 371 – 403.

BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito da história, (1940). Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. In Walter Benjamin – Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política – Ensaios sobre literatura e história da cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232.

Disponível: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3957253/mod_resource/content/1/Teses%20sobre%20o%20conceito%20de%20hist%C3%B3ria%20%281%29.pdf

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

CALAINHO, Daniela Buono. Jesuítas e Medicina no Brasil Colonial. Tempo, Niterói, v. 10, n. 19, p. 61-75, dez. 2005.

COGGIOLA, Osvaldo. Cidadania política: autodeterminação nacional. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). História da Cidadania. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 307 – 335.

FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. Educar, Curitiba, n. 28, p. 17-36, 2006.

FONSECA, Selva Guimarães; COUTO, Regina Célia do. A formação de professores de História no Brasil: perspectivas desafiadoras do nosso tempo. In: ZAMBONI, Ernesta; FONSECA, Selva Guimarães. Espaços de Formação do Professor de História. Campinas: Papirus, 2008. p.101-130.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 371 – 403.

MELO, Joaquim José Pereira. Fontes e Métodos: sua importância na descoberta das heranças educacionais. In: COSTA, Célio Juvenal; MELO, Joaquim José Pereira; FABIANO, Luiz Hermenegildo (Org.). Fontes e métodos em história da educação. Dourados: UFGD, 2010.

PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Mulheres: igualdade e especificidade. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). História da Cidadania. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 259 – 306.

PINSKY, Jaime. Introdução. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). História da Cidadania. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 8-12.

RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. História da educação escolar no Brasil: notas para uma reflexão. Paidéia, Ribeirão Preto, n. 4, p. 15-30, fev./jul. 1993.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As faculdades de medicina ou como sanar um país doente. In: ______. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questões raciais no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 189-238.

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VERNE, Júlio. A volta ao mundo em 80 dias. Tradução de Teotônio Simões. Versão para e-book: ebooksBrasil.com, 2006. Disponível em http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_volta_ao_mundo_em_80_dias_de_julio_verne.pdf. Acesso em: 5 dez. 2020.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. p.7-72.

Samara Mendes Araújo Silva

Alcebíades Costa Filho

Marcus Pierre de Carvalho Baptista


SILVA, Samara Mendes Araújo; COSTA FILHO, Alcebíades; BAPTISTA, Marcus Pierre de Carvalho. Apresentação. Vozes, Pretérito & Devir. Teresina, v.12, n.1, p.3-12, 2021. Acessar publicação original [IF].

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Cem anos de Paulo Freire: cultura material, educação e liberdade | Revista Arqueologia Pública | 2021

No ano do centenário do educador Paulo Freire convidamos a todos arqueólogos e especialistas nas temáticas do patrimônio, memória e educação a colaborar com a construção de reflexões sobre as relações entre a Educação e Cultura Material, promovidas em ambientes escolares ou não, como práticas de liberdade. Paulo Freire foi recebido como subversivo por alguns setores da sociedade ao longo de toda sua vida como educador e, ainda nos dias de hoje, é rejeitado por determinados campos de poder. O que em sua obra e em nossas práticas pode tornar a educação tão perigosa? Qual o potencial de uma educação partilhada atrelada à cultura material? A educação como prática da liberdade seria capaz de romper a existência do “homem simples esmagado, diminuído e acomodado (…) tragicamente assustado, temendo a convivência autêntica e até duvidando de sua possibilidade” (Freire, 1967: 44)? Seria capaz de desnudar a sociedade como meio para desvendá-la e permitir uma compreensão ativa e atuante sobre os contextos políticos e históricos no qual nos inserimos (Freire, 1986: 15/17)? A educação como prática da liberdade mantém-se como um tema atual e urgente.

Finalizando o dossiê, podemos abertamente afirmar que a proposta temática foi bem recebida pelos arqueólogos, educadores, historiadores, gestores públicos, entre outros especialistas no campo da memória, patrimônio e cultura material. No total, foram aprovados doze textos, entre artigos, entrevista e uma tradução inédita de uma entrevista dada por Paulo Freire, em Geneva, no ano de 1970. Em comum, os textos trazem como eixo central a reflexão ativa sobre cultura material, educação e liberdade. A temática é provocadora, e, claro, serve como uma plataforma para a construção de novos diálogos e práticas de ação. Nessa edição, portanto, você encontrará a seguinte estrutura: Leia Mais

Cultura digital e educação | Educar em Revista | 2020

A presente temática deste dossiê é resultado das nossas discussões, debates e pesquisas sobre os desafios atuais, tanto nas políticas públicas como nas práticas institucionais, que apontam a emergência do uso das tecnologias digitais na educação presencial e a distância, em todos os seus níveis. Emergência esta, aumentada e multiplicada a partir de 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde declarou o surto de uma pandemia provocada por um vírus. Os efeitos mundiais da pandemia foram muitos e continuam aumentando. Entre estes efeitos destaca-se o fechamento de escolas e universidades em pelo menos 115 países, que afetam bilhões de pessoas envolvidas nas comunidades educacionais: professores, estudantes, gestores, pais, etc.

As instituições de ensino foram orientadas a aproveitarem em ampla escala as ferramentas de tecnologias educacionais e muitas destas encaminharam-se para a ação se colocando numa Educação Online. No entanto, as instituições não pararam para refletir sobre o que já existe de pesquisa sobre tecnologias na educação, sobre como seria um web-currículo, quais competências e habilidades professores e alunos devem ter em uma modalidade que pressupõe o uso das tecnologias na Educação Online Não houve tempo para reflexão, pela urgência imposta, e muito do improviso levou as escolas a utilizarem as metodologias da Educação a Distância (EaD) de forma apressada. Segundo Costa (2010, p. 18) isto reforça o preconceito em relação a EaD, na qual “o maior problema consiste no fato de que, historicamente, a EaD ser tratada como modalidade de ensino utilizada como panaceia para todos os males da educação brasileira”. Leia Mais

Educação, democracia e diferença | Educar em Revista | 2020

O organismo vivo, na situação determinada pelos jogos da energia na superfície do globo, recebe, em princípio, mais energia do que é necessário para a manutenção da vida: a energia (a riqueza) excedente pode ser utilizada para o crescimento de um sistema (de um organismo, por exemplo); se o sistema não pode mais crescer, ou se o excedente não pode ser inteiramente absorvido em seu crescimento, é preciso necessariamente perdê-lo sem lucro, despendê-lo, de boa vontade ou não, gloriosamente ou de modo catastrófico. […] Ai de quem, até o fim, quisesse ordenar o movimento que o excede com o espírito limitado do mecânico que muda um pneu (BATAILLE, 2013, p. 22-23).

Este dossiê é um emaranhado, ao mesmo tempo, teórico, político e afetivo. Supõe, antes de mais da nada, uma inquietação. Deriva, sobretudo, de um desejo de intervir na relação entre democracia e educação, emergido de uma amizade nos diferentes tempos e espaços de nossas interlocuções. Das escolas quilombolas na Bahia às drag-queens em festas escolares no Rio de Janeiro, nossos campos de investigação estão conectados aos estudos de gênero, sexualidade e raça a fim de analisar como essas categorias fazem teia no pensamento curricular brasileiro. A tríade que lhe serve de título e os problemas que suscita emergiram de nossas histórias múltiplas de conversas e trocas; histórias que dão consistência às nossas trajetórias intelectuais e de pesquisa1 e que, se não explicam, ao menos localizam o convite que guia este dossiê, tão gentilmente acolhido pela Educar em Revista 2. Nosso ponto de escora, nesse contexto, é a conjunção entre educação, democracia e diferença, sugerindo que o sintagma em questão demonstra uma relação possível e não uma identidade dada. Nesta apresentação, portanto, condensamos, mesmo que brevemente, provocações dos estudos de gênero, sexualidade e raça aos pressupostos ontológicos do ordenamento jurídico-colonial da democracia liberal. Leia Mais

Narrativas, Universidades e educação | História Oral | 2020

No final de 2019, lançamos por esta revista de História Oral uma chamada para submissão de trabalhos para o dossiê Narrativas, universidades e educação que ora apresentamos. Nosso objetivo era congregar trabalhos que versassem sobre a trajetória das universidades e de seus profissionais. Autores diferentes estabelecem marcos distintos para aquela que teria sido a primeira universidade do país – dentre outras, a Universidade de Manaus, atual Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em 1909, a Universidade do Paraná, hoje Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1912, e a Universidade do Rio de Janeiro, depois Universidade do Brasil e, por fim Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1920) – sendo, não obstante, seguro dizer que já nos aproximamos dos seus primeiros cem anos de atividade no Brasil. Especialmente aqui, essas instituições se constituíram como o espaço primordial de produção em ciência, tecnologia e conhecimento, possuindo também relevante papel na formação de professores para todos os níveis de educação. Diante dos desafios que têm acometido os estabelecimentos de ensino superior nos últimos anos, nós, organizadoras deste dossiê junto com as editoras que acolheram nossa proposta, acreditamos na importância de reunir trabalhos que registrem e debatam o papel da comunidade universitária nas múltiplas dimensões que ela pode ter assumido: na abertura de novas áreas de conhecimento, na interiorização de seus serviços e, especialmente, na formação de professores. Leia Mais

Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza | História em Revista | 2020

A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível. Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na Terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade, que guiou muitas das escolhas feitas em diferentes períodos da história.” (KRENAK, 2019, p. 3).

Assim como Ailton Krenak nos informa e nos questiona sobre a noção de “que existe um jeito de estar aqui na Terra”, também existe uma concepção e um jeito de ensinar, e de ensinar História, a priori, independente do tempo, dos sujeitos, dos territórios, das sociabilidades e dos pertencimentos. Essas concepções de História, de conhecimento e de verdade também são frutos da colonialidade do ser e do saber, como é posto e problematizado por Krenak. Leia Mais

Relações Étnicas: Racismo, Educação e Sociedade / Revista Trilhas da História / 2020

Em 2019, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas, sediou o evento intitulado Simpósio Multidisciplinar de Relações Étnicas: Racismo, Educação e Sociedade. O evento fora construído por várias mãos, na tessitura de práticas e diálogos entre cursos de licenciatura do campus, especialmente os cursos de História, Geografia e Pedagogia, representados por docentes e discentes comprometidos / as com a educação para as relações étnico-raciais. Além dos temas candentes para o debate das relações étnico-raciais, o encontro foi bem sucedido por conseguir reunir vozes negras e indígenas protagonizando os diálogos estabelecidos nas mesas redondas, simpósios temáticos, lançamentos de livros e atividades culturais. Eventos desta natureza têm como justificativa a urgência da produção de um novo estradar da universidade, desenhando bifurcações necessárias entre a educação e a luta antirracista.

Uma busca no Google de eventos acadêmicos ocorridos em novembro de 2019 possivelmente aponte para muitos outros lugares e entidades que realizaram atividades voltadas à semana da Consciência Negra naquela conjuntura. Provavelmente também o crescimento do número de pesquisas, ações e projetos a extrapolar a efeméride, seja uma realidade e uma conquista de que nos sentimos parte e que devem ser comemoradas. No entanto, passado um ano, perscrutando um olhar retrospectivo, concluímos que estamos longe de empreender uma alteração efetiva no estado de coisas e no cenário de violência que o racismo estrutural engendra. Ao adentrarmos o ano de 2020, pudemos constatar, não sem tristeza e indignação, que os passos são ainda muito curtos, apesar de tão necessários.

Marcado pelo advento da pandemia do novo Coronavírus, o ano de 2020 escancarou o racismo estrutural e aprofundou a chaga do negacionismo. Logo nos primeiros meses da conjuntura pandêmica, o mundo assistiu ao levante estadunidense em reação ao assassinato de George Floyd, um homem negro morto por um policial branco, em 25 de maio, na cidade de Minneapolis, em mais uma das abordagens violentas das instituições policiais sobre as populações negras, mas que, naquela ocasião, fora filmada e exposta nas mídias globais. Homens e mulheres de todo o planeta assistiram ao terrível assassinato daquele cujas últimas palavras foram: “eu não consigo respirar”. O fato foi corretamente lido pela sociedade como violência racista e a repercussão se politizou, fazendo emergir dali o movimento mundial intitulado “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam). Demonstrar que a abordagem policial difere a partir de marcadores de cor, evidenciando que a sociedade é amplamente racializada, foi um objetivo trilhado pelo movimento, apesar de persistirem visões negacionistas teimando em retrucar pelas redes que “todas as vidas importam”, numa tentativa de apagamento do racismo como causa estrutural da morte de Floyd. Não é exagero dizer que a sensibilização estadunidense frente a este fato pode ter abalado o destino das eleições presidenciais dos Estados Unidos, uma vez que a resposta do líder máximo do executivo naquele momento não destoava da onda negacionista e mesmo não se distanciava de grupos de supremacia branca naquele país.

Aqui no Brasil, os primeiros sinais de que a epidemia também seria uma tragédia racializada vieram antes e foram, respectivamente, a notificação da primeira morte por Covid-19, no país, de uma empregada doméstica, e a evidente negligência do Estado contra os povos indígenas no combate à disseminação do vírus entre as comunidades. O Instituto Socioambiental apontou para essa omissão argumentando que o Estado inclusive ajudou a espalhar a doença entre os povos originários, por meio de profissionais da saúde que levaram o vírus para aldeias, como também pelo silêncio sobre garimpeiros e grileiros que aumentaram as invasões na Amazônia durante a pandemia e, ainda, pelo fato de indígenas terem de buscar o auxílio emergencial nas cidades.[1]

Em maio de 2020, uma operação policial resultou na morte de uma criança de 14 anos, dentro de sua casa, em São Gonçalo, Rio de Janeiro. João Pedro era mais um garoto negro, morador do complexo de favelas do Salgueiro, e sua morte expôs a terrível tradição da abordagem policial onde se concentram os pobres e negros das periferias que, como afirmava Carolina Maria de Jesus, constituem o “quarto de despejo” da sociedade.

Pouco tempo depois, em 02 de junho, fomos surpreendidos com o desfecho de uma tragédia a ser evitada se nosso povo pudesse se libertar da sua própria história, superando as dores e desigualdades infligidas, sobretudo, nas intersecções de raça, gênero e classe. Naquele dia, na cidade de Recife, morreu o menino Miguel ao cair da altura do nono andar de um prédio. Sua morte foi definida pela ONU como decorrente do racismo sistêmico, pois Miguel era uma criança negra e estava sozinho naquele andar por conta da negligência da patroa de sua mãe. A mãe de Miguel, Mirtes Souza, mulher negra, havia saído para passear com o cachorro da patroa. Assim como a sua própria mãe, era empregada doméstica e não pode contar com o direito ao isolamento social preconizado pela Organização Mundial da Saúde – OMS.

Djamila Ribeiro, ao refletir sobre o fato, expôs sua relação inegável com um passado colonial que teima em se reproduzir. Em texto publicado em 09 de julho no Jornal A Folha de São Paulo, a filósofa afirmou que era preciso atentar para algo insistentemente invisível, “o serviço doméstico em meio à pandemia, a hierarquização de vidas. A patroa que faz as unhas, enquanto Mirtes Souza, empregada doméstica, passeia com o cachorro”. Para esta autora, Miguel “provou uma experiência comum para pessoas negras no país: ser uma presença indesejada, uma chateação preta no momento de vaidade da família branca”. Mas, como compreender que a queda e morte de uma criança é resultado de racismo? O que é preciso reconhecer por detrás do elenco de fatos imediatos daquele 02 de junho como fios invisíveis e históricos que colocam o menino Miguel, de apenas cinco anos, naquele elevador, cujos botões foram apertados pela patroa branca, primeira-dama de um município que tampouco ela residia?

Na época dos fatos foram ventiladas as noções de racismo estrutural e sistêmico em algumas reportagens e programas de repercussão que visavam explicar os acontecimentos a partir de leitura sociológica apontando que o racismo não se resume a práticas individuais, conscientes e isoladas, de aviltamento direto contra homens, mulheres e crianças lido a partir de marcadores raciais erigidos em processos de colonização eurocentrados. Um dos autores que se fez presente no debate público foi Silvio de Almeida, para quem o racismo é estrutural e também institucional, pois nossas ações e comportamentos “são inseridos em um conjunto de significados previamente estabelecidos pela estrutura social. Assim, as instituições moldam o comportamento humano, tanto do ponto de vista das decisões e do cálculo racional, como dos sentimentos e preferências”.

Apesar da repercussão destes e de outros casos, que incluiu até um movimento pela derrubada de estátuas e monumentos colonialistas ao redor do mundo, as dores da família de Floyd, de João Pedro e de Miguel, bem como os debates trazidos às superfícies das mídias e redes sociais não foram suficientes para produzir uma fissura sistêmica ou estrutural que interrompesse o ciclo histórico de violência infligida aos povos subalternizados e marcados pela negritude dos seus corpos.

Ao completarmos um ano de nosso evento, às vésperas do Dia da Consciência Negra de 2020, João Alberto Freitas, de 40 anos, foi tratado como criminoso, espancado e morto por seguranças no estacionamento de uma unidade do supermercado Carrefour em Porto Alegre. Seu crime: ser negro no Brasil. Mas, igualmente, como ocorreu com os tristes exemplos que elencamos acima, não foi dito a Beto que ele pagava com a vida por sua negritude, pois o racismo que impele as instituições a detratarem e destruírem pessoas negras só pode ser percebido pelo escancaramento do absurdo que se pensaria caso o evento ocorresse inversamente, com pessoas brancas. Só parece possível produzir alguma consciência e educação das relações étnico-raciais que superem as estruturas racistas quando o conjunto da sociedade assumir essa tarefa e, sobretudo, as pessoas brancas admitirem sua importância na luta antirracista, quando forem capazes de presumir seus privilégios invisíveis como serem tratados / as como pessoas sem previamente serem suspeitas. Grada Kilomba, em entrevista à já citada Djamila Ribeiro, alertou que “as pessoas brancas não se veem como brancas, se veem como pessoas. E é exatamente essa equação, ‘sou branca e por isso sou uma pessoa’ e esse ser pessoa é a norma, que mantém a estrutura colonial e o racismo”.

Os casos de violências tão terríveis como estes ocorridos após o nosso evento tensionam nossa própria esperança. Além das mortes decorrentes do racismo estrutural, que foram em número maior do que podemos supor aqui, também os casos de preconceitos e prejuízos produzidos pela omissão no combate ao racismo, e mesmo por sua reprodução, projetam cotidianamente os brancos / as ao centro e os negros / as e indígenas às margens. Basta lembrarmos do caso da entrevista da cofundadora do Nubank, Cristina Junqueira, ao programa Roda Viva (TV Cultura) do último 19 de outubro, em que afirmou, sobre contratar pessoas negras a partir de políticas afirmativas, que o banco não poderia fazê-lo pois não dá para “nivelar por baixo”.

Estas dinâmicas se beneficiam do silenciamento e da normatização e mantêm engrenagens muito antigas que, a despeito da centenária resistência, dos aquilombamentos e retomadas, das emancipações individuais e das pequenas conquistas legais, asseveram o fosso social que persiste e se desnudou ainda mais com a pandemia. A doença foi pior e, de fato, mais letal para aqueles e aquelas que já são atravessados pela chaga do racismo. A publicação do GT de Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), fundamentada na perspectiva de que a OMS, “concebe o racismo como um dos determinantes sociais do processo de adoecimento e morte”. Os autores / as consideram que “os desdobramentos da pandemia da Covid-19 numa sociedade estruturada pelo racismo penaliza grupos vulneráveis, especialmente entre pessoas negras, está diretamente relacionado à policrise sanitária, social, política, econômica, moral, crise na globalização e os fluxos migratórios etc”.

Produzir mudança que salve vidas implica uma tarefa de arco revolucionário e, na educação, uma radicalidade emancipadora. Com efeito, a denúncia e o anúncio, sejam eles viralizados pelas câmeras e redes que hoje podem contribuir com a desnaturalização da violência racial, seja na reunião de pessoas dispostas a dar um passo em outra direção, isto é, na direção da luta antirracista, é o trabalho de formiguinha a que temos de nos comprometer nas nossas rotinas de trabalho, estudos, nos almoços de família, nas rodas de conversas, no chão das escolas, de forma coletiva, perene e intransigente. É neste compromisso que trazemos e apresentamos o Dossiê Relações étnicas – Racismo, Educação e Sociedade.

Como já salientamos, sua proposta nasce do Simpósio Multidisciplinar de Relações Étnicas, mas ganha novo fôlego ao revisitarmos as experiências do ano que decorreu de lá pra cá, com a pandemia da Covid-19 e do racismo. Se alcançamos, na época, o bonito objetivo de construir um espaço pluralmente atravessado por olhares decoloniais, narrativas indígenas, vozes negras de homens e mulheres, estéticas diversas, em ações potentes e resistentes na denúncia das várias formas de opressão que marcam a nossa sociedade, como também de (re)existências a demarcar a educação como instrumento de luta e vivida / produzida pela ação humana no tempo, agora, compreendemos que o dossiê alimenta o anseio de manter vivo este espaço como marco de luta e esperança. Os textos, assim como o simpósio, também se constituem numa treliça interdisciplinar e trazem esta dimensão de enfrentamento aos muitos racismos, como os vividos nos espaços escolares, mas ainda em outros lugares da sociedade e a envolver sujeitos diversos, como negros e negras, indígenas e ciganos.

O texto Cabelo crespo, corpo negro na luta cultural por representação afirmativa da identidade negra, da historiadora e militante negra, Celia Regina Reis da Silva, apresenta densidade teórica e trabalho com as fontes na abordagem de uma temática de suma importância para o Dossiê ao estudar o corpo negro e o cabelo crespo, em vista da discriminação vivida por crianças, adolescentes e jovens, tanto no espaço escolar quanto em outros lugares da sociedade. Mas apresenta também o seu reverso, ou seja, as múltiplas manifestações culturais da juventude negra de São Paulo, especialmente das periferias, na denúncia desta situação e na apresentação, vivência e (re)existência de outras práticas que implicam a valoração das vidas negras, na sua mais ampla acepção. Ao discutir essas questões no ambiente escolar, a autora denuncia como a escola acaba por ser este lugar de segregação e racismo se não problematiza-los em suas raízes e efetivar práticas antirracistas em seu cotidiano. Desse modo, o texto é um alento para pensarmos questões fundamentais na apreensão das múltiplas formas de luta, especialmente na abordagem do corpo e do cabelo negros e na criatividade das periferias na reinvenção de outras práticas que vão de encontro à violência contra pretos e pretas.

O texto A lei 10.639 / 2003 e o Programa Nacional da Biblioteca na Escola do ano de 2013: Como a temática étnico-racial tem sido tratada pelo programa dez anos após a sua implementação, de Felipe Lima e Jaqueline Santa Bárbara, traz uma temática muito relevante para a Educação e a História, ao abordar a forma como os negros e negras vem sendo retratados na literatura infantil, especialmente como se constitui (ou se nega) a identidade negra, a partir da análise de livros disponibilizados pelo PNBE / 2013, dez anos após a Lei 10.639 / 03. Desse modo, ao entrevistar duas professoras que trabalham com o ciclo fundamental e analisar 60 livros enviados para as escolas brasileiras, os / as autores / as abordam uma discussão fundamental acerca das questões étnico-raciais e do trabalho desenvolvido em sala de aula.

O texto ‘E se fosse o contrário?’ Djonga e Fanon: um diálogo sobre racismo e alienação, de Fábio Silva Sousa e Rogério Leão Ferreira, ao trabalhar duas linguagens diferenciadas (um autor e um videoclipe), traz uma contribuição necessária para a análise do racismo e das formas de opressão que marcam a sociedade no Brasil e em outras partes do globo. Ao discutir Frantz Fanon e sua obra “Pele negra, máscaras brancas”, e o Rapper Djonga, numa linguagem explícita e até direta, por vezes, ao confrontar-se com a alienação do negro, o texto problematiza a quem favorece a identificação com o branco e nos aponta caminho para superarmos o racismo impregnado em nosso tecido social.

O texto Entre o sul e o norte de Mato Grosso: doenças, conflitos e a exclusão da liberdade (séculos XVIII e XIX), de uma das autoras desta apresentação e de Rafaely Zambianco Soares Sousa, discute temas como doenças, conflitos e a exclusão da liberdade na história dos negros e negras escravizados entre o norte e sul de Mato Grosso. Ainda que não se refira diretamente à temática das relações étnico-raciais, possibilita a compreensão de um cenário em que imperavam doenças e insalubridades no Brasil Oitocentista, em particular incidindo sobre a vida dos negros e negras, escravizados e libertos. Contrapondo-se às mazelas que marcaram mais de 350 anos de escravidão temos também, nesta história, o desejo e a busca pela liberdade, como expõe uma das fontes de 1872, em que liberdade, vida, doença e morte se entrelaçaram pelos caminhos e arredores do Cuyabá. Ao conhecermos o passado suas lições nos ensinam a necessidade do combate ao racismo no presente, em todos os lugares em que ele se estrutura, pois, comumente, a sua história é a de permanência da injustiça, da Colônia ao século XXI, mas também de muitas lutas ao longo do tempo.

O texto O ‘Nobre educador’ da Bahia: trabalho, cidadania e sociabilidades, de Sivaldo dos Reis Santos, ao discorrer sobre a trajetória do professor negro Elias de Figueiredo Nazareth, que fora docente e diretor da Escola Normal da Bahia, contribui com novas análises podendo dar visibilidade historiográfica aos trabalhadores negros que vivenciaram momentos sociais de tensão e mudanças entre o fim do século XIX e começo do XX. Apresentando fontes da Hemeroteca Digital Brasileira como jornais, revistas e relatórios de autoridades públicas na área da educação, da segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX, o texto propõe uma ruptura sobre aquilo que Chimamanda Adichie chamou de “uma história única”, que comumente naturaliza um lugar específico para determinados sujeitos nas narrativas da história e que pode ser tensionada com pesquisas que desvelem a agência de homens e mulheres a se desviarem desses lugares atribuídos arbitrariamente, e não sem resistências coletivas e individuais, evidentes nestas obras.

A interpretação acerca dos Suruí / Aikewara e a Guerrilha do Araguaia: memórias de uma história em movimento, dos autores Andrey Minin Martin e Iolanda de Araújo Mendes, evidencia pesquisa empírica, especialmente na produção das fontes orais. Ao narrar as memórias da guerrilha do Araguaia, os autores dão conta de explicitar os marcos de memória impressos pela ditadura militar, assim como a reconstrução do direito moral à terra e, inclusive, à reivindicação à expansão de seus limites. Ao contribuir para a história indígena, o texto explicita a proximidade com a temática do racismo, porque também esses grupos, os povos originários, vivem na pele, no corpo, na carne, a violência que marca a nossa história, do passado ao tempo presente. Reconstituir uma história de lutas e uma reivindicação de memórias é fundamental para não deixar que estas histórias sejam silenciadas, especialmente no contexto da ditadura civil-militar.

Marcio Edovilson Arcas e Ademilson Batista Paes, em A invisibilidade / camuflagem cigana: uma análise sobre a representação dos ciganos no olhar do Gadje (não-cigano) apresentam uma reflexão basilar para a análise da representação dos ciganos na Literatura e em outras fontes trabalhadas em sala de aula. Os autores problematizam como o mito construído em torno dos ciganos desvela a inexistência da alteridade face a esses povos, prevalecendo interpretações centradas na discriminação, intolerância, racismo e violência. Diante disso, a invisibilidade dos ciganos é apontada e denunciada pelos autores, fazendo-nos entender o quanto o racismo também se estrutura na negação da diferença e no desconhecimento de outros grupos sociais.

Este Dossiê, ao sistematizar reflexões de diferentes grupos, com autorias de diferentes áreas, apontando para o quanto nos constituem enquanto um mosaico carregado de belezas, ambiguidades, contradições, pode contribuir para a humanização desses temas, mas mais que isto para a percepção de que nos constituímos das diferenças que devem ser valorizadas positivamente na acepção mais ampla da palavra, fazendo com que o antirracismo seja a tônica de nossas ações, dos nossos compromissos com a vida, com as histórias e memórias de George Floyd, João Pedro, Miguel e Beto, de Marielle Franco e de tantas outras…, na relação dialógica da teoria e práticas imbricadas e constituídas de gente em sua diversidade.

Nota

1. Sobre tais argumentos e para acompanhar o programa de observatório do instituto frente à pandemia nos povos indígenas, acesse https: / / covid19.socioambiental.org /

Maria Celma Borges

Mariana Esteves de Oliveira


BORGES, Maria Celma; OLIVEIRA, Mariana Esteves de. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.10, n.19, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Educación histórica y formación ciudadana como problema y desafío de la educación para el futuro | Sophia Austral | 2020

La preocupación en los años recientes por la profundización de la democracia ha aparecido como uno de los principales desafíos para la escuela en la actualidad. Esto ha tenido como consecuencia que se levanten distintas iniciativas de ley tendientes a reforzar el compromiso con la educación democrática. Estas iniciativas, han promovido la construcción de nuevas narrativas en los espacios escolares, que permitan la educación de una ciudadanía con un compromiso con la democracia, el valor de la diversidad cultural y la justicia social. Lo anterior ha obligado a reconfigurar las prácticas asociadas a la Educación Histórica y la formación de la ciudadanía, debiendo estas, dejar atrás aquellos discursos hegemónicos, autoritarios, excluyentes y cargados de nacionalismo, para dar paso a prácticas que fomenten y profundicen los valores democráticos a partir del aprendizaje de la Historia y la Ciudadanía.

En el presente dossier contiene una serie de investigaciones referidas a la Educación Histórica y la Formación Ciudadana. El conjunto de trabajos que se han reunido, nos permite acercarnos a los desafíos para los docentes en servicio, la formación docente y la escuela, con el objetivo de buscar responder a las nuevas demandas de la Educación Histórica y la Formación Ciudadana. Leia Mais

Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza / História em Revista / 2020

A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível. Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na Terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade, que guiou muitas das escolhas feitas em diferentes períodos da história.” (KRENAK, 2019, p. 3).

Assim como Ailton Krenak nos informa e nos questiona sobre a noção de “que existe um jeito de estar aqui na Terra”, também existe uma concepção e um jeito de ensinar, e de ensinar História, a priori, independente do tempo, dos sujeitos, dos territórios, das sociabilidades e dos pertencimentos. Essas concepções de História, de conhecimento e de verdade também são frutos da colonialidade do ser e do saber, como é posto e problematizado por Krenak.

Já se vão duas décadas do século XXI, século que nos trouxe muitas interrogações acerca da validade de nossos conhecimentos, da aceleração do tempo, concreta ou imaginária, e  que nos colocou, como nunca,  diante da obsolescência das coisas, do conhecimento e,  por que não,  da obsolescência  de em torno de três quartos da humanidade. Seres humanos que estão incluídos na sociedade capitalista e do consumo desenfreado nas franjas, nas ocupações temporárias, na catação de rebotalhos dos grandes consumidores, das elites, em sociedades marcadas pelo racismo estrutural – conceito criado pelo filósofo e jurista brasileiro Silvio Almeida (2018). Mas incluídos na engrenagem capitalista, como nos ensina Francisco de Oliveira (2008).

Esses grandes contingentes humanos, no caso do Brasil, especialmente os afro-brasileiros e indígenas, continuam a ser, continuam a resistir e continuam a se organizar, como é o caso da Central Única das Favelas, que se articulou sem a ajuda dos poderes públicos para fazer frente à pandemia da Covid 19. A população negra, as  pessoas que vivem nas periferias das cidades, os indígenas brasileiros, foram, mais uma vez, as vítimas preferenciais da pandemia e da política genocida do estado brasileiro. Um genocídio que só foi amenizado pela auto-organização dessas comunidades.

No contexto de uma sociedade profundamente desigual, desta sociedade pluriétnica, multicultural, etnocêntrica e racista, e diante da emergência de uma série de discursos negacionistas e de tentativas de controle sobre o currículo e o fazer docente, o que significa ensinar, aprender e pesquisar História na escola básica e na formação inicial de professores e professoras?

Pensando nesses desafios, o GT de Ensino de História e Educação da ANPUH/RS organizou sua XXIV Jornada de Ensino de História e Educação: “Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza“, realizada de 7 a 10 de outubro de 2019 na Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS/Erechim/RS.

A Jornada oportunizou espaços de reflexão acerca das profundas transformações e disputas no campo da educação e do Ensino de História, buscando compreender a dimensão destas mudanças e seus desdobramentos na escola, na formação docente e nas práticas educativas que professores e professoras desenvolvem cotidianamente em sala de aula.

Este conjunto de artigos que ora apresentamos são oriundos de trabalhos apresentados durante a XXIV Jornada de Ensino de História e Educação e fazem parte das reflexões e dos debates que pautaram nosso encontro.

O artigo Formação de Professores: Rompendo as fronteiras históricas sobre o fazer docente, de Shirlei Alexandra Fetter, Raquel Karpinski e Denise Regina Quaresma da Silva, trata da formação de professores e professoras no Brasil. As autoras apresentam uma breve síntese do processo histórico de formação docente, no sentido de ampliar a compreensão sobre a qual se constituiu a profissionalização dos/as professores/as, entrecruzando problemas históricos com questões que marcam o tempo presente. O artigo objetiva, assim, discutir sobre as possibilidades de formar professores/as-pesquisadores/as através da composição dialógica entre o campo docente, teórico e prático. No texto Ser professor de História em tempos de criminalização do fazer docente, Elvis Patrik Katz e Andresa Silva da Costa Mutz abordam os desafios no fazer docente de professores e professoras de História, especialmente no que se refere às tentativas de controle presentes no cenário atual, entre as quais se destacam as ações do Escola Sem Partido. Para tanto, se amparam nas discussões do campo dos Estudos Culturais e nas contribuições de Michel Foucault, no sentido de explicitar esses desafios e as estratégias de resistência que tem sido mobilizadas por professoras e professoras de História.

Este dossiê apresenta também importantes contribuições no que se refere a ensinar História em uma perspectiva antirracista. Luciana da Veigaem seu texto O ensino de história da África e da cultura afro-brasileira: os desafios de uma educação antirracista na região de Erechim, apresenta resultados de uma pesquisa que teve como objetivo compreender a representação de estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental, de 10 escolas da região do Alto Uruguai do Rio Grande do Sul, sobre pessoas negras. A autora discute o caráter dessas representações e os estereótipos reproduzidos pelos/as estudantes, evidenciando os desafios que se colocam para o cumprimento da Lei 10.639/03 e para a construção de uma educação antirracista.

Em outro artigo intitulado História da África e afro-brasileira: autonomia no ensinar e aprender, Aristeu Castilhos da Rocha também aborda as inquietações e percalços encontrados para a aplicação da Lei 10.639/2003 na Educação Básica. Amparado em uma pesquisa bibliográfica e documental e em suas vivências enquanto docente e pesquisador, o autor apresenta proposições didáticas para o estudo de Histórias da África e Afro-brasileiras a partir de um entrelaçamento do ensino de História com a Literatura, o Cinema e a Música. Deste modo, propõe caminhos para uma reconfiguração curricular e para a inserção dessas temáticas na sala de aula e nas práticas educativas.

O artigo Ensino de História Afro-Brasileira através de maquetes do LASCA-UFSM, de Valeska Garbinatto e André Luis R. Soares, trata do uso de maquetes produzidas pelo Laboratório de Arqueologia, Sociedades e Culturas das Américas – LASCA, ligado ao Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria, nas aulas de História do Colégio Estadual Elpídio Ferreira Paes, localizado em Porto Alegre. Tais maquetes, que tratam de diferentes temáticas vinculadas à história da África e dos africanos e seus descendentes no Brasil, foram apresentadas e discutidas com estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Assim, o texto discute sobre as potencialidades do uso de maquetes enquanto uma ferramenta didática para o ensino de História e para a aplicação da Lei 10.639/03.

Saberes e valores das pessoas negras em movimento: ensinar história em coletividades emancipatórias, de Carla Beatriz Meinerz e Maurício da Silva Dorneles, aborda o ensino de História a partir de uma perspectiva experimentada nas coletividades negras agremiadas em Porto Alegre, com suporte no pressuposto curricular que estabelece uma estreita relação de aprendizagem com os saberes produzidos pelo movimento negro, regulado pelas Diretrizes para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

No artigo Como trabalhar com a educação patrimonial produzida nos museus e em outros espaços? Uma experiência entre o Memorial da Resistência de São Paulo e o Curso Pré-Universitário Popular UP, Capão do Leão-RSMilena Rosa Araújo Ogawae Amanda Nunes Moreira discutem sobre os usos de materiais educativos produzidos por museus como ferramentas para a educação patrimonial. Para isso, apresentam um relato de experiência sobre a utilização do “Material de Apoio ao Professor” produzido pelo Memorial da Resistência de São Paulo nas aulas do Curso Pré-Universitário Popular UP. O Memorial, que está localizado nas antigas instalações do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS-SP), se constitui em um dos mais importantes espaços de preservação das memórias da resistência e da repressão ditatorial no Brasil. O texto relata então quais os materiais disponibilizados pelo Memorial e quais suas potencialidades no que se refere à educação patrimonial.

O texto Aprendizagem histórica e gênero: uma experiência com aula oficina, de Amanda Nunes Moreira, apresenta uma investigação sobre a construção da consciência histórica de alunos/as de uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual, na cidade de Pelotas/RS. Esse estudo está fundamentado nas concepções dos estudos sobre Educação Histórica, Ensino de História e Consciência Histórica, utilizando como cenário para a análise a presença, ou não, do sujeito feminino em narrativas sobre a Revolução Russa.  No artigo “Não é preciso queimar sutiãs em praça pública”: o Dia Internacional da Mulher através do Jornal Pioneiro, de Rúbia Hoffmann Ribeiro e Eliana Gasparini Xerri, as autoras discutem o Dia Internacional da Mulher, a forma como a data é tratada historicamente e como é apresentada no Jornal Pioneiro, de grande circulação na serra gaúcha. O artigo está integrado ao Projeto Narrativas Presentes no Jornal Pioneiro – Caxias do Sul (HISENSPI).

Uma imagem vale mais do que mil palavras: considerações acerca do uso da fotografia no ensino da História, de Isabella Czamanski Rota, visa apresentar as mudanças ocorridas na maneira de se entender o conhecimento histórico e como isto afeta a maneira que a História pode ser ensinada em sala de aula, com foco no uso da fotografia e suas possibilidades no ensino de acontecimentos dos últimos dois séculos, bem como nas mudanças ocorridas na paisagem urbana, nas relações sociais e quaisquer outras informações que os/as historiadores/as sejam capazes de ler a partir das fotografias.

Esperamos que a leitura dos artigos traga novas interrogações e que também contenha uma potência transformadora. Ensinar História em tempos de incerteza requer comprometimento com o/a outro/a, com as gerações em formação. Ensinar História em tempos de incerteza solicita uma pequena pausa para reflexão; olhar para nós mesmos, para os fundamentos teóricos e epistemológicos que acreditamos, revisitar as nossas posturas políticas, nossas perspectivas de futuro, a nossa relação com a docência, para mais uma vez, planejarmos as nossas aulas. E ter consciência que a ação docente é um ato político, um exercício que contribui para a formação das pessoas, da cidadania, da humanidade; é semear esperanças no chão das salas de aula.

Pelotas, Primavera de 2020.

Referências

ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural. Belo Horizonte: Letramento, 2018.

OLIVEIRA, Francisco. Ornitorrinco: Será esse um objeto de desejo? Entrevista Café Filosófico, TV Cultura. 2008.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Sirlei Teresinha Gedoz

Halferd Carlos Ribeiro Junior

Alessandra Gasoarotto

(Organizadores)


GEDOZ, Sirlei Teresinha; RIBEIRO JUNIOR, Halferd Carlos; GASOAROTTO, Alessandra. [ Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza]. História em Revista, Pelotas- RS, v.25, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Educação, Cultura e Identidade em perspectiva / Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino / 2020

Atônitos, fomos surpreendidos por poderoso inimigo a atacar por todos os lados. Não se trata de nenhuma nação com seu poderoso arsenal nuclear, mas de estranho organismo, letal e microscópico, a igualar – em um mundo de desiguais – todos os seres humanos, com sua carga mortífera: o Sars-CoV-2. Aos graves problemas que o nosso país enfrenta, somaram-se a Pandemia do Novo Coronavírus e suas trágicas consequências. Findando 2020, o ano que marcará indubitavelmente a primeira metade do século, assistimos desolados ao aumento das mortes a bater novos recordes, passando de mil por dia. Mas a esperança chega em pequenas doses – uma vacina. Nesta manhã de 18 de dezembro de 2020 acompanhamos, pela televisão, um avião pousando no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, trazendo dois milhões de doses de vacina contra a covid 19. Tendo escapado os males do mundo, na caixinha de Pandora restava a esperança, tal qual nessa aeronave a transportar a combatente aniquiladora do inimigo. Rendamos homenagem àqueles heróis, anônimos ou não, que em seus laboratórios dedicaram todo o seu tempo ao estudo do vírus e dos meios de combatê-lo, e seguem sem desanimar. Acreditemos na CIÊNCIA e na EDUCAÇÃO.

Nesse turbilhão, chamado 2020, tivemos de nos adaptar, de descobrir meios de continuar contando as nossas histórias. A universidade, cujo espaço físico está silente, carente do fulgor dos seus jovens, devido ao isolamento social, continua a pulsar. Pulsa firmemente, apesar de todas as dificuldades: em seus vários projetos em andamento, nos inúmeros congressos virtuais, em suas bancas examinadoras de graduação, mestrado e doutorado, em suas aulas remotas, e na publicação de suas revistas científicas. Pulsa, enfim, com o símbolo que é seu por natureza – o da resistência.

É nesse cenário que apresentamos mais um número da nossa revista – Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino.

Condizente com sua proposta de tornar-se um espaço diverso, em que diferentes áreas do conhecimento dialoguem, apresentamos, em seu primeiro número de 2020, um conjunto de artigos e uma entrevista em que a interlocução entre História, Educação, Antropologia e Sociologia ficam evidentes e se atualizam em temáticas instigantes.

A Seção de Artigos conta com oito trabalhos. Abre a edição o artigo magistral – Axel Honneth e Paul Ricoeur su identità personale e lotta per il riconoscimento – de autoria de Vereno Brugiatelli. O artigo, que trata do conceito e das implicações da identidade pessoal e da luta por reconhecimento, descreve como Axel Honneth e Paul Ricoeur enfrentaram tal tema, focando na questão do Outro e da percepção ética de si mesmo, desembocando em conclusões sobre os desdobramentos sociais do reconhecimento mútuo. O artigo seguinte – Caetano Veloso, Gilberto Gil E Jorge Mautner: desafetos nas páginas d’O Pasquim – de autoria de Givanildo Brito Nunes e Milene de Cássia Silveira Gusmão – versa sobre a relação de disputa simbólica entre o jornal O Pasquim e os músicos brasileiros exilados durante a Ditadura Militar. O terceiro artigo, Linhas doutrinárias traçadas por Cubberley em gestões de Anísio Teixeira, assinado por Lívia Maria Goes de Britto e Jaci Maria Ferraz de Menezes, discute a influência de Ellwood Patterson Cubberley no pensamento de Anísio Teixeira. O quarto artigo, As políticas educacionais e a Educação de Jovens e Adultos, de Milene de Macedo Sena e Isabel Cristina de Jesus Brandão, discute as políticas educacionais para a Educação de Pessoas Jovens e Adultas no Brasil a partir de bibliografia especializada. Na sequência temos o artigo, A emergência da intelectualidade conservadora no sertão da Bahia: Alfredo Silva e João Gumes, assinado por Danielly Pereira dos Santos e Diego Raian Aguiar Pinto, analisa o pensamento de duas personalidades que atuaram em Caetité em períodos diferentes, mas conectados em seus escritos e intelectualidade. Segue o artigo Educação, música reggae e direitos sociais no Brasil, tendo como autores Iancarlo Almeida da Silva e Olívia Morais de Medeiros Neta, com abordagem inovadora sobre o Reggae, enquanto manifestação cultural brasileira, e seu diálogo com a crítica social e a com a Educação. O artigo seguinte – O ser e o fazer docente no ensino superior no Brasil: desafios contemporâneos, assinado por Laís Paula de Medeiros Campos Azevedo; Nara Lidiana Silva Dias Carlos; Arthur Cássio de Oliveira Vieira, toma como objeto de investigação a docência no Ensino Superior no Brasil, enfatizando o percurso formativo e as práticas pedagógicas. Encerrando a seção temos o artigo Direitos humanos e religiões: e se Deus fosse mesmo um ativista dos direitos humanos?, em que a autora, Ana Luiza Salgado Cunha, reflete sobre a obra de Boaventura de Souza Santos e a relação entre direitos humanos, religião e justiça social.

Na Seção de Entrevista, Edna Pinheiro Santos e Lília de Jesus Nascimento brindam o público apresentando a entrevista concedida pela professora e pesquisadora Dra. Elizabete Conceição Santana, uma das mais importantes pesquisadoras da atualidade no campo da História da Educação. Suas publicações constituem leitura obrigatória para àqueles que desejem conhecer esse campo do conhecimento.

Em tempos de pandemia e isolamento social que a leitura da Revista Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino seja um alento. Boa leitura!

Márcia Cristina Lacerda Ribeiro

Antonieta Miguel

Equipe Editorial


RIBEIRO, Márcia Cristina Lacerda; MIGUEL, Antonieta. Editorial. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.1, n.5, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX) / Revista Brasileira de História da Educação / 2020

As palavras não são as coisas (Foucault, 2016). Estado, nação, civilidade, emancipação, progresso, educação, são rastros de realidades que se constituíram ao longo do tempo, e de diferentes formas, a partir dos movimentos dispersos, aleatórios ou deliberados de muitos sujeitos. História e memória são elementos da ordem das palavras que transformam o passado em coisas. Nesse processo de legitimação, tais coisas seriam, posteriormente, lembradas, (re)definidas, celebradas, esquecidas.

Estudar as memórias coletivas fortemente constituídas, como a memória da Independência brasileira, implica na análise de sua função, visto que ela se integra às tentativas de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento (Pollak, 1989). Assim, se forjam lugares onde a memória se cristaliza e se refugia a partir de um determinado passado, definitivamente morto. Como nos ensina Pierre Nora, a história é exatamente o que as nossas sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado. Para ele, os lugares de memória são, antes de tudo, restos, a forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama (Nora, 1993). Neste sentido, a coletânea composta aqui se insere nas investigações acerca das palavras (memória, história, narrativas, representações, celebrações, fontes) sobre as coisas (independência, nação, política, educação).

Na perspectiva da historiografia brasileira, a definição de ‘emancipação política’ proposta no verbete do Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889), identifica dois momentos: o primeiro deles que considera 1822 como um momento decisivo na construção da nacionalidade, a independência foi analisada por muitas décadas, como o ponto final de um processo contínuo e linear, que desde o século XVIII até o XIX, forjara uma consciência nacional. E, um segundo momento da historiografia, identificado nas últimas décadas do século XX, procurou inserir o processo da independência brasileira na longa duração e na dinâmica mais profunda do Antigo Regime (Vainfas, 2008).

No sentido de interrogar tanto o acontecimento histórico da independência (Brasil, 1822 e demais países), quanto suas representações posteriores (em livros, fontes, documentos, imagens) ou efemérides (cinquentenário, centenário, bicentenário), buscando destacar o papel da educação nesse processo de constituição de memórias (por sujeitos, instrumentos, instituições, políticas) e de forças (Estado, Nação), que se consolidaram os propósitos do presente Dossiê.

Resultado da segunda chamada pública da Revista Brasileira de História da Educação, o Dossiê recebeu 45 propostas. Após avaliação, foram selecionados 11 artigos que demonstraram adesão ao edital e pareceres positivos dos avaliadores ad hoc. Os textos selecionados remetem à presença de investigações sobre os processos de independência em quatro países da América Latina (Brasil, Uruguai, Argentina e Venezuela), conduzidas por três professores estrangeiros (Espanha, Argentina e Uruguai) e dezessete pesquisadores brasileiros de seis estados (MG, RS, RJ, PE, RN e BA). Os autores que integram este dossiê atuam como professores do ensino superior, professores da educação básica, graduandos, mestrandos e doutorandos, apresentando, ainda, uma relativa equidade de gênero (nove homens e oito mulheres). Os 11 artigos deste dossiê dialogam com diferentes áreas do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais (Educação, Letras e História), o que imprime marcas específicas nas análises sobre o complexo processo de construção dos estados nacionais, nos século XIX (sete artigos) e século XX (quatro artigos).

Entre os artigos, temos aquele que discorre acerca de temas caros à história da nação brasileira ao longo do século XVIII e XIX, como liberdade, educação, povo, igualdade, estado, e se intitula ‘Cultura ilustrada e educação conservadora: Bernardo Vasconcelos e sua carta aos senhores eleitores (1828)’. Luciano Faria Filho e Dalvit de Paula analisam a continuidade do projeto dos inconfidentes mineiros em Bernardo Vasconcelos (1828), demonstrando que, a despeito da modernidade constitucional de um país recém-independente, a Ilustração também inspirou e justificou o caráter conservador e centralizador do Estado Imperial brasileiro e, da mesma forma, as ações em torno da educação do povo, do esclarecimento das populações fazendo nascer a ‘máquina escolar’ e demais dispositivos culturais.

Rita Cristina Lages evidenciou formas a partir das quais as relações entre instrução e civilização se constituíram e se consolidaram em discursos políticos e projetos educacionais no Brasil Oitocentista. Em ‘Projetos educacionais para Minas Gerais no século XIX: nações estrangeiras na vitrine’, a autora inquire determinadas experiências de países estrangeiros, considerados avançados nos assuntos educacionais, que serviram como parâmetros para ações, experiências e propostas entre o contexto da Independência nacional (1822) e a República (1889), dando a ver certa continuidade na perspectiva do olhar para as ‘vitrines’. Ao tomar os relatórios oficiais da província mineira como fonte documental, o trabalho aborda a problemática das apropriações, da circulação de sujeitos, ideias e conhecimentos, tornando possível refletir, nessa chave de leitura, aspectos da formação e legitimação do Estado Imperial independente.

Ao examinar representações, tensões e impasses atinentes ao projeto de construção de uma unidade latino-americana, o estudo intitulado ‘Abordagens em livros didáticos de História do Brasil sobre a presença brasileira no cone sul latinoamericano (século XIX)’, de André Mendes Salles, professor do Departamento de História da UFRN e do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES-UFRN), e de José Batista Neto, professor titular do Centro de Educação da UFPE, constituiu, como base na investigação, 13 livros didáticos de História do Brasil, publicados entre 1886 e 1999. A partir desses instrumentos de formação escolar, os autores refletem a respeito de as narrativas sobre a presença brasileira na região platina, na segunda metade do século XIX, identificando permanências nos modos de entender e representar o exercício de poder do Império brasileiro, como nação autorizada a legitimar a independência do Uruguai.

Maria das Graças de Andrade Leal, é autora do estudo ‘Educação e trabalho; raça e classe no pensamento de um intelectual negro: Manuel Querino – Bahia (1870-1920)’. Especialista na história das populações afrobrasileiras e instituições operárias e educacionais desenvolve reflexões acerca da educação e do trabalho na obra do intelectual e educador afro-baiano Manuel Querino. Com essa proposta, expõe importante debate sobre projetos de escolarização e projetos de nação, articuladas às perspectivas de liberdade, civilização, progresso, cidadania em um país independente que transita entre as condições de monárquico, escravocrata, abolicionista e republicano. Neste aspecto, problematiza as narrativas recorrentes sobre velho / atraso (Império) e novo / avanços (República), acionando análises atinentes às permanências e continuidades, denunciando a existência de uma determinada divisão social do conhecimento como marca geral da história da educação no Brasil.

Antonio Mauro Romano dialoga com temáticas muito caras à história da educação, como saberes curriculares, Estado, militarismo, modernidade escolar, níveis de ensino, políticas públicas. Neste estudo, analisa aspectos relacionados à inclusão da instrução militar (Gimnástica y Ejercicios militares) como programa curricular do ensino secundário e os debates acerca da extensão da experiência dos Batalhões Universitários em direção ao ensino fundamental, no final do oitocentos (1887). A partir do estudo intitulado ‘Los dilemas en la formación ciudadana. Entre la instrucción cívica y la instrucción militar en los procesos de emancipación política en el siglo XIX en el Uruguay’, o autor questiona a presença do saber militar em um contexto de retirada de cena dos governos militares (1886) e da consolidação de um currículo humanístico como política pública.

No texto ‘La Gazeta de Caracas en el albor del movimiento independentista: análisis de las noticias educativas publicadas en el diario decano de la prensa venezolana’, Jordi Garcia Farrero examina o papel da imprensa no contexto de consolidação da independência política da Venezuela, a partir dos debates direcionados aos assuntos da educação. Procura refletir sobre um conjunto de ideias, memórias, narrativas e representações, dedicado à causa da liberdade no início do século XIX, que chamou de ‘pensamento pedagógico’, produzido por uma determinada geração de intelectuais. A análise incide sobre um período no qual se estabelecem as bases do nascimento de uma nova nação, não mais uma Venezuela colonial e, portanto, se justificavam as preocupações em torno da superação de uma velha condição colonial da educação.

No artigo ‘Pela iluminação do passado: livros e educação no contexto do cinquentenário da Independência (Capital brasileira, década 1870)’, as autoras analisam livros como engrenagens na construção e legitimação de representações, histórias e memórias. Aline de Morais, Aline Machado, Fátima Nascimento e Edgleide Clemente tecem reflexões acerca de determinadas narrativas e entendimentos relativos à Independência brasileira, no contexto de uma de suas efemérides. Ao mesmo tempo, buscam extrair e examinar as perspectivas educacionais e de formação dos sujeitos arroladas em tais livros e suas relações com o processo de consolidação da nação independente. Na análise, dão relevo aos questionamentos erigidos pelos autores dos livros estudados em torno do que se consideravam atrasos e incompatibilidades para um jovem país.

‘Educação e brasilidade: a política de nacionalização getulista no contexto escolar em Lajeado / RS (1939-1943)’ é o título do trabalho de Tiago Weizenmann. A pesquisa analisa a política de nacionalização como estratégia governamental, cuja finalidade era promover uma cultura cívico-patriótica no Brasil. Especificamente, reflete o contexto de uma região marcada pela presença de grupos étnicos europeus e seus descendentes, o Rio Grande do Sul, e suas políticas educacionais direcionadas à escola pública. Marcado pelo objetivo de forjar uma identidade coletiva, o projeto em análise conferiu espaço privilegiado a símbolos oficiais e a biografias dos grandes heróis, evidências de certa continuidade histórica no longo processo de construção e legitimação de um projeto de Brasil, Nação, Estado com reminiscências na Independência (1822) e República (1889).

No estudo de Márcia Cabral da Silva, os impressos e a circulação de ideias emergem como dispositivos culturais importantes para compreender processos de legitimação do Estado brasileiro. No artigo ‘Histórias da nossa terra: sobre o projeto cívico de construção da nação brasileira por meio do impresso’, a autora examina o processo de circulação de determinados saberes com características educacionais e políticas de patriotismo, nacionalismo e civismo no contexto de consolidação do (re)nascimento de uma nação republicana, cujo intuito maior era superar supostos atrasos de um passado imperial. Desta feita, a pesquisa lança ao debate algumas problemáticas acerca de modelos de formação e educação escolar dos sujeitos, impregnados pelo exercício de construção de determinada representação de Brasil (grandiosa, ufanista), de alguns brasileiros (heróis) e de brasilidade (tradição, crença, moral, pátria, território).

No artigo ‘Nacionalistas y libertarios: tensiones en torno de las conmemoraciones y símbolos patrios en la educación primaria (Argentina, 1910- 1930)’, Adrián Ascolani investiga aspectos do nacionalismo e história pátria no campo da educação no século XX, como saber curricular oficial das escolas primárias e como estratégia de formação das memórias por meio de símbolos, cerimônias e livros que deram centralidade ao episódio da independência política argentina (1816). Para tratar de tal problemática, o autor joga na cena reflexiva temas como cultura, positivismo, imprensa, anarquismo, militarismo, doutrinação, patriotismo, imigrantes e colonialismo. No contexto em análise, estava em relevo um movimento de renovação pedagógica, com base no escolanovismo e na necessidade de racionalização da escola moderna.

‘O Centenário da Independência Brasileira em nossas escolas primárias: narrativas históricas escolares em disputa’ é o estudo de Patrícia Coelho da Costa e Jefferson Soares, no qual analisam formas de apropriação e constituição de representações acerca da independência nacional no impresso pedagógico, A Escola Primária, e a sua reverberação nas escolas primárias, com a circulação determinada perspectiva deste fato. Ao examinar as orientações direcionadas aos professores, apontam interesses pela consolidação da identidade nacional, com ritos cívicos, homenagens e celebrações. Da mesma forma, interrogando disputas e tensões em um exercício de poder sobre construção de memórias e histórias, os autores dão relevo à presença e permanência de agentes e agências que tinham uma participação ativa desde o período monárquico, como o Colégio Pedro II e o IHGB.

As organizadoras do Dossiê ‘Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX)’ e a Comissão Editorial da RBHE entregam aos leitores e leitoras um conjunto composto por 11 artigos que permitem revisitar e agregar novos elementos às reflexões relativas aos processos de independência do Brasil e de três outros países da América Latina na expectativa de que os mesmos possibilitem outras investigações que deem visibilidade à temática da educação e suas relações com os processos de construção dos estados nacionais.

Referências

VAINFAS, R. (Org.). (2008). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.

FOUCAULT, M. (2016). As palavras e as coisas (10a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Martins Fontes.

NORA, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares (Yara Aun Khoury, trad.). Revista História e Cultura, 10, 7-28.

POLLAK, M. (1989). Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, 2(3), 3-15.

Aline de Morais Limeira Pasche – Doutora em Educação (2014) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPED). Integra o Núcleo de Ensino e Pesquisa em Historia da Educação (NEPHE-UERJ). E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-5964-6661

Cláudia Engler Cury – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atuou como Tesoureira da Sociedade Brasileira de História da Educação nos biênios (2013-2015 e 2015-2017), professora associada IV do departamento de história da Universidade Federal da Paraíba. Membro efetivo dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UFPB. É editora-chefe da RBHE. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0003-2540-2949


PASCHE, Aline de Morais Limeira; CURY, Claudia Engler. Introdução. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 20, n. 1, 2020. Acessar publicação original

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História e Educação: práticas e reflexões em tempos de pensamentos anticientíficos / Escritas / 2020

Observamos nos últimos anos um avanço do pensamento anticientífico em determinados grupos sociais ao redor do mundo, impactando também segmentos da sociedade brasileira. Tais ideias congregam setores conservadores, com interesses diversos, promovendo um recrudescimento de pautas negacionistas que desqualificam pesquisas históricas acadêmicas sobre escravidão, racismo, religiões afro-brasileiras, questão indígena, movimentos de esquerda, ditaduras militares, nazifascismo, direitos humanos, gênero e sexualidade.

Estas visões tentam assumir ações de controle do debate público e de recusa ao pensamento intelectual ao difundir ideias sem respaldo científico por meio das mídias sociais, principalmente, mas que ganharam espaço no debate público. Como por exemplo, as disputas parlamentares em diversas câmaras de vereadores em torno do que se denominou como “Escola Sem Partido”, afrontando diretamente a autonomia docente. Assim, este dossiê dialoga com a conjuntura política atual do país e suas implicações para a Educação Básica, motivando o que o historiador Fernando Penna (2016) identificou como um “ódio aos professores”. Esse processo afeta diretamente os professores que ministram disciplinas das Ciências Humanas, incluindo a História. Tendo como base um conservadorismo de cunho fundamentalista, opera-se uma vigilância da fala do docente, defendendo uma suposta neutralidade. Leia Mais

Educación, reproducción y alternativas contrahegemónicas/Revista Izquierdas/2020

Introducción

El objetivo de esta presentación es doble. Por un lado, intentamos proporcionar un marco global en torno a la disputa por la hegemonía en el campo educativo. De esta manera, el lector podrá comprender la inscripción de los artículos que componen el monográfico dentro de –o como proyección de- las tradiciones político-intelectuales que se han ocupado de esta problemática. Por otro lado, buscamos presentar y describir específicamente dichos artículos y la racionalidad que subyace en su ordenamiento. Leia Mais

Pesquisa (auto) biográfica em educação na Ásia | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2019

Le dossier présenté dans ce nouveau numéro de la Revista Brasileira de Pesquisa (Auto) biográfica accueille des textes de chercheurs (universitaires, docteurs ou doctorants) qui vivent, travaillent ou développent leurs recherches en Asie. Historiquement, du point de vue européen, l’Asie constitue un “ailleurs extrême”, une forme d’extériorité radicale. À la fin du xIxe   siècle, l’espace asiatique varie dans ses intitulés entre “Asie orientale” et “Extrême-Orient”. Le terme “Far East” fait son apparition dans l’Empire britannique, en faisant référence à l’Est lointain dont les contrées nécessitent de longs voyages pour y accéder. L’émergence d’un territoire “au plus loin” s’affirme durant cette période dans l’ensemble de l’Europe: “Les équivalents anglais Far East, allemand Ferner Osten, italien Estremo Oriente, espagnol et portugais Extremo Oriente semblent tous attestés de la même époque” (Détrie et Moura, 2001, p. 5)1. Ainsi, si du point de vue européen, en fonction de l’étirement de la distance, l’espace qui sépare les deux continents a dû, pour être pensable, être départagé entre le Proche, le Moyen, et l’Extrême-Orient (MOURA, 2001)2. Comment penser l’Asie lorsque l’on se situe au Brésil, spécialement à Salvador de Bahia, lieu d’édition et de parution de la revue qui contient ce numéro. L’Asie se trouve alors située à l’opposé du globe, le Japon semblant être la “diamètre géographique” du Brésil. Leia Mais

Cultura e educação na América Portuguesa / Revista de História e Historiografia da Educação / 2019

Este dossiê temático é fruto dos trabalhos apresentados no IV Colóquio Cultura e Educação na América Portuguesa, que aconteceu em junho de 2018, na cidade de Diamantina, MG. Patrocinado pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Educação nos Impérios Ibéricos (CEIbero) e pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), com o apoio financeiro da CAPES, o evento tentou agregar pesquisadores que tratam de temáticas correlatas à educação no período colonial brasileiro. É importante salientar que este é um período ainda pouco explorado no campo da História da Educação. Talvez a dificuldade maior apresentada ao historiador da educação seja a habilidade na leitura documental, mas soma-se também uma perspectiva de seus interesses se aproximarem de uma temporalidade mais próxima da atualidade, além da forte tendência e preocupação de restrição das pesquisas à análise do período da ampliação da escolarização brasileira e, consequentemente, a valorização de investigação de instituições escolares. Neste dossiê apresentamos a história de instituições e práticas educativas, na maioria caracterizada como não escolar, uma vez que o período colonial foi marcado por poucas estratégias escolares para a maioria da população que habitava a América Portuguesa.

Dentro da perspectiva da história da educação confessional feminina, iniciamos o dossiê pelo artigo de minha autoria, intitulado Documento, interpretação e representação: os anos iniciais da Casa de Oração do Vale de Lágrimas, Vila de Minas Novas, 1754. Neste artigo busco analisar um conjunto documental que trata da história de uma instituição que poderia ser caracterizada enquanto Recolhimento aos olhos do arcebispo baiano Dom José Botelho de Matos, porém, tanto as mulheres que habitavam a referida casa, quanto a população local tentavam convencê-lo de que lá era apenas um espaço de ensino. O documento representa uma intencionalidade local de enganar o religioso e não deixar que a instituição passasse a ser controlada pelo arcebispado, caso fosse caracterizada como um recolhimento feminino.

A seguir apresentamos o artigo de Breno Leal Ferraz Ferreira, A crítica a “tudo quanto apresenta um caráter de fabuloso” nas memórias de Alexandre Rodrigues Ferreira redigidas na Viagem Filosófica (1783-1792). O autor analisa a crítica ilustrada do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) acerca das narrativas fabulosas sobre a América. Durante as suas viagens filosóficas pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro e Mato Grosso, o naturalista, formado na Universidade de Coimbra, narrou as suas experiências com os povos indígenas da América Portuguesa.

No artigo Política, Instrução Pública e Civilização: um exercício de pesquisa a partir dos Relatórios dos Presidentes da Província de Minas Gerais, Danilo Araújo Moreira analisa uma documentação muito utilizada pelos historiadores da educação, especialmente por aqueles que tratam das questões políticas e da legislação que rege a educação, porém o autor se detém na análise dos discursos e das representações que foram construídas no processo de constituição do Império brasileiro acerca dos valores da instrução, do letramento e da formação escolar. Para a compreensão deste período histórico busca interligar com a educação pública do período colonial, especialmente a partir da Reforma Pombalina e a instituição das Aulas Régias em 1759.

De autoria de Fernando Cezar Ripe da Cruz somos brindados com o artigo “O perfeito Pedagogo”: análise de um manual pedagógico português que ensina regras de civilidade e de urbanidade cristã (Portugal, século XVIII). Neste trabalho, o autor apresenta a análise do referido manual, destinado a orientar pais e mestres na educação dos seus respectivos filhos e discípulos, especialmente a partir da constituição discursiva da infância para o período analisado.

A educação não escolar é o fio condutor do artigo de Leandro Gonçalves de Resende, intitulado Educação em oração: os processos educativos não escolares na Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará – século XVIII e XIX. O autor busca analisar elementos artísticos, religiosos e educacionais presentes nas igrejas da referida Vila. A religiosidade cotidiana e local passava então pela intencionalidade de formar bons e fiéis cristãos, além de bons e leais súditos do reino português.

Ludmila Machado de Oliveira Torres apresenta a perspectiva educativa por meio dos ofícios mecânicos. No artigo Entre livres e cativos: aprendizagem de ofício mecânico na Vila Real de Sabará (1735-1829), a autora analisa uma diversidade de documentos (como autos de contas de tutoria e inventários post-mortem) para compreender como ocorria a aprendizagem de determinados ofícios: alfaiate, ferreiro, sapateiro, etc.

Educação e filosofia moral na obra do padre Teodoro de Almeida (1722-1804) é o artigo proposto por Patrícia Govaski, no qual apresenta algumas considerações a respeito das discussões em torno da Filosofia Moral em Portugal na segunda metade do século XVIII, além da visão acerca deste tema proposta pelo padre oratoriano Teodoro de Almeida (1722-1804).

No artigo Práticas educativas das elites coloniais na Capitania de Minas Gerais. Desafios metodológicos, de Talítha Maria Brandão Gorgulho, somos contemplados pela análise de preceitos educativos que aumentariam, manteriam e perpetuariam privilégios das elites locais. O artigo propõe ainda definir o conceito de educação para o período estudado, bem como a análise de fontes e a reflexão metodológica à luz de alguns conceitos propostos por Pierre Bourdieu.

Finalizamos este dossiê com o artigo apresentado por Vanessa Cerqueira Teixeira, intitulado A devoção mercedária e o associativismo leigo no setecentos mineiro. Neste artigo, a autora busca analisar o caráter educativo das irmandades católicas, seus interesses e devoções a partir de uma determinada santa, Nossa Senhora das Mercês, protetora de 20 associações leigas de pretos crioulos nas Minas setecentistas.

Este dossiê é marcado pela diversidade de pesquisas acerca das práticas educativas que circulavam em Portugal e na América Portuguesa, desde a proposta de manuais de instrução, até perspectivas de educação escolar, não escolar, pública ou confessional. Desejamos que a leitura dos artigos possa contribuir para o fortalecimento de novas pesquisas no campo da História da Educação para um período histórico que ainda tem muito a ser estudado.

Ana Cristina Pereira Lage


LAGE, Ana Cristina Pereira. Apresentação. Revista de História e Historiografia da Educação. Curitiba, v. 3, n. 7, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Educação e Direitos Humanos: perspectivas e desafios | Escrita da História | 2019

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), assegura os direitos fundamentais de todos os seres humanos – independentemente da etnia, das escolhas religiosas, do gênero, da classe etc. –, por meio de um corpus articulado às Constituições dos diferentes Estados nacionais. Dessa forma, o ensino e a educação eram considerados instrumentos de promoção das garantias e do respeito às liberdades afiançadas por esta Declaração. Duas décadas depois, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou a Convenção Americana de Direitos Humanos, que tinha como propósito respeitar os direitos e as liberdades dos cidadãos dos países-membros da OEA. Dentre as recomendações estabelecidas estava que os Estados membros deveriam promover a educação, a ciência e a cultura como uma forma de fundamentar a democracia e o pleno desenvolvimento social e econômico.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 garante o direito ao ensino e à educação e assegura a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a arte e o saber. Apesar de a educação ser um direito humano assegurado nacional e internacionalmente, ela não está protegida de ataques constantes advindos de grupos reacionários. Nos últimos anos, determinados setores sociais lançaram uma agenda conservadora com o propósito de moralizar e destruir o sistema educacional brasileiro. Com o atual governo autoritário, estes grupos aumentaram seus ataques ao ensino nacional. Leia Mais

Educação e Arte: projetos, debates e ações em perspectiva histórica | Educar em Revista | 2019

O objetivo deste dossiê é problematizar, a partir de um enfoque histórico, as relações entre os campos da arte e da educação. Enfatizamos não só a análise da arte como campo específico que envolve áreas profissionais distintas, a exemplo da literatura, artes visuais, música, artes cênicas (dança e teatro), jardinagem (ARGAN; 1992, p. 13), o cinema e as mídias interativas, mas também as concepções estéticas propostas para a educação geral, em diferentes tempos e lugares, por agentes plurais.

É preciso ter em mente, inicialmente, que a palavra arte pode significar coisas muito diferentes, devendo-se tentar evitar, como remarca Gombrich (1979, p. 4), a ideia da existência de uma arte com A maiúsculo e a polarização entre, por exemplo, arte erudita versus arte popular, ou arte de elite versus arte de massa. Leia Mais

Educação e Espaço Público em experiências históricas latino-americanas (Séculos XIX-XX) / Cadernos de História da Educação / 2018

Propomos como temática geral deste Dossiê a recorrência das relações que passam a ser estabelecidas entre educação e espaço público em ações, inclusive discursiva, produzidas por sujeitos e instituições situados em diversificados lugares de enunciação na América Latina dos séculos XIX e XX. Os textos que incidem sobre a realidade brasileira aqui presentes resultam, em sua maioria, da contribuição do Programa de Pesquisa “Moderno, Modernidade e Modernização: a educação nos projetos de Brasil (séc. XIX-XX) ”, desenvolvido entre 2010 e 2016 integrando pesquisadores de diferentes universidades e regiões do Brasil e que, atualmente, conta com o apoio do CNPq sob o título de “A Educação nos Projetos de Brasil: espaço público, modernização e pensamento histórico e social brasileiro nos séculos XIX e XX”, sob a coordenação do Prof. Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) e da Profa. Dra. Rosana Areal (UFOP).

Para enriquecer esse Dossiê Temático, foram convidados pesquisadores estrangeiros que pudessem ampliar o debate que vínhamos realizando em escala nacional. Assim, a partir de uma preocupação central com a circulação de referenciais de educação e espaço público, mas também de modernidade, civilização, progresso e nação, cada pesquisador participante procurou se debruçar sobre um ponto específico em que tais noções se entrelaçam, de modo a analisar os posicionamentos efetivos dos sujeitos individuais ou coletivos em seus contextos determinados.

É sabido que a educação, tanto em seu caráter escolar quanto não-escolar, guarda profunda relação com o espaço público. Sabemos também que em diferentes momentos, e sobretudo no século XIX, a imprensa tomou para si uma função educativa e constitui-se mesmo no registro da constituição de uma pedagogia do (e no) espaço público. E isso o demonstra muito bem o texto de autoria do Prof. Dr. Matheus da Cruz e Zica e da Mestra Patrícia Barros de Oliveira, intitulado “Modelos de Espaço Público em contraste: Imprensa e Modernidade Seletiva nas Províncias da Paraíba e Pernambuco (1870-1880)”, incidindo suas análises sobre a imprensa e o lugar de formadora da opinião pública que tomou para si naquele contexto.

Numa vertente de um debate mais aprofundado sobre a educação escolar que também é um objetivo importante desse dossiê podemos considerar a expressão “Ensino Público”, por sua vez, como a ocasião discursiva específica em que essa relação educação-espaço público fica mais evidente. A expressão “Ensino Público” pode, por outro lado, também nos levar a incorrermos em um engano bastante comum: a saber sobrepor-se automaticamente a ideia de público ao âmbito do que é estatal.

Estamos entendendo aqui a noção de espaço público como um processo dinâmico e abrangente o suficiente para alcançar outras instâncias que estão para além do estado, como é o caso da pluralidade de vozes da imprensa, por exemplo, ou o conjunto muitas vezes dissonante das organizações sindicais não controladas pelo estado.

Tendo colocado a questão desse modo, afirmamos que os trabalhos que integram essa coletânea nos permitem perceber que a educação ofertada gratuitamente pelo estado tem sido encarada com frequência como uma medida importante para o fortalecimento da dimensão do público e da sensação de pertencimento a uma comunidade. Já no Brasil do período regencial, década de 1830, os debates em torno dessa questão eram notáveis e chegam mesmo a ser inspiradores para pensarmos nossa situação no presente, conforme no aponta a escrita das Dras. Marcilaine Soares Inácio Gomes e Ilka Miglio de Mesquita, e do Dr. Luciano Mendes de Faria Filho: “A educação no espaço público: a pedagogia cívica dos jornais mineiros no período regencial”. Em todo esse processo a imprensa assumia papel importante.

Muito acertadamente também apontam para o fato de que o estado pode por vezes estar em descompasso com o movimento vivo que é característico do espaço público, como se dá com o caso apresentado pelo pesquisador chileno, Dr. Felipe Zurita, em seu artigo “Educación y Espacio Público en la experiencia histórica reciente de Chile: El caso de la transformación neoliberal y autoritaria del sistema educacional durante la Dictadura Militar (1973-1990)”, em que o governo trabalha contra o viés público no campo educacional.

O desafio que daí se impõe pode ser assim sintetizado: Como fazer do estado o garantidor da permanência ou mesmo promotor dos movimentos que marcam as dinâmicas do espaço público? Para essa pergunta o artigo proposto pelo colega do México, Dr. Renè Medina, sob o título “Los forjadores de hombres: Disputas por el control de las escuelas y el espacio público en comunidades mineras mexicanas, 1917-1978”, nos traz esclarecimentos importantes sobre a possibilidade de intervenção estatal a serviço de interesses públicos contra setores representativos do meio privado.

Do mesmo modo, trabalho proposto nesse dossiê pela Dra. Vera Lúcia Nogueira e pelo Dr. Dalvit Greiner de Paula, sob o título “A presidência de província e a instrução pública como fatores de ampliação do espaço público no Império brasileiro”, nos traz um enfoque interessante sobre as possiblidades de estabelecimento de uma relação positiva das relações estado, espaço público e educação, quando procuram argumentar que a centralização política teria contribuído para o fortalecimento da instrução pública.

De maneira geral podemos ressaltar que os resultados dessas pesquisas que ora apresentamos nos permitem afirmar que uma educação específica pode ampliar ou amesquinhar a construção de sensibilidades e práticas que demandem e reivindiquem a importância do espaço público. Por outro lado, também se pode considerar que um espaço público robusto e saudável tem papel fundamental na promoção e demanda contínua de um projeto educativo que não recaia na mesquinhez e estreiteza de interesses privados e exclusivistas.

A questão é saber se o estado está suscetível a servir mais aos interesses comuns ou aos privados. Daí parece provir a maior complicação para a relação entre educação e espaço público: se o estado está a funcionar no registro do privado, e se a educação que ele oferece tem a qualificação de “pública”, uma perversidade não apenas semântica, mas também política, aí passa a vigorar. Esse tipo de perversidade é notório, no Brasil, em várias áreas que afetam o lugar pretendido para o estado no desenvolvimento, ou não, de políticas públicas.

Ficou antiquado falar-se em escamoteamento da realidade, mas receamos que nesse caso não se dá outra coisa senão exatamente o que esse conceito designa. No entanto, o que se pode a isso acrescentar é que esse escamoteamento nunca é completo em seu sucesso. Está sempre ameaçado pelas brechas que ele mesmo produz. É assim que a dimensão do público resiste, ainda em momentos de solapamento das garantias da pluralidade de vozes.

Contentarmo-nos com esse resto que insiste, parece ser, no entanto, uma posição problemática. A insatisfação com essa situação de resto da economia a que o espaço público e a educação a ele vinculada têm sido relegados continua sendo uma posição de importância cabal. Assim nos ensina a pluralidade de discursos que consegue escapar da teia de ferro construída pela mídia de massa no Brasil atual. Esses são temas fundamentais para o desenvolvimento de nossas pesquisas, que ora pretendemos trazer a público e com isso contribuir para o fortalecimento da esfera pública e da educação que a ela está atrelada.

Matheus da Cruz e Zica – Doutor em Educação, com estágio de pós-doutorado concluído na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, realiza estágio de pós-doutorado na Universidade de Coimbra. Professor do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: [email protected]


CRUZ E ZICA, Matheus da. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 17, n.3, set. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Pesquisa (Auto)biográfica em educação na Europa e América | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2018

Não há dúvida de que a pesquisa biográfica se tornou cada vez mais importante em todo o mundo, nas ciências educacionais e sociais, nos últimos 50 anos, e que os padrões metodológicos e teóricos deste campo de pesquisa foram consideravelmente consolidados. Não obstante, permanecem os preconceitos culturais sobre as abordagens particulares. Essas culturas de pesquisa com certa influência internacional – como a pesquisa (auto)biográfica de língua alemã, francesa e inglesa – que, em sua maioria, remontam a uma longa tradição de pesquisa, mantiveram seu próprio perfil.

E mesmo que as atividades de pesquisa cooperativa tenham se intensificado internacionalmente – como na pesquisa biográfica comparativa centrada no estudante, a longo prazo, entre o Reino Unido, Alemanha, Suécia, Espanha, Polônia e Irlanda, ou a pesquisa de migração centrada na biografia entre Alemanha, Itália, França e na Grécia – os perfis de pesquisa “clássicos” das três culturas de pesquisa mais influentes permanecem em vigor por algum tempo. Leia Mais

Tempo presente: História, Educação e Educação Histórica / Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino / 2018

O nosso objetivo com o dossiê, Tempo presente: História, Educação e Educação Histórica, foi apresentar aos nossos leitores trabalhos acadêmicos que podem trazer o Presente à reflexão enquanto temporalidade histórica e objeto de interesse historiográfico, com as perspectivas e abordagens temáticas e metodológicas suscitadas. Atendendo ao nosso chamado, pesquisadoras e pesquisadores, de diferentes origens geográficas, agraciaram-nos com estes trabalhos que nos dão a dimensão da importância dos estudos e discussões nos campos da História, História da Educação e Educação Histórica.

O texto, Entre consciência histórica e narrativa mestra: a identidade na narrativa de jovens graduandos em história da cidade de Ponta Grossa, Paraná, de Giuvane de Souza Klüppel e Luís Fernando Cerri apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa: O país e o mundo em poucas palavras: narrativas de jovens sobre seus pertencimentos – implicações para o ensino de Ciências Humanas. Os pesquisadores aplicaram questionários qualitativos a estudantes de diferentes níveis de ensino na cidade de Ponta Grossa – faixa etária entre 12 e 24 anos – para conhecer suas narrativas sobre “a história do seu país” e sobre “o desenvolvimento da democracia”. Os dados, produzidos pelos 277 questionários aplicados, foram analisados com o auxílio de softwares que tornaram possível sistematizar, em formato de gráfico, dados como: frequência no uso de determinados termos, com potencial para desvelar sentidos de conjuntos discursivos. A análise foi realizada à luz de reflexões teóricas sobre Consciência Histórica, baseada nas pesquisas do historiador Jörn Rüsen; e sobre Narrativa Mestra, com base no trabalho de Mario Carretero e Floor Van Alphen. As reflexões dos autores nos apresentam elementos para melhor compreender os processos de construção de narrativas sobre a nação e o mundo por parte de jovens de diferentes idades e em diferentes etapas de escolarização. Também nos possibilitam compreender sobre os sentidos que eles atribuem às inter-relações entre passado, presente e futuro na construção de suas narrativas em temas como identidade nacional e democracia / convivência democrática.

Maryana Gonçalves Souza e Antonieta Miguel, em A docência em Guanambi durante a ditadura militar: uma análise sobre o Colégio Luiz Viana Filho, investigam as características dos professores e permitem discutir sobre instrução, formação docente e composição escolar do referido Colégio, sob o recorte temporal da ditadura militar brasileira. Segundo as autoras, a ditadura militar foi uma forma de governo que interferiu diretamente em diversos públicos e, em razão de os docentes terem sido um dos principais agentes de combate ao regime, o trabalho docente pode se tornar uma fonte de pesquisa sobre esse período histórico. As autoras apresentam o resultado da pesquisa em que fizeram o cruzamento entre os dados bibliográficos sobre a História da Educação, instituições escolares e corpo docente com a documentação do arquivo da instituição, seguida da catalogação das fontes. A partir da análise dos documentos, em particular das instituições escolares da cidade de Guanambi, Estado da Bahia, as pesquisadoras esboçam um panorama do campo educacional brasileiro no período ditatorial.

O terceiro texto que compõe este dossiê é de autoria de Polliana Moreno dos Santos e se intitula: Religiosos e a «não-violência ativa» na memória mediatizada dos 50 anos do golpe civil-militar no Brasil (1964-1985). A autora aborda questões que possibilitam o diálogo da História do Tempo Presente com a História Pública. Discute, com propriedade, a participação de religiosos na resistência contra a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Apresenta como eixo a memória mediatizada presente na série jornalística “Silêncios da Ditadura” exibida pelo jornal SBT Brasil, considerando o contexto da justiça de transição no Brasil e os estudos da História do Presente. O episódio analisado é a Operação Gutemberg, organizada pelos militares com o objetivo de controlar a missa em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões do DOI-CODI, evitando, destarte que se transformasse num ato político. Esta cerimônia religiosa foi realizada por três figuras importantes da resistência à Ditadura: o rabino Henry Sobel, o arcebispo Dom Evaristo Arns e o reverendo Jaime Nelson Wright. A disputa de narrativas, tão característica dessa História, fez-se relevante por revelarem os contextos nos quais cristãos, ou não, estiveram envolvidos, construindo uma memória mediatizada. A autora sinaliza que, cada vez mais, é importante aceitar os desafios de disputar memórias e narrativas da História.

Fruto de sua pesquisa de mestrado, o artigo de Vânia Muniz dos Santos, Orientando crianças, jovens e adultos: ações da Bahia na promoção da Educação Moral e Cívica durante o regime militar, faz algumas considerações sobre ações impostas no Estado da Bahia, durante o Regime Militar, no que concerne à organização da Coordenação de Educação Moral e Cívica – COMOCI / BA –, responsável, no âmbito estadual, por coordenar e fiscalizar as ações desenvolvidas nas instituições escolares na disciplina Educação Moral e Cívica. Através da análise de documento, que elucidam a forja das políticas educacionais pelo Conselho Estadual de Educação, o texto traz elementos para a reflexão sobre a importância desta disciplina escolar para atingir os propósitos do regime ditatorial.

E, para finalizar, contamos com o artigo A área de estudos sociais no uso dos estudos dirigidos no ginásio vocacional Oswaldo Aranha (SP, 1962- 1964), colaboração de Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato. A autora apresenta as múltiplas apropriações dos docentes da área de Estudos Sociais do uso dos Estudos Dirigidos na cultura escolar da mencionada instituição educativa de 1962 até o golpe de 1964. Chamando a atenção para a importância da discussão sobre o conceito de cultura escolar e de como este conceito pode ser ampliado para outras análises, a exemplo da cultura escolar vocacional de 1964, que transformou a disciplina Estudos Sociais em área, quando passou a enfrentar novos dilemas a ponto de se produzir uma nova cultura escolar. Para tanto, a autora recorta seu estudo no período inicial da Ditadura Civil Militar, 1962 até 1964. De forma responsável, a autora faz usos de fontes como relatórios, planejamentos e práticas educativas dos professores de Estudos Sociais, que são analisadas metodologicamente de forma qualitativa sustentada pela noção de apropriação cunhada por Roger Chartier (1988; 2002). A autora organiza o texto em duas seções, na primeira, analisa os Estudos Dirigidos nos planejamentos da cultura escolar vocacional em uma sociedade democrática; e, na segunda parte, analisa essa mesma prática registrada nesse conjunto de fontes escolares docentes do ano 1964, quando se forja uma nova cultura escolar. Os resultados possibilitam perceber as inquietações docentes ao refletirem sobre esses saberes voltados para uma sociedade brasileira democrática.

A História nos diz muito sobre a sociedade contemporânea, desde as suas prioridades e de seus valores até sobre comportamentos e atuações dos diversos grupos sociais que a compõe. A História do Tempo Presente reafirmou, no século XX, que testemunhos históricos são fonte histórica legítima, a história contemporânea pode ser objetiva, a memória oral não é mais problemática que a escrita, a função política da História em formar cidadãos pode partir de fatos de passados recente como remotos e, finalmente, o compartilhamento do tempo histórico do historiador com aqueles que fazem a história pode ter um lado positivo, visto que o historiador deve dividir “(…) com os que fazem a história, seus atores, as mesmas categorias e referências. (…) a falta de distância, ao invés de um inconveniente, pode ser um instrumento de auxílio importante para um maior entendimento da realidade estudada (…). (CHARTIER, 1993 apud FERREIRA, 2000, p.10).

Referências

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo. Lisboa, Portugal: DIFEL, 1988.

______. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS. 2002

FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Cultura Vozes, Petrópolis, v.94, n.3, p.111-124, maio / jun., 2000.

Celia Santana Silva – Doutora em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Professora da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XVIII / Eunápolis. E-mail: [email protected]

Luciana Oliveira Correia – Doutora em Educação pela Universidad de Alcalá. Professora da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas, Campus VI / Caetité. E-mail: [email protected]


SILVA, Celia Santana; CORREIA, Luciana Oliveira. Apresentação. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.1, n.2, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Investigación biográfica y autobiográfica en Educación en América Latina | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2018

Los artículos sometidos para la composición del presente dossier representan una mirada plural acerca de la aproximación conceptual, metodológica y experiencial desarrollada desde las ciencias sociales y la investigación biográfico-narrativa en educación de América Latina aplicada tanto en ámbitos formales como no formales. Los ejes temáticos, a los que corresponden distintos modos de abordar, revelan la actualidad del campo distribuidos en tres agrupamientos principales: estado del conocimiento o estado del arte en determinados países durante la última década; enfoques y métodos de investigación biográfico-narrativa en la educación; instituciones y sujetos, enlaces biográficos.

En la producción de América Latina es notable la interconexión de los campos de conocimiento; deja ver en un campo biográfico fértil que recoge las variadas deliberaciones provenientes de la literatura inglesa, francesa, alemana e italiana, junto con la proyección creciente de la lengua portuguesa. En contraste, es débil el eco de otras zonas geográficas como Asia o África, probablemente a causa de circuitos limitados de circulación más que de producción. El enfoque biográfico en las narrativas de educación ciertamente se remonta pocos decenios atrás, si tomamos en cuenta la sistematización de argumentaciones y enfoques paradigmáticos; empero no deja de hundir sus raíces en una tradición de emergencias y rupturas en el universo de las ciencias sociales. Leia Mais

História e Educação: sujeitos e práticas / Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino / 2018

O Dossiê “História e Educação: sujeitos e práticas” reúne artigos que versam sobre temáticas educacionais numa perspectiva histórica, com abordagens que dialogam com a historiografia e a pesquisa educacional. O papel e a importância da Educação (formal e não-formal) para a emancipação dos sujeitos e para a construção de uma sociedade mais igualitária é quase um consenso entre os intelectuais comprometidos com valores humanistas. Assim, é sempre relevante que as pesquisas sobre esse objeto (a Educação) possam circular através dos meios de comunicação científica como esse periódico, em cujo escopo está presente a preocupação em levar ao leitor reflexões sobre a História, a História da Educação e as Práticas do Ensino de História.

O artigo de autoria de Fabiano Moreira da Silva – “Professoras do ensino primário de Salvador: queixas, pedidos e reivindicações (1912-1918)” – exibe a capacidade de luta e mobilização das professoras e dos professores no início do século XX contra a precarização das condições de ensino, a falta de recursos financeiros e a baixa remuneração da categoria. A realidade educacional e a atuação política de professores descritas, mesmo distante no tempo, permite ao leitor verificar muitas permanências no sistema educacional brasileiro atual.

No artigo – “A teia entretecida entre Educação e Religiosidade: uma análise a partir da trajetória de Albertino Marques Barrêto (Brumado, 1954 – 1974) – Rui Marcos Moura Lima trata das relações entre educação e religião no âmbito do Centro Espírita Fraternidade, na cidade de Brumado, Bahia, a partir da narrativa da trajetória de Albertino Marques Barrêto. Migrante mato-grossense, chegou à cidade de Brumado na década de 1940 e foi um dos fundadores do referido Centro, em 1951, e de dois cursos de alfabetização de adultos, que funcionou na sede do Centro. Figura de destaque na sociedade brumadense, tanto pelo seu pioneirismo na comunidade espírita quanto pela obra educativa realizada, sua trajetória de vida nos deixa entrever como esse sujeito pensou e sentiu a educação em sua bem “entretecida teia” com a religiosidade.

Em “O aprendizado pela paisagem: questões para uma abordagem no ensino de História”, Eudes Maciel Barros Guimarães apresenta a dimensão histórica da categoria “paisagem” e aponta possibilidades teórico-metodológicas para a abordagem de documentos visuais nas aulas de História do Ensino Médio. O foco da discussão incide nas representações visuais da “caatinga”. O autor utiliza ilustrações de desenhistas, como Percy Lau e Von Martius, presentes nas páginas da Revista Brasileira de Geografia de1949. A análise das representações visuais leva em consideração expoentes teóricos dos campos da Geografia, da semiótica e das análises iconográficas.

Em contexto mais atual, o artigo “A política de formação continuada para professores da Educação Infantil no contexto capitalista”, de Isabel Cristina de Jesus Brandão e Jorsinai de Argolo Souza, aborda a formação continuada de Professores. Com o recorte voltado para a realidade da cidade de Itapetinga, na Bahia, e focalizando a formação continuada dos professores da Educação Infantil, as autoras propõem uma abordagem dialética, relacionada com o processo de reestruturação do capitalismo e com as reformas neoliberais que impactaram sobremaneira as políticas educacionais.

Na conjuntura de crise política vivenciada atualmente no nosso país, com recuo das práticas democráticas consolidadas nos últimos 30 anos e o simultâneo avanço de ideologias conservadoras em diversos setores, a Educação formal tornou-se alvo de propostas de reformas curriculares que pouco traduzem o conhecimento científico acumulado na área. Nessa conjuntura pouco animadora, é importante um veículo de difusão e reflexão sobre os caminhos da Educação no Brasil, capaz de colocar na ordem do dia os debates fundamentais.


Editores. [História e Educação: sujeitos e práticas]. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.1, n.1, jan. / jun., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Abertura na educação: Recursos e práticas | EmRede – Revista de Educação a Distância | 2018

O avanço do ‘aberto’ na educação A produção de uma edição especial da revista EmRede sobre Recursos Educacionais Abertos (REA) é um contributo importante no atual contexto político, sociocultural e econômico brasileiro. Levando em consideração os desafios históricos da educação pública, em um quadro de reformas curriculares e investimentos financeiros instáveis, os REA têm potência para gerar impactos inéditos na esfera da inclusão digital, democratização do acesso ao conhecimento e, consequentemente, na melhoria da qualidade tanto na Educação Básica quanto no Ensino Superior.

Embora o advento da Internet e a difusão de cursos na modalidade a distância tenham impulsionado a elaboração de recursos digitais e a criação de repositórios online, os impactos no ensino e na aprendizagem são incipientes. Isso é fruto de um processo tardio na criação de infraestrutura técnica e jurídica para que as produções possam ser licenciadas e publicadas de modo aberto e flexível para reutilização, remixagens, adaptações, recontextualização e retemporalização. Leia Mais

História, Matemática e Educação / HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática / 2018

Mediante a reunião de um coletivo de artigos produzidos por pesquisadores ativos em instituições de ensino superior que abrangem todas as regiões do País, trazemos no presente Número Temático da HISTEMAT uma amostra, a qual consideramos representativa de resultados de investigações na confluência de relações entre História, Matemática e Educação. Concordamos com Antonio Vicente Garnica, em artigo nesse número, quando este afirma que “[…] todo conhecimento é fruto de elaborações coletivas”. A partir de novos olhares, focos e temáticas diferenciadas, os autores refletem e exemplificam pesquisas realizadas tomando como fontes livros didáticos, fotografias, documentos manuscritos, a História Oral, trazendo a História da Matemática para a sala de aula, entre outros. Ubiratan D’Ambrosio relata que a partir de suas experiências internacionais, em 1976, teve a “[…] oportunidade para refletir sobre uma visão global, multicultural e multidisciplinar sobre a História da Matemática” e, assim, oportuniza com seu artigo intitulado O ensino da matemática elementar no Brasil que tomemos contato com as suas ideias daquela época. Andreia Dalcin com seu trabalho intitulado Fotografia, História e Educação Matemática: apontamentos para pesquisas sobre a cultura escolar aponta potencialidades do uso de fotografias como fontes na História da Educação Matemática. Ela aponta para a existência de variedade de possibilidades metodológicas: “[…] cabendo ao pesquisador decidir aquele que melhor atende a problemática da pesquisa e a sua sensibilidade”. Antonio Garnica em seu artigo intitulado Quase Memória: redizeres sobre a relação entre História e Educação Matemática afirma: “Eu penso que mais importante que as pesquisas que nós realizamos é o modo como essas pesquisas, ao serem realizadas têm ou não nos ajudado a formar professores”. Bruno Dassie, em seu artigo intitulado Analisar livros didáticos: trajetos e caminhos percorridos, objetiva mostrar percursos trilhados e interpretações nessas investigações. Ele enfatiza que “A constituição de acervos de livros didáticos, físicos ou digitais, ampliam a base documental para futuras pesquisas, bem como favorecem análises diversificadas”. O artigo de Claudia Lorenzoni em parceria com Ligia Sad intitulado História da Matemática e o “fazer matemática” na educação básica relata experiências de um fazer matemática na educação básica visando tornar professor e estudantes sujeitos atuantes da construção de conhecimento. Elas concluem: “Essa pode ser uma das grandes contribuições da História da Matemática na educação escolar […]”. Com o título As muitas mãos na escrita da História: a trajetória de um manual de Desenho do século XIX por meio de documentos manuscritos, Flávia Soares chama a atenção para a importância das fontes manuscritas na compreensão da educação no século XIX, no Brasil. Ela conclui que: “Embora esses documentos manuscritos necessitem de árduo trabalho de transcrição, que exige conhecimentos mínimos de paleografia, põe-se também o desafio de decodificar sua escrita, entendendo-a em seu contexto de criação, seus objetivos, suas tensões e suas intenções, tentando não estabelecer verdades definitivas, mas apenas parciais da história”. Maria Laura Magalhães no artigo nomeado Professoras que ensinaram matemática: memórias de Maria da Glória, Botyra e Felicidade conclui dizendo que “Focalizamos, nas memórias das professoras, outros componentes importantes de sua trajetória profissional: os papéis simultâneos de mãe e mestra, sua atuação além da docência nas comunidades em que trabalharam e o papel da religião católica”. O artigo de Michael Otte em pareceria com Luiz Barros intitulado Philosophy, Mathematics and Education analisa as relações entre História e Educação Matemática a partir de reflexões com apoio na Filosofia. Fazem uma crítica a Matemática Moderna dizendo que tanto ela quanto a lógica não produzem novas verdades na matemática. Concordando com Renê Thom, afirmam que nem a teoria abstrata dos conjuntos nem o estruturalismo de Bourbaki ou Piaget são adequados para introduzir a Matemática Moderna na escola. Concluem dizendo que “Perhaps more than any other practice, mathematical practice requires a complementarist approach, if its dynamics and meaning are to be properly understood”. No artigo intitulado Caracterização de saberes profissionais da Matematica para ensinar nos anos primeiros anos escolares: anotações metodológicas de Neuza Pinto em parceria com Bárbara Moraes, as autoras contribuem para uma discussão sobre aspectos teóricos das investigações em História da Matemática. Elas afirmam que: “Recorrendo à base teórica da sócio-história, o estudo conclui que os aspectos teórico-metodológicos problematizados apontam para a eficácia da parceria da história com a sociologia quando se trata de desnaturalizar conceitos arraigados nos modos de compreender a natureza dos saberes profissionais dos professores”. Rosilene Machado e Cláudia Regina Flores escrevem o artigo com o título: Da emergência do desenho como disciplina escolar: o território das artes como lugar de parada. Com ele, elas objetivam analisar como práticas de desenhar integraram o rol de conteúdos da disciplina de desenho na escola básica. A exclusão da disciplina de desenho é analisado pelas autoras e elas concluem: “[…] parece evidente que algumas disciplinas tivessem que ser substituídas; nessa ‘dança de cadeiras’, perderam aquelas cuja função de fabricação de corpos dóceis era mais intensa (tal como o desenho); ganharam, claramente, aquelas que se prestaram melhor à produção de corpos flexíveis. Trocou-se, assim, a ‘rigidez’ das réguas, esquadros e compassos pelo dinamismo dos programas computacionais…”. Os números decimais expostos no La Disme: atividades matemáticas como práticas sociais de autoria de Rosineide Jucá e Pedro Sá traz uma análise sócio histórica de um documento do século XVI. Os autores concluem que: “Ao analisar a obra La Disme (1585) de Stevin percebemos a importância da criação dos decimais para as práticas sociais da época”. Finalmente, Waléria Soares, em seu artigo intitulado Pesquisa documental sobre história da matemática escolar: um caminho a ser percorrido, reflete sobre o percurso metodológico de sua pesquisa de doutorado que tratou de construir uma história sobre a matemática escolar na cidade de São Luís, durante o século XIX. Ela afirma: “[…] não é justo olhar o passado com os olhos do presente; a escola é um lugar de produção de conhecimentos matemáticos; a matemática escolar se materializa também a partir do livro didático; por trás de todo livro didático existe uma voz que convém ser ouvida; o livro didático anseia por um espaço em uma instituição; e, ainda, quando uma pesquisa se ancora na Nova História Cultural”.

Boa leitura!

Circe Mary Silva da Silva (Editora convidada)


SILVA, Circe Mary Silva da. Apresentação. HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática. São Paulo, v.4, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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História e Educação: narrativas, práticas e sensibilidades / Ágora / 2018

Ao finalizar a organização do Dossiê “História e Educação: narrativas, práticas e sensibilidades”, vem-nos a certeza de que alcançamos os objetivos propostos, uma vez que congregamos textos que foram resultados de investigações realizadas no sentido de contribuir para os debates acerca das interfaces possíveis entre História e Educação, considerando tanto sua contribuição para a pesquisa quanto para a formação do historiador e do educador.

Dessa forma, oferecemos ao leitor um painel sobre as questões que podem, atualmente, sintetizar e orientar os estudos que se esforçam em relacionar História e Educação, considerando, especificamente, formas de narrativas, diversidade de práticas e as sensibilidades aí presentes.

Ora, a questão das sensibilidades na História, destacada por Lucien Febvre, não está limitada às fontes, mas diz respeito à própria compreensão da História e das durações. As formas de narrativas, nesse sentido, contribuem para as diferentes possibilidades de leitura das inscrições com as quais práticas do sensível marcam o tempo.

Assim, Leonardo Querino B. F. dos Santos, reflete, em seu texto A educação como problema médico: a pena de Belisário no debate sobre os males do Brasil (1912 – 1933), sobre as representações construídas por Belisário Pena sobre educação e saúde, priorizando fontes epistolares e a imprensa comum. Dessa forma, analisa como educação e saúde foram amalgamadas em uma representação de solução nacional, assim como discute sobre os debates que, naquele contexto específico, erigiram uma representação de “males brasileiros” a partir do paradigma médico. Conclui que, para Belisário, uma educação curativa e redentora só poderia ocorrer em três eixos unidos pelo referencial higienista: instrução, educação sanitária e cuidados com a saúde.

Por sua vez, Hadassa A. Costa estudou a arquitetura escolar em Campina Grande (PB) no início do século XX. No artigo intitulado A modernidade no corpo e no espaço: Práticas de Subjetivação, Higiene Moderna e Arquitetura Escolar, a autora analisa as influências das ideias de modernização no cotidiano escolar, especificamente a simbologia que a arquitetura moderna imprimia à escola. Nesse sentido, ao considerar a digestão do ambiente escolar como partícipe do aprendizado, analisa também os elementos que compuseram a construção da subjetividade daqueles alunos.

Entre o coletivo e o individual: memórias de um professor de História de escola pública é um, texto que reflete sobre o papel do educador considerando as urgências dos dias atuais. Assim, a autora Simone dos Santos Pereira analisa a narrativa de um professor de História sobre sua trajetória de vida e vivências na profissão docente entre o último quarto do século XX e a primeira década do século XXI. O olhar sensível sobre a fala desse professor permitiu à autora analisar diacronicamente as condições de sua permanência na docência considerando: sua paixão pela disciplina lecionada, seu engajamento político e seu reconhecimento como ser histórico, refletindo sobre seu papel social.

As práticas educativas efetivadas por docentes e discentes em uma determinada comunidade escolar é o tema do artigo de Janielly Souza dos Santos intitulado Não NEGO minha história: sou paraíba, sim senhor! Trata-se de um relato de experiência a partir da concepção de um ensino de História baseado no cotidiano dos alunos. História e Educação imbricam-se, assim, a partir da narrativa de práticas educativas fruto das sensibilidades produzidas pelos sujeitos que encenaram reflexões sobre história local e sobre suas próprias histórias.

Giuslane Francisca da Silva apresenta um trabalho sobre a atuação das chamadas Irmãs Azuis na educação escolar em Mato Grosso. Evangelizar, rezar e educar: a atuação da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Castres no campo educacional em Mato Grosso (1904-1971). Para tanto, analisa o percurso da instalação da Congregação no Brasil para além de seu intuito de fundar colégios. Focaliza, dessa forma, priorizando os arquivos da Congregação e textos produzidos também pelas freiras, as sociabilidades estabelecidas entre as Irmãse os que estavam sob seus encargos, construindo uma narrativa que dá visibilidade aos sujeitos envolvidos.

Agilidade, destreza e resistência adquiridas na infância: jogos e brincadeiras nas aulas de educação física da Paraíba (1920-1945)é um artigo de autoria de Alexandro dos Santos e Azemar dos Santos Soares Jr. Utilizando como fontes impressos que circularam na Paraíba durante a primeira metade do século XX, analisam, nesses veículos midiáticos, o valor educativo atribuído aos brinquedos, jogos e brincadeiras nas aulas de Educação Física como meio para a medicalização e disciplinarização do corpo dos alunos.

Este conjunto se oferece à leitura em momento oportuno, quando vemos educação e ensino de História ameaçados em suas práticas e sentidos, em nome de uma política puramente mercadológica que esvazia os sujeitos do processo educacional. Faz-se, hoje, urgente, uma reflexão histórica sobre práticas e sentidos da educação, visando a compreendermos o como e o porquê representações hegemônicas em um determinado contexto constituíram práticas educativas que ainda perduram e alimentam outras representações.

Juçara Luzia Leite

Iranilson Buriti de Oliveira

Organizadores.

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[DR]

Em nome da ordem e do progresso: educação, trabalho e infância no Brasil / Revista de História e Historiografia da Educação / 2017

Como construir uma nação?

Em agosto de 1883, o livro “O abolicionismo” tornou público o diagnóstico elaborado pelo estadista e intelectual Joaquim Nabuco a respeito das mazelas da sociedade brasileira. Defensor de inúmeras reformas, Joaquim Nabuco considerava o abolicionismo, ou seja, a necessidade de eliminar a escravidão da constituição do povo brasileiro, como o mais premente antídoto aos infortúnios nacionais e como uma medida que deveria preceder a todas as demais. Raiz de todos os males e vícios da sociedade e de suas instituições, eliminá-la colocava fim à excepcionalidade negativa do país frente ao mundo civilizado; mundo ao qual o Brasil e grande parte de suas gentes desejava participar e integrar. Mais do que isto, o abolicionismo abria possibilidade para a fundação de uma nova nação e para o soerguimento de um povo imbuído de valores civilizados e mais adaptado às mudanças políticas prenunciadas ao final daquele século. Para o autor, o vício da escravidão inutilizava a ambos, senhores e escravos, para uma vida livre. Daí suas proposições em torno da necessidade de operar profundas reformas, reformas que visavam constituir um “povo forte, inteligente, patriota e livre”.

A instrução pública, a associação de imprensa, a imigração espontânea, a religião purificada e a elaboração de um novo ideal de Estado apresentavam-se como veículos e como estratégias para a produção de um sentimento de responsabilidade cívica entre homens e mulheres; suprimindo, definitivamente, as marcas que a escravidão havia impresso na constituição física, mental e social do país e de seus habitantes. Note-se que estas reformas de cunho individual, ou seja, este aprimoramento de corpos e almas possuía, aos olhos de seu defensor, uma importância muito mais significativa do que as mudanças promovidas pela força das leis. Nos últimos parágrafos de “O abolicionismo”, Joaquim Nabuco conclamava àqueles que possuíam “força, coragem e honradez” para utilizarem-se dos jornais, dos livros, das associações, das escolas e da palavra na difusão daqueles princípios próprios às “nações modernas, fortes, felizes e respeitadas” (NABUCO, 2000, p. 172).

Mais de 100 anos nos separam das preocupações de Joaquim Nabuco sobre o futuro da nação e do povo brasileiro. Contudo, deparamo-nos, ainda hoje, com o desafio de responder à sua questão: como construir uma nação? Ou a uma outra questão da mesma grandeza e importância: qual cidadão é preciso formar? Nesse sentido, discutir historicamente as relações existentes entre a infância, a educação e o trabalho torna-se um exercício vital para a compreensão dos processos que marcaram de forma indelével a construção dessa nação, de dimensões continentais, que é o Brasil. E não há dúvidas de que nessas relações muitas escolhas foram realizadas; escolhas que, de modo geral, culminaram com a valorização de um modelo de trabalhador e cidadão, lapidado conforme os anseios de uma elite dirigente que estava empenhada em manter a Ordem e em alcançar o Progresso.

As dinâmicas próprias à vida social, no entanto, nos lançam no universo da história “a contrapelo”, ou seja, fazem-nos reconhecer que homens e mulheres experienciam as situações cotidianas e constroem uma compreensão particular a respeito delas, porque além de se apropriarem das referências produzidas na coletividade possuem expectativas, necessidades e interesses que lhes são próprios. Neste movimento de construção, homens e mulheres, mesmo ainda quando crianças, reelaboram e reinterpretam os elementos que compõem a cultura e a vida social. Elaboram, assim, “uma política da vida cotidiana que tem seu centro na utilização estratégica das regras sociais” (LEVI, 1989 apud REVEL, 1998, p. 22). O que os artigos reunidos nesse dossiê demonstram é que na articulação entre infância, educação e trabalho, pessoas e grupos sociais distintos construíram visões também distintas de cidadania e de trabalho e buscaram caminhos nem sempre “retos” para concretizá-las.[1] As possibilidades de resistência – e porque não de “acomodação” – às estruturas sociais, políticas e econômicas vigentes propiciam, a nosso ver, uma visão matizada dos poderes institucionalizados em uma sociedade. Analisar como estes poderes submeteram-se às lógicas sociais particulares de indivíduos e grupos sociais enriquece, portanto, a compreensão das múltiplas facetas de um dado momento histórico.

Lançar luzes sobre essas dinâmicas sociais é a tarefa a que se propõe o grupo de autores deste dossiê. A partir de diferentes projetos de pesquisa, desenvolvidos por professores vinculados a importantes grupos de pesquisa do campo da Educação, bem como da História, foram descobertas e reunidas aqui diferentes histórias e personagens; narrativas que ao serem entrecruzadas permitem identificar e reconstituir algumas das muitas facetas das dinâmicas sociais e históricas, nas quais estiveram imersos homens e mulheres, velhos, jovens e, especialmente, crianças. Importa destacar a originalidade dos artigos reunidos nesse dossiê, assim como, a diversidade de fontes históricas as quais os autores recorreram no intuito de trazer à tona as vivências dos atores sociais em foco. Finalmente, esperamos contribuir para que este campo de investigação, ainda incipiente, se consolide entre os pesquisadores da Educação e da História.

Nota

1. Caminho “reto”, da forma como propusemos aqui, é uma analogia ao texto bíblico. Não é demais lembrar, a relação das intenções e ações descritas neste livro com o provérbio: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Provérbios, cap. 22, vers. 6).

Fabiana da Silva Viana – Professora Doutora. Universidade do Estado de Minas Gerais.

Marileide Lázara Cassoli – Professora Doutora. Universidade do Estado de Minas Gerais.

Organizadoras do dossiê temático


VIANA, Fabiana da Silva; CASSOLI, Marileide Lázara. Apresentação. Revista de História e Historiografia da Educação. Curitiba, v. 1, n. especial, jul., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Ética em pesquisa em contextos educativos | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2017

Ética em pesquisa em contextos educativos: problematizações luso-brasileiras

O dossiê “Ética em pesquisa em contextos educativos” teve como objetivo problematizar as questões éticas no cotidiano da produção do conhecimento cientifico, em contextos de educação formal, informal e não formal, envolvendo artefatos culturais, midiáticos e tecnológicos. Provocados por algumas perguntas norteadoras, os autores brasileiros e portugueses problematizaram a produção do conhecimento cientifico tendo a ética em pesquisa como eixo central das discussões. No Brasil, esta problemática vem produzindo interlocuções e tomadas de posições, como no caso das resoluções sobre ética em pesquisa (Resolução 466/12 e Resolução 310/16 do CNS) e nos trabalhos de investigação envolvendo sujeitos de diferentes idades. Em Portugal, a temática também vem sendo foco da atenção de pesquisadores, dentre os quais podemos citar aqueles que pesquisa com crianças ou que realizam investigações em contextos digitais.

Neste sentido, as produções procuram apresentar contributos para alimentar o debate no que se refere aos aspectos teórico-metodológicos, em torno de pelo menos uma das questões sobre ética em pesquisa em educação. A seguir apresentamos as questões presentes no dossiê e os artigos que se propõem a discuti-las. Leia Mais

Criatividade, Inovação e as TIC na Educação | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2017

Este número especial apresenta da Revista Edapeci, traz artigos apresentados no 7º Seminário Internacional Educação e Comunicação, realizado na Universidade Tiradentes, em setembro de 2016. Este evento oferecido a comunidade acadêmica desde 2010 pelo Grupo de Pesquisa Educação e Comunicação tem como objetivo reunir pesquisadores, professores, alunos de graduação e pós-graduação do Brasil e outros países, interessados nos estudos e discussões sobre a relação Educação e Comunicação e as consequências nos processos de aprendizagem dentro e fora do espaço escolar.

É um evento temático, com conferências, mesas redondas e GT, que tem procurado contribuir e fortalecer as discussões iniciadas no primeiro evento em 2010 com o tema a “Educação a Distância e as Tecnologias da Inteligência”. A sétima edição teve como desafio estabelecer uma interlocução entre “Criatividade, Inovação e as TIC na educação”, cujo objetivo foi trazer para o debate os seguintes eixos de discussão: Educação e Comunicação; Educação a Distância; Políticas Públicas de TIC; Educação Comunicação e Saúde; Avaliação sobre o uso das TIC na educação; Criatividade e inovação nas práticas docentes com uso das TIC. Leia Mais

Interdisciplinaridade e Educação | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2016

A perspectiva de lançamento de um dossiê sobre Interdisciplinaridade e Educação na Revista EDaPECI objetiva uma análise interdisciplinar, ao congregar pesquisas empíricas e estudos teóricos que usam estas concepções em seus processos de investigação ou que estudam como estes artefatos estão sendo incorporados em atividades de ensino ou de aprendizagem.

A seleção dos artigos deste dossiê teve sua gênese no 3º Congresso Internacional de Interdisciplinaridade em Educação (III CIIE), realizado entre os dias 07 a 09 de novembro de 2016, em Catalão – Goiás. Os artigos selecionados e aprovados pela comissão científica do evento foram novamente analisados, revisados e ampliados, visando proporcionar aos autores e à comunidade acadêmica e científica uma ampliação conceitual e epistemológica dos resumos apresentados no evento. Leia Mais

História, Educação e Sociedade / Cadernos do Tempo Presente / 2016

Esta edição dos Cadernos do Tempo Presente traz consigo textos livres e um dossiê, intitulado História, Educação & Sociedade. Para nossa revista, ter a oportunidade de abrigar coletâneas de textos produzidos por pesquisadores vinculados à Pós-Graduação é privilégio. Estamos contentes pela adesão dos estudiosos que compõem esse dossiê e esperamos contar com a mesma confiança de outros pesquisadores. Nossa revista está sempre aberta a propostas de blocos temáticos.

Ao mesmo tempo, a contínua colaboração de autores que individualmente submetem seus artigos ao nosso periódico permanece fundamental para a existência dos CTP, sobretudo depois do grave problema decorrente do nosso “sumiço” temporário da plataforma Qualis Capes. Problema que esperamos ver resolvido no setembro que se inicia.

Entre os textos que antecedem ao dossiê, o primeiro é de Luiz Alberto Ribeiro Rodrigues, cujo objetivo é estudar a gestão escolar nos sistemas municipais e estadual de educação em Pernambuco, caracterizando suas concepções e práticas. Para isso utilizou como aporte teórico os conceitos de gestão escolar democrática e autonomia nas perspectivas pedagógica, administrativa e da gestão financeira, além de elementos da teoria da administração existente na prática de gestão escolar. Como metodologia utilizou da pesquisa participante e análise de políticas públicas. Sendo assim, procurou compreender e problematizar aspectos técnicos, políticos e estratégicos da gestão escolar.

Ainda na área de políticas públicas e gestão democrática, mas com foco nas escolas da rede estadual de ensino de Alagoas, Luciene Amaral da Silvae Inalda Maria dos Santos investigam a presença de indicações de gestores dentro deste processo. Ou seja, as autoras identificam as falhas no sistema democrático de gestores escolares no estado e na sua Legislação. Para esta pesquisa utilizaram do método qualitativo em um estudo de caso, mais especificamente em três escolas, para apresentar como a participação da sociedade civil no Conselho Escolar e suas medidas ainda possuem deficiências no estado de Alagoas.

Mudando o foco para as Ciências Sociais a partir dos Estudos Culturais, José Cristian Góes faz uma reflexão teórica dos conceitos de identidade e dispositivos, observando seus entrelaçamentos. Para tal, Góes entende identidade como uma construção social presente no cotidiano. Ao passo que adota as ideias de Michel Foucault sobre dispositivos como uma ferramenta política utilizada nas relações de poder. Assim, o autor tenta pensar as configurações contemporâneas e globalizantes das identidades.

Em seguida, temos um dossiê sobre História, Educação & Sociedade, composto por sete artigos produzidos por pesquisadores de diferentes instituições. Abrindo os trabalhos, Ana Paula Leite Nascimento e Maria Helena Santana Cruz fazem um estudo sobre a relação entre escola e juventude. Trabalhando com a ideia de cultura a partir das culturas juvenis das escolas, as autoras discutem os desafios do diálogo entre os sujeitos escolares e contribuem com referências teóricas para entender manifestações e estilos da vida juvenil.

Já em uma abordagem mais voltada para a História Econômica e marcante influência do conceito marxista de lutas de classes, Jailda Evangelista do Nascimento Carvalho e Sônia Meire Santos Azevedo de Jesus analisam a contradição entre o avanço de políticas públicas na Educação Superior e o fechamento das escolas no campo em Sergipe. Observando o contexto neoliberal do agronegócio e as transformações que esse sistema causou na vida camponesa, elas refletem sobre como este cenário causou danos na educação dos camponeses.

No texto seguinte, com o propósito de abordar a construção de conhecimento nas redes, Maria Conceição da Silva Linhares observa como nestes espaços se processa a interação entre sujeitos e o meio. Desta forma, a autora reflete sobre as conexões entre os indivíduos e os contextos socioculturais que estão inseridos e a forma como os percebem. Para isto, utilizada as ideias da relação dialógica como princípio de formação e a metáfora do conhecimento como fluxo de comunicação e interação. Isso para evidenciar como conceitos, saberes e contextos se interconectam através de uma rede.

Continuando no tema sobre TICs, Socorro Aparecida Cabral Pereira trabalha com a formação de professores e a sua inserção no contexto digital. Para isso, utiliza o paradigma educacional emergente proposto por Maria Cândido Moraes e as narrativas dos bolsistas de Iniciação a Docência (PIBID) como campo de reflexão teórica. São utilizadas as ideias de cibercultura, interatividade e colaboração narrativas para entender como ocorre a inserção destes indivíduos no ciberespaço.

O terceiro artigo do dossiê é de autoria de Flávia Lopes Pacheco, cujo trabalho reflete sobre as relações entre educação e cultura popular. A autora entende que a educação possui um caráter emancipador capaz de transformações sociais e de combate ao domínio sobre povo. Sendo assim, neste texto são analisadas essas concepções por meio da educação popular fora dos espaços escolares com a criação de projetos com tais fins. Neste cenário, Pacheco adota principalmente as ideias de Paulo Freire na elaboração destas iniciativas.

Finalizando o dossiê, os dois últimos artigos tratam-se de textos na área da linguagem, abordando sobre o ensino de inglês. O primeiro, de Aline Cajé Bernardo, trabalha com o conceito de identidade no processo de ensino e aprendizagem do inglês. Seu objetivo é analisar como as interações dos alunos com os estrangeiros contribuem para a ressignificação das identidades e influencia na aprendizagem do novo idioma. Nesta abordagem a autora entende que a compreensão da língua é uma pratica social. Como aporte teórico-metodológico utilizou da Teoria da Relação com o Saber de Bernard Charlot e realizou entrevistas com estudantes do ensino fundamental aplicando questionários.

Encerrando a coletânea, Rodrigo Belfort Gomes investiga o método direto para o ensino de inglês. Criado no século XIX com o advento dos estudos fonéticos e instituído no Brasil em 1931, este método priorizava a oralidade. Em seu texto, Gomes analisa a lei que instituiu o referido método e a sua recepção por parte dos professores, observando as possíveis reações aos métodos da gramática e da tradução.

Após o dossiê, temos a resenha de Diego Leonardo Santana Silva sobre a obra “A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada” de James Gleick.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

Os Editores


Editores. [ História, Educação e Sociedade]. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n.23, 2016. Acessar publicação original [DR]

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A educação nos Estados Unidos: do século 19 ao século 20 / Revista História da Educação / 2016

Este dossiê abrange uma coletânea de textos acerca da educação escolar nos Estados Unidos, com destaque à passagem do século 19 ao século 20. Os autores e os temas foram pensados a partir de dois objetivos principais: primeiro, informar o leitor brasileiro a respeito da educação norte-americana a partir de perspectivas históricas valorosas; segundo, focalizar educação escolar norte-americana em um período e nas dimensões que têm sido de especial interesse aos historiadores brasileiros da educação.

Embora a literatura acadêmica repita qual um mantra que a educação em nossas plagas seja produto da influência de modelos estrangeiros, destacadamente franceses e norte-americanos, o leitor brasileiro não conta com bibliografia consistente que ofereça informações e análises para confirmar, refutar ou, ainda, lapidar aquele postulado. É também crítica a ausência de títulos equivalentes em um momento em que os educadores e pesquisadores da educação não podem mais ignorar a inserção do Brasil na cena internacional.

O leitor não encontrará aqui intenções ou procedimentos comparativos a conduzir as análises. Pelo contrário; o que se pretende com este dossiê é o exercício de análise do outro com o máximo de respeito possível – no sentido cognitivo – à alteridade. Não se trata de proposta original no que intenta; afinal, é só isso que os historiadores da cultura vêm recomendando há décadas: estranhar, desfamiliarizar. Admitir, mesmo que por hipótese, que a juntada da farinha com o fermento nem sempre prenuncia o nosso pão francês de cada dia.

Aos autores foram estabelecidas regras singelas, truísmos para quem está familiarizado com as lidas historiográficas: apoiar os artigos em fontes originais e explorar a bibliografia disponível no que ela apresenta de mais consistente e relevante, não descurando de oferecer ao leitor indicações dos textos brasileiros que tratam do tema ou do seu em torno.

A escolha de mais autores brasileiros do que norte-americanos decorreu não só da intenção de quebrar a timidez ainda vigente nos nossos meios acadêmicos de estudar e pesquisar sobre o que se passa em outros países em matéria de educação; deriva também do interesse de reunir autores que têm acumulado conhecimento sobre a educação escolar nos Estados Unidos e, o que é especialmente interessante, autores que têm se utilizado de ferramentas conceituais e de método mais acuradas do que as verificadas em muitos títulos da historiografia educacional norte-americana.

Carla Simone Chamon apresenta o Paraíso das crianças: o kindergarten nos Estados Unidos entre meados do século 19 e início do 20. Nesse estudo, o que interessa em especial é a americanização do kindergarten alemão froebeliano. A autora informa que as primeiras instituições desse tipo apareceram nos Estados Unidos dos anos de 1850, por iniciativa de imigrantes alemães, uma vez que a presença desses imigrantes impactou estruturalmente a educação e as instituições de cultura norte-americanas; não casualmente, esse assunto reaparecerá em outro artigo do dossiê. Assim como veremos figuras como Pestalozzi, Stanley Hall, Dewey e outros que, sendo mobilizados por Chamon para compor a cena do início da educação infantil nos Estados Unidos, reaparecerão em outras cenas compostas pelos demais autores desse dossiê. Este trabalho explora de maneira competente os muitos conflitos envolvidos na implantação dos kindergartens nos Estados Unidos e as disputas no processo de incorporação dessa modalidade de instituição ao sistema público escolar norte-americano.

Como o próprio título indica, em As disputas pelo currículo e a renovação da escola primária nos Estados Unidos na transição do século 19 para o século 20, Rosa Fátima de Souza reconstitui os embates travados entre o fim do século 19 e o começo do século 20 em torno do currículo da escola elementar. Para a primeira cena, Souza traz os herbartianos, com destaque inovador aos irmãos McMurry, Francis Parker, John Dewey e Stanley Hall, envolvidos em contendas cuja relevância nacional indicia o lugar que estava sendo reservado à educação no projeto norte-americano rumo à hegemonia. Nesse artigo, o leitor ganha mais uma vez a oportunidade de desfazer a ideia de que teria havido uma “escola nova” onde estariam congraçados renovadores ou inovadores da educação norte-americana.

No seu artigo, Vera Teresa Valdemarin Modelos para a formação de professores nas páginas do Teachers College Record (1900-1921), percorre um caminho inédito para tratar com singularidade o muito visitado e ainda não devidamente equacionado tema da formação docente. Pelas páginas do periódico, Valdemarin dá a saber as posições em torno do assunto; aqui também, como há de se supor dado o caráter secularmente controvertido da matéria, a não homogeneidade de perspectivas sequer dentre o corpo docente do Teachers College. Apesar das divergências, ou em razão delas, o TCR mantém uma estratégia editorial que põe em circulação o intento comum de fazer do Teachers College da Columbia o centro de referência no campo da formação docente. As figuras destacadas neste trabalho reaparecerão neste dossiê inscritos em outras cenas.

Com o trabalho de Maria das Graças M. Ribeiro, A educação superior norteamericana: gênese de um modelo, o leitor é chamado a conhecer o processo de hegemonização de um modelo de ensino superior como elemento chave do processo de construção da hegemonia norte-americana. Além de documentos oficiais, como o Morril Act de 1862, Ribeiro atenta para posições críticas de grande relevo teórico e histórico, como a de Thorstein Veblen, por meio de quem é dado a compreender como se amalgamaram, nos Estados Unidos, as esferas pública e privada no campo do ensino superior. Vale destacar, ainda, o que a autora apresenta sobre os land-grant colleges que marcam o início da presença do Estado na educação superior, assunto que já vem estudando há um tempo.

Mirian Jorge Warde, em Periodismo educacional: Estados Unidos, do século 19 às primeiras décadas do século 20, apresenta uma visão abrangente dos periódicos lançados desde o século 19 até os anos de 1920 no âmbito da educação. São destacadas as tendências prevalecentes em aspectos tais como editores, locais de produção e destinatários potenciais. O artigo procura evidenciar a passagem da destinação predominantemente escolar para uma destinação mais diversificada na qual a especialização em subáreas do conhecimento, a expertise em pesquisa, a gramática acadêmica não são as únicas propensões, mas passam a estabelecer padrões de qualidade. Este artigo dialoga com os demais não tanto pela temática abarcada como também pelas pessoas, instituições e associações referidas.

Waye Urban, professor da renomada Universidade de Wisconsin, aqui apresenta um estudo sobre o tema de seu interesse: A Associação Nacional de Educação dos Estados Unidos da América. Urban oferece um entendimento sólido do que teria sido a trajetória da mais poderosa associação de educação nos Estados Unidos, em pleno funcionamento desde meados do século 19. Com este artigo, mais uma vez os dissensos, as polêmicas, os debates ocupam a cena ajudando, também, a desfazer as leituras esquematizadoras. Merecem destaques tensões que atravessam a NEA e que aparecem como motores de importantes confrontações: as de gênero e as étnico-raciais.

Mirian Jorge Warde – Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo – campus de Guarulhos. Pesquisador sênior do CNPq. E-mail: [email protected]


WARDE, Mirian Jorge. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 20, n. 48, Jan. / abr., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Educação em perspectiva histórica / História e Cultura / 2015

Alinhada à proposta inicial de integrar diversas áreas de pesquisa no campo das ciências humanas e sociais (História, Pedagogia, Sociologia, Filosofia etc.), esta coletânea de textos discute a educação a partir de suas múltiplas interfaces, sobretudo, com a História. Apresentamos, aqui, o fruto de dois anos de intenso trabalho na estruturação, recebimento, avaliação e correção das contribuições encaminhadas desde a aprovação da proposta deste dossiê pela Revista História e Cultura e a abertura da chamada pública de textos em 2013. As contribuições nacionais e internacionais agora publicadas contam com autores de diversas instituições e formações, de modo que estão organizadas em pequenos blocos temáticos.

O primeiro conjunto de textos está situado no campo do Ensino de História, apresentando, de forma sugestiva, abordagens e referenciais teóricos sensivelmente diferentes. O artigo assinado por Marcelo Abreu e Marcelo Rangel discute os nexos teóricos e práticos entre memória, cultura histórica e ensino de história. Integrando o entendimento do ensino de história no conjunto mais amplo de uma “cultura histórica”, os autores propõem temas, conceitos e problemas a partir dos trabalhos de Christian Laville, Jörn Rüsen, Hans Gumbrecht e François Hartog, abordando possibilidades do ensino de história em um tempo marcado pela “desorientação”, ou seja, o enfraquecimento de pilares teóricos e epistemológicos que pautavam a ação e a teorização históricas desde o século XIX (nação, identidade, verdade histórica etc.). A investigação de Livia Scheiner, construída sobre pesquisa empírica realizada no EJA do célebre Colégio Pedro II, analisa os estudos históricos e o ensino de história à luz da “cognição histórica situada”. Por meio de questionários dirigidos aos alunos, a pesquisa aborda o problema da formação histórica a partir de elementos cognitivos (experiência, interpretação, orientação) capazes de estruturar relações fundamentais com a historicidade, inserindo as formas do ensino na correlação entre uma consciência histórica situada na “vida prática” e a própria percepção da temporalidade e do passado histórico.

O segundo bloco de textos reúne abordagens que sugerem instigantes aproximações entre História, Sociologia e Filosofia, problematizando relações no campo do ensino e da pesquisa. O artigo de Renato José de Oliveira discute possibilidades de articulação da hipermodernidade e do pós-dever, de Lipovetsky, com algumas teorias da racionalidade argumentativa (Perelman e Olbrechts-Tyteca) para o entendimento de práticas e comportamentos em escolas de ensino fundamental e médio, situando, assim, as vivências escolares no contexto das ambivalências éticas e valorativas da própria modernidade (hiperindividualismo, bullying, agressões etc.). Rosana Cuba, desdobrando os diálogos entre Educação, História e Sociologia em pesquisa empírica realizada no município de São José do Rio Preto (SP), articula as profundas transformações históricas do final do século XX e início do XXI aos sentidos e significados atribuídos à escola por jovens de classe média. Destaca, nesse sentido, novas esferas de socialização (situadas na internet, por exemplo) e a dissolução de critérios de sequencialidade e hierarquização (característicos da escolarização moderna, sobretudo, a partir do século XVIII). O artigo de Leoni Henning reflete sobre as forças históricas que marcam importantes questões no campo da Filosofia da Educação no Brasil: desde configurações teóricas do campo até a prática e seus profundos sentidos políticos historicamente situados, a autora indica valiosos caminhos para o entendimento da Filosofia da Educação no processo de formação de professores no Brasil.

Analisando os processos de educação em perspectiva histórica, organizamos os demais artigos em ordem cronológica. A contribuição de Álvaro de Araujo Antunes oferece um painel teórico / historiográfico sobre os estudos produzidos em História da Educação tematizando a América Portuguesa. Além de um inventário debruçado sobre as especificidades da produção acadêmica na área, trata-se de propor alternativas de pesquisa à luz de problemas da História Cultural. Derick Santiago sugere aproximações entre os conceitos rousseaunianos de “estado de natureza” e “infância”: alinhando, portanto, temas da filosofia política e do pensamento pedagógico do filósofo de Genebra, Santiago indica uma matriz das reflexões de Rousseau calcada em dinâmicas de sociabilidade, destacando, como elemento central, uma teorização sobre o homem e suas interações sociais. O século XVIII ainda ganha outros contornos com o trabalho de Patrícia Merlo e Guilherme Marchiori de Assis, que enfatizam a pluralidade e as especificidades das Luzes na Europa a partir de uma investigação comparativa entre as obras de Ribeiro Sanches, estrangeirado português, e do marquês de Condorcet, filósofo francês. Para os autores, a ênfase do racionalismo Ilustrado nas formas de instrução conferia uma espécie de primado da educação no “esclarecimento” (para empregar a terminologia kantiana) das sociedades modernas.

O século XIX é compreendido pelo instigante estudo empírico assinado por Carimo Mohomed. O autor investiga o Movimento Aligarh, núcleo de identidade entre as populações muçulmanas da Índia Britânica, centralizando suas investigações na figura de Ahmad Khan (1817-1898), importante liderança política e intelectual da região e idealizador de um ambicioso sistema educacional para integração social: para Carimo Mohomed, as ações do Movimento Aligarh sinalizam, sobretudo, um projeto de modernização junto à comunidade muçulmana, aliando preceitos da educação islâmica aos conteúdos das ciências ocidentais. O autor, nesse sentido, enfatiza um amplo processo de regeneração intelectual dos muçulmanos na Índia, articulando o Movimento Aligarh em torno da construção de uma elite muçulmana que, educada para assumir quadros administrativos na Índia Britânica, era consciente de seu projeto na medida em que uma identidade muçulmana em elaboração na região sedimentava essa condição.

Preocupados com a História da Educação do Brasil republicano, os artigos que encerram esta coletânea apontam, além da diversidade temática, uma rica pluralidade teórico-metodológica na análise da documentação. Renan Mattos estuda algumas tensões no campo educacional nos anos 1930 e 1940: a partir das produções de Fernando do Ó, liderança espírita em Santa Maria (RS), o autor analisa, apoiado em documentação impressa e no quadro teórico de Bourdieu e de parte da historiografia sobre o período Vargas, processos e estratégias de disputa que delimitam algumas balizas do campo educacional brasileiro no período, sublinhando temas como a religião, o ensino público e a própria imagem da nação. Josineide Santana investiga o cotidiano escolar no Orfanato de São Cristóvão (SE) no início dos anos 1940: além de uma descrição minuciosa de práticas cotidianas (despesas, currículo, espaço etc.), o artigo propõe análises sobre os sentidos da educação feminina no período. Momento, aliás, rico em debates no campo educacional: Thiago Nascimento apresenta um painel dos anos 1920-1950 – conjuntura em que temas escolanovistas aparecem diretamente articulados às propostas de Delgado de Carvalho e às recepções das ideias de Dewey na configuração dos ensinos de História e Estudos Sociais no Brasil republicano.

O sugestivo estudo de Sérgio César da Fonseca, Débora Menegotti Ferreira e Maria Beatriz Prandi analisa o Parque Infantil, escola implantada em Ribeirão Preto (SP) nos anos 1950. Os autores inserem as análises documentais no contexto mais amplo de políticas de educação da infância que, desde os anos 1930, elaboravam ações estaduais na formação dos Parques Infantis: a pesquisa, dessa forma, acompanha significativas alterações das formas de educação, assistência e amparo à infância, analisando conjunturas centrais (décadas de 1950-60) para o entendimento da escolarização do Brasil. É essa mesma conjuntura que marca o ponto alto do artigo de Hilda Maria Gonçalves da Silva: analisando a Educação de Adultos no Brasil, a autora demonstra seus aspectos políticos e pedagógicos marcadamente associados aos anos 1950-70, momento de aguda modernização em sociedades da América Latina, criticando a sobrevalorização de uma concepção instrumental da forma educativa em detrimento de um ensino reflexivo e de maior possibilidade crítica: ambiguidade histórica que, conforme o argumento de Hilda Silva, prende as dimensões da educação às estruturas pragmáticas do mercado de trabalho. Finalizamos este dossiê com uma resenha de Everton Vieira Barbosa sobre o livro História & livro e leitura, de André Belo (historiador português da Universidade Rennes 2, na França), discutindo a História da Educação no contexto de uma história do livro e das formas de leitura.

Buscando, enfim, matizar algumas mediações históricas e teóricas que configuram o campo da educação, acreditamos que o presente dossiê ilustra, além de um esforço acadêmico para congregar pesquisas, uma possibilidade de interlocução entre diferentes campos para o entendimento dos processos de educação em suas dimensões políticas e socioculturais. Desejamos, nesse sentido, que a diversidade de temáticas, objetos, metodologias e teorias possa contribuir no sentido de um aprofundamento de pesquisas acadêmicas situadas na interface entre as ciências humanas e sociais e o campo da educação.

Marcus Vinicius da Cunha – Docente da Universidade de São Paulo (USP) Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da FFCLRP / USP e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP / Araraquara) Pesquisador do CNPq.

Tatiane Silva – Doutoranda em Educação – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP / Araraquara) Bolsista FAPESP.

Felipe Ziotti Narita – Doutorando em História – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP / Franca) Bolsista CAPES.

Organizadores do dossiê “Educação em perspectiva histórica”


CUNHA, Marcus Vinicius da; SILVA, Tatiane; NARITA, Felipe Ziotti. Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 4, n. 2, set., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais e educação na América Latina / Intellèctus / 2015

A melhor astúcia do demônio é nos persuadir que ele não existe.

Charles Baudelaire

Por vezes, recebemos em nossa trajetória de vida presentes. Presentes que na vida acadêmica estão cada vez mais raros. Alguns deles alegram nossas almas, revigoram nossas esperanças, potencializam o nosso caminhar pessoal e profissional e, porque não, sensível. Este presente, o qual muito nos alegrou, nos foi ofertado pela professora Maria Emilia Prado, líder do Grpesq / CNPq Intelectuais e Poder no Mundo Ibero-Americano: coordenar o dossiê “ Intelectuais e Educação na América Latina”.

Chartier nos alertará que a escrita de um livro possui a intencionalidade de quem o escreve, produz efeitos para quem o livro é escrito – seus possíveis leitores -, sua circulação, e as diversas maneiras como é apropriado, muitas vezes, produzem outras intencionalidades dentre as quais a do autor é mais uma. “Cada leitor, a partir de suas próprias referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou menos singular, mais ou menos partilhado, aos textos de que se apropriar” (2002: 20). Leia Mais

Pesquisa Qualitativa e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação em Educação | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2015

A perspectiva de lançamento de um dossiê sobre pesquisa qualitativa e TDIC na Revista EDaPECI objetiva uma análise interdisciplinar, ao congregar pesquisas empíricas e estudos teóricos que usam as TDIC em seus processos de investigação ou que estudam como estes artefatos estão sendo incorporados em atividades de ensino ou de aprendizagem.

A seleção dos artigos deste dossiê teve sua gênese no 4º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa e 6º Simpósio Internacional de Educação e Comunicação, realizados simultaneamente entre os dias 5 e 7 de agosto de 2015, em Aracaju-Sergipe. Os artigos selecionados e aprovados pela comissão científica dos eventos foram novamente analisados, revisados e ampliados, visando proporcionar aos autores uma retomada de seus artigos para oferecer a comunidade científica um texto mais robusto, em comparação com o publicado nos anais do evento. Leia Mais

Políticas católicas: educação, arte e religião / Revista Brasileira de História da Educação / 2015

Os textos apresentados no presente dossiê resultam mais diretamente de pesquisas empíricas e dos debates ocorridos por ocasião do I Colóquio Internacional: Congregações Católicas, Educação e Estado Nacional. Examinam o lugar das políticas católicas na formação cultural de importantes segmentos da população brasileira e se articulam em torno do debate sobre a dinâmica que animou a Igreja Católica na direção de determinado projeto para a modernidade. Nesse sentido, o principal objetivo que alinhava os trabalhos escolhidos para compor este conjunto é a análise de temáticas e hipóteses que perpassam a complexa rede de indivíduos e instituições que constroem e reconstroem, em contextos e temporalidades diversas, as relações entre educação, Igreja Católica e Estado Nacional.

Nestes artigos, os autores aprofundam o debate, enfrentando conceitos polissêmicos como educação, política, arte e religião, de forma a expor aos leitores diferentes olhares sobre as dimensões nas quais se engajaram e se articularam religiosos e militantes católicos comprometidos com a formação de uma república católica. As análises da atuação dos agentes, seja em colégios, seja por meio de obras artísticas ou, ainda, em organizações profissionais e no exercício político dentro e fora da Igreja, dão sentido à unidade de propósitos desenvolvida.

O Brasil conta com mais de 500 anos de catolicismo e este pode ser considerado um dos temas mais estudados no campo das Ciências Humanas. De um largo espaço de atuação nos tempos da colônia, passando pelo padroado controlado pelo Imperador, a Igreja Católica alcança o período republicano com suas Ordens envelhecidas, seus seminários esvaziados e suas ações inibidas, numa sociedade com milhares de pobres e analfabetos.

Na Europa, os tempos são de conflito aberto entre a modernidade e a Igreja, entre o Estado em processo de secularização e a moral cristã inscrita na escola pública. Os dois contextos favoreceram a política do Vaticano para a América Latina. O resultado foi a intensa migração regional de Congregações e Ordens no interior da própria Europa e a imigração para a América Latina, especialmente para o Brasil. Essa circulação internacional traz um considerável contingente de religiosos que reposiciona a Igreja em relação aos estados nacionais. Trata-se de intelectuais – pregadores, escritores, professores, editores, poetas, artistas, políticos, sensores – cujo objetivo maior é a educação das elites e a recristianização de futuros quadros do Estado republicano. Entender os percursos e as ações decorrentes desse movimento na construção da cultura republicana é o objetivo de distintos estudos contemplados no presente dossiê. Nessas trilhas se encontram e confluem novas e antigas possibilidades de análise e ângulos de leitura sobre conceitos e processos, constantemente revisitados.

José Maria de Paiva desenvolve seu artigo, instigado pelas perguntas: que educação se faz hoje e que proposta de sociedade perseguimos? Vai buscar no passado, na ação dos jesuítas, os elementos para alimentar os estudos contemporâneos. Seu artigo, Estado e educação – A Companhia de Jesus: Brasil, 1549-1600, abre o debate, desafiando o leitor à discussão sobre o significado da relação entre educação, religião e Estado nos primórdios da sociedade brasileira. O Brasil quinhentista é abordado nas dimensões teológica, social e política que traduzem, assim, os múltiplos aspectos de um modelo de sociedade fundado em concepções que conformavam a ordem como unidade: o corpo, desenhando a sociedade, e a presença divina, conduziam os entendimentos. O autor considera, nesse aspecto, as atuações e representações que moldam o agir humano.

Para discutir como essa dinâmica se desenvolveu em distintas esferas da convivência social, José Maria de Paiva busca suas causas e fundamentos na releitura das relações entre os jesuítas, a Coroa Portuguesa e as populações que habitaram as terras brasilis. Para tanto, situa a Companhia de Jesus no âmbito dos interesses do Estado Português. Na visão do autor, a divisão político-territorial portuguesa favorecia a legitimação e o predomínio do poder real junto aos senhores de terras, fazendo valer tanto as representações corporativas quanto os interesses mercantis que ditavam as regras do desenvolvimento econômico europeu naquele momento.

Na busca da gênese da tensa relação entre Estado, Igreja e educação, o autor convida o leitor a refletir sobre o predomínio do indivíduo como elemento chave na constituição do Estado moderno. Nesse sentido, sustenta a tese de que o Estado português preserva o entendimento de corpo social numa gestão da sociedade repleta de linguagens afetivas e mercantis. Afirma que esse é o modelo instaurado no Brasil e que é nas relações entre o interesse mercantil e a tradição do senhorio que se deve pensar a educação.

No esforço de demonstrar como o conceito de educação se encontra imbricado às visões de mundo definidoras do lugar a ser ocupado pelos grupos na sociedade colonial, o autor analisa as implicações da missão de evangelizar e cultivar a fé católica no Brasil. A Companhia de Jesus se inscrevia no trabalho de evangelização do índio, na missão de criar um ambiente harmonioso entre os habitantes das terras conquistadas e na formação instituída pelos colégios. Estes últimos, expressão ativa da educação que permaneceu, embora os estudos ocupassem uma posição menor nessa sociedade e fossem um dos instrumentos do plano mais geral da evangelização, serviam ao pleno desenvolvimento das relações mercantis. Ou seja, os colégios tinham função social mais ampla que a dinâmica escolar, entendida no sentido de uma simples formação acadêmica. Nessa reflexão, desloca-se o foco da discussão da forma da organização escolar para a educação e ‘seu objeto: significado religioso, divino’, naquela sociedade quase estática.

No texto Instrução do povo sob a proteção do catolicismo, militância docente e a expansão da escolarização em São Paulo, Ana Regina Pinheiro está atenta às estratégias empregadas pela Igreja para propagar o catolicismo em espaços de formação docente. Para tanto, problematiza a relação da Liga do Professorado Católico de São Paulo – antiga Liga das Professoras Católicas – com a Escola Normal e a Diretoria de Instrução Pública, na década de 1920. Baseada nos resultados parciais de seu estudo, desenha um cenário no qual a religião encontra-se imbricada à política e às reformas educacionais nas primeiras décadas da República.

A autora persegue as permanências presentes no discurso que enaltecia o modelo escolar paulista e idealizava o pioneirismo da escola republicana. No diálogo com a historiografia, assinala que esse discurso foi um dos fatores que alicerçou as estratégias do movimento docente, em São Paulo, na Associação Beneficente do Professorado Paulista (1902- 1918) e, mais tarde, na Liga do Professorado Católico (criada em 1919). Analisa tais anseios como mediações que favoreceram o alinhamento da categoria às diretrizes da Igreja romanizada. Militantes dos movimentos sociais e indivíduos responsáveis pela elaboração de políticas para a área de educação usam discursos e práticas, frutos de habitus construídos nas igrejas e sacristias.

Coerente com essa abordagem, debate o lugar dos educadores católicos na construção da escola pública, no período de laicização do Estado brasileiro. Por meio da leitura da documentação histórica vinculada à Liga, a autora demonstra que setores da Igreja associavam a busca das meninas pelo magistério ao movimento feminista nascente. Sendo assim, para enfrentar o desafio que representava a crescente profissionalização das mulheres, a Liga visava à atrair, para seu quadro de associadas, professoras que fossem católicas praticantes e que exercessem a catequese. O foco de tal exigência era a difusão do catolicismo na escola pública, local onde as ideias laicas ameaçavam a tradição. Analisa, assim, a permeabilidade do discurso católico no processo de escolarização.

Esse contexto de mudanças exigia a proposição de um programa formativo que fora delegado a essa associação. Nesse sentido, advogados, juristas, médicos e professores de reconhecida competência profissional e com forte ligação com o catolicismo eram frequentemente convidados pelos fundadores ou pelo diretor espiritual para atuar como orientadores das associadas em diversas áreas, promovendo, assim, o acesso das professoras à filosofia e moral católicas. Essas manifestações, ao contrário de reforçar a recusa às mudanças advindas do mundo moderno, indicam que a Igreja se mostrava capaz de conduzir o projeto da modernidade.

Na Espanha, como no Brasil e em Portugal, as relações entre a Igreja Católica e o Estado estão tensionadas em torno da disputa pelo direito de fazer a escola. Maria Fernanda Piñero Sampayo, em Evolución y desarrollo de los colegios religiosos femeninos en España, problematiza a ampla articulação política da Igreja a partir da segunda metade do século XIX, em um estudo que revisita a histórica presença dessa instituição na educação. A autora refere-se ao duplo movimento: o processo de fundação e expansão de colégios para a formação de moças e a circulação internacional das Congregações Católicas, ambos favorecidos pelas políticas e pelos acordos de Estado. Ressalta, por outro lado, que a participação majoritária da Igreja no processo educacional se deveu, sobretudo, aos anseios de uma sociedade cujo amparo espiritual e referência moral eram reconhecidamente católicos.

Em seu texto, o lugar da Igreja Católica na educação é tratado como um fenômeno presente desde a fundação das universidades medievais e potencializado pelas Ordens Religiosas que se estabeleceram no território espanhol nos séculos XVI e XVII, tais como a Companhia de Jesus, os Escolapios, as Ursulinas ou a Companhia de Maria. Situação que se manteve inalterada até a primeira metade do século XIX, quando a corrente política anticlerical acirrou o processo de implantação de políticas voltadas à secularização do Estado e da sociedade. Em várias partes da Europa, a Igreja foi forçada a adotar medidas que a recolocariam na liderança nesse novo cenário político e social. A circulação internacional dessas Congregações pelo continente europeu é tratada pela autora ao focalizar o caso da Espanha, que recebeu as congêneres francesas a partir de 1881. A circulação internacional, analisada pelo lado espanhol, confirma hipóteses sobre a política de imigração de Congregações para o Brasil.

A estratégia da Igreja desencadeou uma série de políticas que confluíram para o desenvolvimento de um modelo de ensino organizado para as meninas de classe média. Dentre elas, a Concordata de 1851, permitindo à Igreja se renovar e fundar novas Congregações em território espanhol. Em distintas áreas da sociedade, sobretudo na educação secundária, a Igreja viu-se em situação de quase monopólio. Ao reforçar os termos da aliança dessa instituição com as forças políticas laicas, a autora aborda os conflitos e as contradições que levaram o Estado espanhol a se autoproclamar católico, na Constituição de 1876, e por meio de outras leis, implementadas nesse mesmo período.

Múltiplos fatores que teriam favorecido o desenvolvimento do ensino secundário são explorados no texto, de forma a demonstrar que esse segmento ficou a cargo do investimento privado, primordialmente confessional, enquanto o ensino primário permanecia sob a responsabilidade do poder público. Nesse sentido, foi a demanda social pela formação escolar das moças que favoreceu o surgimento de colégios, em sua maioria, fundados por Congregações de longa tradição, como a Companhia de Maria ou as Ursulinas, dentre outras, de criação mais recente. Essas Congregações tiveram um surto de crescimento entre os anos 1820-1878 e 1883-1905. No geral, eram colégios com várias modalidades de ensino, cujo modelo de educação integral englobava educação moral e conhecimentos práticos adequados às atividades domésticas.

Os textos até aqui apresentados oferecem pistas para se pensar a educação para além dos muros da escola. Ela faz sentido, como se pode ver no texto de Paiva quando conforma um tipo de sociedade desejada, por isso, ela se processa em todos os espaços da cultura. Ela se dá pela educação do olhar feita pelas artes plásticas, pela educação do ouvido por meio da música ou grava-se na memória ao longo da trajetória de vida.

Em Um pintor na Ordem de São Gregório, Godiva Accioly situa o leitor na história e na arte do pintor Carlos Oswald, quando convida a conhecer as incursões desse artista no mundo das artes sacras, fruto de uma formação erudita, conquistada pela circulação em espaços cosmopolitas.

Filho de pai brasileiro, nascido em Florença, Carlos Oswald passou sua infância na cidade natal, conhecido polo cultural para onde convergiam artistas de todas as artes. Nesse contexto favorável, os pintores que cita como grandes influências de sua arte são Pedro Américo, Rodolfo Amoedo, os irmãos Bernadelli, Antonio Parreiras e José Mariano. A autora ressalta que, na fase de formação, o jovem artista foi marcado pela fé cristã. Em suas idas e vindas ao Brasil, se mostrou determinado a continuar no mundo das artes, reafirmando seus laços com o catolicismo. Além de acompanhar regularmente os rituais da fé ao longo de sua trajetória, Carlos Oswald fez parte de várias associações e grupos católicos e ingressou na Ordem Terceira dos Franciscanos em Petrópolis; foi nomeado, ainda, ‘Comendador da Ordem de São Gregório Magno’ pelo Papa Pio XII. Foi escritor e literato, escreveu em várias revistas e jornais. Presidiu a Sociedade Brasileira de Arte Cristã, criada no momento em que as elites católicas buscavam assegurar seu espaço na cultura brasileira, cuja afirmação girava em torno da Semana de Arte de 1922.

Graças aos registros encontrados em cadernos do pintor, onde aparecem suas leituras e aspirações artísticas, religiosas e filosóficas, e aos depoimentos de seus familiares e pessoas de seu convívio, a autora identificou facetas instigantes de suas atividades artísticas, dando significado à sua produção na arte sacra. Examina as relações desse artista com a hierarquia da Igreja Católica e as nuances presentes na conversão da arte em expressão religiosa. Conhecer as dimensões educacionais e políticas da trajetória do pintor Carlos Oswald significa, para a autora, adentrar os conflitos e as inquietações de foro religioso, explicitados em sua disposição apostólica e no conhecimento teológico, que o tornavam um homem de fé.

Nesse sentido, a autora optou por um tom ‘narrativo’, devido ao teor das fontes que principiam e embasam o desenvolvimento dessa reflexão, sendo elas a autobiografia do artista e uma biografia relativa a ele, de autoria de sua filha. Intentou, por meio dessa escolha, a transposição da essência dessas narrativas ao próprio artigo, buscando imprimir a tais fontes a categoria documental necessária à análise histórica, como potenciais fontes de memória.

O vínculo entre a história de vida do artista, assim como do alcance de seu trabalho artístico, e a reflexão acerca da constituição de uma orientação católica sobre as relações entre a arte sacra, cultura e educação brasileiras vem estabelecido na seleção crítica de pontos considerados centrais em meio a tais fontes. Assim, são aspectos da formação e direcionamentos da obra do artista, resultando, dessa maneira, em um determinado tratamento das ‘memórias’ como fontes.

As contradições de um indivíduo que pautou sua vida pela ortodoxia católica, comprometendo-se com o grupo cristão ortodoxo do fim do século XIX e começo do século XX permeiam o artigo. Em 1915, ao pintar os murais da ‘Sala dos Párocos’ do Palácio São Joaquim no Rio de Janeiro – marco de acervo considerável na Arte Sacra no Brasil e no exterior, o pintor inicia seu engajamento na arte cívico-religiosa. Considerava aproximar o católico da fé cristã. Nesse sentido, ressaltava os fins pedagógicos da obra de arte, atento para os atos do Concílio de Trento. Esses elos, que não estão explícitos nos registros, mas são demonstrados com competência pela autora, colocam em discussão a função pedagógica da arte sacra.

No texto Circulação Internacional, Politização e Redefinições do Papel Religioso, Wheriston Silva Neris e Ernesto Seidl analisam as transformações da natureza e das modalidades da ação pública dos Missionários Combonianos do Coração de Jesus – Instituto religioso de origem italiana, que imigrou para o interior do Estado do Maranhão, em 1952. Os autores buscam abordar os efeitos da constituição de uma rede internacional de religiosos missionários para a construção da sociedade moderna. No processo de expansão dessa rede, destacam a delicada adequação da política e dos métodos do empreendimento missionário às condições de acolhimento encontradas no Brasil, bem como os impactos causados na vida política das cidades.

Os autores iniciam problematizando o conceito de missão, empregado no século XVI com o sentido de envio de religiosos para a conversão de povos não cristãos, e culminam, no século XX, apresentando, pelo menos, três sentidos do conceito: o medieval, que nos remete às cruzadas de evangelização ou da conquista; o da missão moderna, que representa a função da Igreja em ‘instruir, cuidar e construir’; e, por último, a concepção de que a Igreja deve difundir a fé em nome da salvação, deslocando o foco do sentido de evangelização ou conversão.

Para os autores, o missionário que atua no Brasil é um mediador e sua experiência constitui-se em expressão da memória, da identidade e das relações de forças locais. O artigo revela que os Combonianos do Coração de Jesus operam um modelo de missão que atua nas fronteiras da evangelização e se organiza em distintos espaços. Passaram por várias transformações desde o século XIX e sua ação correspondia à estratégia de expansão da Igreja, que estendia suas instituições pelos países da África, da Europa e do Continente Americano. O braço feminino dessa congregação também se expandiu na África, na América Latina e no Oriente Médio entre os anos 1930 e 1960.

Nessa perspectiva, os combonianos começaram a se espalhar pelas cidades brasileiras em 1939, sendo São Paulo, Espírito Santo e Maranhão regiões pilares do engajamento missionário. Dados sobre sua atuação demonstram que era incipiente a presença da Igreja Católica na região do Maranhão, restringindo-se, praticamente, à atuação dos Capuchinhos. Além disso, era recorrente o emprego da desobriga, que mobilizava padres a levar a liturgia aos lugares mais afastados onde a instituição ainda não estava organizada. Os contrastes sociais e as péssimas condições de infraestrutura das cidades localizadas no sertão causaram estranhamento aos missionários, principalmente, os contornos peculiares do desenvolvimento no Maranhão, cujo elemento central eram as disputas políticas em torno da propriedade da terra. A distância que percebiam entre as referências europeias e essas condições singulares proporcionou uma experiência religiosa distante dos dogmas do catolicismo romanizado e repleta de referências à religiosidade popular.

As iniciativas dos Combonianos no Nordeste, no que tange à educação e assistência social, na década de 1960, indicam expansão institucional com aquisição de terrenos, investimentos em escolas e projetos educacionais. Estava no horizonte dessa expansão o enfrentamento do analfabetismo, da ausência de cuidados médicos e da insuficiência de instrumentos agrícolas nas mãos dos sertanejos. Condições que atribuem sentido mais amplo ao processo de educação exercido por professoras catequistas que viajavam para as vilas mais populosas, a fim de instruir as mentes e orientar a alma dos homens da roça, ocupando o lugar do Estado na oferta de serviços básicos aos brasileiros.

Finalizando, este dossiê foi organizado para os leitores que buscam a discussão relativa às várias frentes de atuação de religiosos e leigos católicos na sociedade moderna e contemporânea. Pretende ser útil aos pesquisadores que investigam as políticas e práticas da Igreja, sua capacidade de se reinventar a cada novo obstáculo. Situa-se, porém, longe da pretensão de abranger todas as relações, dimensões, contextos que a política católica e as práticas religiosas representam na busca de construção de uma cultura cristianizada. Os artigos aqui apresentados trazem pistas, detalhes, indagações que provocam o leitor a estender seu olhar para além das ações institucionalizadas, revelando brechas documentais, metodológicas e conceituais que poderão ser aproveitadas em futuras pesquisas.

Ana Regina Pinheiro – Unicamp

Agueda Bernardete Bittencourt – Unicamp


PINHEIRO, Ana Regina; BITTENCOURT, Agueda Bernardete. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 15, n. 2, maio / ago., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Educação e História / Varia História / 2014

A educação, sobretudo escolar, assumiu ao longo do século XIX uma posição cada vez mais importante no mundo ocidental. Como processo central na configuração do mundo contemporâneo, a formação dos Estados nacionais repousou sua soberania sobre o conjunto dos cidadãos. Para que isso se tornasse efetivo, era necessário formar um novo indivíduo que se dispusesse a sacrificar-se por sua comunidade política imaginada. Imaginar a camaradagem horizontal, de que fala Benedict Anderson,[1] em que homens e mulheres se solidarizam entre si sem nunca terem se conhecido só foi se tornando possível à medida que diversas instituições foram se voltando para essa tarefa. A adoção de uma língua comum, o reconhecimento de um espaço geográfico nacional, a construção de um passado nacional foram, dentre outras, tarefas a que se dedicaram os construtores desse artefato cultural denominado Estado nacional. É por isso que a educação ocupa um papel cada vez maior nesse processo.

Por outro lado, a educação foi se tornando uma ferramenta importante de transformação social. O estudo clássico de T. H. Marshall sobre a evolução da cidadania na Europa ocidental já aponta isso.[2] Seu esquema de análise procura mostrar a articulação de três momentos sucessivos nesse processo. Primeiramente, há a conquista dos direitos civis, ligados à afirmação da liberdade individual e da propriedade privada. Em seguida, e como decorrência, há a progressiva expansão dos direitos políticos, sobretudo o voto, mas também o direito de associação. Com o aumento da participação política, houve o avanço dos direitos sociais, que abriu caminho para o surgimento do chamado welfare state ao longo do século XX. Nesse esquema, Marshall reconhece que houve um direito social que antecedeu todos os outros e que foi condição para que as classes trabalhadoras pudessem se organizar e ampliar suas reivindicações: a educação. Motivada pelas guerras, que agora eram travadas entre Estados nacionais, a defesa dessa nova forma de soberania requereu que se cuidasse da formação dos cidadãos, o que favoreceu a universalização do ensino laico e público. Consequência imprevista dos rumos tomados pelo processo de formação dos Estados nacionais, a educação veio a moldar as faces do mundo ocidental no século XX.

Os economistas também têm se preocupado com o problema da educação, nesse caso aplicado ao desenvolvimento econômico. Tratada como capital humano, a formação educacional de uma população teria implicações cada vez maiores sobre a capacidade de uma economia nacional fazer frente aos desafios do mundo contemporâneo. Por outro lado, estudiosos vêm se debruçando mais recentemente sobre o impacto da formação de capital humano na trajetória histórica das nações. Estudando de forma comparada a difusão do letramento e do numeramento em diversos espaços nacionais, a literatura econômica mais recente tem procurado correlacionar tal difusão com a maior capacidade de resposta aos desafios econômicos que se antepuseram ao longo da história desses Estados nacionais, sobretudo o problema da superação da desigualdade econômica.[3]

É diante desses papéis desempenhados pela educação na história que foi organizado o dossiê desse número de Varia Historia. O objetivo é destacar artigos que mostram a importância assumida pela educação em um momento chave no processo de formação do Estado nacional brasileiro: o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX.

O primeiro artigo, de autoria de Juliana Goretti Aparecida Braga Viega e Ana Maria de Oliveira Galvão e intitulado “Interfaces entre o processo de legitimação do grupo escolar como instituição de saber e a ressignificação do lugar simbólico de Ouro Preto como cidade monumento”, trata da criação do Grupo Escolar Pedro II como a construção de uma imagem de lugar de memória preservada para Ouro Preto. No contexto das reformas escolares do início da Primeira República, em Minas Gerais avançou-se na construção dos grupos escolares com o propósito de substituírem as antigas aulas isoladas. Para as autoras, a forma como se deu a instalação do Grupo Escolar Pedro II, e a própria escolha do seu nome, mostram que o contexto do qual o grupo escolar fazia parte parece ter desempenhado papel fundamental em seu processo de legitimação como instituição de saber. Portanto, a história dos locais onde os grupos foram implantados parece ter influenciado na produção de sua legitimidade e nos rumos que essas novas instituições escolares assumiram.

No texto “Colecionar e educar: o Museu Julio de Castilhos e seus públicos (1903-1925)”, Zita Rosane Possamai apresenta a trajetória dessa instituição museológica desde sua criação até o momento em que ela deixa de ser um museu de ciências naturais e se transforma em uma instituição historiográfica. Nessas primeiras décadas de sua existência, a despeito dos desafios sempre enfrentados pelos seus dirigentes, a instituição teve como foco a pesquisa e, ao seu lado, o ensino em articulação com instituições escolares gaúchas. Nesse sentido, ganha importância a aproximação dos procedimentos de exposição museológica com o chamado método intuitivo ou Lição de coisas. Introduzido ainda no Império e retomado na República, o novo método contrapunha-se aos métodos tradicionais de ensino (baseados na memorização e na repetição), estimulando um papel ativo do aluno no processo de aprendizagem. Ao partir do concreto para chegar ao abstrato, das coisas para chegar às ideias, procurava estimular a observação e a experiência no cômputo de uma educação científica. Para a autora, é possível observar nas práticas e ideias expressas por Francisco Rodolpho Simch, diretor do museu no período em estudo, “uma afinidade com os pressupostos do método intuitivo ao privilegiar a coleta, estudo, classificação e exposição de coleções vinculadas especialmente às ciências naturais, concebendo seus produtos como aqueles que permitiriam uma utilidade prática pela sociedade em favor do desenvolvimento econômico do estado do Rio Grande do Sul”.

O terceiro artigo do dossiê (“Cultura cívico-escolar católica e desfiles patrióticos no Brasil do início do século XX”, de Marcus Levy Bencostta) trata de analisar as estratégias utilizadas pela hierarquia da Igreja Católica que incentivaram em seus documentos episcopais as manifestações culturais de caráter cívico nas instituições educacionais sob sua tutela. Mais especificamente, aborda a atuação de Dom Nery, bispo da diocese de Campinas em São Paulo (1908-1920), que se integra às estratégias desenvolvidas pela Igreja Católica nas décadas iniciais do século XX para se reaproximar do Estado brasileiro, em resposta à laicização e ao anticlericalismo que marcaram a instalação do regime republicano. As escolas vinculadas à diocese voltaram-se, assim, para a participação nos desfiles cívicos. Nessa aproximação, não se furtaram à introdução da formação militar para seus alunos, em estreita colaboração com o Exército brasileiro.

Esses três textos mostram os rumos assumidos pela educação nesse momento específico da nação brasileira. Chama a atenção as inúmeras idas e vindas no estabelecimento de processos de formação educacional, apontando para os diferentes processos e contextos de legitimação dos processos educacionais que iluminam as dificuldades de universalização do ensino no Brasil.

Notas

1.ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
2. MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
3. Exemplo dessa abordagem é: BATEN, Joerg; JUIF, Dácil; MUMME, Christina. Aberto e desigual: a globalização aumentou o intervalo educacional entre ricos e pobres? In:BOTELHO, Tarcísio R.; VAN LEEUWEN, Marco H. D. (orgs.). Desigualdade social na América do Sul: perspectivas históricas. Belo Horizonte: Veredas e Cenários, 2010, p.139-162.

Tarcísio R. Botelho – Departamento de História Universidade Federal de Minas Gerais.


BOTELHO, Tarcísio R. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.30, n.53, mai. / ago., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Cultura escrita, educação e instrução no antigo regime português / História – Questões & Debates / 2014

Este número da Revista História: Questões & Debates traz o Dossiê “Cultura escrita, educação e instrução no Antigo Regime português”, organizado por integrantes do Grupo de Pesquisa Cultura e Educação na América Portuguesa, que reúne pesquisadores de vários estados brasileiros e de Portugal. O Grupo vem atuando desde 2010, com o propósito de verticalizar discussões sobre a cultura escrita entre o século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, em diferentes vertentes que integram os interesses de pesquisa da equipe. Essas vertentes vêm se dedicando ao estudo (i) dos projetos educacionais no Império português, particularmente na América, (ii) das relações entre instrução e educação na formação dos quadros administrativos, nas atividades econômicas e na formação profissional, (iii) das relações entre Iluminismo e cultura escrita, e entre esta e práticas culturais e educativas como mediadoras de sociabilidades, e (iv) das instituições e de seus componentes num mundo supostamente Ilustrado. São temáticas fundamentais para documentar e discutir a passagem do domínio político ao império da língua, assim como para perceber a presença e a importância do elemento letrado, sua demografia, geografia, formação, formas e mecanismos de sociabilidade. Em vista deste programa de pesquisa, o Grupo entende que, para a compreensão dos fenômenos relacionados a este processo, é necessária uma visão que combine, ao mesmo tempo, a atenção às especificidades de cada uma das partes com o entendimento das dinâmicas mais gerais que estiveram em ação no momento em que o Estado português procurava soluções para os seus dilemas políticos, econômicos e culturais, e que as estruturas do Antigo Regime iam dando lugar a novas formas de organização e exercício do poder.

Estas preocupações também surgem por se considerar que a segunda metade do século XVIII foi uma época de profundas mudanças no reino de Portugal e em seus territórios ultramarinos. A área educacional foi particularmente atingida, verificando-se um desejo de transformação na mentalidade dos portugueses, principalmente dos jovens. A reforma dos Estudos Menores (1759 e 1772), a criação da Aula de Comércio (1759) e do Real Colégio dos Nobres (1761), além da reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), são as faces visíveis desse processo que, em certos aspectos, precedeu a diversos outros estados europeus, como a Prússia, Áustria e França, e mostrou uma sintonia entre reformas e o “espírito” daquele século.

Paralelamente às tentativas de impulsionar a educação, a vigilância sobre o que era publicado e lido ganhou novos contornos, com a criação da Real Mesa Censória, em 1768. Neste âmbito, o Tribunal da Inquisição também foi objeto da ação reformista empreendida no reinado de D. José I. Na área da cultura escrita, a própria atividade editorial foi, em muitos momentos, patrocinada pela própria Coroa, interessada em tornar seus jovens “bons cidadãos”, em consonância às ideias então propaladas em obras de intelectuais portugueses influenciados pela Ilustração. Diversos textos foram também publicados pela Imprensa Régia e, mais tarde, pela Imprensa da Universidade de Coimbra. Não menos importante, deve-se considerar que o comércio de livros produzidos fora de Portugal manteve-se muito ativo, como demonstram os inventários de diversas bibliotecas. Ainda nesta perspectiva, a relativa ampliação do ensino das primeiras letras e das gramáticas latina e portuguesa trazia outras populações para o mundo da escrita, com impactos culturais e sociais importantes, sobretudo na América. Estas atividades tiveram continuidade nos reinados de D. Maria e de D. João VI, matizando os efeitos da propalada “Viradeira”.

Assim, os textos apresentados neste Dossiê procuram discutir a importância da cultura escrita e suas relações com a educação e a instrução no Antigo Regime português. Os textos percorrem diferentes temas e investem em abordagens que recorrem a fontes e orientações teórico-metodológicas ainda pouco exploradas pela historiografia, verticalizando discussões sobre o contexto reformista que marcou o mundo luso-americano a partir da segunda metade do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX. Esse movimento renovador também é tributário da interlocução mais frequente entre historiadores e pesquisadores de áreas limítrofes, como Estudos Literários, Sociologia e Educação. É nesta perspectiva que se vislumbra a contribuição destes estudos e sua articulação com um programa de pesquisa mais ampliado.

O primeiro texto, de autoria de Thais Nívia de Lima e Fonseca, a par de apresentar uma concisa discussão acerca dos caminhos da historiografia da educação voltada ao período colonial brasileiro, mostra os resultados do investimento em um novo veio documental, a correspondência trocada entre professores régios, governadores de capitania, bispos, funcionários da Junta da Diretoria Geral de Estudos e o Conselho Ultramarino, a partir da qual são discutidas as relações estabelecidas entre os professores régios e os responsáveis pelo controle administrativo do ensino régio na América portuguesa. A autora destaca, assim, os interesses e conflitos dos sujeitos envolvidos com a educação no contexto colonial, abordando também aspectos do funcionamento cotidiano das escolas régias instituídas, a partir de 1759, com as reformas pombalinas da educação.

A seguir, Antonio Cesar de Almeida Santos revisita o conjunto dos diplomas legais que instituíram as reformas pombalinas da educação, apontando para o tipo de estudante e, consequentemente, para o “profissional” desejado pelos propositores das tais reformas, considerando que elas estiveram orientadas pelo interesse em desenvolver uma mentalidade que se coadunasse à nova realidade que se queria construir. Assim, seu interesse maior é o de perceber os nexos entre as novas ideias que permeavam o ambiente intelectual europeu e os conhecimentos e as metodologias de ensino que foram propostos para a instrução dos jovens portugueses.

Por sua vez, Justino Pereira de Magalhães aborda a administração municipal pela ótica de sua ordenação por intermédio do uso da escrita administrativa, apontando para uma crescente formalização, profissionalização e especialização desse domínio. Enfocando a figura do escrivão, sujeito responsável pelo registro escrito dos atos municipais, mostra como ocorreram a adequação e a legitimação de uma escrita municipal, particularmente a colonial, ao longo do século XVIII, frente às instâncias decisórias do centro. Conforme o entendimento do autor, a escrita municipal é instituidora do próprio município, desvelando-se como texto, e é como tal que precisa ser interpretada.

Em um registro de longa duração, Ana Rita Bernardo Leitão aborda a instrução dos indígenas da América Portuguesa, especialmente no que concerne à introdução do idioma português entre estes sujeitos. Aqui, a atividade educacional, especialmente aquela promovida pela Companhia de Jesus, mistura-se à missionária, vislumbrando-se estratégias de incorporação das populações autóctones à fé católica e à cultura portuguesa. Apesar da relativa eficácia da ação de civilização das populações ameríndias, no que se refere especialmente ao domínio da língua portuguesa, não ficam ausentes os obstáculos enfrentados, em destaque aqueles que serão objeto de atenção do gabinete pombalino.

Ana Cristina Pereira Lage trabalha com dois conceitos essenciais para os estudos que o Grupo de Pesquisa Cultura e Educação na América Portuguesa vem desenvolvendo: letramento e cultura escrita. Em seu artigo, a autora busca compreender, a partir destes conceitos, a produção e a utilização de livros devocionais pelas mulheres que seguiam a Regra de Santa Clara na América Portuguesa. Assim, a partir de uma análise que conjuga a interpretação da Regra, das práticas de leitura, da escrita e dos livros que orientam para o caminho da perfeição religiosa, aponta para o caminho que essas mulheres pretendiam seguir: a busca de uma vida exemplar. A partir da documentação, torna-se possível identificar o estilo literário predominante nos conventos que seguiam a Regra de Santa Clara, estabelecendo padrões para o letramento religioso conventual e que circulava entre Portugal e a América portuguesa, em meados do século XVIII.

Sílvia Maria Amâncio Rachi Vartuli discute os usos sociais que mulheres de Minas Gerais fizeram da escrita, no período de 1780 a 1822, considerando que as relações com a escrita ultrapassam em muito a capacidade de redigir de “próprio punho”. Aborda, assim, os fenômenos da alfabetização e do letramento nas sociedades do período colonial brasileiro, realizando também uma breve discussão acerca da cultura escrita, privilegiando a observação das elaborações discursivas empregadas por aquelas mulheres no momento de redação de seus testamentos. Trata-se, enfim, de um trabalho que destaca a autoria de textos, mesmo que redigidos por mãos alheias, mas que mostram a utilização da escrita no referido contexto.

Completando esta incursão sobre a cultura escrita e suas relações com a educação e a instrução no mundo luso-brasileiro das décadas finais do século XVIII e das décadas iniciais do século XIX, Lucia Maria Bastos Pereira das Neves enfoca os esforços da Coroa portuguesa em criar, no Rio de Janeiro, uma sociedade mais conforme aos hábitos de uma Europa culta e ilustrada. Assim, discutem-se certas ações do governo joanino que permitiram a criação de escolas e a edição de livros por intermédio da Impressão Régia, buscando difundir uma cultura escrita e propiciando a instrução dos jovens que acompanharam suas famílias na transferência da corte. A circulação de novas ideias permitiu, como aponta Lucia Bastos, o surgimento de novas formas de sociabilidade e de um espaço público que, mais tarde, sediou o questionamento de alguns valores tradicionais, como o governo absoluto e a expressão retórica.

Completando este sexagésimo número da Revista, temos os artigos de Moisés Antiqueira, que empreende um estudo sobre a leitura que Tito Lívio fez do julgamento de Cesão Quíncio, na Roma republicana; de Patrícia Falco Genovez e Flávia Rodrigues Pereira, que abordam políticas de saúde voltadas ao combate da hanseníase e as memórias que a doença provoca em uma comunidade da região leste de Minas Gerais, na década de 1980; e de Coral Cuadrada, que trata da transmissão de saberes medicinais entre mulheres na Catalunha, em um estudo de longa duração (sécs. XV a XX). Também é apresentado artigo de Ray Laurence, sobre a exploração turística das ruínas de Pompeia, em tradução de Pérola de Paula Sanfelice e Daphne de Paula Manzutti.

Desejamos uma boa leitura!

Thais Nívia de Lima e Fonseca

Antonio Cesar de Almeida Santos


FONSECA, Thais Nívia de Lima e; SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.60, n.1, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Culturas Digitais e Educação | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2014

 


Referências desta apresentação

Apresentação. Revista EDaPECI – Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais. São Cristóvão, v.14, n.2, 2014. Sem acesso ao original

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História e Educação / Ágora / 2013

Percebe-se nos últimos anos um importante crescimento do campo da História da Educação, Entretanto, isto tem ocorrido quase sempre capitaneado pelos pesquisadores de Programa de Pós-Graduação em Educação. No Espírito Santo, embora ainda de forma tímida, se visualiza ações voltadas para o estudo da História da Educação executadas a partir do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo. Algumas delas é verdade, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade.

Assim, em 2004, numa parceria entre os professores Sebastião Pimentel Franco, do Programa de Pós-Graduação em História e a professora Regina Helena Silva Simões, do Programa de Pós-Graduação em Educação, ambos da Universidade Federal do Espírito Santo, foi publicado a obra História da educação no Espírito Santo: catálogo de fontes, cujo objetivo era contribuir para a ampliação e o fortalecimento necessários à consolidação de pesquisas historiográficas sobre a educação no Espírito Santo.

Em 2006, novamente o Programa de Pós-Graduação em História da UFES, se associa ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, para realizarem um evento interdisciplinar, intitulado I Seminário Interdisciplinar em História e Educação.

Nesse mesmo ano, esses dois Programas de Pós-Graduação reúnem textos de pesquisadores em História da Educação, na publicação Ensino de História, seus sujeitos e suas práticas, na “tentativa de dialogar a educação e a história, quer seja pela vertente da formação e da prática docentes, quer seja no campo das pesquisas históricas e da educação”, publicação essa que em 2009 foi reeditada.

Ainda em 2006, o Programa de Pós-Graduação em História da UFES, publicou a obra História e educação: em busca da interdisciplinaridade, volume 7 da Coleção Rumos da História. Nessa publicação, objetivou-se estabelecer “um núcleo interdisciplinar composto por historiadores, estudiosos da educação, esperando esse diálogo! Pudesse produzir frutos significativos, fomentando o debate e a crítica, contribuindo ainda mais para o avanço de tais estudos.

Em 2007, como fruto do I Seminário Interdisciplinar em História e Educação, surgiu a publicação História e Educação: territórios em convergência, reunindo textos de professores e pesquisadores da História e da Educação de instituições de ensino do Espírito Santo e de outros estados brasileiros.

Mais uma vez, os Programas de Pós-Graduação da UFES, em História e em Educação se associaram e produziram a publicação História da Educação no Espírito Santo: vestígios de uma construção. Na apresentação da obra, a professora Regina Helena Silva Simões diz que essa publicação foi “concebida em dupla perspectiva, ambas relevantes no tratamento do conhecimento produzido: o trabalho de mapeamento da trajetória da pesquisa sobre a História da Educação no Espírito Santo, cm preocupações de historicizar um processo que não foi homogêneo […] repletos de silêncios e com muitos vestígios ainda negligenciados e que passaram despercebidos em uma construção histórica mais linear e formalizada”.

Novamente os Programas de Pós-Graduação da UFES, em História e em Educação, se unem, para apresentar uma nova publicação intitulada A Educação no Espírito Santo: entre o século XIX e XX, a partir de textos reunidos de professores e alunos dos dois Programas de Pós-Graduação.

Os artigos estão organizados a partir de três perspectivas: a instrução no período imperial, a educação na fase republicana e por fim, optou-se pelo o uso de possibilidades metodológicas para o ensino da história.

Edvaldo Jorge Mendes, em seu texto, A educação como chave do progresso e os desafios para a consolidação na Província do Espírito Santo (1834-1873), objetiva refletir o ensino público no Espírito Santo do século XIX, no contexto histórico da cosmovisão dos Estados Nacionais da Europa e da formação do Brasil independente em uma época caracterizada, principalmente, pela confiança na educação como chave do progresso das nações, e sob o auspício desse referencial, as iniciativas dos presidentes da província do Espírito Santo para levar o país ao nível de civilização imaginado via escolarização do povo, esbarravam em obstáculos de difícil remoção em face de implicação de outros fatores condicionantes de natureza econômica, política, social e cultural da província e do país.

Em A religião católica na história da educação capixaba do século XIX: uma análise do regimento das escolas de primeiras letras de 1871, Cleonara Maria Schwartz e Dirce Nazaré Andrade Ferreira, evidenciam a presença da religiosidade católica na educação elementar pública do século XIX. Como fonte de análise foram utilizados a Constituição de 1824, a Lei Januário da Cunha Barbosa e o Regimento Interno de 1871, da Província do Espírito Santo.

Karen Calegari Santos Campos, no texto Só os que nenhuma habilitação tenham que as vezes para nada servem, se quererão a isto prestar: representações oficiais sobre professores capixabas no século XIX, discute as representações sobre a docência na Província do Espírito Santo, entre as décadas de 1850 e 1860, produzidas e postas a circular por meio do discurso dos presidentes de Província.

Em seu texto O Colégio Pedro II não era aqui: o olhar imperial e outras falas sobre a escolarização e a docência no Espírito Santo nas décadas de 1850 e 1860, as autoras Regina Helena Silva Simões, Rosianny Campos Berto e Tatiana Borel, investigam o exercício da docência na Província do Espírito Santo, nas décadas de 1850 e 1860, buscando compreender o processo de escolarização e da docência durante a vigência dos regulamentos da instrução pública, datados de 1848 e 1862.

A educação na Primeira República e o texto apresentado por Elezeare Lima de Assis e Sebastião Pimentel Franco, intitulado Considerações sobre o Grupo Escolar Gomes Cardim no contexto da educação primária no Espírito Santo na Primeira República, onde tecem considerações sobre o Grupo Escolar Gomes Cardim inaugurado na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo em 1908 e sua inserção no projeto reformista educacional exercitado no Espírito Santo da Primeira República.

Cleonara Maria Schwartz e Eliete Aparecida Locatelli Vago, em seu artigo O ensino primário na década de 1960: considerações acerca do Brasil, do Espírito Santo e de Santa Teresa, tece considerações acerca de mudanças sócio-políticas e econômicas ocorridas na década de 1960, a fim de compreender tensões que perpassaram o ensino primário em âmbito nacional, estadual e municipal. Para isso, dialogam com autores que discorreram sobre essa temática e fazendo uso de legislações, relatórios e mensagens do governo do estado do Espírito Santo da década de 1960, atas de reuniões pedagógicas das escolas primárias teresenses e atas de reuniões da Câmara Municipal de Santa Teresa (ES).

Gustavo Henrique Araújo Forde e Luiz Antonio Gomes Pinto, no texto Uso da microhistória na historiografia dos movimentos sociais na/da educação brasileira, afirmam que “As pesquisas sobre história da educação são, em muitos casos, caracterizadas pela existência de narrativas que ocultam – macro-narrativas – ou desvelam – micro-narrativas – os movimentos sociais. Ao longo das últimas décadas, observamos o crescimento de estudos que procuram ampliar os espaços de participação desses movimentos. As teorias, que vão do marxismo ao pós-estruturalismo tentam, cada um a seu modo, elaborar narrativas enfocando aspectos afeitos a esses esquemas explicativos. Assim, os movimentos negro e indígena, também veem a possibilidade de elaborar narrativas históricas através da construção de signos que produzem identidades”.

Miriã Lúcia Luiz, em História ensinada para crianças: análises a partir de proposições de Marc Bloch, busca realizar a partir do proposto por Bloch, uma análise das práticas de professores no ensino de história nas séries iniciais.

Cleonara Maria Schwartz

Regina Helena Silva Simões

Sebastião Pimentel Franco

Os organizadores

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Educação, Formação de Professores e TIC | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2013

 


Referências desta apresentação

Apresentação. Revista EDaPECI – Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais. São Cristóvão, v.13, n.3, 2013. Sem acesso ao original [DR]

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Bibliotecas, leitura e educação / Revista do Arquivo Público Mineiro/2012

Cinco artigos compõem o dossiê Bibliotecas, leitura e educação. São eles: “Escrever, ler e rezar”, de Leila Mezan Algranti; “Humanamente indispensável”, de Christianni Cardoso Morais; “O ouro das estantes”, de Laura de Mello e Souza; “Do impresso à pintura”, de Camila Fernanda Guimarães Santiago; e “Leituras libertinas”, de minha autoria.

Em comum a esses artigos, há primeiramente a referência central ao espaço de Minas Gerais e aos marcos cronológicos que se estendem do século XVIII a parte do século XIX, sendo exceções os artigos de Leila Mezan Algranti, que se concentra no Setecentos, e de Christianni Cardoso Morais, que se volta para o conjunto da América portuguesa, focalizando Minas Gerais em seu interior. Há em comum, ainda, o objeto sobre o qual se debruçam, objeto ao mesmo tempo único e múltiplo: a cultura luso-brasileira, ora focalizada sob o prisma da educação no lato sensu, ora tomada no sentido estrito (isto é, como processo desenvolvido no interior de instituições educativas). Versam, contudo, de qualquer forma, de modo direto ou indireto, sobre os livros e as relações com eles estabelecidas por seus proprietários, individuais ou institucionais (caso do Recolhimento das Macaúbas), e leitores, ou ainda pelos órgãos que procuravam controlar sua circulação (a Inquisição, o supracitado Recolhimento ou a monarquia portuguesa, por exemplo). Entre os leitores e/ou proprietários de livros, figuram tanto personagens mais ou menos célebres – como o contratador Manuel Teixeira Queiroga, os irmãos Vieira Couto, o pintor Manoel da Costa Ataíde e o professor régio e poeta mineiro Manuel Inácio Silva Alvarenga – quanto figuras anônimas ou relegadas ao esquecimento, como Joaquina Teodora, a mulher do pintor Francisco Xavier Carneiro, ou Maria Magdalena Salvada, amante de José Joaquim Vieira Couto. Leia Mais

História da Unimontes – Educação / Caminhos da História / 2012

Apresentamos a Revista Caminhos da História, periódico editado desde 1998, sob a responsabilidade de pesquisadores do Curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e convidados.

A Unimontes comemora, no ano de 2012, cinquenta anos de existência. Atualmente, desenvolve significativas atividades, entre pesquisa, ensino, extensão e gestão, para o desenvolvimento do norte de Minas Gerais e para todo o Estado mineiro.

Na oportunidade, organizamos os Dossiês intitulados: “História da Unimontes” e “Educação” com trabalhos que refletem sobre a Instituição e o papel da educação nas relações sociais e no desenvolvimento regional. Embora a maioria dos textos trate da Unimontes e / ou da cidade que a abriga, também integram este Dossiê três artigos que abordam outros espaços geográficos, o que certamente contribuíra para o alargamento de nossas reflexões sobre o papel da educação na História do Brasil.

Os artigos livres, em consonância com a política de publicação do periódico, trazem contribuições de pesquisadores de diversas regiões do país. Aquilo que os caracteriza enquanto conjunto é, certamente, a multidisciplinaridade, tanto em relação à temática quanto aos métodos de investigação. Por fim, a resenha do livro “Uma Arqueologia Social. Autobiografia de um Moleque de Fábrica”, de autoria de José de Souza Martins, fecha esta edição que, por sua extensão, reúne os números 1 e 2 do volume 17 da Revista.

Agradecemos, em nome da Comissão Editorial, os colaboradores, autores, pareceristas e Corpo Técnico, que contribuíram conosco desde 1998. Aproveitamos para informar aos leitores que a partir da próxima edição, volume 18, editaremos a Revista somente na sua forma eletrônica. Desejamos a todos boa leitura,

Márcia Pereira da Silva

Regina Célia Lima Caleiro

CALEIRO, Regina Célia Lima; SILVA, Marcia Pereira da. Apresentação. Caminhos da História, Montes Claros, v. 17, n.1, n.2, 2012. Acessar publicação original [DR]

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História, educação e interdisciplinaridade / Revista Brasileira de História / 2010

O número 60 da RBH apresenta o dossiê “História, educação e interdisciplinaridade”, o qual traduz a expressiva dimensão que os debates sobre o ensino de História vêm assumindo nos meios acadêmicos brasileiros. Se por muito tempo os professores universitários de História foram resistentes a esse tipo de reflexão, o volume e a diversidade de artigos recebidos mostra uma positiva mudança em direção ao aprofundamento das questões relativas ao ensino da disciplina.

Os textos que compõem o dossiê procuram refletir sobre o saber escolar, entendido aqui como uma construção histórica, ou seja, como um produto de seu tempo, guardando muito do contexto em que foi elaborado. A perspectiva de que o ensino deve ser pensado em sua historicidade é um passo importante para entendermos a constituição da História como uma disciplina acadêmica e escolar, bem como as relações entre a carreira acadêmica e a formação docente no contexto brasileiro. A ideia básica do dossiê é contribuir para o debate sobre a formação dos docentes e apresentar subsídios para pensarmos sobre as funções e o alcance do ensino de História, tanto no passado como nos dias de hoje.

O dossiê é composto de sete artigos: Marcos Antônio da Silva e Selva Guimarães Fonseca analisam tradições de debate sobre ensino de História no Brasil desde a ditadura de 1964-1984. O artigo discute as mudanças, permanências, conquistas e perdas na história da disciplina. Destaca a importância da cultura escolar, a necessária continuidade da escola como instituição e o diálogo com formas não escolares de ensino. Aryana Lima Costa nos apresenta um artigo sobre a extensão na formação dos profissionais, pensando o papel que cabe (ou caberia) aos cursos de História na contemporaneidade através de atividades concebidas para extrapolar os muros das universidades. O texto de Maria Aparecida Bergamaschi e Juliana Schneider Medeiros analisa como a educação escolar indígena no Brasil foi imposta aos povos originários desde os primórdios da colonização, com o intuito de catequizá-los e civilizá-los, e de que maneira, coerentes com suas cosmologias, esses povos mantiveram um modo próprio de educação. O artigo de Maria Rita de Almeida Toledo e Daniel Revah apresenta um estudo sobre a revista Escola e a política educacional do regime militar a partir da difusão da reforma de ensino instituída pela Lei 5.692, de 1971. Outro texto que versa sobre a problemática do ensino durante a ditadura militar é de autoria de Elaine Lourenço e enfoca memórias da atuação docente no período. O artigo de Helenice Aparecida Bastos Rocha trata de um problema existente na escola brasileira que afeta diretamente o trabalho de ensino e aprendizagem de história: as condições de seus alunos no que se refere ao domínio da leitura e da escrita. Considerando o quadro apresentado, a autora sinaliza algumas alternativas para o ensino de história no Ensino Básico. Finalizando o dossiê, Ricardo de Aguiar Pacheco analisa as ações educativas em museu e suas relações com o ensino de história.

Os demais artigos deste número focalizam temáticas variadas. O texto de Raquel Discini de Campos analisa a atuação do médico carioca Floriano de Lemos na região Noroeste Paulista, na década de 1920 e procura situá-lo como personagem possuidor de uma trajetória emblemática a uma geração de intelectuais que intencionou mapear, analisar e organizar discursivamente o interior do país nas primeiras décadas do século XX. Francisca L. Nogueira de Azevedo e Roberta Teixeira Gonçalves estudam um documento do século XIX intitulado Novella pollítica e sentimental, e o ponto central do artigo é a análise da narrativa novelesca, no sentido de perceber os elementos discursivos utilizados como persuasão em defesa da Espanha. Ana Carolina Eiras Coelho Soares busca entender as relações entre os espaços urbanos do Rio de Janeiro oitocentista e as relações de gênero expressas na narrativa de José de Alencar em seus romances urbanos femininos: DivaLucíola e Senhora. O artigo de Andrea Dupuy focaliza como os primeiros núcleos populacionais da América Hispânica eram abastecidos de carne e o impacto do estanco, sistema de monopólio voltado para assegurar um eficiente fornecimento de alimentos às cidades. Para finalizar, Maria Helena Versiani apresenta alguns valores correlacionados à ideia de República presentes em um repertório de práticas políticas que tiveram lugar na sociedade brasileira, na segunda metade da década de 1980.

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.30, n.60, 2010. Acessar publicação original [DR]

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História e Educação / Outros Tempos / 2010

A revista Outros Tempos tem o prazer de disponibilizar, mais uma vez, o resultado de pesquisas desenvolvidas em todo o país. Na seção artigos livres desta edição, temas como: imigração, religião, política e economia são a tônica dos artigos de Marcelo Vieira Magalhães – Sair do Líbano chegar à capital maranhense: as esperanças dos “syrios” e as condições de vida dos viajantes; Monica Piccolo Almeida – A lenta construção do projeto privatista: a política econômica brasileira entre 1964-1974; Veronica de Jesus Gomes – Justiça e misericórdia na mesa do Santo Ofício de Lisboa: as penas dos padres sodomitas; Maria Izabel Barboza de Morais Oliveira – Bossuet: o rigor da realeza nos combates às rebeliões; Nielson Rosa Bezerra – Nos seios da escravidão: um olhar sobre alforrias negociadas por mulheres escravas. Freguesia de Santo Antônio da Jacutinga – Século XIX.

O dossiê sobre educação traz os artigos de Ernando Brito Gonçalves Junior – A educação pelo livro: uma análise do compêndio de pedagogia de Dario Vellozo (1907); Luciana Martins Castro – A contribuição de Nísia Floresta para a educação feminina: pioneirismo no Rio de Janeiro oitocentista; Elizabeth Sousa Abrantes – A educação da mulher na visão do médico e educador Afrânio Peixoto; Bárbara Barros de Olim – Imagens em livros didáticos de história das séries iniciais: uma análise comparativa e avaliadora; Franciane Gama Lacerda e Geraldo Magella de Menezes Neto – Ensino e pesquisa em história: a literatura de cordel na sala de aula; Thiago Rodrigues Nascimento – Memórias de professores de história: considerações sobre formação inicial e constituição do “saber docente”; Elizangela Barbosa Cardoso – Mães educadoras e profissionais: educação feminina em Teresina na primeira metade do século XX; Crislane Barbosa de Azevedo – Arquitetura e grupos escolares em Sergipe: uma relação entre espaço e educação na escola primária; Antonio José Barbosa de Oliveira – Uma universidade modelo para o Brasil: a educação superior e o projeto de construção da nacionalidade brasileira (1935-1945).

O documento deste número é a Lei complementar n° 20 de 1° de julho de 1974 e a criação de um estado: a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, apresentado por Thiago Rodrigues Nascimento.

Apresentamos duas resenhas: a de Marcelo Cheche Galves, da obra A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime português na província do GrãoPará (1821-1825). São Paulo: Hucitec / Fapesp, 2010. 321 p; obra de MACHADO, André Roberto. e Carlos Francisco da Silva Júnior, que resenhou Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 463 p. Obra publicada por REIS, João José.

Também publicamos a Síntese de Sandra Regina Rodrigues dos Santos, Gestão colegiada e projeto político pedagógico: colégio de aplicação da Universidade Federal do Maranhão (1989 -1996).

Agradecemos aos que participaram deste número, enviando artigos, resenhas, documentos, sínteses, emitindo pareceres, sugerindo temas, fazendo a revisão dos textos, enfim, a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a edição da revista. Desejamos a todos uma excelente leitura.

Elizabeth Sousa Abrantes

Carlos Alberto Ximendes


ABRANTES, Elizabeth Sousa; XIMENDES, Carlos Alberto. Editorial. Outros Tempos, Maranhão, v. 7, n. 10, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Educação, políticas públicas e mudanças sociais  / Especiaria / 2010

As mudanças sociais são elementos que afetam decisivamente a configuração política e econômica da contemporaneidade, em razão da frenética e conturbada transformação que a modernidade tem legado às relações sociais. Vários autores de diversificadas teorias sociológicas têm se debruçado sobre essa temática e recorrem a interpretações das mais variadas para entender “as consequências da modernidade”. Giddens, por exemplo, nos apresenta uma preocupação latente com a percepção dos indivíduos frente às mudanças que a modernidade incita, elencando categorias analíticas significativas, como estrutura da subjetividade e da objetividade. Esses elementos são importantes para pensar a conformidade dos agentes nos meios sociais, a centralidade do indivíduo em outros centros de atenção, como o mercado, o poder e o trabalho. Esse cenário nos parece convidativo para pensar as dinâmicas sociais e políticas dessas relações entre Estado e sociedade, focando a questão educacional no processo de mudanças sociais.

A Educação como elemento chave na estruturação dessas dinâmicas rebate o efeito das grandes mudanças e também alimenta necessidades prementes de transformações políticas nas suas configurações decisórias de construção de metas e políticas. Os artigos que compõem o dossiê se propõem a discutir tais questões nas suas mais diferentes dinâmicas pedagógicas: seja na prática, nos mecanismos de formação de professores ou nas implicações sociais que essas mudanças têm no quadro de conflitos, como a questão da violência.

Reconhece-se que a tônica que esse dossiê apresenta assume uma extensão de problemáticas, por si só estanques nas suas expressões, mas convergentes nas suas acepções comuns de reflexos de um quadro de configurações das mudanças sociais. Privilegiaram-se problemáticas que vêm assumindo reformulações desafiadoras dos profissionais da educação, intelectuais da área com relação aos temas da violência nas escolas, violência sexual, educação infantil, educação a distância, nesse caldeirão social da contemporaneidade educacional. Sabe-se que ficaram de fora outros tantos temas importantes e tão desafiadores quanto esses, mas que também têm ganhado outros espaços que garantem a cobertura do debate.

Oferecemos ao leitor uma mostra dessas discussões em três regiões do País: Nordeste, Sudeste e Centro Oeste, e na cidade de Rosário, na Argentina, com pesquisas e estudos que foram realizados em cidades dos grandes centros, e também retratam o contexto de cidades de médio porte nas suas regiões. São olhares e fazeres diferenciados a mostrar que a lógica da linearidade não dá conta de explicar e analisar o nosso cotidiano.

Com este número, procurou-se discutir o reflexo do processo de mudança social na educação, que imprime reformulações nas políticas públicas educacionais. Violência enquanto categoria que vem atravessando as categorias analíticas do estudo da arte da educação nas dimensões: planejamento e gestão; avaliação, formação de professores; financiamento; currículo. Esse quadro de violência experimentada nas escolas tem fomentando reformulações teóricas sobre essas dimensões que desafiam nossas formulações mais cristalizadas sobre o processo educativo. A questão do inquietante enfrentamento da violência nas escolas, em variadas regiões do País e na América Latina, como mostram alguns artigos aqui sistematizados, revelam que esse problema não é prerrogativa do Brasil. Adverte-nos para as novas configurações institucionais em jogo, apresentando um quadro complexo das responsabilidades na protagonização educativa.

O trabalho de Fernanda Campos Junqueira discute a violência na escola, bem como o processo de rotulação e estigmatização do corpo discente, tendo como base as percepções e proposições dos diversos atores da comunidade educacional, como professores, corpo técnico-pedagógico e funcionários. Sua análise utiliza as premissas do Interacionismo Simbólico, que evidencia a maneira pela qual os variados grupos significam e ressignificam os contextos, os indivíduos e as interações sociais.

O texto de Keila Canabrava Aleixo apresenta reflexões sobre a justiça restaurativa nas escolas que, partindo da perspectiva histórica, pretendem mostrar como o controle da infância foi estabelecido a partir da aliança entre a justiça e a assistência, e que, atualmente, “novas” alianças são estabelecidas, como a aliança entre a justiça e a educação com vistas a combater a violência escolar.

O artigo de Naylane Mendonça Pinto analisa a introdução da teoria do inimigo no direito penal, nas políticas penais brasileiras, destacando a substituição do direito penal que criminaliza a conduta ou o ato praticado, para um direito penal que criminaliza o autor. Traz para discussão algumas leis que foram promulgadas, nas últimas décadas, com a finalidade de aumentar a repressão penal sob o argumento do aumento da criminalidade violenta. O artigo atende a uma demanda crítica no campo educacional que, muitas vezes, em seus projetos de redução da violência, dirige-se a modelos classificatórios e estigmatizantes de seus alunos. Muitas vezes o tratamento se caracteriza, basicamente, por estruturas punitivas, corretivas, que enclausuram e são incriminatórias, como nos revela a discussão sobre a questão penal no Brasil.

A especificidade do quadro da violência sexual e as proporções alarmantes que vêm sendo registradas no cenário contemporâneo refletem também a necessidade de um debate mais profícuo em torno da sexualidade e da questão educacional, desmitificando a hipocrisia das discussões em torno desse tema. Os educadores mostram-se fragilizados, numa relação de atenção à violência no universo escolar, ainda mais quando esse quadro de violência é apenas o reflexo de uma vitimização de violência sexual sofrida por alunos. Seria um investimento, sobretudo, a exigir um tratamento emergencial.

O artigo de Rogéria da Silva Martins, Maria Elizabete Souza Couto e Paulo Cesar Pontes Fraga discute como o trabalho é realizado nos serviços de atendimento às crianças e adolescentes vítimas da violência sexual e à escola, na região Sul da Bahia, enfatizando que a proteção e a garantia dos direitos humanos foi uma conquista da sociedade e, no que se refere às crianças e adolescentes, o ECA / 90 visa ampliar e fortalecer a rede de proteção. Entretanto, parece que a estrutura não tem favorecido a denúncia e a mobilização, em razão dos limites colocados pelas políticas públicas frente ao atendimento e à rede de proteção.

O trabalho apresentado por Ceci Vilar Noronha e Andrija Almeida traz para discussão os aspectos psicossociais da pedofilia e da pornografia infantil como fenômenos interrelacionados que vitimizam um segmento social vulnerável, reiterando que os pedófilos aproximam-se das vítimas via novas tecnologias da informação, uma característica da sociedade pós-moderna. Observa, ainda, que o público-alvo da pedofilia sente-se particularmente atraído pelas ferramentas do mundo virtual que concorrem para fomentar narrativas da vida cotidiana e facilitar novos círculos de amizades.

A infância, parece, está sendo condenada a experiências reveladoras de um quadro nada animador das projeções educativas. As concepções pedagógicas para a educação infantil estão caracterizadas por um estágio ainda de recente conformação teórica, no que se refere às políticas públicas para a educação infantil. O debate aqui revela os limites dessas reflexões e a latente mudança social com a qual os educadores têm se deparado no processo de aprendizagem dessas crianças. Nesse caminho, pesquisadores têm contribuído com o debate, apresentando vivências dessas práticas em diferentes contextos educativos.

O artigo de Adilson De Angelo identifica e discute o processo de consolidação de propostas para a educação infantil no contexto dos movimentos sociais, partindo de uma incursão pela história, na tentativa de perceber como se consolidaram os programas educativos destinados às crianças pobres brasileiras e sua dimensão ideológica. Apresenta a participação dos movimentos sociais nas lutas pelo acesso à creche, e as propostas que foram sendo construídas como contribuição para que a educação infantil continuasse a ser pensada e concretizada como espaço que reconhece a dimensão de sujeito do direito, do desejo e do conhecimento, própria da criança.

O trabalho das autoras Giana Amaral Yamin, Débora de Barros Silveira e Almerinda Maria dos Reis Vieira Rodrigues problematiza aspectos da educação infantil oferecida às crianças menores de seis anos de idade, tendo como base a realidade de escolas localizadas em assentamentos rurais do Estado de Mato Grosso do Sul, revelando o cotidiano, as condições das instituições e ações pedagógicas que são oferecidas à criança pequena nas escolas do campo.

O texto de Eronilda Maria Góis de Carvalho apresenta um estudo realizado em classes de educação infantil, em escola pública, focalizando a organização do trabalho docente e analisando as questões ligadas ao cuidar / educar e às relações de gênero na educação infantil.

No caminho das mudanças sociais na educação, na caracterização do dossiê, não poderíamos deixar de resgatar o debate sobre a questão da educação à distância. Esse novo modelo educativo traz um desafio grande, e a relação entre professores e alunos virtuais define uma diferente configuração de novos atores envolvidos no processo educativo: o professor coletivo e o estudante autônomo (Belloni, 1999). A abertura no novo campo de possibilidades tem suscitado discussões interessantes, abrindo um universo de caminhos para o cotidiano do trabalho docente, tentando compreendê-las no curso da história, como sugere Lévy (1999), mas sem abrir mão da perspectiva humanista dentro do conteúdo técnico de um novo fazer pedagógico.

A educação e seus processos políticos e sociais permeiam os trabalhos já apresentados, mas vale lembrar que estão no auge das discussões as políticas públicas de formação de professores, tendo como pano de fundo as mudanças na sociedade no seu sentido macro. Por isso, apresentaremos o trabalho de Esther Hermes Lück que inicialmente recorre à produção teórica para sustentar questionamentos acerca das críticas atualmente formuladas à Educação a Distância, que vão do otimismo exacerbado ao questionamento radical e, nesse sentido, indicam os aspectos político-ideológicos que subjazem aos posicionamentos críticos, tais como a formação docente e o uso reflexivo e pedagógico das tecnologias como fatores prioritários para a criação de processos capazes de responder às necessidades e aos desafios que se impõem à sociedade do conhecimento.

Em seguida, Beatriz Basto Teixeira analisa a experiência do Curso de Pedagogia da Universidade Aberta do Brasil, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UABUFJF), apresentando o perfil dos alunos do curso com o objetivo de justificar a sua caracterização como política e social, em função da oportunidade de acesso ao ensino superior. Enfatiza a formação de professores por meio da Educação a Distância como uma política social de relevância, tendo fator de impacto sobre a qualidade da educação, e oportunidade de realização de direitos para quem só por meio da educação a distância pode ampliar sua escolarização e formação.

Na seção artigos, Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas são destacados dois artigos de pesquisadores no campo da cultura: Gilberto Salgado, apresentando um erudito artigo sobre a discussão no campo da Sociologia da Cultura, em que convida o leitor a pensar em uma nova conceitualização de desigualdade e cultura. O autor realiza uma análise social da articulação entre indústria cultural e o novo conceito de desigualdade cultural, no Brasil, e inclui uma reflexão sobre questões teóricas e metodológicas da Sociologia da Cultura. Mônica Dias que apresenta um rico trabalho antropológico sobre a condição de status do acarajé da Bahia, a partir do tombamento do mesmo pelo patrimônio histórico. Esse artigo apresenta considerações a respeito das representações que produziram o acarajé como ‘comida típica’ de um grupo religioso (o candomblé) e de uma localidade (a Bahia). Tais representações são foco de disputa religiosa – evangélica e afro-brasileira -, aquecendo o mercado e buscando a legitimidade a partir da tradição, trazendo para a cena vários atores que defendem o processo do tombamento do quitute como ‘patrimônio cultural’, incrementando as vendas e o turismo cultural, com a ‘grife’ made in África ou made in Bahia.

Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas nesse número apresenta, ainda, na seção tradução, o texto “Polifonia e metamorfoses da noção de identidade”, de Claude Dubar, importante intelectual francês da contemporaneidade, defendendo seus estudos sobre a socialização da construção da identidade, numa latente contribuição de parte de sua obra ofertada ao público acadêmico brasileiro. A tradução é precedida da apresentação da professora Vanilda Paiva, que revela a importância da oportunidade de Especiaria trazer um trabalho de Dubar, uma vez que a tradução de seus trabalhos ainda é limitada no campo editorial brasileiro. Observa que esse intelectual tem contribuído muito, com suas análises teóricas, com a Sociologia e a Educação, trazendo uma nova versão do conceito de socialização, revelando trajetórias teóricas significativas para a explicação da construção da identidade. Em seu artigo, busca distinguir e definir quatro usos do conceito de identidade, noção eminentemente polissêmica e que mobiliza a noção de formas identitárias, plurais e contingentes, em lugar de apenas uma noção de identidade, marcada pela confusão dos usos essencialistas e empiristas precedentes. As formas de designação da mobilidade e do pertencimento são ditas identitárias porque estão fortemente ancoradas nas subjetividades e nas características do advento da segunda modernidade. E, em decorrência da morte de Lévi-Strauss, Dubar ainda nos oferece a oportunidade da publicação de uma homenagem a esse autor, por sua notória contribuição intelectual às ciências sociais.

Ainda nessa divisão, está a tradução do artigo de Marité Colovini e Jorge Kohen, que sustenta a ideia de que o fenômeno da violência social deixou de ser um elemento que constituía o contexto no qual se desenvolviam os processos educativos e de trabalho docente, para penetrar as paredes da escola e instalar-se, na atualidade, na própria trama do trabalho docente e da ação educativa. Traz para discussão questionamentos como: O que é a escola hoje? O que é um docente hoje? Como podemos cumprir a tarefa de ensinar nas condições atuais da sociabilidade? Além disso, a violência afeta o processo de ensino-aprendizagem e também o modo de viver das crianças, jovens e adultos (professores)?

Por fim, a apresentação da resenha de Leylane Cabral sobre o livro Juventude em conflito com a Lei, organizado por Vanilda Paiva e João Trajano de Lima Sento-Sé, mais uma vez traz para a pauta de discussões a concepção de julgar, o conceito de desvios de conduta, liberdade e as medidas socioeducativas que não estão contribuindo para (re)significar ou socializar os sujeitos considerados “fora” da lei .

Paulo Cesar Pontes Fraga – Editor.

Maria Elizabete Souza Couto

Rogéria Martins.

(Organizadoras)

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Negros e a Educação / Revista Brasileira de História da Educação / 2002

O número quatro da Revista Brasileira de História da Educação tem um significado especial para sua Comissão Editorial.

Inicialmente vale notar que este número vem a público logo após o II Congresso Brasileiro de História da Educação, ou seja, esta publicação confirma a importância de ocupar seu espaço editorial e acadêmico no mesmo momento em que a Sociedade Brasileira de História da Educação se consolida. Esse processo legitima a Sociedade e a Revista ao mesmo tempo. Ambas conseguem congregar um expressivo número de investigadores responsáveis pelo amadurecimento desse campo do conhecimento, no Brasil.

Este número também representa uma outra conquista. Foi possível planejar e levar a efeito a demarcação de um “território plural de debates” no corpo de nossa publicação semestral. Isso diz respeito à concretização do projeto de publicação de dossiês como uma “marca registrada” que se quer imprimir à Revista. Neste número apresentamos o primeiro dossiê de uma série que terá continuidade número após número.

O dossiê Negros e a Educação dá início, com contribuições inovadoras, ao processo através do qual a Sociedade proporcionará a organização de debates específicos entre pares habitualmente distantes em razão das demandas do trabalho universitário mas que, a contar deste número, estarão próximos nas páginas da RBHE. Outros dossiês já estão em andamento e a recepção de artigos para avaliação cresce continuamente.

As traduções, os artigos aprovados, as eventuais republicações de textos fundamentais relacionados tanto à memória da educação quanto à historiografia da educação brasileira, somadas às resenhas e às notas de leitura, compõem um perfil que, doravante, buscará obter as indexações internacionais necessárias para que a rica produção brasileira chegue aos interlocutores de outros países.

Comissão Editorial


Comissão Editorial. Editorial. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá- PR, v.2, n.2, jul. / dez., 2002. Acessar publicação original [DR]

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