A pedagogia personalizada e comunitária no espaço ibero-americano (1950-1970) | Cadernos de História da Educação | 2022

A historiografia da educação francesa tem feito trabalhos instigantes sobre a pedagogia personalizada e comunitária, elaborada pelo educador jesuíta francês Pierre Faure. Em 1998, Anne-Maria Audic publicou «Pierre Faure s.j. 1904-1988: vers une pédagogie personnalisée et communautaire», livro que aborda a trajetória sócio-pedagógica do padre Faure. A pedagogia fauriana aparece sendo construída nas intervenções educativas desse padre jesuíta ecumênico, particularmente na segunda metade do século XX.

Em 2008, foi colocado à lume um volumoso conjunto de textos de Pierre Faure sob o título «Précurseurs et Témoins d`un enseignement personnalisé et communautaire», em que ele analisa as contribuições inovadoras da pedagogia de autores antigos como Jean-Jacques Rousseau e Henri Pestalozzi e educadores do novecentos como Maria Montessori, Ovide Decroly e Célestin Freinet. Leia Mais

Estudos sobre o ensino secundário no Cone Sul nos anos 1950 e 1960 / Revista História da Educação / 2018

A atual escolarização média apresenta impasses que envolvem a sua democratização quantitativa e a sua atualização pedagógica. Os questionamentos sociais sobre este nível de ensino têm forçado governos a dar respostas consequentes e instigado educadores e cientistas sociais a produzirem respostas convincentes. Historiadores da educação têm envidado esforços no sentido de compreender a questão a partir de leituras temporais de longa e de média duração. Devido à colonização ibérica, nos países da América Latina o ensino secundário foi plasmado pela Igreja Católica por meio de uma rede articulada de colégios confessionais, contribuindo para a permanência do tradicionalismo pedagógico. A presença católica mais marcante no ensino secundário em países latino-americanos deu-se a partir do final do século XIX por meio da atuação de congregações religiosas europeias, em boa medida expulsas de países que laicizavam o Estado e o seu sistema público de ensino, como a França e a Alemanha. No ensino secundário foram sobremaneira as congregações formadas por padres que criaram e gestionaram colégios dirigidos às elites masculinas.

No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, a ação da Unesco e a intensificação da globalização estimularam a realização de experiências renovadoras no ensino secundário em países latino-americanos (XAVIER, 1999). As ideias e modelos pedagógicos que passaram a circular e a ser usados foram, especialmente, aqueles produzidos nos EUA, como o plano Morrison, e na França, tendo como referências as classes nouvelles, vinculadas ao Centre International d`Études Pedagogiques (Ciep), localizado em Sévres, e a Pedagogia Personalizada e Comunitária, elaborada pelo padre jesuita francês Pierre Faure. Enquanto as classes nouveles tiveram recepção nos sistemas públicos de ensino, a pedagogía escolanovista católica do padre Faure disseminou-se mais, mas não exclusivamente, nos colégios católicos, particularmente no México, na Colômbia e no Brasil. Não se trata da renovação do ensino secundário em larga escala, mas da realização de experiências vanguardistas pontuais, que apontaram um caminho alternativo para o ensino secundário homogeneizado pelo timbre autoritário dos anos 1930 e 1940.

No clima da guerra fria, impulsionado pelo pan-americanismo produzido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e chancelado pelos EUA, foram realizados eventos para debater a educação escolar no continente americano. Assim, em janeiro de 1955, ocorreu, em Santiago, o Seminário Interamericano de Educação Secundária, promovido pela OEA e pelo governo do Chile. Tratou-se de um evento singular em que os representantes dos países americanos apresentaram uma radiografia do formato do ensino secundário em seus respectivos sistemas nacionais de ensino e promoveram uma importante troca de experiências escolares (ABREU, 1955). Outro exemplo foi a realização do Congresso Pan-Americano de Educação Física, também ocorrido na capital do Chile, no ano seguinte, que contou com a participação de Germano Bayer, professor do Colégio Estadual do Paraná, e Gildásio Amado, titular da Diretoria do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Cultura do Brasil. Segundo Chaves Júnior (2016), esses dois educadores visitaram o Liceo Experimental Manuel Salas, localizado em Santiago, que realizava um ensaio educacional renovador no ensino secundário. Há, portanto, indícios de certa circulação e apropriação de experiências educativas no ensino secundário entre os países do continente americano, certamente mais frequentes entre os de língua espanhola.

A pequena onda de renovação do ensino secundário nos países da América Latina, proporcionado pelo clima democrático e de abertura internacional no campo educacional, foi coibida pelas ditaduras militares dos anos 1960 e 1970 no subcontinente latinoamericano. Refletindo sobre o autoritarismo militar e escolarização no Uruguai, Southwell (2010, p. 14) assevera que “el régimen [militar] entendió que la escuela era responsable de desborde de la cultura política y desde esa convicción operó para generar mayores formas de control político sobre la cultura escolar y el trabajo pedagógico”. Mutatis mutandis, essa constatação pode ser estendida às ditaduras latino-americanas que procuraram intervir nos seus sistemas de ensino, inicialmente no nível superior porque as universidades eram um dos principais focos de resistência democrática, mas também nos ensinos primário e secundário. As ditaduras abortaram experiências educativas e ideias pedagógicas ricas e criativas, em boa medida inspiradas em modelos pedagógicos estrangeiros, mas também em propostas pedagógicas elaboradas e usadas na América Latina como a de Paulo Freire.

Nesta direção, o presente dossiê tem como intuito realizar uma leitura histórica e comparada da renovação do ensino secundário, nas décadas de 1950 e 1960, em países do Cone Sul, de sorte que os autores dos textos analisam a escolarização de seus países. No artigo “Formato, pedagogias y planeamiento para la secundaria en Argentina. Notas sobresalientes del siglo XX, Myriam Southwell apresenta uma trajetória panorâmica do ensino secundário na Argentina durante o novecentos. Tal panorama parte da criação do modelo de colégio de ensino secundário direcionado às elites burguesas no final do século XIX, mas sobretudo lança luz sobre as renovações que se colocaram no ensino secundário argentino a partir da expansão, modernização e ressignificação escolanovista dessa etapa da escolarização. Em “Las asambleas de profesores en la consolidación del consejo de enseñanza secundaria en Uruguay (1949-1961)”, Lucas D’Avenia analisa as chamadas assembleias de professores secundaristas no Uruguay, procurando compreender a emergência dessas assembleias no momento do início da massificação da matrícula do ensino secundário e, especialmente, a circulação de ideias pedagógicas e espaço de empoderamento docente.

Os artigos de autores brasileiros colocam o foco sobre as chamadas classes secundárias experimentais, que se constituíram na principal experiência pedagógica no ensino secundário brasileiro nas décadas de 1950 e 1960. No artigo “Luis Contier como catalisador de redes: classes experimentais e renovação do ensino secundário em São Paulo nas décadas de 1950 e 1960”, Daniel Ferraz Chiozzini e Letícia Vieira refletem sobre a contribuição do educador-intelectual Luís Contier na implantação da primeira experiência renovadoras no ensino secundário a partir das classes nouvelles, bem como na instituição das classes secundárias experimentais a partir do final dos anos 1950. Em “A inspiração nos trabalhos dos grandes centros de estudos pedagógicos: considerações sobre as classes integrais do Colégio Estadual do Paraná (1960-1967)”, Sérgio Roberto Chaves Júnior analisa o ensaio educacional das classes secundárias experimentais, na década de 1960, na principal escola pública do Paraná, que tinha conexões com o Colégio Nova Friburgo, referência no uso do método de ensino por unidades didáticas inspirado no plano Morrison. No artigo “Circuito e usos de modelos pedagógicos renovadores no ensino secundário brasileiro na década de 1950”, Norberto Dallabrida busca compreender os processos de circulação e de apropriação das classes nouvelles e da Pedagogia Personalizada e Comunitária no Brasil.

Os cincos artigos que compõem o presente dossiê, portanto, proporcionam estudos sobre o ensino secundário no Cone Sul em perspectiva histórica e comparada, apostando na intensificação da troca de reflexões educacionais e pedagógicas na América Latina. Esse trabalho pretérito tem o fito de contribuir para subsidiar as reformas o ensino secundário / médio em curso, de modo que este nível de escolarização seja pedagogicamente consistente e socialmente justo.

Referências

ABREU, Jayme. A Educação Secundária no Brasil. Rio de Janeiro: MEC / Inep, 1955. (Publicações da Cileme, 9).

CHAVES JÚNIOR, Sérgio Roberto. As inovações pedagógicas do ensino secundário brasileiro nos anos 1950 / 1960: apontamentos sobre as classes integrais do Colégio Estadual do Paraná. Cadernos de História da Educação, Uberlândia, v. 15, n. 2, p. 520- 539, maio / ago. 2016.

SOUTHWELL, Myriam. Prólogo. In: ROMANO, Antonio. De la reforma al proceso: una historia de la Enseñanza Secundaria (1955-1977). Montevideo: Ediciones Trilce, 2010. p. 11-14.

XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como Laboratório: Educação e Ciências Sociais no Projeto dos Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais CBPE / Inep / MEC (1950-1960). Bragança Paulista: Edusf, 1999.

Norberto Dallabrida – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Pesquisador do CNPq. Com Rosa Fátima de Souza, organizador da coletânea “Entre o ginásio de elite e o colégio popular: estudos sobre o ensino secundário no Brasil (1931-1961)”. E-mail: [email protected]

 Myriam Southwell – Investigadora independiente Conicet / Universidad Nacional de La Plata, directora del Doctorado en Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata. Fue presidente de la Sociedad Argentina de Historia de la Educación entre 2008 y 2012 y desde 2016 es integrante del Comité Ejecutivo de International Standard Conference on History of Education (Ische). Autora de numerosos trabajos en temas de historia y política de la educación entre los cuales se destacan Ideas en la Educación Latinoamericana. Un balance historiográfico (junto con Nicolás Arata), Unipe, 2014; Reflexiones sobre el Congreso Pedagógico Internacional de 1882 (junto con Jorge Bralich), Trilce, 2014; Schooling and Governance: Pedagogical Knowledge and Bureaucratic Expertise in the Genesis of the Argentine Educational System, Paedagogica Historica, v. XLIX, 2013; La educación y lo justo. Ensayos acerca de las medidas de lo posible, Unipe, 2013; Entre Generaciones. Exploraciones sobre educación, cultura e instituciones, Homo Sapiens, 2012. E-mail: [email protected]


DALLABRIDA, Norberto; SOUTHWELL, Myriam. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 22, n. 55, maio / ago., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Experimentalismo no Ensino Secundário nos anos 1950 e 1960 / Cadernos de História da Educação / 2016

A partir dos anos 1950, o ensino secundário brasileiro conheceu diversas iniciativas que concorreram para a sua renovação. Um foco de reflexão pedagógica colocou-se no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), criado em 1955, a partir da parceria estabelecida por Anísio Teixeira, diretor do INEP, e a UNESCO. Embora de forma não prioritária, no INEP / CBPE o ensino secundário foi objeto de pesquisas tanto em nível nacional como nos seus centros regionais de pesquisa. Nesse órgão educacional ganhou destaque as análises de Jayme Abreu, técnico muito próximo a Anísio Teixeira, que coordenou a Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar e atuou no INEP até a década de 1960. Sobre o ensino secundário, realizou pesquisas, representou o Brasil em congressos internacionais e publicou diversos trabalhos em forma de artigos científicos e de livro. De outra parte, em 1953, a Diretoria do Ensino Secundário do MEC criou a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) que tinha como intuito qualificar e certificar os professores leigos nesse nível de ensino por meio de cursos realizados nas férias. Para incrementar a sua ação em nível nacional, quatro anos depois, a CADES instituiu a revista “Escola Secundária”, tendo uma linha editorial voltada para as questões didáticas, que publicava relatos de experiências de diferentes disciplinas dos cursos ginasial e colegial (DALLABRIDA e SOUZA, 2014).

A renovação mais contundente nesse nível de escolarização foi colocada em marcha pela Diretoria do Ensino Secundário (DESe) do MEC na gestão de Gildásio Amado. Em meados de 1958, a DESE viabilizou a oficialização das “Instruções sobre a natureza e a organização das classes experimentais”, que autorizavam, a partir do ano letivo seguinte, a instalação de classes experimentais no ensino secundário, preferencialmente no curso ginasial. Essa legislação prescrevia o desenvolvimento das aptidões individuais dos alunos, que se efetivava na limitação de até trinta alunos por sala de aula e na possibilidade de os discentes optarem por disciplinas e atividades educativas. E também estipulava exigência em relação ao corpo docente, que deveria ter reuniões regulares, sendo agrupado por classes, particularmente para viabilizar a integração de “disciplinas-saber”. Desta forma, a partir de 1959, começaram a ser implantadas, em um punhado de colégios – especialmente no curso ginasial, o primeiro ciclo do ensino secundário – as classes secundárias experimentais, que construíram uma marcante renovação no ensino secundário brasileiro. Em 1962, quando fechou o ciclo de quatro anos do curso ginasial, havia no Brasil 46 estabelecimentos de ensino secundário que tinham feito ensaios renovadores, sendo que a maioria se localizava nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (Cunha; Abreu, 1963).

Nesse pequeno conjunto de experiências educacionais renovadoras, a classe experimental secundária que ganhou maior relevo foi aquela realizada no Instituto Estadual Narciso Pieroni do município paulista de Socorro, coordenada pelas professoras Lygia Furquim Sim, Olga Bechara e Maria Nilce Mascelani. As chamadas Classes de Socorro chamaram a atenção do Secretário Estadual de Educação do Estado de São Paulo, Luciano de Carvalho, inspirando um novo projeto educacional: os ginásios vocacionais. Para tanto, por meio da Lei 6.052, de 3 de fevereiro de 1961, foi criado o Serviço de Orientação Vocacional (SEV), que estruturou o ensino industrial no Estado de São Paulo. No início desse ano, Maria Nilde Mascelani assumiu a coordenação do SEV e iniciou a implantação dos ginásios vocacionais, que tiveram como referência as classes secundárias experimentais, mas intensificaram o engajamento político. A experiência dos ginásios vocacionais desenvolveu-se na década de 1960, sendo terminada, de forma autoritária, após o endurecimento do regime militar colocado em marcha pelo AI-5 (Chiozzini, 2014). Desta forma, nos anos 1950 e 1960, as classes secundárias experimentais e os ginásios vocacionais se converteram nos principais ensaios escolares de renovação do ensino secundário.

Nesta direção, o presente dossiê procura refletir sobre experiências educativas no ensino secundário durante as décadas de 1950 e 1960 que tiveram como clave o experimentalismo pedagógico no Brasil e no Uruguai. O texto “’Nueva Educación’ y enseñanza secundaria en el Uruguay (1939-1963)”, do historiador Antonio Romano, reflete sobre transformações significativas no ensino secundário uruguaio implementadas a partir da Segunda Guerra Mundial, especialmente a partir da apropriação das classes nouvelles, dando destaque para o papel das revistas na circulação de ideias pedagógicas. De outra parte, esse trabalho reflete sobre o Plano de Estudos de 1963, proposto pelo Diretor Geral do Ensino Secundário, professor Alberto Rodriguez, que introduziu uma nova estrutura no ensino secundário, prevendo cinco anos de formação geral e integral e um ano de caráter pré-profissional. A partir dessa nova configuração escolar, foram implantados, na capital e no interior do nosso país vizinho, os chamados “liceus de ensaio”, marcados pelo experimentalismo pedagógico. O artigo de Antonio Romano abre caminho para um diálogo historiográfico sobre o ensino secundário entre os países do Mercosul e / ou da América Latina.

Os textos sobre a renovação do ensino secundário no nosso país obedecem, grosso modo, um critério cronológico. Assim, o trabalho de Letícia Vieira e Norberto Dallabrida colocam o foco sobre o pioneirismo de Luís Contier na apropriação das classes nouvelles no Brasil, que começou a quebrar o rígido ensino secundário formatado pela Reforma Capanema que ainda vigorava após o Estado Novo. Aborda o estágio do professor Contier no Centre International d`Études Pedagogiques (CIEP), no início dos anos 1950, e os primeiros usos que ele realizou das classes nouvelles francesas no Instituto de Educação Alberto Conte, localizado em São Paulo. De outra parte, explora o processo da oficialização das classes secundárias experimentais pelo Ministério da Educação, em meados de 1958, bem como a implantação das mesmas a partir do início do ano seguinte. O artigo de Sérgio Roberto Chaves Júnior lê as chamadas classes integrais – nome dado às classes secundárias experimentais – no Colégio Estadual do Paraná, que se apropriaram especialmente do Método por Unidades Didáticas desenvolvido no Colégio de Nova Friburgo. Essa experiência renovadora é constatada em vários aspectos, entre os quais são destacados a educação integral, a integração curricular – particularmente das disciplinas História e Geografia – e as atividades extraclasse como o clubismo.

No texto “Educação renovada no Estado de São Paulo: a experiência pioneira do ensino continuado e as práticas escolares do Experimental da Lapa (1961-1971)”, Carlos Eduardo Bizzocchi analisa a cultura escolar de corte escolanovista praticada em uma escola que ficou conhecida como Grupo Escolar – Ginásio Experimental Dr. Edmundo de Carvalho, popularmente chamado Experimental da Lapa. Esse trabalho histórico foi realizado sobremaneira a partir de fontes estimulantes como os relatórios das unidades da escola e os chamados “cadernos” – onze publicações que relatam e avaliam a prática educativa no Experimental da Lapa. Maria Odete Pereira Mundim, Carlos Henrique de Carvalho e Décio Gatti Júnior trazem à baila os encaminhamentos de criação e o funcionamento da Escola Vocacional de Aprendizagem Industrial de Uberlândia, localizada no Estado de Minas Gerais, especialmente na década de 1960. É importante frisar que esse colégio técnico foi pautado, a partir de 1962, pelas prescrições da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixou as Diretrizes e Base da Educação Nacional, unificando formalmente os cursos secundário e técnico, criando o ensino médio e permitindo a flexibilização curricular por meio do oferecimento de “disciplinas-saber” escolhidas por cada escola.

Este dossiê é coroado com um trabalho que procura cotejar as relações entre as classes secundárias experimentais e os ginásios vocacionais assinado por Daniel Ferraz Chiozzini e Sandra Machado Lunardi Marques. As aproximações entre esses dois ensaios educativos de corte inovador confluem para uma discussão sobre o experimentalismo e para a educadora Maria Nilde Mascelani, que atuou na Classes de Socorro e coordenou o projeto dos ginásios vocacionas. No entanto, esse texto produzido a quatro mãos também explora, de forma instigante, as diferenças entre as classes experimentais dos anos 1950 e os ginásios vocacionais da década de 1960. Enfim, esse exercício comparativo é muito salutar e pode estimular novas investigações em torno da renovação do ensino secundário.

Referências

CHIOZZINI, Daniel Ferraz. Memória e História da Inovação Educacional no Brasil: o caso dos Ginásios Vocacionais (1961 / 1970). Curitiba: Appris, 2014.

CUNHA, Nádia; ABREU, Jayme. Classes Secundárias Experimentais: balanço de uma experiência. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro. v. XL, n. 91, p.90-151, 1963.

DALLABRIDA, Norberto; SOUZA, Rosa Fátima de. “O todo-poderoso império do meio”: transformações no ensino secundário entre a Reforma Francisco Campos e a primeira LDBEN (à guisa de apresentação). In: Entre o ginásio de elite e o colégio popular: estudos sobre o ensino secundário no Brasil (1931-1961). Uberlândia, MG: EDUFU, 2014. p.11-30.

Norberto Dallabrida – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, com estágios de pós-doutorado concluídos na Université Rene Descartes – Paris V e na Universidad de Alcalá de Henares (Espanha). Professor de História da Educação e pesquisador da Universidade do Estado de Santa Catarina. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected]

Daniel Ferraz Chiozzini – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, com estágio de pós-doutorado concluído na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]


DALLABRIDA, Norberto; CHIOZZINI, Daniel Ferraz. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 15, n.2, maio / ago., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Releituras históricas do ensino secundário / Revista História da Educação / 2008

A Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação tem se pautado por um trabalho sério, criterioso e organizado. Em 1997, com o surgimento de sua Revista – História da Educação – pôde socializar diversos trabalhos e pesquisas de estudiosos da área. Para além dos diversos artigos, resenhas e traduções de intelectuais reconhecidos, essa revista também reproduziu uma seção denominada “documentos”, procurando tornar acessível a uma gama de interessados certas fontes raras e / ou inéditas. Por fim, sempre no intuito de possibilitar trocas, debates e aprofundamentos de pesquisa, em números especiais, o periódico científico da ANPHE tem procurado elaborar dossiês. A primeira tentativa coube à Revista nº 19, de abril de 2006, com o dossiê denominado “O Ensino de História da Educação nos Cursos de Pedagogia do Rio Grande do Sul”. Cabe a nós mantermos essa iniciativa viva, eis a razão deste segundo dossiê, que tem por tema o ensino secundário brasileiro.

Nos últimos anos, pesquisadores de diversas partes do mundo vêm se reunindo em fóruns específicos de discussão e produzindo trabalhos coletivos sobre o ensino secundário numa perspectiva histórica. Em maio de 2001 foi publicado um número especial da Revue Histoire de l`Éducation, organizada por MarieMadeleine Compère e Philippe Savoie, dedicada ao ensino secundário, tendo como título “L’établissement scolaire: des collèges d’humanités à l’enseignement secondaire, XVI-XX siècles” (COMPÈRE e SAVOIE, 2001). Entre 10 e 13 de julho de 2002, em Paris, realizou-se o XXIV ISCHE, que teve como tema “o ensino secundário: história institucional, cultural e social”, em comemoração ao bicentenário da criação dos liceus na França, quando foram apresentados trabalhos de vários países sobre o ensino secundário. Entre esses relatos de pesquisa, alguns deles foram selecionados para integrar o volume 40, números 1 e 2 da revista Paedagogica Historica, cujo tema é Secondary Education: Institutional, Cultural and Social History (SAVOIE, BRUTER e FRIJHOFF, 2004). Em 15 e 16 de novembro de 2002, na França, ocorreu o colóquio “Napoléon et les Lycées”, organizado pelo Institut Napoléon e pela Bibliothèque Marmottann, quando também foi discutida a criação dos liceus franceses na época napoleônica.

Por sua vez, alguns dos textos apresentados no XXIV ISCHE foram publicados no Brasil, na coletânea organizada por Ariclê Vechia e Maria Auxiliadora Cavazotti, sob o título “A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX) (VECHIA e CAVAZOTTI, 2003). Como esclarece António Nóvoa na apresentação dessa obra, o congresso de Paris centrou-se no ensino secundário, esse “todo poderoso império do meio” – na expressão consagrada por Lucien Febvre. O historiador português afirma ser “a idéia de meio, em toda a sua força e ambigüidade, que melhor traduz a história de um ‘poderoso império’, que nem sempre tem sido investigado com a atenção devida”, concluindo que os estudos históricos sobre educação infantil, primária e superior são mais abundantes do que aqueles que versam sobre o ensino secundário (NÓVOA, 2003, p.2).

Essa nova preocupação com questões pouco exploradas pela historiografia da educação só tem a contribuir com um melhor e mais profundo conhecimento da escolarização entre o curso primário e o ensino superior. Um grande desafio ainda envolve o estudo e aprofundamento de determinadas questões sobre o ensino secundário, pois, mesmo com a publicação de ensaios e a realização de alguns congressos temáticos, muito ainda tem a ser dito sobre o “todo poderoso império do meio”. Na perspectiva dessas novas tendências e na tentativa “da construção a muitas mãos”, procuramos sanar parcialmente essa lacuna elaborando um “dossiê” sobre o ensino secundário brasileiro.

A partir de um levantamento historiográfico baseado em Moraes e Berrien (1949), Warde (1984), Alves (2001) e Bastos, Bencostta e Cunha (2004), constatamos diversas lacunas. Por enquanto evidenciamos a pouca produção de trabalhos relativos ao ensino secundário referentes a alguns temas como o ensino profissional, manuais didáticos, formação docente e a alguns períodos históricos como, por exemplo, a época da redemocratização brasileira – entre o final do Estado Novo e o golpe de 1964 – e a reforma do ensino secundário implementada pelo regime militar, que resultou na criação do segundo grau. Existe, portanto, a necessidade de empreender novos estudos exploratórios e de análise sobre alguns períodos históricos e certos temas referentes ao ensino secundário, ao segundo grau e ao atual ensino médio.

O ensino secundário sempre foi considerado o nível de escolarização propedêutica dirigido às elites que ambicionam ingressar nos cursos superiores. Esse tipo de ensino plasmou-se em modelos adotados em grande parte nos países europeus, sendo transportados e adaptados no Brasil desde o período colonial brasileiro. As mais representativas escolas de estudos médios dos países ocidentais foram os antigos colégios do Antigo Regime, e, a partir do século XIX, os “lycées” na França [1], os “gymnasium” na Alemanha e as “Grammar Schools” na Inglaterra. Os currículos desses estabelecimentos de ensino secundário foram em grande parte herdeiros da tradição pedagógica clássico-humanista, estabelecida e disseminada sobremaneira pelos padres jesuítas a partir do século XVI e, posteriormente, reinventada pelo “estado educador” (COMPÈRE, 1985). Em geral, todos visavam possibilitar aos adolescentes uma formação literária e propedêutica (DURKHEIM, 1995, p.293), que os habilitasse e os preparasse para o ingresso no ensino superior.

No entanto, na história da educação ocidental, a tradição clássico-humanista começou a ser quebrada com a emergência de um ensino secundário diferenciado, marcado pela cultura científica e pelas línguas vivas, que se colocou, de forma tímida, nos oitocentos, e se consolidou durante o século XX. De acordo com Durkheim (1995, p. 287), Gréard compilou nada menos do que 75 modificações entre os anos de 1802 e 1887 nos programas de ensino secundário da França. Ele constatou que nos currículos do ensino secundário francês as disciplinas científicas ganhavam espaço, mas não de forma linear, pois às vezes havia restaurações do ensino literário, como parte das oscilações no jogo do poder. O século XIX foi marcado pela disputa entre a Igreja Católica, os monarquistas e os republicanos conservadores, que defendiam o ensino clássico, e os republicanos radicais e os socialistas, que pregavam um ensino científico.

No Brasil, durante o século XIX, no Imperial Colégio de Pedro II, nos liceus provinciais e mesmo nos colégios privados, predominou a tradição clássico-humanista, geralmente inspirada no modelo dos liceus franceses. Com a implantação do regime republicano e a partir de idéias positivistas, houve valorização da matemática e das línguas vivas, mas o currículo do Ginásio Nacional / Colégio Pedro II – padrão nacional para efeitos de equiparação e oficialização dos colégios de ensino secundário – manteve as línguas clássicas e não se constituiu numa ruptura significativa com a tradição clássico-humanista. Na década de 1920, o debate em torno da valorização das Ciências Naturais no ensino secundário ganhou fôlego, especialmente entre os intelectuais reformadores da educação nacional. A Reforma Francisco Campos (1931) realizou a modernização do ensino secundário no Brasil, por meio da implantação de vários elementos curriculares inovadores como a seriação compulsória, a criação de dois ciclos, a freqüência obrigatória dos alunos, bem como a valorização das disciplinas científicas e do vernáculo.

O presente dossiê se propõe realizar releituras históricas do ensino secundário brasileiro. O conjunto de textos não focaliza o ensino de segundo grau – criado pela Lei 5.692, de 1971 – e nem o atual ensino médio, mas coloca o foco sobre o ensino secundário no Brasil durante o século XIX e de boa parte do século passado. Os artigos estão organizados em certa ordem cronológica: um primeiro grupo de textos dedica-se a repensar o ensino secundário durante o Império, enquanto os outros ensaios refletem sobre esse mesmo nível de escolarização no período republicano. Eles tratam de diversificadas questões numa perspectiva histórica como o ensino militar, manuais escolares, disciplinas-saber, cultura escolar, sociabilidade e gênero e intelectuais da educação. São questões relevantes para a historiografia da educação, abordadas a partir de diferenciados referenciais teóricos, em que a história dialoga, de forma frutífera e criativa, com outras Ciências Sociais.

O ensino secundário nos oitocentos é revisitado inicialmente pelo artigo “O ensino secundário militar na contramão das tendências do império”, de Cláudia Alves, que procura mostrar como o ensino secundário militar teve formato seriado e foco nas Ciências Naturais, na segunda metade do século XIX. Essa cultura escolar, também praticada em alguns colégios confessionais, contrasta com o modelo dominante do ensino secundário no período imperial, marcado por cursos preparatórios e por exames parcelados – segundo o estudo clássico de Haidar (1972). O Imperial Colégio de Pedro II e os liceus provinciais tiveram como modelo principal o lycée francês. Nesta direção, no ensaio “Manuais escolares franceses no Imperial Colégio de Pedro II”, Maria Helena Camara Bastos apresenta a disseminação da francofonia no ensino secundário brasileiro a partir de um estudo instigante sobre manuais escolares. No período imperial, o sistema escolar brasileiro foi transversalizado pela galomania e, não por acaso, houve o predomínio das editoras francesas. No entanto, o texto de Eduardo Arriada e Letícia Stander Farias intitulado “O thou, that with surpassing glory crown’d: ensinando inglês aos estudantes brasileiros” chama a atenção para a importância da língua inglesa no ensino secundário brasileiro e sul-rio-grandense durante o Império, embora ela nunca tenha ameaçado a hegemonia do francês.

O ensino secundário na Primeira República é relido por dois artigos, que discutem questões distintas durante esse período histórico. O texto “O ensino secundário laico e católico no Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século XX: apontamentos sobre os ginásios Pelotense e Gonzaga”, de Giana Lage do Amaral, analisa o confronto entre o Ginásio Gonzaga, dirigido por padres jesuítas, e o Ginásio Pelotense, vinculado à maçonaria, na cidade de Pelotas. Essa tensão, discutida em nível local, colocou-se nas primeiras décadas do regime republicano em nível nacional, sendo que a Igreja Católica logrou êxito na consolidação da maior rede confessional de ensino secundário. Ademais, a partir desses dois estabelecimentos de ensino secundário foram instituídas a Universidade Católica e a Universidade Federal de Pelotas. Na década de 1920, emergiu uma fértil problematização do regime republicano, que no campo educacional foi colocada, especialmente, pela Associação Brasileira de Educação e por suas conferências nacionais de educação. É nesta conjuntura que se insere o artigo “Lysímaco Ferreira da Costa e o ensino secundário brasileiro”, de Geysa Spitz Alcoforado de Abreu, que detalha a intervenção de um intelectual paranaense que defendia a ciência aplicada e a modernização do ensino secundário. Desta forma, Lysímaco Ferreira da Costa entabulou interlocução com vários renovadores da educação nacional do eixo Rio-São Paulo.

Enfim, três artigos versam sobre estabelecimentos católicos de ensino secundário, a partir de inspiração bourdieusiana e da perspectiva de gênero. O ensaio “A formação do esprit de sion”, de Ângela Xavier de Brito, estuda a “cultura escolar católica de tradição francesa” no Colégio Notre Dame de Sion do Rio de Janeiro. O intuito da socióloga franco-brasileira é descortinar as estratégias explícitas e sutis da socialização escolar de adolescentes do sexo feminino de uma fração das classes abastadas da então capital do Brasil, colocadas em marcha por freiras de origem francesa. O artigo “A educação secundária feminina: uma história catarina (1935-1947)”, de Letícia História Cortellazzi Garcia, reflete sobre a socialização de alunas no Colégio Coração de Jesus, localizado em Florianópolis e dirigido pelas Irmãs da Divina Providência de ascendência germânica. Esse trabalho contribui para compreender a generificação da cultura escolar inscrita na Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942) e, sobremaneira, nas práticas educativas dirigidas a moças de elite da acanhada capital catarinense dos anos 30 e 40 do século XX. O texto “A força da tradição: ex-alunos do Colégio Catarinense em destaque e em rede”, de Norberto Dallabrida, procura compreender a importância simbólica dos ex-alunos célebres na construção da excelência escolar de um colégio de elite e a articulação da associação de ex-alunos com o intuito de manter e atualizar capital social.

A releitura histórica do ensino secundário realizada no presente dossiê deseja contribuir com o debate contemporâneo em torno da universalização e da democratização do ensino médio brasileiro.

Nota

1. Em 1815, aproximadamente, nota-se o emprego, pela primeira vez, do termo “secundário” em seu sentido moderno para designar todos os estabelecimentos do tipo liceu ou colégio (CHERVEL, 1992, p. 99).

 Referências

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BASTOS, Maria Helena Camara; BENCOSTTA, Marcus Levy Albino; CUNHA, Maria Teresa Santos. Uma cartografia da pesquisa em história da educação na região sul: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul (1980-2000). Pelotas: Seiva, 2004.

CHERVEL, André. Quando surgiu o ensino secundário? Revista da Faculdade de Educação. São Paulo, v. 18, n. 1, p.99-112, jan.-jun.1992.

COMPÈRE, Marie-Madeleine. Du collège au lycée (1500-1850): généalogie de l`enseignement secondaire français. Paris: Éditions Gallimard / Julliard, 1985.

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DURKHEIM, Emile. A Evolução Pedagógica na França. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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NÓVOA, António. Apresentação. In: VECHIA, Ariclê; CAVAZOTTI, Maria Auxiliadora (orgs.). A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX). São Paulo: Annablume, 2003. p.1-4.

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VECHIA, Ariclê; CAVAZOTTI, Maria Auxiliadora (orgs.). A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX). São Paulo: Annablume, 2003.

WARDE, Mirian Jorge. Anotações para uma historiografia da educação brasileira. Em Aberto (23): 1-6, set-out. 1984.

Eduardo Arriada

Norberto Dallabrida

(Organizadores)


ARRIADA, Eduardo; DALLABRIDA, Norberto. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 12, n. 26, set. / dez., 2008. Acessar publicação original [DR]

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