Historia de la educación y organismos internacionales: nuevas líneas de trabajo en perspectiva transnacional | História da Educação | 2022

PRESENTACIÓN1

Hace varias décadas que el campo de la Historia de la Educación ha dedicado amplios esfuerzos a investigar la importancia que tuvieron diferentes procesos de carácter internacional en el nacimiento o reconfiguración de los sistemas nacionales de educación. El origen y despliegue de este tipo de estudio seguramente haya que situarlos en el ámbito anglosajón. Quizá, el que primero causó un importante impacto sobre la Historia de la Educación fue el trabajo del profesor James A. Mangan (1978). Dicha investigación, se centró en analizar la influencia que habían tenido los centros de educativos británicos para las élites (Public Schools) en el desarrollo del sistema educativo de la India. El propósito del este trabajo estaba en descifrar en qué medida los procesos de colonización del Imperio Británico habían influido también en el establecimiento de modelos educativos en diferentes colonias.

El objetivo último fue desentrañar cómo se habían producido los procesos de transferencia educativa desde el “centro” a la “periferia”. Es decir, captar cómo la educación también había servido como red institucional a la hora de establecer el dominio del imperio sobre sus colonias. Con el paso del tiempo, este tipo de trabajo se amplió. Ahora, no se trataba exclusivamente de captar las formas de dominio. Otras perspectivas de análisis comenzaron a ser importantes. Cabe destacar aquí, aquellas investigaciones que comenzaron a estudiar la construcción de redes de personas, el intercambio de ideas, los procesos de formación de especialistas educativos locales en el propio imperio o los procesos de hibridación educativa entre unos modelos y otros (MCCULLOCH y LOWE, 2003; BRUNO-JOFRÉ y SCHRIEWER, 2012). Leia Mais

Independência e instrução no Brasil, Chile e nos Estados Unidos da América (XIX E XX) | História da Educação | 2021

Pensar os projetos nacionais associados aos processos das independências tem sido uma temática recorrente na historiografia, no ensino de história, na literatura, no jornalismo, no cinema e nas artes plásticas; dentre outros. As formas de representações deste acontecimento podem ser encontradas em diversas experiências nacionais, com recortes e ênfases mais frequentes na história política, econômica, militar e/ou diplomática. Algumas dimensões dos processos de independência, como a problemática da educação das populações, são frequentemente explicadas como efeito destas políticas do saber histórico, quando não são completamente negligenciadas. Com base nessa percepção, foi organizado o Seminário Internacional Independência e Instrução na América e África – história, memória e formação, realizado entre 11 e 20 de outubro de 2020 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, contando com a participação de pesquisadores da Espanha, Portugal, Moçambique, México, Colômbia, Uruguai, Estados Unidos, Argentina e Chile. O presente dossiê, consiste, pois, em um dos registros escrito desta atividade1 que, em linhas gerais, partiu de um complexo questionário, a saber:

Como se processaram as independências em países da América? Leia Mais

História da educação matemática em perspectiva Iberoamericana: relações entre campo disciplinar e ciências da educação / Revista História da Educação / 2020

No Brasil, desde a década de 1990, com os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998), tem-se a inclusão das possibilidades didático-pedagógicas da História da Matemática no ensino. Em realidade, livros didáticos das primeiras décadas do século XX, vez por outra, utilizaram referências à História da Matemática para o ensino dessa disciplina (MIGUEL; MIORIM, 2004). Porém, em razão desse reconhecimento oficial curricular, pelos PCN, passou-se a uma maior valorização e incremento de estudos sobre o papel da História da Matemática no ensino de matemática nas últimas décadas. A História da Matemática, dessa maneira, firmou-se como, eminentemente, um expediente didático a serviço do ensino de matemática.

Se as últimas décadas viram o enorme crescimento de estudos sobre o uso didático da História da Matemática no âmbito escolar, integrando o saber profissional do professor de Matemática, isso parece não ter sido acompanhado pela pesquisa em História da Matemática. No seio mesmo dos congressos e reuniões relativos à História da Matemática mais e mais vem circulando, em número bastante significativo, trabalhos sobre História da educação matemática – Hem [2]. Um estudo realizado por Mendes (2014) revelou que mais da metade de todos os trabalhos escritos no âmbito da História da Matemática, de 1990 a 2010, no Brasil, em realidade, não trataram de História da Matemática; referiram-se a estudos de História da educação matemática. E, ao que tudo indica, na década seguinte, essa tendência tornou-se ainda mais acentuada, com crescimento exponencial de estudos sobre Hem. Essa representatividade de modo crescente das pesquisas sobre Hem veio a permitir a criação de congressos nacionais e internacionais sobre História da educação matemática [3]. Leia Mais

História da Educação: sensibilidades, patrimônio e cultura escrita / Revista História da Educação / 2020

No ano de 2018, o 24º Encontro da ASPHE, organizado pela Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, discutiu o tema “História da Educação: sensibilidades, patrimônio e cultura escrita”[3]. Atentando para as recentes temáticas que vêm sendo desenvolvidas no âmbito históricoeducativo, o encontro reuniu pesquisadores e pesquisadoras a partir desses três eixos.

Ao propor uma introdução ao tema da História Cultural, a historiadora Sandra Jatahy Pesavento (2005), com base em teóricos que fundamentam a discussão por ela tematizada – com destaque para Stone (1981), Certeau (1982), Chartier (1988, 1991), White (1994), entre outros presentes em sua obra –, fez um resumo dos principais conceitos norteadores de um conjunto de mudanças epistemológicas que proporcionaram um novo olhar a historiadores e historiadoras. A entrada em cena desses conceitos reorientou a escrita da história; nesse sentido, destacamos: representação, imaginário, narrativa, ficção e sensibilidades – todos esses presentes, de uma forma ou de outra, nos textos que compõem o dossiê que ora apresentamos. Leia Mais

Arquitetura escolar: diálogos entre o global, nacional e regional na história da educação / Revista História da Educação / 2019

O ano de 2018 marcou duas décadas da publicação no Brasil da obra organizada por Antonio Viñao Frago e Agustín Benito Escolano, intitulada “Currículo, Espaço e Subjetividade: arquitetura escolar como programa” (1998) [3]. Considerada na época a “caixa preta” dos estudos na área de história da educação, o espaço e a arquitetura escolar tem sido explorados em diversas pesquisas estudos no país, exercitando uma importante interlocução entre história, educação e arquitetura [4].

Revisitando a importância desta publicação, que teve sua segunda edição em 2001, este dossiê propõe dialogar sobre a arquitetura escolar em perspectiva global, nacional e regional, enfatizando o momento de configuração e de consolidação das redes de ensino primária em diferentes países e a constituição da escola como uma instituição independente das demais, o que lhe configurou uma identidade própria. Nesta conjuntura, consideramos a concepção funcional e simbólica que a arquitetura escolar incorporou, tanto nos meios urbanos como nos rurais, acompanhando as demandas pedagógicas, as questões higiênicas, assim como os discursos em torno da formação do cidadão através da escola. Leia Mais

Manuais disciplinares, discursos pedagógicos e formação de professores (Séculos XIX e XX) | História da Educação | 2019

Neste dossiê estão reunidos artigos em que os autores envidaram esforços para compreender os aspectos instituintes presentes nos diferentes discursos pedagógicos que fundamentaram a ideia de renovação educacional desde o final do Século XIX e durante o Século XX. Para tanto, tomam como fonte privilegiada diferentes manuais disciplinares que foram muito utilizados nos processos de formação de professores internacionalmente, ainda que a análise recaia particularmente naqueles em circulação no Brasil e em Portugal, o que ocorreu, destacadamente em Escolas Normais, mas, também, em cursos superiores de formação de professores. Nessa direção, os manuais disciplinares elencados como fonte nos diferentes artigos propostos para integrar o presente dossiê incluem os de História da Educação, Psicologia Educacional, Didática, Pedagogia e Metodologias e Práticas de Ensino.

Assim, pode-se perceber que parte considerável dos manuais disciplinares publicados em uma primeira fase, que se estende até meados do Século XX comportava um ideário cientificista, evolucionista e higienista que estava acompanhado do estabelecimento e da disseminação de um código moral laico eminentemente cívico, considerado fundamental para o progresso das diferentes nações e para o alcance dos fins gerais da Humanidade. Em um segundo momento, a ênfase recaiu na dimensão científica e crítica, o que se estende até os tempos atuais. Com certeza este esforço discursivo e formativo contido nos manuais disciplinares encontrou forte ressonância, mas também resistência, o que se espera deixar evidenciado com o presente dossiê. Leia Mais

Estudos sobre o ensino secundário no Cone Sul nos anos 1950 e 1960 / Revista História da Educação / 2018

A atual escolarização média apresenta impasses que envolvem a sua democratização quantitativa e a sua atualização pedagógica. Os questionamentos sociais sobre este nível de ensino têm forçado governos a dar respostas consequentes e instigado educadores e cientistas sociais a produzirem respostas convincentes. Historiadores da educação têm envidado esforços no sentido de compreender a questão a partir de leituras temporais de longa e de média duração. Devido à colonização ibérica, nos países da América Latina o ensino secundário foi plasmado pela Igreja Católica por meio de uma rede articulada de colégios confessionais, contribuindo para a permanência do tradicionalismo pedagógico. A presença católica mais marcante no ensino secundário em países latino-americanos deu-se a partir do final do século XIX por meio da atuação de congregações religiosas europeias, em boa medida expulsas de países que laicizavam o Estado e o seu sistema público de ensino, como a França e a Alemanha. No ensino secundário foram sobremaneira as congregações formadas por padres que criaram e gestionaram colégios dirigidos às elites masculinas.

No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, a ação da Unesco e a intensificação da globalização estimularam a realização de experiências renovadoras no ensino secundário em países latino-americanos (XAVIER, 1999). As ideias e modelos pedagógicos que passaram a circular e a ser usados foram, especialmente, aqueles produzidos nos EUA, como o plano Morrison, e na França, tendo como referências as classes nouvelles, vinculadas ao Centre International d`Études Pedagogiques (Ciep), localizado em Sévres, e a Pedagogia Personalizada e Comunitária, elaborada pelo padre jesuita francês Pierre Faure. Enquanto as classes nouveles tiveram recepção nos sistemas públicos de ensino, a pedagogía escolanovista católica do padre Faure disseminou-se mais, mas não exclusivamente, nos colégios católicos, particularmente no México, na Colômbia e no Brasil. Não se trata da renovação do ensino secundário em larga escala, mas da realização de experiências vanguardistas pontuais, que apontaram um caminho alternativo para o ensino secundário homogeneizado pelo timbre autoritário dos anos 1930 e 1940.

No clima da guerra fria, impulsionado pelo pan-americanismo produzido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e chancelado pelos EUA, foram realizados eventos para debater a educação escolar no continente americano. Assim, em janeiro de 1955, ocorreu, em Santiago, o Seminário Interamericano de Educação Secundária, promovido pela OEA e pelo governo do Chile. Tratou-se de um evento singular em que os representantes dos países americanos apresentaram uma radiografia do formato do ensino secundário em seus respectivos sistemas nacionais de ensino e promoveram uma importante troca de experiências escolares (ABREU, 1955). Outro exemplo foi a realização do Congresso Pan-Americano de Educação Física, também ocorrido na capital do Chile, no ano seguinte, que contou com a participação de Germano Bayer, professor do Colégio Estadual do Paraná, e Gildásio Amado, titular da Diretoria do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Cultura do Brasil. Segundo Chaves Júnior (2016), esses dois educadores visitaram o Liceo Experimental Manuel Salas, localizado em Santiago, que realizava um ensaio educacional renovador no ensino secundário. Há, portanto, indícios de certa circulação e apropriação de experiências educativas no ensino secundário entre os países do continente americano, certamente mais frequentes entre os de língua espanhola.

A pequena onda de renovação do ensino secundário nos países da América Latina, proporcionado pelo clima democrático e de abertura internacional no campo educacional, foi coibida pelas ditaduras militares dos anos 1960 e 1970 no subcontinente latinoamericano. Refletindo sobre o autoritarismo militar e escolarização no Uruguai, Southwell (2010, p. 14) assevera que “el régimen [militar] entendió que la escuela era responsable de desborde de la cultura política y desde esa convicción operó para generar mayores formas de control político sobre la cultura escolar y el trabajo pedagógico”. Mutatis mutandis, essa constatação pode ser estendida às ditaduras latino-americanas que procuraram intervir nos seus sistemas de ensino, inicialmente no nível superior porque as universidades eram um dos principais focos de resistência democrática, mas também nos ensinos primário e secundário. As ditaduras abortaram experiências educativas e ideias pedagógicas ricas e criativas, em boa medida inspiradas em modelos pedagógicos estrangeiros, mas também em propostas pedagógicas elaboradas e usadas na América Latina como a de Paulo Freire.

Nesta direção, o presente dossiê tem como intuito realizar uma leitura histórica e comparada da renovação do ensino secundário, nas décadas de 1950 e 1960, em países do Cone Sul, de sorte que os autores dos textos analisam a escolarização de seus países. No artigo “Formato, pedagogias y planeamiento para la secundaria en Argentina. Notas sobresalientes del siglo XX, Myriam Southwell apresenta uma trajetória panorâmica do ensino secundário na Argentina durante o novecentos. Tal panorama parte da criação do modelo de colégio de ensino secundário direcionado às elites burguesas no final do século XIX, mas sobretudo lança luz sobre as renovações que se colocaram no ensino secundário argentino a partir da expansão, modernização e ressignificação escolanovista dessa etapa da escolarização. Em “Las asambleas de profesores en la consolidación del consejo de enseñanza secundaria en Uruguay (1949-1961)”, Lucas D’Avenia analisa as chamadas assembleias de professores secundaristas no Uruguay, procurando compreender a emergência dessas assembleias no momento do início da massificação da matrícula do ensino secundário e, especialmente, a circulação de ideias pedagógicas e espaço de empoderamento docente.

Os artigos de autores brasileiros colocam o foco sobre as chamadas classes secundárias experimentais, que se constituíram na principal experiência pedagógica no ensino secundário brasileiro nas décadas de 1950 e 1960. No artigo “Luis Contier como catalisador de redes: classes experimentais e renovação do ensino secundário em São Paulo nas décadas de 1950 e 1960”, Daniel Ferraz Chiozzini e Letícia Vieira refletem sobre a contribuição do educador-intelectual Luís Contier na implantação da primeira experiência renovadoras no ensino secundário a partir das classes nouvelles, bem como na instituição das classes secundárias experimentais a partir do final dos anos 1950. Em “A inspiração nos trabalhos dos grandes centros de estudos pedagógicos: considerações sobre as classes integrais do Colégio Estadual do Paraná (1960-1967)”, Sérgio Roberto Chaves Júnior analisa o ensaio educacional das classes secundárias experimentais, na década de 1960, na principal escola pública do Paraná, que tinha conexões com o Colégio Nova Friburgo, referência no uso do método de ensino por unidades didáticas inspirado no plano Morrison. No artigo “Circuito e usos de modelos pedagógicos renovadores no ensino secundário brasileiro na década de 1950”, Norberto Dallabrida busca compreender os processos de circulação e de apropriação das classes nouvelles e da Pedagogia Personalizada e Comunitária no Brasil.

Os cincos artigos que compõem o presente dossiê, portanto, proporcionam estudos sobre o ensino secundário no Cone Sul em perspectiva histórica e comparada, apostando na intensificação da troca de reflexões educacionais e pedagógicas na América Latina. Esse trabalho pretérito tem o fito de contribuir para subsidiar as reformas o ensino secundário / médio em curso, de modo que este nível de escolarização seja pedagogicamente consistente e socialmente justo.

Referências

ABREU, Jayme. A Educação Secundária no Brasil. Rio de Janeiro: MEC / Inep, 1955. (Publicações da Cileme, 9).

CHAVES JÚNIOR, Sérgio Roberto. As inovações pedagógicas do ensino secundário brasileiro nos anos 1950 / 1960: apontamentos sobre as classes integrais do Colégio Estadual do Paraná. Cadernos de História da Educação, Uberlândia, v. 15, n. 2, p. 520- 539, maio / ago. 2016.

SOUTHWELL, Myriam. Prólogo. In: ROMANO, Antonio. De la reforma al proceso: una historia de la Enseñanza Secundaria (1955-1977). Montevideo: Ediciones Trilce, 2010. p. 11-14.

XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como Laboratório: Educação e Ciências Sociais no Projeto dos Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais CBPE / Inep / MEC (1950-1960). Bragança Paulista: Edusf, 1999.

Norberto Dallabrida – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Pesquisador do CNPq. Com Rosa Fátima de Souza, organizador da coletânea “Entre o ginásio de elite e o colégio popular: estudos sobre o ensino secundário no Brasil (1931-1961)”. E-mail: [email protected]

 Myriam Southwell – Investigadora independiente Conicet / Universidad Nacional de La Plata, directora del Doctorado en Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata. Fue presidente de la Sociedad Argentina de Historia de la Educación entre 2008 y 2012 y desde 2016 es integrante del Comité Ejecutivo de International Standard Conference on History of Education (Ische). Autora de numerosos trabajos en temas de historia y política de la educación entre los cuales se destacan Ideas en la Educación Latinoamericana. Un balance historiográfico (junto con Nicolás Arata), Unipe, 2014; Reflexiones sobre el Congreso Pedagógico Internacional de 1882 (junto con Jorge Bralich), Trilce, 2014; Schooling and Governance: Pedagogical Knowledge and Bureaucratic Expertise in the Genesis of the Argentine Educational System, Paedagogica Historica, v. XLIX, 2013; La educación y lo justo. Ensayos acerca de las medidas de lo posible, Unipe, 2013; Entre Generaciones. Exploraciones sobre educación, cultura e instituciones, Homo Sapiens, 2012. E-mail: [email protected]


DALLABRIDA, Norberto; SOUTHWELL, Myriam. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 22, n. 55, maio / ago., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Representaciones de la universidad en los imaginarios sociales de la europa mediterránea e iberoamérica en tiempo de cambio (1968-1998) / Revista História da Educação / 2018

Metáforas de la prensa diaria para la historia de la educación. del “largo ‘68” al fin de la “tercera ola” en la europa mediterránea e iberoamérica [1]

Tal como sugiere Hannah Arendt, quizás “haya verdades más allá del discurso, y tal vez sean de gran importancia para el hombre en singular”, pero resulta que, para el ser humano – “los hombres en plural” –, lo hecho, sabido y / o experimentado “sólo tiene sentido en el grado en que pueda expresarlo”, y eso que se expresa únicamente adquiere significado para los individuos “debido a que se hablan y sienten unos a otros”. Esta “apariencia – algo que ven y oyen otros igual que nosotros – constituye la realidad”, y la sensación de la misma “depende por entero” de aquella otra y, por tanto, “de la existencia de una esfera pública”, donde “únicamente se tolera lo que es considerado apropiado, digno de verse u oírse”. (ARENDT, 1993). La prensa diaria, entonces, representa una parcela de esa esfera pública donde los intereses – de grupos varios – y las opiniones – de individuos que “ejercen su razón serena y libremente” – se encuentran, en la que se confunden los sistemas formales e informales de comunicación, y coexisten las opiniones públicas, quasi – públicas y no públicas. (ARENDT, 1993, 1998; HABERMAS, 1994).

Este medio de comunicación de masas puede ser considerado como algo más. Es posible pensar en la prensa diaria como un peculiar espejo público con capacidades diversas y efectos de distinto tipo que tienen lugar de forma simultánea. Por un lado, como a Alicia (CARROLL, 2010), permite a los individuos el acceso a espacios físicos y simbólicos que los trascienden – material y temporalmente – y que, a pesar de ser mero reflejo, fugaz, contorsionado y brumoso, de esa apariencia que constituye la realidad, contribuyen notablemente a configurar la forma en la que las personas corrientes – ajenas, en su mayoría, a los discursos científico-técnicos – tejen los hilos de partes sustantivas de las redes de las memorias colectivas (HALBWACHS, 2004; RICOEUR, 2010) y construyen el imaginario social, el modo según el cual

[…] imaginan su existencia social, el tipo de relaciones que mantienen unas con otras, el tipo de cosas que ocurren entre ellas, las expectativas que se cumplen habitualmente y las imágenes e ideas normativas más profundas que subyacen a estas expectativas […] que hace posibles las prácticas comunes y un sentimiento ampliamente compartido de legitimidad. (TAYLOR, 2006).

La peculiaridad es que los periódicos se constituyen como un género de comunidad imaginada caracterizada, principalmente, por dos cosas: en primer lugar, por la “yuxtaposición” en “el avance sostenido del tiempo homogéneo, vacío”, de realidades que se van haciendo más o menos presentes, en ocasiones condenadas a una momentánea inexistencia, “esperando su reaparición en la trama”; en segundo término, por el perenne, recíproco y casi absoluto desconocimiento de los actores que dan vida, sentido y significado a esa comunidad, cuyos diálogos se desarrollan sin el encuentro con los otros – ni la posibilidad del mismo –, pero que, a pesar de todo, logran poner en conexión a los individuos con un “conjunto colectivo de lectores” más amplio, que no requiere especificación alguna porque es una comunidad presupuesta, que “ya está allí”, hermanada por “esa ceremonia masiva extraordinaria: el consumo casi precisamente simultáneo – ‘imaginario’ – del periódico como ficción”, acto en el que “cada comunicante está consciente de que la ceremonia está siendo repetida simultáneamente por miles – o millones – de otras personas en cuya existencia confía, aunque no tenga la menor noción de su identidad”; al mismo tiempo, esa ceremonia, en la que el lector observa ejemplares idénticos de su periódico “consumidos por sus vecinos en el metro, en la barbería o en la vecindad confirma de continuo que el mundo imaginado está visiblemente arraigado en la vida diaria”. (ANDERSON, 1993).

Por otro lado, la prensa diaria puede figurarse asimismo como un espejo que, al igual que el de la Dama Blanca, es capaz de mostrar lo que se desea ver, pero también “cosas que no se le piden y éstas son a menudo más extrañas y más provechosas que aquellas que deseamos ver […] [pues] muestra cosas que fueron y cosas que son y cosas que quizá serán”. (TOLKIEN, 1978).

Efectivamente, los tiempos y los espacios cobran dimensiones alternativas y, con ello, la realidad adquiere una apariencia de una suerte de horizontes de sucesos autoreplicantes que nunca alcanzan a absorberse. Son objetos con la capacidad de condensar y reflejar distintos “estratos del tiempo” (KOSELLECK, 2001), de hacer que las velocidades del mismo se sincronicen a un ritmo espasmódico, hasta llegar a confundirse, y que las experiencias directas y / o vicarias de realidades aparentemente inconexas sean puestas en relación unas con otras y, con esto, que las distintas realidades temporales y espaciales yuxtapuestas adquieran sentido y unidad, significado y relevancia social.

Los lectores se mueven en un espacio temporal difuso, en el que el presentepresente, donde se sitúa el acto de leer, se toca con el presente-pasado, que hace referencia a los acontecimientos del día anterior, que adquieren la apariencia de presentepresente, de acción aún en curso. En ese momento, un elemento temporal más entra en juego, el presente-futuro, mediante ese pequeño acto de “prognosis” (KOSELLECK, 2003) que todo lector realiza y que consiste en aventurar el desenlace del presente-pasado y el presente-presente, que únicamente se ve confirmado mediante otro ciclo semejante de conjunción temporal.

El lector también se ve transportado a otros estratos del tiempo que trascienden lo inmediato. Por un lado, los diarios hacen constante referencia a los pasados-presentes, a aquellos fragmentos del pasado que forman parte de la memoria colectiva y cuyo rescate puede ser de interés para las distintas dimensiones de los presentes y futuros. Por otro lado, en las páginas de la prensa se condensan algunas de las aspiraciones y posibles trayectorias que las sociedades reservan, conceden o desean para sí mismas, esto es, algunos de los futuros-presentes que son posibles y parecen al alcance de la mano.

Finalmente, la prensa no sólo ofrece imágenes de la realidad. Es un espejo que puede llegar a modificar la misma. Presenta a los protagonistas de la acción el reflejo de su propia acción que, en lo sucesivo, se ve condicionada por la necesidad de responder a la imagen social de sí mismos, de dar continuidad a los actos, a las historias y a las expectativas generadas el día anterior.

La educación – en sentido amplio – ha sido – y sigue siendo – una de las tramas de la vida humana que, por su relevancia social, ha pasado a formar parte del catálogo de cuestiones susceptibles de ser tratadas en la parcela de la esfera pública ocupada por la prensa diaria. De tal modo, esta se configura como un tipo de fuente que ofrece buenas oportunidades para la historia de la educación. Y es frecuente que se utilice como material complementario a los de archivo, orales, patrimoniales o de otro género, pues posibilitan, por ejemplo, acceder a rincones de la historia de la educación que escapan a los registros oficiales y / o institucionales o reconstruir algunos detalles de la cotidianidad de la educación. Pero aún siguen siendo materiales ricos y frescos, escasamente analizados, con considerable potencial explicativo e interpretativo, tal como sugieren las metáforas de los espejos y las claves del pensamiento a ellas asociadas. Y esto implica dos cosas: en primer término, lo que adquiere importancia en este enfoque de análisis no es tanto la verdad, sino la intención de la misma, aquella que, sin serlo, lo pareció y, como tal, pasó a formar parte de la arquitectura social del pensamento [2]; en segundo lugar, escapar de los imaginarios pedagógicos, circunscritos a entornos científicos y técnicos y a discursos autorreferenciales, y dirigir el foco de atención hacia los imaginarios sociales de la educación. Y lo interesante de esto “es que lo comparten amplios grupos de personas, si no la sociedad en su conjunto”. (TAYLOR, 2006).

Con este trasfondo, el monográfico que aquí se presenta tiene como objetivo analizar las imágenes o ideas de la universidad – en sentido amplio – en las esferas públicas de la Europa Mediterránea e Iberoamérica construidas y diseminadas por la prensa diaria en tiempos de cambio social, político, cultural y educativo.

La atención se centra, en primer lugar, en las narrativas sobre la juventud y, particularmente, la actividad estudiantil generadas por ese medio de comunicación de masas durante el largo 68 [3]. Con esta expresión se pretende enfatizar el carácter expandido del “momento global” – “[…] sucesos que se percibieron de modos muy diversos (a veces hasta contradictoriamente), pero que aun así fueron objeto de apropiación como puntos de referencia globales, y funcionaron como tales” (CONRAD, 2017) – que representó ese año. Desde sus inicios, con mayor o menor intensidad, se fueron desarrollando a escala planetaria, en muchos casos de forma sincrónica, actuaciones de jóvenes y estudiantes universitarios; el impacto social, político y cultural de algunos acontecimientos – como la Paseata dos Cem Mil (HERNÁNDEZ HUERTA, 2017), la Primavera de Praga (BORRERO, 2016; KAVAN, 2008), la matanza de Tlatelolco (CAREY, 2016a) o el Mayo de París (GERMAIN, 2016; GILCHER-HOLTEY, 2008) – fue tal, que ocuparon un espacio mediático significativo en las esferas públicas de otros lugares y pasaron a formar parte de la substancia de la mitología revolucionaria juvenil del momento y de décadas posteriores. Efectivamente, el 68 fue algo más que la materialidad de los eventos y trascendió su propia temporalidad. Puede ser considerado como la manifestación de una radical transformación del tejido humano que supuso la aparición de la categoría social y cultural de jóvenes en acción, cuyo rastro se puede seguir desde mediados de 1966, momento en el que la República Popular China puso en marcha la Gran Revolución Cultural y Proletaria, en la que los jóvenes se convirtieron en la vanguardia del movimiento (ROSÚA, 2001; SCARLETT, 2016) – conocidos como la generación del gran recuerdo (ROSÚA, 1977) –, hasta bien entrado el ’69, año que se registraron episodios de actividad juvenil y universitaria especialmente significativos , entre otros lugares, en Japón (MAROTTI, 2009) y Estados Unidos. (CAREY, 2016b). Durante el verano boreal de ese mismo año de 1969, bajo el lema de 3 Days of Peace & Music, se celebró el festival de Woodstock Music & Art Fair (White Lake, New York), probablemente la última gran manifestación de la cultura juvenil alternativa típicamente long sixties, que rápidamente pasaría a instalarse en los imaginarios sociales de adolescentes y jóvenes como un referente de la contra-cultura durante las dos décadas siguientes y con resonancias en los ‘90.

Tales son los asuntos que abordan los dos primeros artículos que conforman este monográfico, que estudian los casos de Italia y Brasil. Ambos son ejemplo de los múltiples rostros que adoptó el largo 68, sus distintas temporalidades y las variadas formas de vivirlo, sentirlo, interpretarlo e incorporarlo a la memoria colectiva. El primero de ellos, titulado Los jóvenes universitarios y la opinión pública en Italia durante el ’68, corre a cargo de Antonella Cagnolati (Università di Foggia, Italia). En este se analiza la imagen de la juventud y la cobertura mediática de las movilizaciones de los estudiantes universitarios proporcionada por el Corriere della Sera, haciendo hincapié en el análisis de las narrativas construidas sobre las motivaciones y las aspiraciones de una parte significativa de los jóvenes italianos. El caso de Italia evidencia el carácter expandido del 68, pues el punto de origen de la rebelión estudiantil se halla diciembre de 1967, fecha en la que tuvo lugar la revuelta de los “150”, en la Universidad Católica de Milán.

Representações dos movimentos estudantis brasileiros na imprensa diária durante o ano de 1968. De Calabouço à Missa do Sétimo Dia es el segundo artículo, y se debe a quien suscribe estas líneas. Además de en la crónica, que ha permitido establecer los hechos, intensidad, frecuencia y magnitud de las formas públicas de resistencia estudiantil frente a la dictadura, por medio de esta investigación se profundiza, fundamentalmente, en el análisis ideológico y crítico de los discursos creados y canalizados por el cuarto poder, aquellos que, profundamente mediatizados y sometidos, en el caso de Brasil, a los procesos propios del lenguaje totalitario, llegaron al ciudadano corriente. Para esto se ha tomado como fuente el diario Correio do Povo.

El foco de atención de este monográfico se dirige, en segundo lugar, hacia las representaciones de la universidad, particularmente de la actividad estudiantil dentro y fuera de las instituciones de educación superior, en la prensa diaria durante la “tercera ola de democratización” – “[…] grupo de transições de regimes não-democráticos para democráticos, que ocorrem em um período específico e que significativamente são mais numerosas do que as transições na direção oposta durante tal período” (HUNTINGTON, 1994) –, iniciada en abril de 1974 en Portugal con la denominada revolución de los claveles, y que, durante los tres lustros siguientes, adquirió una escala global: “[…] cerca de trinta países passaram do autoritarismo à democracia e pelo menos vinte outros foram afetados pela onda democrática”. (HUNTINGTON, 1994). Durante estos procesos, al menos en el área iberoamericana, la universidad se convirtió en un reducto de relativa y mínima, aunque esencial, libertad; fue uno de los principales laboratorios encubiertos de democracia y uno de los catalizadores de las transformaciones sociales y culturales que conllevaron las transiciones políticas [4].

En esta línea de investigación se enmarcan los siguientes cuatro artículos, centrados en los casos de Portugal, España, Argentina y Chile. Todos profundizan en las corrientes de opinión pública generadas por los principales diarios de difusión nacional en torno a la democratización de las universidades, el papel desempeñado por los estudiantes en este proceso, su participación en otros más amplios, desarrollados en calles y plazas o a través de los medios tradicionales de participación política – sindicatos y partidos políticos –, y el rol que habrían de desempeñar esas mismas instituciones en los procesos de transición democrática y, posteriormente, en los de consolidación y ampliación de la misma. Así, en Educação e Democracia. Discursos sobre a universidade portuguesa em tempos de transição (1974-1976), escrito por Helder Henriques (Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal), se estudia la construcción de la imagen pública de la universidad portuguesa y se discuten e interpretan las principales ideas y argumentaciones asociadas a la condición, situación y proyección de las instituciones de educación superior aparecidas en las páginas de Diário de Lisboa.

A través del artículo La prensa y la participación estudiantil en la negociación democrática de España (1978-1982), Tamar Groves (Universidad de Extremadura, España) y Mª Inmaculada Pedrera Rodríguez (Universidad de Extremadura, España) examinan, por un lado, las representaciones de las movilizaciones estudiantiles en El País, el periódico de mayor impacto en la opinión pública española durante la transición a la democracia, y, por otro lado, las discusiones sobre la idea de “autonomía universitaria” y los debates a los que dio lugar en ese mismo diario el proyecto de ley promovido por la UCD desde octubre de 1978 para regular ese derecho de libertad, que sería finalmente reconocido en el texto constitucional refrendado en diciembre de ese mismo año.

En el texto El acceso irrestricto de estudiantes a las universidades argentinas a través de los discursos de la prensa diaria (1982-1983), de Sara González Gómez (Universitat de les Illes Balears, España) y Guillermo Ruiz (Universidad de Buenos Aires, Argentina), se explora el espacio mediático ocupado por la cuestión de los estudiantes universitarios argentinos en La Nación, La Prensa y Clarín y se analizan los debates generados por estos diarios sobre el “acceso irrestricto”, uno de los puntos neurálgicos de la política universitaria argentina y que se encuentra en el epicentro de las discusiones acerca del contenido y el alcance del derecho a la educación y sobre los límites de la autonomía universitaria.

Cierra el monográfico el trabajo de Pablo Toro Blanco (Universidad Alberto Hurtado, Chile) Malas relaciones: prensa y movimiento estudiantil universitario en Chile a finales de la dictadura e inicios de la transición democrática (c. 1986 – c. 1998). En esta región geopolítica, al igual que en los casos anteriores, los estudiantes universitarios se configuraron como un grupo de resistencia frente a la dictadura y catalizador del proceso de transición a la democracia, a pesar de los empeños del establishment por desarticular los movimientos sociales. En este artículo se estudian algunos momentos clave de los jóvenes chilenos en acción y el trato dado por la prensa diaria.

Notas

1. Agradezco la generosidad intelectual de Maria Teresa Santos Cunha, Xavier Laudo Castillo, Jon Igelmo Zaldívar, Tamar Groves e Iván Pérez Miranda, que han leído críticamente este texto – o sus versiones previas – y realizado observaciones que han servido para matizar las ideas originales y proponer ulteriores reflexiones e indagaciones. Este trabajo y el monográfico en el que se integra – Representaciones de la Universidad en los imaginarios sociales de la Europa Mediterránea e Iberoamérica en tiempo de cambio (1968-1998) – han sido posibles gracias a la financiación recibida de la Universidad de Valladolid Ayudas del Plan de Movilidad del Personal Investigador. Convocatoria 2016 y Ayudas del Plan de Movilidad del Personal Investigador. Convocatoria 2013) y la Università di Foggia (Bando Visiting Professors 2015) y forman parte de la actividad del grupo de trabajo Ágora de Educación (Universidad de Valladolid. España) (www.agoradeeducacion.com); otras publicaciones de Ágora de Educación sobre esta línea de investigación son: Cagnolati (2011); Hernández Huerta (2017); Hernández Huerta and González Gómez (2014); Hernández Huerta and Ortega Gaite (2015).

2. Aquí no se pretende discutir desde un punto de vista epistemológico – ni desde ningún otro – las complejas y siempre huidizas ideas de verdad – o verdades –. Se hace referencia a la noción más elemental y extendida en los imaginarios sociales, vinculada al sentido y la sensación de realidad, a la veracidad y verosimilitud de la misma. Puede resultar de interés la discusión de Chartier (1994) sobre la idea de “intenção de verdade”.

3. Bajo este mismo lema se desarrollará, durante los días 3, 4 y 5 de octubre de 2018, en la Universidad de Valencia (España), el Simposio de Historia de la Educación Globalizing the student rebellion in the long ’68 (http: / / espaciotiempoyeducacion.com / ocs / index.php / 68 / 68).

4. La universidad durante los procesos de democratización de la tercera ola sigue siendo un campo de investigación que merece más y mejores estudios (GONZÁLEZ GÓMEZ, 2015). A este respecto, pueden resultar de interés algunas publicaciones recientes centradas en la Europa Mediterránea e Iberoamérica, concretamente en los casos de Brasil (ÉSTHER, 2015), Chile (TORO BLANCO, 2015), España (CARRILLOLINARES, 2015; RODRÍGUEZ TEJADA, 2015), Grecia (KARAMANOLAKIS, 2015), Portugal (ACCORNERO, 2015; HENRIQUES; MARCHAO; MOURATO, 2015; TORGAL, 2015) y Uruguay (MARKARIAN, 2015).

Referências

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José Luis Hernández Huerta – Doctor Europeus em Pedagogia pela Universidade de Salamanca (Espanha) e Professor da Faculdade de Educação de Palencia, Departamento de Filosofia, Secção de Teoria e História da Educação, da Universidade de Valladolid (Espanha). Editor das revistas Foro de Educación y Espacio, Tiempo y Educación. Diretor do Grupo de Investigación Ágora de Educación (Universidade de Valladolid, Espanha), Coordenador de Connecting History of Education Working Group y membro da equipe do Grupo de Investigación Reconocido Memoria y Proyecto de la Educación (Universidade de Salamanca, Espanha) e do l Grupo de Estudios Medievales y Renacentistas (Facultad de Educación – Uned, España). Faz parte das sociedades científicas International Standing Conference on the History of Education (Ische), Sociedad Española de Historia de la Educación (Sedhe) e Sociedade Brasileira de História da Educação (Sbhe. E-mail: [email protected]


HUERTA, José Luis Hernández. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 22, n. 54, jan / abr, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Discursos e itinerários de modernização educativa no espaço luso-brasileiro / Revista História da Educação / 2017

Nos últimos anos, no âmbito da História da Educação, pesquisadores têm mobilizado esforços para articular projetos de pesquisa que evidenciem ideias, projetos e práticas de intelectuais e seus grupos e de instituições de pertencimento e sociabilidade, com conexões luso-brasileiras. O resultado dessa articulação é expresso na produção de livros e artigos, viabilizado por iniciativas institucionalizadas de estudos, assim como contatos pessoais e profissionais. Os textos elencados neste dossiê resultam de discussões oriundas da apresentação de trabalhos no Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, realizado em 2016, na cidade do Porto, em Portugal.

As investigações aqui sistematizadas remetem ao período em que os autores Teresa Rosa, que é portuguesa, e os brasileiros Raylane Barreto, Mauro Gonçalves e Giana Amaral, realizaram o estágio pós-doutoral, na Universidade de Lisboa, sob orientação de Justino Magalhães. Constituiu-se, no ano de 2014, um grupo que tinha na modernização educativa uma temática comum em suas pesquisas. Nos artigos aqui apresentados, foram analisados documentos arquivados na Biblioteca Nacional de Portugal, na Torre do Tombo e em diferentes acervos documentais lusitanos e brasileiros.

A compreensão dos dilemas da modernidade e dos processos de modernização no âmbito educacional tem desafiado pesquisadores. Ainda mais se levarmos em conta a afirmativa de Justino Magalhães (2010, p. 11) de que “na base da Modernidade está a educação”. A educação aqui tomada pelo autor, como sinônimo de pessoalização; etimologicamente remetida a educare e / ou educere: “acção de alimentar, desenvolver e criar, ou a acção de conduzir e fazer sair. O sentido de transformação, ou seja, uma sucessão de quase-metamorfose está presente no conceito de educação”.

Assim, o dossiê Discursos e Itinerários de Modernização Educativa no Espaço Luso-brasileiro constitui um meio de investigação, conceptualização e discussão. Incide numa temática aberta, modernização educativa, que será extensiva ao Ocidente Moderno e Contemporâneo, a partir de uma perspectiva histórico-comparada entre Portugal e Brasil. O tempo longo e a representação sob a modalidade de discursos e itinerários permitem mapear diversos assuntos, espaços e quadros de modernização educativa. O compromisso de partida entre o conjunto de investigadores: a partilha de uma metodologia comum, associada à História Cultural. A incidência em discursos e itinerários meta-educativos de teor reformista possibilitam um contributo substantivo para a História da Educação. É proposto um ensaio paradigmático resultante da congregação de um tema, de uma conceptualização que reúne um grupo de produção com um quadro histórico-educativo de referência.

O artigo de Teresa Rosa, A Matriz Pedagógica Jesuíta e a Sistemática Escolar Moderna, trata da Ratio Studiorum, texto fundador de ordenação e sistematização de estudos, que permitiu o desenvolvimento de um sistema escolar de alcance internacional. A autora evidencia a possível atualidade de algumas das características dessa metodologia jesuítica, que podem ainda a vir contribuir para que o aluno participe com mais empenho no processo ensino-aprendizagem. Sublinha a potencialidade da Ratio Studiorum na inspiração para o trabalho educativo nos tempos atuais, uma vez que se centra no encontro pessoal entre o educador e o educando, num processo contínuo de interação e comunicação.

Raylane Barreto, em seu artigo Tobias Barreto de Menezes e a Educação para um Brasil Moderno (Séc. XIX), ressalta a importância da abordagem da história de intelectuais para a compreensão de aspectos da História da Educação. Assim, destaca ideias, propostas e práticas de Tobias Barreto de Menezes, um dos autores expoentes dos oitocentos brasileiro, relacionando-as com questões educacionais do período, em especial no nordeste brasileiro. Nesse sentido, a análise empreendida busca articular as principais expressões desse autor, que teve o germanismo como “linha inspiradora” – germanismo este, que se revelou em diversas frentes de sua produção bibliográfica – em prol da educação superior feminina e da educação para o trabalho com vistas a um Brasil moderno. A autora conclui que a concepção de Tobias Barreto mais do que partir da crítica a todos os membros da hierarquia social do império, contempla a missão do homem de ciência para a qual, segundo Weber, a visão de mundo permite apresentar padrões morais e éticos e a ciência se torna uma instância mediadora da vida.

O artigo de Giana Lange do Amaral, Os maçons e a Modernização Educativa no Brasil no Período de Implantação e Consolidação da República, parte da premissa de que a atuação de maçons e da maçonaria no contexto educacional brasileiro ainda é uma temática pouco estudada. Nesse sentido, a autora destaca encaminhamentos de um estudo maior sobre a influência de maçons no processo de modernização educacional que se consolida entre as últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX. A atuação de maçons, respaldada por idéias liberais e iluministas, se consolida nas primeiras décadas do regime republicano, influenciada pelo ideário positivista e antijesuítico, em defesa do ensino elementar público, laico e obrigatório. No Brasil, a Maçonaria adaptou-se às condições específicas e necessidades regionais de onde se instalou. Portanto ela não deve ser compreendida num sentido unívoco, sendo mais fácil identificar a ação e engajamento ideológico de maçons e não da Maçonaria propriamente dita. Este artigo, fundamentado pela História Cultural, privilegia o uso de periódicos maçônicos e busca destacar práticas políticas dos maçons como intelectuais, gestores, legisladores, escritores, jornalistas e professores, bem como as Lojas Maçônicas como potenciais espaços de sociabilidades e organização ideológica.

Mauro Castilho Gonçalves, no artigo Integralismo Lusitano e Educação Católica: Conexões entre Intelectuais e o Caso do Colégio Vasco da Gama de Lisboa, Portugal (década de 1920) apresenta, inicialmente, as fontes e problematizações que nortearam a temática abordada, particularmente as que versam sobre as conexões entre o Integralismo Lusitano (IL) e o campo escolar. O autor examina o projeto cultural e pedagógico do colégio lisboeta Vasco da Gama, instituição de ensino fundada em 1915, que pretendeu instruir e educar seus alunos sob as bases da Educação Física, da Religião e das Artes, à luz da doutrina católica, dos princípios integralistas e de uma rígida disciplina interna. Seu estudo tem como fonte central de investigação um periódico, criado em meados dos anos de 1920. Ele serviu de base na configuração do projeto cultural do colégio e expressão institucionalizada de uma rede de sujeitos conectados e ativos em tempos conturbados da política portuguesa. Alcançar os estudantes secundaristas e universitários era uma das metas do IL. Seguindo os preceitos doutrinários do IL, estava destinado à juventude escolar e acadêmica um papel na luta pela regeneração da alma portuguesa, por meio da restauração monárquica.

Pelo que foi exposto, o leitor pode perceber que há, entre os trabalhos apresentados, linhas comuns no modo de abordagem sobre um mesmo tema, mas há também o objetivo de mostrar como a modernização educativa sofre metamorfoses discursivas tendo sido alocada em diferentes espaços, movimentos e ideários. É uma temática de História Cultural, centrada nos movimentos de intelectuais e de transformação social e institucional. A modernização educativa em Portugal e Brasil é aqui inventariada e referenciada em distintos tempos históricos, assuntos, autores e pensadores.

Referência

MAGALHÃES, J. Da cadeira ao banco: escola e modernização (séculos XVIII-XX). Lisboa: EDUA, Unidade de I&D de Ciências da Educação, 2010.

Giana Lange do Amaral – Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas, pesquisadora CNPq / PQ2, Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com estágio Pós-doutoral na Universidade de Lisboa e na PUC / RS. E-mail: [email protected]

Mauro Castilho Gonçalves – Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade de Taubaté, SP. Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC-SP. E-mail: [email protected]


AMARAL, Giana Lange do; GONÇALVES, Mauro Castilho. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 21, n. 53, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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História da educação católica: produção e circulação de saberes pedagógicos / Revista História da Educação / 2017

Este dossiê apresenta parte das pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto Igreja Católica e circulação de saberes pedagógicos: intelectuais, impressos e práticas educativas (1916-1970) [1]. Embora a ação de intelectuais leigos católicos de destaque tenha história de pesquisa em nosso país, veja-se, por exemplo, os estudos sobre Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima [2], para além, contudo da Revista A Ordem e do Centro Dom Vital, lócus privilegiado da intelectualidade católica leiga e combativa, a partir de 1922 há outros espaços em que intelectuais leigos, mais ou menos brilhantes, com maior ou menor visibilidade, atuaram fazendo circular saberes, representações, defendendo valores e divulgando uma moral. A ampliação dos estudos sobre outros espaços de circulação desta intelectualidade visa a contribuir para a compreensão das várias formas assumidas pelo catolicismo (como prática e como conjunto de ideias) em nosso país, intervindo na educação, seja ela entendida como escolarização ou como socialização.

Os artigos aqui apresentados versam sobre um conjunto de práticas educativas produzidas e postas em circulação por diferentes estratégias e endereçadas a públicos distintos. Todas, no entanto, se valeram do impresso – de forma mais ou menos privilegiada – para sistematizar e difundir os saberes que estavam sendo produzidos por meio dessas práticas. O proselitismo, a doutrinação e a evangelização por meio de impressos foi assunto bastante cuidado pela hierarquia da Igreja Católica, veja-se, para o final do século XIX e início do século XX, o documento resultante do I Concílio Plenário da América Latina, que orientou as ações de religiosos / religiosas e leigos / leigas na região (LEONARDI; BITTENCOURT, 2016). O alvo era a cultura e a sociedade em geral com multiplicidade de ações que buscavam dar conta de diferentes segmentos da sociedade, envolvendo adultos e crianças, leigos / leigas e religiosos / religiosas. Investigar as ações pedagógicas / evangelizadoras empreendidas por intelectuais e educadores leigos favorece a compreensão de como as determinações da Igreja católica, atravessando diversos sujeitos em situações distintas, contribuíram para a permanência do catolicismo na sociedade e no cenário educacional brasileiro ao transitarem no campo da produção, mediação e circulação dos saberes pedagógicos, influenciando a reconfiguração do campo educacional no Brasil.

Com público mais amplo ou direcionado ao campo pedagógico, os impressos colocam em evidência um conjunto de estratégias de difusão e imposição dos modelos pedagógicos ou de comportamento e de táticas de apropriação desses modelos, utilizados como importantes dispositivos pelos diferentes atores que ocupavam o campo educacional na primeira metade do século XX (CARVALHO; TOLEDO, 2007). Assim, além de difundir determinadas práticas, são, eles mesmos, uma prática.

Os impressos aparecem aqui de forma transversal ou como ponto de intersecção entre os sujeitos e suas práticas. Muitos deles produziram livros, escreveram em jornais ou, simplesmente, tiveram suas ações noticiadas por esses veículos, foram editores ou articulistas de revistas. De uma forma ou de outra, usaram a palavra impressa para difundir valores, hábitos, comportamentos que defendiam como os ideais para a sociedade brasileira e portuguesa. O uso dos impressos na conformação de um campo pedagógico ou educacional inspira o que Marta Carvalho e Maria Rita Toledo (2007) denominam de “multifacetado campo de investigações”. São essas investigações que, segundo as autoras, “dão sólido suporte a uma história cultural dos saberes pedagógicos interessada na materialidade dos processos de difusão e imposição desses saberes e na materialidade das práticas que deles se aproxima” (CARVALHO & TOLEDO, 2007, p. 89). Educar pelas leituras tornou-se uma estratégia eficaz e utilizada, em geral, por diferentes grupos de educadores.

Os textos apresentados neste dossiê cobrem o período 1930-1960 e dirigem seu olhar para a ação de leigos ou para a formação de leigos, por meio do estudo do bandeirantismo, da Escola de Pais, dos Focolares, da Escola Ativa católica. Todos tem o impresso como fonte e / ou como objeto. O período dos estudos cobre a ditadura Vargas, a II Guerra Mundial e o pós-guerra. No campo da educação, assistimos aos embates entre leigos e católicos no Brasil pelo Sistema Nacional de Educação, à retomada da Igreja na cena pública brasileira e à inserção de seus pontos de pauta nas Constituições e na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Os leigos forneciam a base de apoio social e combatiam nas mais diversas frentes tendo os impressos como meio.

Os três primeiros artigos abordam práticas educativas distintas e dois deles têm a marca do protagonismo feminino. É sabido o papel fundamental que as mulheres tiveram no projeto de recatolicização, fosse como religiosas ou como leigas (LANGLOIS, 1984). Na qualidade de leigas, é possível identificar suas ações nas mais diversas áreas dando visibilidade e difundindo os padrões de comportamento e valores católicos nos espaços públicos, atuando muitas vezes como mediadoras culturais (SIRINELLI, 1996) no ensino primário, secundário, profissional ou superior, na imprensa periódica ou nas associações filantrópicas (PINHEIRO, 2015).

O bandeirantismo brasileiro e suas relações com o catolicismo é perscrutado por Alexandra Lima, a partir das páginas do Correio da Manhã, marcado pela atuação de Maria José de Queiroz Austregésilo de Athayde, na década de 1950. O estudo indica que, por meio de tal movimento, as mulheres constituíram uma rede de sociabilidades, apoio e prestígio.

O movimento dos Focolares e o periódico Cidade Nova, criados pela professora italiana Chiara Lubich, durante a Segunda Guerra, são objeto de Maria José Dantas (2013). O movimento, simultaneamente eclesial, pedagógico e civil utilizava-se deste impresso que circulava no Brasil, para divulgar sua perspectiva educacional. Neste artigo, a autora atenta para o conjunto de códigos que favorece a formação educacional em tempos e espaços distintos.

O terceiro artigo chama a atenção para as práticas endereçadas às famílias, pondo em relevo não apenas os saberes produzidos e endereçados às mesmas, como também as estratégias de formação e mobilização dos pais como verdadeiros agentes da causa educacional no Brasil e em Portugal. Foi nesse escopo de atuação mais diversificado que o movimento da Escola de Pais nasceu no Brasil em 1963, liderado por um grupo de pais e intelectuais católicos. Filiado à Fédération Internacionale pour L’Éducation des Parents, com sede em Sèvres, França, estrutura sua matriz em São Paulo, desdobrando-se daí para todo o país e estendendo-se à Portugal e outros países da América Latina. Neste artigo, Evelyn Orlando e Helder Henrique Martins analisam os contornos do movimento, e os saberes produzidos e endereçados à sociedade, tanto no Brasil quanto em Portugal, apoiados na documentação de ambos os países.

Esses três primeiros textos chamam a atenção para outros movimentos relacionados à educação empreendidos pela Igreja, os quais – sem perder de vista a escola – buscaram alcançar outras instituições, ampliando com isso as frentes de ação do laicato católico no projeto de recatolicização da sociedade brasileira. Já os dois últimos artigos abordam impressos pedagógicos, de naturezas distintas, que se propuseram a servir como veículo de formação nos dois países aqui abordados.

Joaquim Pintassilgo, por dentro do regime autoritário português de Salazar, investiga o jornal dos estudantes do Colégio católico Manuel Bernardes intitulado A Nova Floresta. Encontra, aí, uma experiência de «self-government» e de «educação integral» articulada à «Escola Ativa» com um projeto católico e conservador, que contribui para reforçar a identidade institucional do Colégio.

O conjunto de textos reunidos neste dossiê busca dar visibilidade à multiplicidade de ações desenvolvidas pela hierarquia eclesiástica e o laicato católico em diferentes setores da sociedade que, por diferentes caminhos, fizeram circular ideias, saberes e práticas que configuraram o pensamento educacional católico no Brasil.

As pesquisas no campo da História da Educação já vêm atentando para a importância de pensar a circulação de saberes e modelos pedagógicos como caminhos de compreensão dos processos educacionais, de escolarização, da formação e da profissão docente. Nessa relação direta com Portugal, alguns colegas pesquisadores buscam aprofundar a discussão sobre as estratégias mobilizadas por diferentes sujeitos, atentando para as relações que estes atores estabelecem no cenário internacional, e consideram, em alguns casos, uma compreensão a partir da perspectiva comparada. Este dossiê visa a ser mais uma contribuição nessa direção, trazendo como foco privilegiado a relação entre Igreja e Sociedade nos projetos educacionais desses dois países em relevo [3]. O leitor poderá identificar inúmeros pontos de contato, estratégias similares, repertórios que se aproximam – sobretudo, pela circulação dos sujeitos e suas produções pondo em relevo a formação e a experiência dos diferentes atores que estiveram envolvidos, de diversos modos, nos processos de produção dos saberes que conformaram o campo pedagógico no Brasil e em Portugal, especialmente ao longo do século XX.

Notas

1. Apoio CNPq [2014]

2. Há inúmeros estudos a respeito, dentre os quais: PAULA, Cristiane Jalles de. Combatendo o bom combate: política e religião nas crônicas jornalísticas de Gustavo Corção (1953-1976). Tese de doutorado em Ciência Política, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007; CASIMIRO, Ana Palmira Bittencourt Santos. Estado, igreja e educação no Brasil nas primeiras décadas da República: intelectuais, religiosos e missionários na reconquista da fé católica. Acta Scientiarum. Education, v. 32, n. 1, p. 83-92, 2010; ARDUINI, Guilherme Ramalho. O Centro Dom Vital: estudo de caso de um grupo de intelectuais católicos no Rio de Janeiro entre os anos 1920 e 1940. In: Intelectuais e militância católica no Brasil. Cuiabá: EdUFMT, 2012; ARDUINI, Guilherme Ramalho. Em busca da Idade Nova: Alceu Amoroso Lima e os projetos católicos de organização social (1928-1945). São Paulo: Edusp, 2014; RODRIGUES, Candido M. A Ordem. Uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte: Fapesp, Autêntica, 2005; RODRIGUES, Candido M. Aproximações e conversões: o intelectual Alceu Amoroso Lima no Brasil dos anos 1928-1946, São Paulo: Alameda, 2013.

3. Os livros organizados por Pintassilgo et al (2006), Araújo (2009), Carvalho & Pintassilgo (2011), Cardoso (2014), Xavier (2013) e os artigos publicados em co-autoria por Xavier & Mogarro (2011) Mogarro & Orlando (2015), Mogarro & Magaldi (2015), dentre outros, vêm dando conta de ressaltar essas questões. Os livros organizados por Rodrigues & Zanotto (2013) e Pintassilgo (2013) reúnem diferentes pesquisadores que vêm atentando para essa questão da laicidade e religiosidades nas escolas públicas, considerando suas práticas de circulação.

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Evelyn de Almeida Orlando – Professora adjunta da Escola de Educação e Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2013), com período de estágio sanduíche na Universidade de Lisboa 20 (financiamento Capes). E-mail: [email protected]

Paula Leonardi – Professora adjunta da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em Educação pela área História da Educação e Historiografia da Faculdade de Educação USP (2008), com período de estágio no exterior na École des Hautes Études en Sciences Sociales (financiamento Capes); Pós-doutora em História da Educação e Historiografia pela Faculdade de Educação USP (2011), com financiamento Fapesp. E-mail: [email protected]


ORLANDO, Evelyn de Almeida; LEONARDI, Paula. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 21, n. 52, maio / ago., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Da Itália ao Brasil: processos educativos e formativos, séculos 19 e 20 / Revista História da Educação / 2017

No ano de 2015 comemoramos os 140 anos de história da colonização italiana no Estado do Rio Grande do Sul. Tal momento ofereceu a oportunidade de retomarmos com maior ímpeto um campo de estudo que há algum tempo é fonte de interesse de historiadores italianos e brasileiros. A oportunidade permitiu pensar de modo sistemático e orgânico aspectos menos conhecidos e estudados e que estão relacionados com o fenômeno: as experiências e os fatores que caracterizaram e acompanharam os processos de educação, de formação e cultura dos imigrantes italianos no Estado e no Brasil nos séculos 19 e 20.

As migrações são consideradas um dos acontecimentos mais relevantes da recente história contemporânea e expressa os movimentos de caráter transnacional que marcam os últimos dois séculos. As dinâmicas de caráter mais educativo, que acompanharam esses processos, representam um espaço de pesquisa que se demonstra muito fértil e pelo qual verificamos como foram desenvolvidas as sociedades multiculturais contemporâneas. Aos historiadores da educação cabe reconhecer que, nos últimos dois decênios, não manifestaram um grande interesse pelos processos educativos entre imigrantes e minorias étnicas (Myers, 2009).

As comemorações ligadas aos 140 anos da colonização italiana no estado do Rio Grande do Sul permitiram constituir uma retomada da reflexão historiográfica em torno da experiência histórica da imigração italiana no Brasil. A cooperação entre historiadores da educação brasileiros e italianos foi proposta como metodologia de trabalho, capaz de fecundar pesquisas já iniciadas. O contato entre as diversas experiências historiográficas constitui um caminho interessante para acrescentar conhecimentos e aprofundamentos analíticos a um âmbito histórico que ainda está por ser explorado, seja no contexto histórico italiano, seja no brasileiro.

Os estudos conduzidos pelo grupo de pesquisa História da Educação, Imigração e Memória – Grupheim – tem gerado a necessidade de promover questionamentos de pesquisa mais aprofundados e que permitam construir análises atentas à complexidade dos processos educativos dos grupos de imigrantes italianos, alemães e poloneses a partir da metade do século 19. Nos últimos anos investigações específicas foram desenvolvidas no âmbito das experiências da escolarização italiana, como em São Paulo, sendo pioneiro o estudo de Mimesse (2014), além de Franchini (2015). Os da área colonial italiana no Rio Grande do Sul, caso do estudo de Luchese (2015), Luchese; Rech (2014). Da colônia Colombo, no Paraná, os estudos de Maschio (2014, 2015). No Espírito Santo o estudo de Simões e Franco (2014), em Santa Catarina, a pesquisa de Otto (2014) e de Virtuoso (2008). Estudos sobre as escolas entre imigrantes italianos em Minas Gerais foram realizados por Rodrigues (2014), bem como no Rio de Janeiro por Pagani (2014). No conjunto esses estudos lançam luz sobre as diversas formas pelas quais a escolarização foi sendo constituída pelas iniciativas étnicas italianas, na configuração do fenômeno migratório nos diferentes estados brasileiros.

O processo da imigração italiana nos Estados de Minas Gerais e São Paulo, por exemplo, foram muito diferentes daqueles vivenciados no Rio Grande do Sul ou em Santa Catarina, seja pela dimensão quantitativa, seja pela qualitativa. Os contextos locais produziram escolhas diferenciadas nos processos de escolarização. Nos Estados cujos núcleos coloniais não tiveram maioria italiana as orientações de alguns grupos dirigentes eram favoráveis à institucionalização de escolas mistas, atendendo italianos e descendentes e, também, os brasileiros. Características diversas são daquelas escolas localizadas em núcleos em que os imigrantes italianos foram predominantes.

Recentemente historiadores da educação começaram a demonstrar maior interesse sobre os processos educativos e identitários que tem inspirado algumas iniciativas ligadas à escolarização dos italianos e descendentes no Brasil. Também nesse caso é relevante destacar que, nos anos 1990, a proposta de prestar maior atenção aos processos educativos dos imigrantes durante os séculos 19 e 20 produziu algumas publicações sobre os países de destino da América do Sul e Estados Unidos, caso de Ambrosoli (1995) e Rosoli (1999). Algumas investigações ofereceram um primeiro quadro geral, sintético das políticas adotadas pelo governo italiano na promoção da escolarização dos italianos emigrados, caso de Salvetti (2002) e Ciampi (1998). Em outros casos os estudos foram desenvolvidos de modo mais aprofundado, mesmo que limitados a uma fase ou período específico, às orientações e às intervenções adotadas em nível ministerial para o lançamento de políticas em defesa da italianidade, caso de Pretelli (2010) e Barausse (2016).

Dentre as pesquisas ligadas às associações chamadas para empenhar-se na difusão da instrução e da cultura italiana, seja de caráter laico ou religioso, consta a Associação de inspiração laica Dante Alighieri, estudada por Salvetti (1995), a Associação Nacional para socorrer imigrantes e missionários italianos no mundo e a Italica Gens, conforme Confessore (1987) e Rosoli (1990).

Ainda temos uma ou outra pesquisa esporádica de casos, como a que aprofundou um estudo específico sobre o Instituto Médio Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri (Dell´Aira, 2011). Recentemente, enfim, a atenção está nas culturas escolares e, de modo particular, nos livros didáticos e de texto que foram utilizados nas experiências escolares étnicas, caso dos estudos de Barausse (2015, 2016) e Luchese (2016), dentre outros.

Os artigos reunidos nesse dossiê não têm a intenção de serem estudos exaustivos no que diz respeito ao âmbito da investigação sobre as relações entre imigração italiana e educação, mas, buscam estimular a compreensão da necessidade de uma maior articulação dos caminhos investigativos e também do aprofundamento do que, até o presente momento, foi realizado. Com tal intento, as contribuições de Barausse, Maschio, Mimesse, Ascenzi, Luchese e Sani refletem os campos de pesquisa que podem ser, posteriormente, enriquecidos.

Já são alguns decênios que o estudioso italiano do fenômeno migratório Gianfausto Rosoli (1999) havia solicitado uma maior atenção da historiografia na identificação dos níveis de alfabetismo das populações de imigrantes, sua chegada aos países de destino e seus percursos de escolarização, em especial, atentando para como os imigrantes promoveram processos de alfabetização para os próprios filhos. Naquela ocasião, Rosoli (1999) apresentava a hipótese de que a imigração haveria alavacado, entre populações mais atrasadas, um processo de superação do analfabetismo presente entre muitos imigrantes. O estudioso documentou como os emigrantes solicitaram às suas famílias de origem que enviassem as crianças para a escola para dar-lhes melhores condições para enfrentar os desafios da integração nos países de recepção. Ao mesmo tempo, evidenciou que, para manter o contato com os lugares de proveniência, os imigrantes aprendiam a ler e a escrever.

As pesquisas desenvolvidas no decurso dos últimos anos por Luchese (2015) têm confirmado as intuições de Rosoli (1999), contrapondo o que alguns estudiosos no curso dos anos 1980 haviam formulado e tem lançando luz ao modo como os imigrantes agiram a favor de uma crescente demanda por instrução. Estamos, no entanto, ainda distantes da identificação de um mapa que consiga dar conta das múltiplas experiências de alfabetização e escolarização no Brasil. De todo modo a população imigrada deu valor aos processos de escolarização. Não estamos ainda em condições de definir quais e quantos os tipos de escola foram destinados aos filhos de imigrantes e aos seus descendentes, ou mesmo aos adultos, que tipo de escola e de educação foram predispostas para adultos imigrantes. Em tal direção é necessário considerar a presença de uma larga variedade de agências e atores destinados a promover a escola com base étnica: escolas rurais comunitárias, escolas urbanas e aquelas ligadas às associações de mútuo socorro, professores privados pagos pelas famílias, escolas paroquiais e também confessionais, escolas coloniais distintas com um vínculo muito próximo das autoridades consulares, escolas subsidiadas pelos Estados ou municípios. No conjunto, revelam o papel complexo da atuação consular, das instituições de caráter religioso, das autoridades locais e das famílias na promoção de processos educativos entre imigrantes e descentes.

A variedade de iniciativas nos impele a definir melhor a natureza e, em primeiro lugar, a distinguir entre as intervenções de caráter institucional e aquelas da sociedade civil que são a base para o desenvolvimento das formas de escolarização dos emigrados e imigrantes.

O artigo de Barausse, Focolari di educazione nazionale e di sentimento pátrio: le scuole italiane nel Rio Grande do Sul durante gli anni della colonizzazione di fine Ottocento (1875-1898), presta atenção ao primeiro movimento de escolas elementares étnicas com base nas fontes consulares utilizadas parcialmente pela historiografia da educação brasileira. Trata-se de uma primeira reconstrução que de um lado demonstra a heterogeneidade de características das escolas organizadas, a maior parte delas subsidiadas pelo governo italiano, a diversidade curricular e também de professores que atuaram. Ao lado do associacionismo mutualístico nos núcleos coloniais ou de imigração mais consistentes, muitos outros professores operaram nas áreas periféricas e isoladas das colônias para garantir instrução e educação, mediante as crescentes demandas.

O autor põe em evidência as estratégias e a mentalidade de uma parte consistente da diplomacia italiana estabelecida no Brasil meridional e a perspectiva que animava os cônsules para quem a escola não foi considerada apenas um veículo de alfabetização, mas também uma das principais agências de civilização e nacionalização: chamas de educação nacional, como definiu o subsecretário de Estado ao Ministério das Relações Exteriores italiano. A afirmativa consistia em uma tentativa de solicitar aos cônsules um empenho maior para fomentar a italianidade, contendo as forças de assimilação das autoridades políticas brasileiras, segundo uma perspectiva de defesa da laicidade do ensino, sem, no entanto, fechar-se às exigências de colaboração que poderiam surgir com parte do clero italiano estabelecido junto às comunidades de imigrantes.

O artigo de Maschio e Mimesse, Entraves no ensino da língua portuguesa nas escolas italianas privadas curitibanas e paulistanas (1883-1907), aborda a especificidade das características de algumas das múltiplas escolas italianas instituídas no Estado do Paraná e de São Paulo, bem com as problemáticas da nacionalização do ensino que seguiram um calendário diverso e que, no caso paulista, foi condicionada pela criação de um corpo de inspetores. Se as escolas no contexto paulista, segundo as duas autoras, eram subsidiadas pelo governo italiano e não atenderam às disposições de obrigatoriedade previstas pelo Estado, em virtude da fragilidade da rede de escolas públicas, no caso paranaense de Curitiba as escolas foram vinculadas às associações de mútuo socorro e receberam o subsídio do governo, mesmo tendo desconsiderado as disposições previstas nas normativas estaduais. Apresentam a análise das relações do corpo de inspetores que tinha como tarefa monitorar a aplicação de leis e regulamentos introduzidos em diversos momentos nos dois Estados e com a finalidade de ampliar as escolas públicas elementares no contexto paranaense e paulista. As duas autoras fazem emergir não apenas as condições de precariedade das escolas privadas italianas, mas a relutância em introduzir o ensino da língua portuguesa no currículo escolar, suscitando reações negativas nos inspetores.

As insatisfações e as tensões geradas entre as autoridades escolares brasileiras constituem o reflexo das consequências do duplo processo de nacionalização que submeteram os imigrantes. As consequências dos processos de nacionalização reverberam também em outro plano, aquele das práticas e dos saberes escolares. Sobre essas temáticas os artigos de Ascenzi e Luchese aprofundam a análise sobre um dos pontos mais interessantes do debate historiográfico atual na história da educação: os livros escolares.

O contexto no qual fazem referência é marcado pela experiência do fascismo na Itália e a crise da República Velha, seguida da Era Vargas no Brasil. Data desse período a difusão, nas escolas elementares italianas do Brasil, as leituras de Luigi Bertelli e Clementina Bagagli. O artigo de Ascenzi, Per l’educazione patriottica e nazionale degli italiani all’estero: l’edizione postuma del libro di lettura O Patria mia di Luigi Bertelli (Vamba) e la sua diffusione in Brasile, se concentra na reconstrução da gênese, dos conteúdos e dos endereços ideológicos e culturais e, a particular riqueza editorial registrada também no Brasil de um dos mais importantes e longevos livros de leitura para as escolas italianas no exterior entre as duas guerras mundiais: o Patria mia. A obra póstuma do célebre escritor para a infância Luigi Bertelli, melhor conhecido da vasta plateia de pequenos leitores, sobretudo como diretor do periódico semanal Il Giornalino della Domenica, com o pseudônimo de Vamba [1]. A estudiosa italiana refere à configuração da obra nacionalista de Vamba, a qual, após o advento do regime fascista na Itália, foi submetida, por desejo do editor florentino Bemporad, a uma espécie de fascistização do conteúdo. Ascenzi recorda que como a obra não foi a preferida pelo regime, na metade dos anos 1930, mediante a vasta difusão registrada, por exemplo, nas escolas italianas no Brasil, se decidiu por substituí-la por textos ideológica e politicamente mais sintonizados com os endereços do totalitarismo fascista.

O artigo de Luchese, intitulado Da Itália ao Brasil: indícios da produção, circulação e consumo de livros de leitura (1875-1945), mapeia o contexto da imigração italiana e dos processos de escolarização no âmbito brasileiro e do Rio Grande do Sul, para em seguida tratar da produção e circulação dos livros e alguns outros materiais didáticos produzidos e enviados pelo governo italiano para sinalizar sobre as possibilidades de consumo de tais livros. O percurso da análise atenta, em especial, para a coleção de livros de leitura organizados por Clementina Bagagli e que, nos registros de nacionalização, foram um dos estopins que justificaram o fechamento das escolas italianas no Rio Grande do Sul, em 1938.

Para além das intervenções de caráter institucional do governo italiano ou brasileiro, pelo texto de Roberto Sani Tra esigenze pastorali e impegno per la preservazione dell’identità nazionale: la Santa Sede e l’emigrazione italiana all’estero tra Otto e Novecento, podemos compreender os processos que orientaram um outro projeto institucional, o religioso. A contribuição de Sani analisa o percurso da Igreja Católica com relação ao fenômeno imigratório e, com rica documentação, apresenta as mudanças que, após as dificuldades iniciais em enfrentar a emigração de massas produziu, no interior da Igreja, novas orientações durante os pontificados de Leão XIII e de Pio X em matéria de assistência e pastoral dos emigrados para o exterior. Sani aprofunda e ilustra o percurso por meio das solicitações das autoridades eclesiásticas italianas, como Bonomelli e Scalabrini, mas também de alguns componentes do episcopado europeu e americano, sinalizando para o crescimento das obras de assistência e a tendência de centralização do governo no cuidado pastoral dos emigrantes.

O artigo introduz a complexidade que acompanhou o processo de resistência eclesiástica, seja em nível italiano ou aquele do episcopado brasileiro. Sani documenta, pois, que as dificuldades e resistências foram amadurecidas no interior do episcopado e induziram Pio X a sinalizar a uma crescente centralização das funções e das competências relativas à criação de uma pluralidade de instituições e iniciativas práticas para a assistência dos imigrantes. É no interior deste quadro que nasce a associação como a obra Bonomelli e a Federação Itálica Gens, junto com iniciativas dos comitês para a emigração no contexto nacional de partida e o nascimento da seção para emigração no interior da Sagrada Congregação Consistorial para a composição de um instituto de formação para o recrutamento e formação espiritual do clero, destinado à animação da vida religiosa das comunidades de imigrantes. Iniciativas destinadas a serem integradas ou suprimidas nos decênios sucessivos à Primeira Guerra Mundial, sob o pontificado de Pio XI, por novos organismos como o Prelado para a emigração italiana ou suprimidas pela Igreja para evitar a instrumentalização dos regimes totalitários.

No conjunto de artigos que compõem este dossiê desejamos que os leitores percebam a potencialidade e as brechas a serem pesquisadas na relação entre processos migratórios e práticas educativas, ultrapassando fronteiras nacionais e pensando-se em histórias conectadas, portanto, um calidoscópio de temas a serem investigados pelos historiadores da educação.

Nota do editor

1. ver ASCENZI, Anna; PATRIZI, Elisabetta. A missão educativa da geração intemediária em tempo de guerra: textos para a escola e para a juventude de Luigi Bertelli entre 1914 e 1918. Hist. Educ. (Online), Porto Alegre: Asphe, v. 20, n. 50, 2016, p. 193-218.

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SIMÕES, Regina H. Silva e FRANCO, Sebastião P. Instrução pública e imigração italiana no estado do Espírito Santo, no século XIX e início do século XX. In: LUCHESE, Terciane Ângela (org.). História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras. Caxias do Sul: UCS, 2014, p. 79-99.

VIRTUOSO, Tatiane dos S. Disputas de identidades: a nacionalização do ensino em meio aos ítalo-brasileiros (1900-1930). Florianópolis: UFSC, 2008. 142f. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina.

Alberto Barausse – Professor do Departamento de Ciências Humanísticas, Sociais e da Educação da Universitá degli Studi del Molise, onde lidera o Centro di documentazione e ricerca sulla Storia delle Istituzioni scolastiche, del libro per la scuola e della letteratura per l’infanzia e o Museo della scuola e dell’educazione popolare. Professor visitante no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

Terciane Ângela Luchese – Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação e no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Caxias do Sul. Lidera o Grupo de Pesquisa História da Educação, Imigração e Memória – Grupheim. E-mail: [email protected]


BARAUSSE, Alberto; LUCHESE, Terciane Ângela. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 21, n. 51, Jan / abr, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Contextos de recepção e interpretação dos manuais escolares: caminhos teórico-metodológicos para a investigação sobre os manuais escolares na perspectiva da cultura escolar / Revista História da Educação / 2016

Durante as últimas três décadas disseminou-se, entre os historiadores da educação, um forte interesse pelo funcionamento interno da escola e pela história cotidiana das práticas escolares, a qual se convencionou chamar de cultura escolar. Das fontes históricas disponíveis para adentrarmos no universo das práticas e fazeres escolares, uma das mais profícuas tem sido o conjunto dos livros utilizados nas escolas. Desde a origem dos sistemas nacionais de educação, no começo do século 19, os manuais escolares têm ocupado um lugar privilegiado nas salas de aula de todos os países. Daí resulta a sua indiscutível relevância para a História da Educação.

Todavia, apesar de serem uma fonte valiosa, a pesquisa histórica sobre os manuais escolares tem estado reduzida ao campo dos emissores das mensagens, sobretudo no que se refere ao currículo prescrito pelas políticas e pela legislação escolar. Convictas da importância de tais análises para o campo da manualística e da história do currículo escolar acredita-se, todavia, que elas pouco têm contribuído para o avanço das investigações no campo da história da cultura escolar, haja vista que os manuais escolares, por si sós, dificilmente poderão proporcionar informações acerca da complexa história da prática nas salas de aula, das mediações e transformações realizadas pelos professores do conteúdo dos manuais escolares e de como as mensagens veiculadas nas salas de aula foram recebidas e decodificadas pelos estudantes.

Nessa perspectiva, nos últimos anos, alguns centros de investigação na área da manualística, em diferentes países, trilham novos caminhos teóricos e metodológicos em busca de vestígios ou evidências de como os receptores das mensagens, professores ou alunos, recebem, trabalham e decodificam as mensagens dos textos escolares. Dentre estes se destaca o Centro de Investigación en Manuales Escolares – Manes – em Madrid, na Espanha, que por meio de incursões pela história cultural, história do currículo, etnohistória, etnografia, cultura escolar, história de vida e das instituições escolares tem buscado acercar-se não apenas dos contextos de produção e de incorporação, mas dos contextos de recepção e de interpretação de sentido dos manuais escolares, ou seja, dos seus usos.

Nessa sua busca tem sido bastante profícuo o entrecruzamento do manual com fontes primárias complementares, provenientes dos contextos de recepção, tais como os diferentes tipos de cadernos escolares, exames, folhas de exercícios, diários de mestres e de alunos, informes de inspeção, atas de reuniões pedagógicas etc., as quais podem auxiliar o pesquisador a compreender como os professores e a escola em geral reagem diante do currículo a eles apresentado, permitindo uma maior aproximação do uso e do consumo que deles se fizeram e, consequentemente, da cultura escolar.

Neste sentido, busca-se apresentar investigações realizadas recentemente pelas pesquisadoras do Manes, da Espanha, e por pesquisadores brasileiros ligados a este Centro, os quais têm experimentado, de uma forma ou de outra, estes novos caminhos teórico-metodológicos no sentido de aproximar-se dos contextos de recepção e interpretação dos manuais escolares.

Abrindo o dossiê, Kira Mahamud e Ana Maria Badanelli, em Los contextos de transmisión y recepción de los manuales escolares: una vía de perfeccionamiento metodológico en manualística, apresentam os novos caminhos metodológicos ensaiados pelo Manes no que se refere ao que as autoras chamam de segunda fase de vida do manual escolar: os contextos de transmissão e de recepção. Nesse sentido, destacam a existência multicontextualizada do manual e os diferentes contextos de transmissão e de recepção: de um lado, professores e alunos e as fontes envolvidas em ambos: programas, diários, memórias, autobiografias e biografias de professores, e, de outro lado, cadernos e exames, para cuja análise mobilizam conceitos como os de inferência textual e contextual, intertextualidade e interdisciplinaridade.

Gladys Mary Ghizoni Teive, em Recepção de manuais escolares: um estudo a partir dos comunicados e das atas das reuniões pedagógicas do Grupo Escolar Gustavo Richard (1946-1952), privilegia duas fontes complementares ao estudo dos manuais escolares: os comunicados apresentados pelas professoras nas reuniões pedagógicas do Grupo Escolar Gustavo Richard entre 1946 e 1952 e as atas das mesmas. Estas três fontes entrelaçadas possibilitaram à autora perceber quais problemas eram enfrentados pelas mestras no seu dia a dia nas salas de aula, quais – dentre os manuais prescritos pelo Departamento de Educação de Santa Catarina – foram selecionados para ajudá-las a solucioná-los, como as mestras os utilizaram: se os textos foram extraídos literalmente ou se sofreram alterações por parte das professoras e, neste último caso, que tipo de mescla e ou fusão se operou entre a chamada cultura empírica das professoras e a cultura expressa nos manuais escolares lidos e, ainda, quais as suas representações a respeito das leituras realizadas.

O artigo assinado por Nicolas Martínez Valcárcel aborda o uso do livro didático pelos alunos, tanto nas aulas, quanto em casa, um âmbito raramente investigado na área dos manuais. As marcas presentes em cada manual, tal como os sublinhados, diagramas, símbolos, sínteses, permitiram ao pesquisador identificar as tarefas executadas pelos seus utilizadores, iniciadas em sala de aula e continuadas em casa. Por outro lado, o estudo simultâneo do livro com as anotações dos professores possibilitou compreender qual é o papel dos livros de texto na escola. Ademais, a avaliação das características positivas e negativas dos manuais e das anotações, associadas às preferências dos alunos por um ou outro, ofereceram, segundo as conclusões do autor, informações relevantes acerca do presente e do futuro de ambos os recursos a partir do conhecimento de um dos agentes: o alunado.

Em Manuais escolares para um ensino prático, Heloisa Helena Pimenta Rocha indaga sobre o lugar dos manuais escolares no ensino das noções de higiene nas escolas primárias paulistas, um ensino que, segundo as orientações e os programas aprovados nas primeiras décadas do século 20, deveria ser alicerçado na dimensão prática, no intueri, intuitus. Entrecruzando os manuais escolares voltados para o ensino de higiene e saúde com os programas de ensino e com fotografias que documentam aspectos das aulas de puericultura nos grupos escolares, Heloisa objetiva capturar, para além dos enunciados presentes nas obras, indícios das práticas escolares engendradas com o intuito de conformar os gestos de cuidado com o corpo e a saúde dos estudantes.

Finalmente, em Livro didático como indício da cultura escolar, Kazumi Munakata se debruça sobre as possibilidades de utilizar o livro didático como fonte para pesquisas sobre a cultura escolar. Para tal, discute as noções de livro didático, cultura escolar e cultura material e examina livros didáticos franceses, espanhóis, argentinos e brasileiros, destacando os elementos constitutivos da cultura escolar, como os conteúdos das disciplinas escolares, exercícios e atividades, avaliações, ideologias, valores morais e de civilidade, cotidiano escolar, sensibilidades estéticas, materiais escolares e organização das práticas de ensino.

Cabe destacar que este dossiê apresenta apenas uma pequena parcela do potencial de investigações em torno da segunda fase da vida dos manuais escolares: a da recepção e da interpretação de seus conteúdos por professores e alunos. Nosso intento é que esta coletânea de textos possa inspirar ao deciframento da caixa-preta da história da educação: a cultura escolar, a qual, supomos, guarda os padrões – patterns – essenciais que regulam a vida das instituições escolares.

Gladys Mary Ghizoni Teive – Professora na Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. Pesquisadora associada do Centro de Investigación en Manuales Escolares – Manes. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná com estágio sandwich e pós-doutorado no Centro de Investigación en Manuales Escolares – Manes / Uned. E-mail: [email protected]

Gabriela Ossenbach-Sauter – Doutora em Ciencias de la Educación e licenciada em História da América. Catedrática de Historia de la Educación e diretora do Centro de Investigación sobre Manuales Escolares – Manes – de la Universidad Nacional de Educación a Distancia, Madrid. Actualmente é presidente da Sociedad Española de Historia de la Educación. E-mail: [email protected]

TEIVE, Gladys Mary Ghizoni; OSSENBACH-SAUTER, Gabriela. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 20, n. 50, set. / dez., 2016. Acessar publicação original [DR]

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A educação nos Estados Unidos: do século 19 ao século 20 / Revista História da Educação / 2016

Este dossiê abrange uma coletânea de textos acerca da educação escolar nos Estados Unidos, com destaque à passagem do século 19 ao século 20. Os autores e os temas foram pensados a partir de dois objetivos principais: primeiro, informar o leitor brasileiro a respeito da educação norte-americana a partir de perspectivas históricas valorosas; segundo, focalizar educação escolar norte-americana em um período e nas dimensões que têm sido de especial interesse aos historiadores brasileiros da educação.

Embora a literatura acadêmica repita qual um mantra que a educação em nossas plagas seja produto da influência de modelos estrangeiros, destacadamente franceses e norte-americanos, o leitor brasileiro não conta com bibliografia consistente que ofereça informações e análises para confirmar, refutar ou, ainda, lapidar aquele postulado. É também crítica a ausência de títulos equivalentes em um momento em que os educadores e pesquisadores da educação não podem mais ignorar a inserção do Brasil na cena internacional.

O leitor não encontrará aqui intenções ou procedimentos comparativos a conduzir as análises. Pelo contrário; o que se pretende com este dossiê é o exercício de análise do outro com o máximo de respeito possível – no sentido cognitivo – à alteridade. Não se trata de proposta original no que intenta; afinal, é só isso que os historiadores da cultura vêm recomendando há décadas: estranhar, desfamiliarizar. Admitir, mesmo que por hipótese, que a juntada da farinha com o fermento nem sempre prenuncia o nosso pão francês de cada dia.

Aos autores foram estabelecidas regras singelas, truísmos para quem está familiarizado com as lidas historiográficas: apoiar os artigos em fontes originais e explorar a bibliografia disponível no que ela apresenta de mais consistente e relevante, não descurando de oferecer ao leitor indicações dos textos brasileiros que tratam do tema ou do seu em torno.

A escolha de mais autores brasileiros do que norte-americanos decorreu não só da intenção de quebrar a timidez ainda vigente nos nossos meios acadêmicos de estudar e pesquisar sobre o que se passa em outros países em matéria de educação; deriva também do interesse de reunir autores que têm acumulado conhecimento sobre a educação escolar nos Estados Unidos e, o que é especialmente interessante, autores que têm se utilizado de ferramentas conceituais e de método mais acuradas do que as verificadas em muitos títulos da historiografia educacional norte-americana.

Carla Simone Chamon apresenta o Paraíso das crianças: o kindergarten nos Estados Unidos entre meados do século 19 e início do 20. Nesse estudo, o que interessa em especial é a americanização do kindergarten alemão froebeliano. A autora informa que as primeiras instituições desse tipo apareceram nos Estados Unidos dos anos de 1850, por iniciativa de imigrantes alemães, uma vez que a presença desses imigrantes impactou estruturalmente a educação e as instituições de cultura norte-americanas; não casualmente, esse assunto reaparecerá em outro artigo do dossiê. Assim como veremos figuras como Pestalozzi, Stanley Hall, Dewey e outros que, sendo mobilizados por Chamon para compor a cena do início da educação infantil nos Estados Unidos, reaparecerão em outras cenas compostas pelos demais autores desse dossiê. Este trabalho explora de maneira competente os muitos conflitos envolvidos na implantação dos kindergartens nos Estados Unidos e as disputas no processo de incorporação dessa modalidade de instituição ao sistema público escolar norte-americano.

Como o próprio título indica, em As disputas pelo currículo e a renovação da escola primária nos Estados Unidos na transição do século 19 para o século 20, Rosa Fátima de Souza reconstitui os embates travados entre o fim do século 19 e o começo do século 20 em torno do currículo da escola elementar. Para a primeira cena, Souza traz os herbartianos, com destaque inovador aos irmãos McMurry, Francis Parker, John Dewey e Stanley Hall, envolvidos em contendas cuja relevância nacional indicia o lugar que estava sendo reservado à educação no projeto norte-americano rumo à hegemonia. Nesse artigo, o leitor ganha mais uma vez a oportunidade de desfazer a ideia de que teria havido uma “escola nova” onde estariam congraçados renovadores ou inovadores da educação norte-americana.

No seu artigo, Vera Teresa Valdemarin Modelos para a formação de professores nas páginas do Teachers College Record (1900-1921), percorre um caminho inédito para tratar com singularidade o muito visitado e ainda não devidamente equacionado tema da formação docente. Pelas páginas do periódico, Valdemarin dá a saber as posições em torno do assunto; aqui também, como há de se supor dado o caráter secularmente controvertido da matéria, a não homogeneidade de perspectivas sequer dentre o corpo docente do Teachers College. Apesar das divergências, ou em razão delas, o TCR mantém uma estratégia editorial que põe em circulação o intento comum de fazer do Teachers College da Columbia o centro de referência no campo da formação docente. As figuras destacadas neste trabalho reaparecerão neste dossiê inscritos em outras cenas.

Com o trabalho de Maria das Graças M. Ribeiro, A educação superior norteamericana: gênese de um modelo, o leitor é chamado a conhecer o processo de hegemonização de um modelo de ensino superior como elemento chave do processo de construção da hegemonia norte-americana. Além de documentos oficiais, como o Morril Act de 1862, Ribeiro atenta para posições críticas de grande relevo teórico e histórico, como a de Thorstein Veblen, por meio de quem é dado a compreender como se amalgamaram, nos Estados Unidos, as esferas pública e privada no campo do ensino superior. Vale destacar, ainda, o que a autora apresenta sobre os land-grant colleges que marcam o início da presença do Estado na educação superior, assunto que já vem estudando há um tempo.

Mirian Jorge Warde, em Periodismo educacional: Estados Unidos, do século 19 às primeiras décadas do século 20, apresenta uma visão abrangente dos periódicos lançados desde o século 19 até os anos de 1920 no âmbito da educação. São destacadas as tendências prevalecentes em aspectos tais como editores, locais de produção e destinatários potenciais. O artigo procura evidenciar a passagem da destinação predominantemente escolar para uma destinação mais diversificada na qual a especialização em subáreas do conhecimento, a expertise em pesquisa, a gramática acadêmica não são as únicas propensões, mas passam a estabelecer padrões de qualidade. Este artigo dialoga com os demais não tanto pela temática abarcada como também pelas pessoas, instituições e associações referidas.

Waye Urban, professor da renomada Universidade de Wisconsin, aqui apresenta um estudo sobre o tema de seu interesse: A Associação Nacional de Educação dos Estados Unidos da América. Urban oferece um entendimento sólido do que teria sido a trajetória da mais poderosa associação de educação nos Estados Unidos, em pleno funcionamento desde meados do século 19. Com este artigo, mais uma vez os dissensos, as polêmicas, os debates ocupam a cena ajudando, também, a desfazer as leituras esquematizadoras. Merecem destaques tensões que atravessam a NEA e que aparecem como motores de importantes confrontações: as de gênero e as étnico-raciais.

Mirian Jorge Warde – Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo – campus de Guarulhos. Pesquisador sênior do CNPq. E-mail: [email protected]


WARDE, Mirian Jorge. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 20, n. 48, Jan. / abr., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Imagem e cultura visual / Revista História da Educação / 2015

Esse dossiê busca contribuir com os estudos que se inscrevem na interface entre cultura visual e história da educação e ampliar as possibilidades investigativas da dimensão visual da educação, em perspectiva histórica. Mais que incorporar os documentos visuais como elementos complementares do campo empírico das pesquisas, em geral calcadas sobre os escritos, pesquisar as imagens e a cultura visual, encontra sentido na problematização dos aspectos da visualidade da educação, seja ao delimitar os contornos das cadeias de produção, circulação, usos, consumo e apropriações das imagens; seja ao explorar as associações entre o visível e o invisível, nas quais estão subjacentes as relações de poder configuradoras do social. Desse modo, ao problematizar a dimensão visual da educação, vários dos estudos aqui apresentados propõem novas miradas às imagens produzidas, com diversas funções, no âmbito escolar e universo familiar, ambos extensamente investigados pelos historiadores da educação. Porém, instiga a ultrapassar o âmbito tradicionalmente consagrado dos estudos de história da educação ao apresentar objetos ainda pouco desbravados entre nós, como as revistas ilustradas ou o cinema.

Os artigos aqui reunidos procuram contemplar pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e internacionais, não se restringindo àqueles vinculados diretamente ao campo da História da Educação. Convidam o leitor a dialogar com aportes teóricos e metodológicos oriundos da História da Arte, da Semiótica, da Estética, do Cinema, da Comunicação, da Arquitetura, entre outras áreas cuja tradição assenta-se no trabalho com as imagens. Acredita-se que esses olhares podem contribuir com as investigações em história da educação, uma vez que propõem indagações mais enriquecedoras a documentos já interpretados a partir de outros aspectos, ou proporcionar a descoberta de repertórios visuais relegados a segundo ou terceiro plano.

Assim, abrindo o dossiê, Olivier Lugon em Nova objetividade, nova pedagogia: a respeito de Aenne Biermann. 60 Fotos, (1930) analisa o livro de fotografias dessa artista que se inseriu no movimento da Nova Pedagogia alemã, cujo substrato consistia em substituir o ensino livresco tradicional pelo contato direto com os elementos do saber. Segundo Lugon, a Nova Objetividade na fotografia, por essa razão, alcançou um papel pedagógico de grande relevância na Alemanha ao possibilitar aos estudantes o contato visual com as coisas do mundo. Mas mais que possibilitar a produção de livros com imagens didáticas para uso em sala de aula, tarefa que vários fotógrafos assumiram naquele contexto, a aprendizagem da fotografia foi incluída nas escolas alemãs, primeiramente como recurso do ensino gráfico criativo e, posteriormente, como ferramenta do ensino de diversas matérias através da projeção visual. Desse modo, Lugon aborda como arquitetura e fotografia foram reunidas de modo a construir no espaço da sala de aula um ambiente de máxima concentração para aprendizagem por meio das imagens, elaboradas de forma mais objetiva possível em relação ao seu referente, possibilitando, no isolamento da escola em relação ao mundo, conhecê-lo através das imagens fotográficas. Por outro lado, o autor explora as concepções contraditórias que reuniram fotografia e pedagogia moderna, nos anos 1920, mostrando que estas buscavam uma aprendizagem sem a leitura, restituindo à criança seu primeiro olhar sobre as coisas e tentando afastá-la das noções já incorporadas através da cultura e da educação.

Andrea Cuarterolo, em El cine científico en la Argentina de principios del siglo 20: entre la educación y el espectáculo, aborda a produção e exibição de filmes científicos, balizados pela ideia de conciliar aprendizagem e diversão. Inicialmente, produzidos por médicos cirurgiões, tais filmes caracterizavam-se como recursos pedagógicos destinados a um público especializado, adquirindo, na década de 1920, características de ampla divulgação visual das ciências para as massas de imigrantes não conhecedores do idioma, em contexto de propagação de doenças contagiosas e de difusão das ideias higienistas. Ao chegarem às escolas esses filmes constituíram-se como híbridos de espetáculo e educação, algumas vezes, alcançando grande sucesso de bilheteria nas casas de exibição por abordarem temáticas censuradas, sob véu científico. Além do especial interesse que suscita o texto da autora pela dimensão educativa do cinema nas primeiras décadas de sua existência, esta explora os denominados filmes órfãos, realizando uma arqueologia desses materiais parcamente preservados e difundidos da história do cinema na Argentina.

Na sequência, Ana Maria Mauad em Usos e funções da fotografia pública no conhecimento histórico escolar introduz a noção de fotografia pública, reportando-se, por um lado, à produção de imagens de eventos sociais, realizada por autores independentes ou a serviço institucional; e, por outro lado, às funções de representações do poder na cena pública. Segundo a autora, o potencial de mobilização de memórias e de representações históricas tornam a fotografia pública documento e monumento do passado, daí sua utilização pelos livros didáticos de história. A partir de quatro situações, a autora analisa criticamente os usos e funções da fotografia pública nos livros didáticos, alertando para as ausências observadas e oferecendo pistas para uma operação histórica com imagens, que considere os circuitos de produção e circulação, bem como as economias visuais nas quais se inserem.

Cláudio de Sá Machado Júnior em Fotografia, imprensa de variedades e educação: discursos visuais e textuais sob o foco de uma pedagogia de revista problematiza o potencial educativo da imprensa de variedades e sugere pistas metodológicas à História da Educação, através do exame das configurações narrativas que associam imagens fotográficas e textos escritos. A partir da análise da Revista do Globo, o autor discute em que medida fotografia e escrita inserem-se numa pedagogia do olhar, de modo a compor um mundo pré-configurado e em consonância com seu público leitor.

O último artigo do dossiê intitula-se A grafia dos corpos no espaço urbano: os escolares no álbum Biografia duma Cidade, Porto Alegre, 1940, de minha autoria. São tecidas considerações em torno da relação entre cultura escolar, cultura fotográfica e cultura visual. Nessa perspectiva, é possível verificar a produção de uma cultura visual escolar particular caracterizada por diversos elementos, entre os quais as fotografias veiculadas em relatórios, álbuns, revistas, cartões postais. Através da análise de determinadas imagens fotográficas do álbum Biografia duma cidade, é possível perceber, entre outros aspectos, os modos de inserção da cultura escolar no espaço urbano, bem como explorar as relações entre visibilidade e invisibilidade dos sujeitos fotografados, seja na escola, seja na cidade.

Por fim, vale ressaltar que este dossiê, tendo em vista os limites estabelecidos pela revista, constitui um anúncio de uma parcela do potencial de investigações em torno das imagens e da cultura visual no âmbito da História da Educação, que no Brasil tende a se expandir. O desejo é menos de esgotar as possibilidades, tarefa inalcançável, e mais de inspirar pesquisadores a incorporarem em seus estudos a dimensão visual reportada à educação, almejando, ainda, que os achados suscitados de documentação ainda quase inexplorada fomente a preservação dos repertórios visuais, seja nas instituições escolares, seja no âmbito privado.

Zita Rosane Possamai – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


POSSAMAI, Zita Rosane. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 19, n. 47, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Um olhar histórico sobre o rendimento escolar, o percurso dos alunos e a repetência / Revista História da Educação / 2015

O presente dossiê visa a propor discussão acerca da presença, dos desempenhos e do movimento dos alunos na escola primária. Trata-se, em grande medida, dos resultados de esforços investigativos que vêm sendo empreendidos no âmbito do grupo de pesquisa História da escolarização no Brasil: políticas e discursos especializados que, desde 2011, integra professores doutores, doutorandos e mestrandos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Universidade de São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal de Minas Gerais. Os artigos trazem análises produzidas no âmbito da pesquisa Repetência e evasão na escola brasileira (1889-1930), que contou com financiamento do CNPq – processo n. 472882 / 2011-2 – e foi desenvolvida entre 2011 e 2014. Integra o presente dossiê também um artigo do pesquisador francês Jérôme Krop, cuja tese de doutoramento, defendida na Sorbonne em 2014, aborda o processo de expansão da escola obrigatória na França, entre 1870 e 1920, e algumas de suas contradições.

A percepção acerca das insuficiências do alcance, em termos quantitativos e qualitativos, da escola obrigatória, ao longo dos séculos 19 e 20, motivou-nos a pesquisar questões em torno do fluxo dos alunos pelas séries da escola primária. Interessava-nos compreender como as dificuldades características do percurso dos alunos na escola, tais como a reprovação ou o abandono escolar, passaram a ser representativas da crise da educação nacional constantemente reafirmada no discurso educacional, mesmo nos dias atuais. Pretendia-se conhecer o discurso oficial, a produção e interpretação das estatísticas, a definição das políticas educacionais que instituíram e consolidaram um modelo escolar e sua relação com o tempo, o ritmo e a qualidade na escola. Interessava, ainda, apreender os debates sobre o rendimento do ensino e o fracasso escolar, em especial a partir do exame da imprensa periódica educacional e dos manuais de psicologia.

Partia-se da hipótese de que a repetência surgiu com a difusão da escola seriada e o acesso à instrução por segmentos cada vez mais amplos da população. O olhar detido sobre o tema permitiu que percebêssemos que os processos de exclusão escolar acompanham a história desta instituição mesmo antes da implantação da escola seriada mas, efetivamente, é no estabelecimento do ritmo anual seriado que o fenômeno adquire uma feição quantificável. Também é notável que até os anos 1930 se configura a compreensão de que todos devem chegar à escola e nela permanecer por certo tempo, de modo que o abandono dos estudos perde em parte, pouco a pouco, a feição de seletividade natural que tinha até então.

A pesquisa optou por assumir como fonte principal a escrita produzida por órgãos de governo, bem como a escrituração burocrática oriunda da prática docente, buscando apreender as representações – compreendidas como práticas, culturais e políticas – características desse meio e período. Nesse sentido, o que se pretendeu foi ver como esses discursos se organizam, como dialogam entre si, como são dados a ler, colaborando na construção e legitimação de uma determinada interpretação sobre as questões propostas. Outra fonte fundamental foram os periódicos especializados e manuais destinados à formação docente, que permitiram apreender o embate em torno das representações acerca do tema de interesse.

A abordagem no exame desses documentos, contudo, difere de acordo com o que cada pesquisador envolvido no projeto privilegiou focalizar. De modo geral, a análise dos discursos educacionais e especializados é assumida como elemento central, sendo os discursos compreendidos como práticas. Considera-se, assim, que as diversas produções discursivas são representativas de segmentos da sociedade que, em disputa com outros, buscam exercer poder e fazer prevalecer algumas de suas concepções. Interessou, portanto, esquadrinhar esse movimento de luta simbólica que apresenta nos discursos investigados instigantes evidências do que estava em debate no período.

Os resultados obtidos até o momento, e que estão presentes nos artigos que compõem este dossiê, parecem reafirmar a pertinência do estudo da temática e a necessidade na continuidade da investigação. Os textos a seguir permitem, desde já, a apreciação de aspectos relevantes acerca dessas questões.

Em O tempo, a idade e a permanência na escola: um estudo a partir dos livros de matrícula (Rio Grande do Sul, 1895-1919), Natália de Lacerda Gil e Joseane El Hawat analisam livros de matrícula a fim de compreender as idades predominantes dos indivíduos que frequentavam a escola e por quanto tempo, em média, eles permaneciam na instituição. Essa investigação evidencia que os alunos ficavam pouco tempo numa mesma escola e permite avançar na hipótese de que a duração do período de escolarização estava pautada muito mais por aspectos da vida familiar do que pelas razões propriamente escolares.

O artigo Meritocracia e os usos da repetência na escola primária pública francesa de 1850 ao início do século 20, de Jérôme Krop, permite vislumbrar o caráter excludente da reprovação dos alunos em início da escolarização, resultando na acentuação das desigualdades educacionais, apesar dos esforços de modernização pedagógica empreendidos pelos republicanos franceses num importante período de expansão da escola primária naquele país. Em seguida, propomos acompanhar semelhante questão para o caso do Distrito Federal.

Sobre as estatísticas educacionais oficiais, nesse caso em Minas Gerais, que Sandra Maria Caldeira-Machado e Fernanda Cristina Campos da Rocha abordam no artigo A invisibilidade dos problemas de percurso dos alunos: dos registros escolares à fabricação das estatísticas educacionais oficiais (Minas Gerais, 1907-1917). As autoras enfatizam o fato de que, na passagem dos registros produzidos nas escolas para a contabilização assumida pelas estatísticas oficiais, nem todos os dados são preservados, evidenciando exclusões e agrupamentos que incidem sobre as maneiras de compreender as questões descritas quantitativamente e, por consequência, potencialmente sobre as maneiras de agir em face dos problemas.

Em A repetência e os serviços escolares da capital federal nos anos 1930, André Paulilo investiga os modos de quantificar o rendimento dos alunos utilizados pela gestão pública do Distrito Federal, entre 1931 e 1935, e o debate acerca das estratégias para conter a evasão e a repetência que esses números fazem ver como problema crescente. Neste sentido, o autor enfatiza a importância da investigação da produção das estatísticas educacionais no delineamento de questões assumidas como problemas a serem enfrentados pela gestão pública.

Por fim, Ana Laura Godinho Lima e Luciana Maria Viviani, no artigo Conhecimentos especializados sobre os problemas de rendimento escolar: um estudo de manuais de psicologia e da Revista de Educação, analisam os discursos da pedagogia e da psicologia que versam sobre a questão do rendimento escolar. As autoras apontam para os modos pelos quais os estudos científicos são erigidos e apropriados como forma de enfrentamento dos problemas referentes às dificuldades de aprendizagem dos escolares.

Esperamos que vocês apreciem a leitura!

Natália de Lacerda Gil – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


GIL, Natália de Lacerda. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 19, n. 46, maio / ago., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Representações, práticas e políticas de escolarização da infância na zona rural / Revista História da Educação / 2014

Os estudos históricos acerca da educação primária, realizados nos últimos anos no Brasil, têm posto em relevo a importância da escola rural no processo de escolarização da infância durante o século 20. Apesar do descaso dos poderes públicos, da ausência de edifícios para escola e moradia dos professores, das condições adversas para o provimento e o trabalho docente, a infrequência contumaz dos alunos, o abandono escolar pelo trabalho na lavoura e a penúria material, a escola rural, localizada nos mais diversos e longínquos rincões do país, foi responsável pela alfabetização e disseminação de códigos culturais e de valores da nacionalidade para milhares de crianças no país.

A expansão do ensino primário rural ocorreu de forma significativa no Brasil no período de 1930 e 1970, quando foram implantadas políticas de escolarização no campo para construção de escolas e melhoria da educação na zona rural, resultado de acordos entre o governo federal e os Estados, com base no Fundo Nacional do Ensino Primário, por intermédio do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Inep.

Em meados dos anos 1930, por exemplo, 77,04% da população vivia na zona rural, contra 22,96% na zona urbana [1]. Dos 759.424 alunos matriculados nas 18.420 escolas primárias rurais, 592.869 as frequentavam regularmente. A diferença entre matrícula e frequência correspondia a 167.073 alunos – dados relativos aos anos de 1935 a 1937.[2]

No início dos anos 1950, com uma população ainda predominantemente rural, mais de 70% da população adulta da zona rural não sabia ler nem escrever. Segundo os dados oficiais, dos 51.944.397 habitantes existentes no país, 27.316.826 permaneciam na zona rural e 24.627.570 na zona urbana. Na zona rural 19.763.782 (72%) da população adulta não sabia ler nem escrever e o sabiam apenas 7.556,007 (28%).[3] Com relação ao número de unidades escolares, a expansão foi significativa neste período, pois o número de escolas primárias rurais praticamente dobrou, passando a 55.300 unidades em 1955.[4]

Os textos reunidos neste dossiê compreendem estudos acerca de políticas, práticas e representações da educação rural no Uruguai e no Brasil. Ao problematizar aspectos relevantes como o currículo, a formação de professores, as modalidades de escolas primárias rurais, as políticas para o ensino primário no campo e as representações das autoridades educacionais e dos educadores sobre a educação rural, os textos que compõem o dossiê contribuem para a compreensão da história do ensino rural na América Latina.

No Uruguai, como mostra o estudo Programa único ou diferenciado: especificidade curricular da escola rural uruguaia, prevaleceu, durante quase todo o século 20, um currículo diferenciado para as escolas rurais, definido após várias negociações entre o governo e os professores. No Brasil, a diversidade das experiências regionais de educação rural é uma característica marcante, uma vez que cada governo estadual implantou políticas específicas para o ensino primário rural. Tal diferenciação impele estudos particulares sobre essas realidades regionais. Ao tratar de representações, práticas e políticas de educação rural, os textos põem em questão os limites da ação do governo e dos professores e o embate entre concepções e propostas educacionais.

No caso uruguaio, o autor aborda o fenômeno da especificidade curricular que acompanha as escolas rurais há mais de um século e a ruptura histórica registrada em 2009, quando teve início a aplicação de uma estrutura curricular comum às escolas urbanas e rurais. Limber Santos analisa as circunstâncias históricas da pedagogia rural e, em particular, uma de suas materialidades simbolicamente mais potentes, constituída pelo Programa para Escuelas Rurales, de 1949.

No texto Escola como agência de civilização: projetos formativos e práticas pedagógicas para a educação rural no Brasil (1946-1964), destaca-se o papel de agência de civilização atribuído à escola rural no Brasil, frente ao projeto de expansão dos valores ligados ao espaço urbano e ao concomitante processo de industrialização que se aprofundou na segunda metade do século 20. A investigação apoiou-se em fontes documentais como pesquisas, projetos e propostas referentes ao tema do ensino primário rural, publicados entre o fim da ditadura varguista e o advento do golpe civil-militar de 1964 nas páginas da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, mantida pelo Inep.

Pelo texto Da roça para a escola: institucionalização e expansão das escolas primárias rurais no Paraná (1930-1960) busca-se, por meio das iniciativas empreendidas pelo governo estadual e sua correspondência com os ditames federais e as tematizações relacionadas à educação rural, compreender o processo de institucionalização e expansão das escolas primárias rurais no Paraná entre as décadas de 30 a 60 do século 20. As fontes documentais que deram suporte à investigação constituem-se em mensagens e relatórios de governadores estaduais e interventores federais no Estado do Paraná, analisados a partir da produção historiográfica sobre o tema.

A situação do ensino primário rural retratada pelos delegados do ensino do Estado de São Paulo é a temática analisada no texto O espírito de horror à vida educativa nos campos: a educação rural paulista nas décadas de 1930 e 1940. Ao explorar os relatórios de 21 delegacias de ensino, referentes ao período de 1933 a 1945, o autor identifica os principais problemas para o desenvolvimento da educação rural, segundo a posição dessas autoridades do ensino público. Dessa maneira, é possível apreender, tanto o modo como os responsáveis pela administração do ensino concebiam a educação rural, quanto a avaliação que faziam dos problemas e as soluções aventadas.

Em As disputas em torno do ensino primário rural (São Paulo, 1931-1947), analisamse as disputas pelo ensino primário rural no Estado de São Paulo, no período entre 1931 e 1947, com destaque para os embates entre defensores da ruralização do ensino e os partidários da escola comum. Examinam-se, também, os avanços e a insuficiência das políticas dos governos paulistas para o ensino rural. A investigação está alicerçada em artigos veiculados na imprensa periódica educacional e nas iniciativas políticas empreendidas pelo poder público.

Além de contribuírem para o preenchimento de lacunas no conhecimento histórico sobre a educação primária, os artigos deste dossiê podem instigar novas investigações e convidam ao debate.

Notas

1. Cf. Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: Tip. do Departamento de Estatística e Publicidade, 1936.

2. Cf. Brasil. Repertório estatístico do Brasil situação cultural. Rio de Janeiro: IBGE, 1941, ano 5, separata.

3. Cf. Brasil. Anuário estatístico do Brasil: 1952. Rio de Janeiro: IBGE, 1953.

4. Cf. Brasil. Anuário estatístico do Brasil: 1952. Rio de Janeiro: IBGE, 1953

Rosa Fátima de Souza

Virgínia Pereira da Silva de Ávila

Organizadoras do dossiê.

SOUZA, Rosa Fátima de; ÁVILA, Virgínia Pereira da Silva de. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 18, n. 43, maio / ago., 2014. Acessar publicação original [DR]

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A matemática nos anos iniciais escolares em perspectiva histórico-comparativa / Revista História da Educação / 2014

Matemática nos Anos Iniciais escolares em perspectiva histórico-comparativa / Revista História da Educação / 2014, VALENTE Wagner Rodrigues (Org d), Matemática (d), Anos Iniciais do Ensino Fundamental (d), Revista de História da Educação (RHEd) Este dossiê reúne estudos sobre a Matemática no curso primário, no Brasil, em perspectiva histórica. Estão presentes resultados do desenvolvimento do projeto temático intitulado A constituição dos saberes elementares matemáticos: a aritmética, a geometria e o desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-1970, que conta com o apoio do CNPq.

Os programas de pós-graduação da Universidade Federal de São Paulo, da Universidade Federal de Santa Catarina, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, da Universidade Federal de Alagoas, da Universidade Federal de Sergipe, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da Universidade Severino Sombra, RJ, da Universidade Bandeirante de São Paulo, da Universidade do Vale do Sapucaí, MG, da Universidade Federal do Mato Grosso, da Universidade do Vale dos Sinos, RS, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul integram-se nesta investigação constituindo núcleos locais de desenvolvimento de subprojetos voltados ao tema da constituição histórica dos saberes elementares matemáticos.

O projeto reúne dezessete pesquisadores doutores de dez Estados brasileiros, com o objetivo de analisar a trajetória de constituição dos saberes elementares matemáticos – a Aritmética, a Geometria e o Desenho – presentes no curso primário de diferentes regiões brasileiras, desde o período de criação do modelo grupo escolar até a sua extinção, a partir da criação da escola obrigatória de oito anos. A pesquisa orienta-se pelas seguintes questões: que trajetórias de constituição tiveram a Aritmética, a Geometria e o Desenho para os primeiros anos escolares? Ou, dizendo de outro modo, como foram organizados e reorganizados os saberes elementares matemáticos para estarem presentes na escola graduada? Como o modelo grupo escolar, difundido a partir de São Paulo, constituiu saberes elementares matemáticos em diferentes pontos do Brasil?

Na organização inicial do projeto, percebeu-se que raras são as pesquisas que se referem aos saberes elementares matemáticos presentes nos anos iniciais escolares. Considerando-se este estágio inicial do conhecimento, criou-se a necessidade de avançar-se para a elaboração de um conhecimento glocal, entendido como articulação das produções locais em perspectiva ampliada. Nestes breves termos, justifica-se a promoção de uma pesquisa de âmbito histórico-comparativo, com vistas à produção de conhecimento acerca da constituição dos saberes elementares matemáticos presentes no curso primário brasileiro.

No âmbito deste projeto entende-se que a organização dos saberes elementares matemáticos revela-se em várias instâncias: nas diretrizes curriculares oficiais; nos impressos pedagógicos para professores, como as revistas com orientações didáticas para o ensino; nos relatórios de estágio docente; nos manuais e livros didáticos; nos documentos de elaboração de aulas dos professores; nos materiais dos alunos – cadernos, fichas -; na docimologia escolar – exames, provas e testes de aferição da aprendizagem -, dentre muitos outros documentos ligados ao funcionamento do cotidiano escolar de outros tempos.

As fontes estão sendo coletadas e inventariadas por pesquisadores de diferentes Estados e disponibilizadas num repositório virtual localizado no sítio eletrônico https: / / repositorio.ufsc.br / handle / 123456789 / 1769 , da Universidade Federal de Santa Catarina.

A possibilidade de construir coletivamente um repositório de fontes de pesquisa abre um leque de alternativas de estudos e investigações, na medida em que inaugura um novo processo de produção científica. Permite a cada pesquisador acessar às diferentes fontes ao longo do desenrolar do projeto e, assim, desde o seu início, exercer a ousada tarefa de comparar ensinos de Matemática a partir de seus saberes elementares, em diferentes regiões, num período definido.

Dentre as várias produções já elaboradas, foram selecionados cinco estudos. O primeiro deles aborda a trajetória do ensino de Matemática no curso primário do Rio Grande do Sul, considerando as normativas oficiais para o ensino de Aritmética, com o estudo realizado pela pesquisadora Elisabete Búrigo. O segundo, escrito pelo pesquisador David Antonio da Costa, trata da Aritmética, levando em conta a análise da circulação do modelo pedagógico paulista dos grupos escolares no Estado de Santa Catarina. O terceiro texto refere-se à elaboração dos programas de ensino no Paraná e em São Paulo relativamente, também, à Aritmética escolar, tendo sido elaborado pela professora Neuza Bertoni Pinto. Ainda tratando do ensino de Aritmética, o quarto estudo analisa a produção e circulação das Cartas de Parker, material didático-pedagógico transformado em ícone da moderna pedagogia do ensino de Aritmética. Por fim, a professora Maria Célia Leme da Silva apresenta os resultados da pesquisa sobre a circulação e apropriação de práticas de ensino do Desenho e da Geometria no curso primário.

Wagner Rodrigues Valente – Universidade Federal de São Paulo.


VALENTE, Wagner Rodrigues. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 18 n. 44, set. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Escritas estudantis em periódicos escolares / Revista História da Educação / 2013

Entre as instituições complementares ou associações auxiliares à escola, estimuladas pelos protagonistas da Escola Nova desde as primeiras décadas do século 20, destaca-se o jornal escolar elaborado pelos alunos, como atividade de sala de aula ou extraclasse. Pode-se assinalar que, na segunda metade do século 19, já se encontram vestígios de jornais infantis e escolares no Brasil.

Arroyo (1968, p. 136) cita, por exemplo, para o Estado de São Paulo, o periódico O Colegial, vinculado ao Colégio Albuquerque e redigido por meninos de dez a onze anos, publicado em Piracicaba, em 1880; O Jovem Escolar (1896) dos alunos do Grupo Escolar do Sul da Sé, da cidade de São Paulo. O autor também afirma que muitos escritores ensaiaram suas primeiras tentativas literárias nesses impressos, em formato pequeno e com quatro páginas: Monteiro Lobato, em Taubaté, redigia O Guarani (1897); Nestor Vitor atuava no jornal manuscrito A Violeta [1].

No século 20, a primeira experiência com jornal escolar data da década de 1910, no pós-guerra, na Escola Decroly, Bélgica, com o Courrier de l’École. Mas foi Celéstin Freinet, com suas experiências a partir de 1924, que ampliou a divulgação e utilização do jornal escolar como texto livre, considerando-o “a expressão natural, a base, da vida infantil em seu meio normal” (Freinet, 1957, p. 5). O estímulo ao texto livre permite as crianças contarem os acontecimentos de sua vida, de sua cidade ou bairro, as aventuras de férias ou as saídas de domingo. Dessa forma, podemos conhecer a criança em seu meio, na sua vida, os caminhos profundos dos seus interesses, a realidade do mundo que vibra ao seu redor.

Freinet considera a imprensa escolar como “um dos maiores elementos de uma pedagogia aberta sobre o mundo e sobre a vida, suscetível de dar um sentido novo à cultura em que a escola, em todos os seus graus, vai assentar-se e preparar a eclosão” (Ibid., p. 62). Nas atividades com a imprensa, destaca como vantagens pedagógicas a preparação para a vida, o ensino da língua pelo método natural, sem redações formais, sem exigências gramaticais; permite a expressão natural e viva; estimula o desejo e a necessidade de escrever, ler, experimentar e calcular, que são a base de uma formação cultural. Explica, ainda, que o jornal é um arquivo vivo da classe, do cotidiano da sala de aula e da escola que aproxima a escola do bairro e da cidade, reflete a classe de alunos, o trabalho realizado e as aquisições de conhecimentos e desperta a curiosidade e o interesse.

Além dessas vantagens, salienta que os textos produzidos são reveladores da vida subconsciente e da vida social das crianças, expressam sua complexificação íntima e do meio em que vive, disciplinam o trabalho, estimulam a expressão livre e a necessidade de exteriorização da criança. Quanto às vantagens sociais, promovem o trabalho em equipe e em cooperação, aproximam a família e a comunidade, contribuem para a formação cívica (Freinet, 1957).

A elaboração de um periódico escolar busca dinamizar a ação educativa e estimular a participação do aluno. Como recurso de ensino ou instituição escolar,

oportuniza grande número de atividades, oferecendo ambiente propício para a criança aprender fazendo, isto é, realizando ela própria o aprendizado de conhecimentos e técnicas e a aquisição de hábitos e atitudes desejáveis, como o espírito de iniciativa, direção e solidariedade, hábito de trabalho em grupo e cultivo do amor à língua materna. (Fortini, 1940, p. 95)

Como trabalho de equipe, a confecção do jornal de classe ou da escola contribui para a formação do espírito de cooperação, de coletividade, além de expressar o trabalho realizado, sendo uma “fonte preciosa para a história da vida da escola” (Revista do Ensino / RS, 1941, p. 62).

O jornal escolar, instituição incentivada pelas autoridades educacionais ao longo do século 20, especialmente da década de 1910 a 1970, será foco de normatizações pelas quais se busca orientar minuciosamente os professores a criar um periódico em sua escola ou sala de aula, em todas as fases necessárias para sua concretização, do planejamento à circulação.

Os impressos de alunos, em diferentes níveis de ensino, são documentos importantes para analisar a cultura escolar e suas práticas [2]. Na historiografia da História da Educação no Brasil encontram-se vários estudos com impressos escolares ou impressos estudantis, mas são poucas as pesquisas que privilegiam aqueles produzidos por alunos, de diferentes níveis de ensino – ensino primário, ensino médio [3] e ensino superior – que decorre da sua pouca conservação, pois muitos deles foram manuscritos.

As possibilidades de escritas e de suas histórias coexistem simplesmente, plurais como as verdades, as práticas e os momentos históricos que as engendraram (Wintermeyer, 2008). Nessa perspectiva, os impressos escolares ou impressos estudantis são documentos preciosos para olhar a escola e, especialmente, os escritos autobiográficos e as escritas de si, reproduzidas nesses impressos.

Para Bishop (2010), as escritas escolares, principalmente aquelas redigidas na primeira pessoa, como narrações de acontecimentos vividos, são expressões de escritas de si, em que o autor é o objeto mais ou menos autêntico de seu texto.

Esse dossiê apresenta artigos de diferentes autores e vinculações institucionais, nacionais e internacionais, e de pesquisas desenvolvidas em diferentes espaços escolares, a fim de estimular novos estudos em outros espaços e tempos.

Notas

1. Sobre a imprensa escolar e infantil no Brasil, ver Arroyo (1968), especialmente o cap. 5, p. 131-161.

2. Jornais, boletins, revistas, magazines – feitas por professores para professores, feitas para alunos por seus pares ou professores, feitas pelo Estado ou outras instituições como sindicatos, partidos políticos, associações de classe, igrejas – contêm e oferecem muitas perspectivas para a compreensão da história da educação e do ensino. Sua análise possibilita avaliar a política das organizações, as preocupações sociais, os antagonismos e filiações ideológicas, além das práticas educativas e escolares. A imprensa é um corpus documental de vastas dimensões, pois se constitui em um testemunho vivo dos métodos e concepções pedagógicas de uma época e da ideologia moral, política e social de um grupo profissional. É um excelente observatório, uma fotografia da ideologia que preside. Nessa perspectiva, é um guia prático do cotidiano educacional e escolar, permitindo ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um determinado setor ou de um grupo social a partir da análise do discurso veiculado e da ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do universo escolar (Catani; Bastos, 1997).

3. Para as produções escolares de alunos do ginásio ou do ensino secundário há um número maior de estudos. Pode-se citar: Pinheiro (2000); Amaral (2002); Piñeda (2003); Almeida (2009, 2010a, 2010b); Renk (2011).

Referências

ALMEIDA, Doris Bittencourt. Propagandas na revista O Clarin: discursos que produzem identidades. CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 8, 2010, São Luis, Anais … São Luis: SBHE, 2010a.

ALMEIDA, Dóris Bittencourt. Um observatório de jovens: a revista O Clarim (1945-1965). ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO SUL RIO-GRANDENSE DE PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 16, 2010, Porto Alegre, Anais … Porto Alegre: Asphe, 2010b.

ALMEIDA, Doris Bittencourt. O Clarim: memórias de culturas jovens. CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 9, 2009, Rio de Janeiro, Anais … Rio de Janeiro: SBHE / Uerj, 2009.

AMARAL, Giana Lange do. Os impressos estudantis em investigações da cultura escolar nas pesquisas histórico-institucionais. História da Educação. Pelotas: Asphe, n. 11, 2002, p. 117-130.

ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira: ensaios de preliminares para sua história e suas fontes. São Paulo: Melhoramentos, 1968.

BISHOP, Marie-France. Racontez vos vacances…: histoires des écritures de soi à l’école primaire (1882-2002). Grenoble: PUG, 2010.

CATANI, Denice Bárbara; BASTOS, Maria Helena Camara. Apresentação. In: CATANI, Denice Bárbara; BASTOS; Maria Helena Camara (orgs.). Educação em revista: a imprensa periódica e a história da educação. São Paulo: Escrituras, 1997, p. 5-10.

FORTINI, Amneris. Jornal escolar. Revista do Ensino. Porto Alegre, v. 3, n. 10, jun., 1940, p. 95-96, FREINET, Celestin. Le journal scolaire. Vienne: Rossignol, 1957.

PINHEIRO, Ana Regina. A imprensa escolar e o estado das práticas pedagógicas: o jornal Nosso Esforço e o contexto escolar do curso primário do Instituto de Educação (1936- 1939). São Paulo: PUCSP, 2000. 136f. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

PIÑEDA, Silvana Schuler. Hyloea: o feminino na revista dos alunos do Colégio Militar de Porto Alegre (1922-1938). Porto Alegre: Ufrgs, 2003. 193f. Dissertação (mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

RENK, Valquíria Elita. Imprensa escolar: uma demonstração do patriotismo do Estado Novo. CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 6, 2011, Vitória, Anais … Vitória: SBHE / Ufes, 2011.

WINTERMEYER, Rolf. Introduction. In: WINTERMEYER, Rolf; BOUILLOT, Corinne (org.). Moi public et moi privé dans lesmémoires et les écrits autobiographiques du XVIIe siècle à nous jours. Rouen: Publications des Universités de Rouen et du Havre, 2008, p. 11-31.

Maria Helena Camara Bastos – Organizadora do dossiê.


BASTOS, Maria Helena Camara. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 17, n. 40, maio / ago., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Lugares de poder, produção e circulação de saberes pedagógicos / Revista História da Educação / 2013

Este dossiê apresenta alguns resultados da investigação de um grupo de pesquisa sobre história cultural da escola e dos saberes pedagógicos, cujo objetivo geral é compreender as práticas e os processos educativos, em seus regimes de historicidade, como produtos de uma construção cultural em articulação com sua dimensão social.

Nessas investigações, conceitos como representações, práticas, apropriações e materialidade dos objetos culturais são fundamentais porque sublinham a importância das operações de atribuição de sentido coletivas e, ao mesmo tempo, a liberdade relativa dos agentes, cujas práticas contribuem para a construção do mundo social e permitem a historicização da linguagem das fontes e dos lugares de produção das mesmas.

Os trabalhos reunidos se reportam a um dos eixos articuladores das referidas investigações e objetivam determinar estratégias de produção, de difusão e imposição de saberes pedagógicos e de modelização das práticas escolares. Para essa análise, toma-se a noção de lugares de poder isoláveis, proposta por Michel de Certeau.

Para o início do século 20, a investigação de Rogéria Isobe aborda o serviço de inspeção técnica do ensino como estratégia de produção de um modelo escolar em Minas Gerais, no âmbito da Reforma João Pinheiro. A autora discute o modo como o inspetor técnico atuava sobre a prática docente, a partir de um lugar de poder determinado, o lugar de um intérprete autorizado cuja ação visava a aproximar as práticas dos professores das regras estabelecidas na conformação de um determinado modelo escolar de educação em Minas Gerais.

Já o artigo de Ana Clara Nery analisa o processo de constituição da Biblioteca da Escola Normal de Piracicaba (1896-1950). A biblioteca é tomada como lugar de poder no importante processo de constituição de repertórios culturais, pedagógicos ou não, dos docentes formados nessa instituição. Para tanto, a autora analisa as formas pelas quais se organiza e se dissemina uma determinada cultura pedagógica ao selecionar, ordenar e disponibilizar um conjunto de saberes, próprios da profissão docente numa biblioteca escolar.

Os artigos de Marta Carvalho e Maria Rita Toledo tomam coleções de livros destinadas à formação de professores como lugares de poder que organizam e conformam modelos de leitura e formação docente. A primeira investiga os dispositivos textuais e editoriais de territorialização do livro Educação moral e educação econômica, de Sampaio Dória, integrante da coleção Biblioteca de Educação, organizada por Lourenço Filho como estratégia de configuração do campo dos saberes pedagógicos no final da década de 1920. A autora sustenta que, ao enquadrarem Dória como pedagogista social, esses dispositivos situam-no no que o editor entendia como periferia do programa de renovação da escola brasileira que a coleção buscava promover.

Maria Rita Toledo aborda as quatro edições da tradução de Como pensamos, de John Dewey, na coleção Atualidades Pedagógicas, e os sentidos atribuídos a esse texto, ao longo do século 20, pelos sucessivos editores da coleção. Para tanto, toma por objeto os dispositivos editoriais e tipográficos de apoio à leitura – orelhas, prefácios, notas de rodapé do tradutor – acrescidos a cada uma das versões, e destaca os deslocamentos que os editores produzem nas representações sobre a obra de Dewey e do próprio autor.

O artigo de Daniel Revah focaliza a editora Abril como lugar de produção de representações sobre a educação escolar nas décadas de 1970 e 1980, nos periódicos ESCOLA e Nova Escola. Ao comparar as edições inaugurais, o trabalho analisa o modo como cada periódico busca situar-se diante de seus leitores, mas também em face de conjunturas políticas diversas (ditadura versus democracia). São analisados os editoriais de apresentação e as capas das primeiras edições, junto com as reportagens correspondentes e outros elementos dessas edições inaugurais.

O último artigo, de Alexandre Godoy, analisa o periódico Escola Municipal (1968- 1985) como dispositivo de difusão e implantação de um novo modelo escolar produzido pela Secretaria de Educação do Município de São Paulo, na transição entre a sociedade disciplinar e a sociedade de controle. Além de desvendar os caminhos da produção e circulação da materialidade do impresso em suas diferentes fases, estabelece relações entre o modelo escolar paulistano, o tipo de leitor desejado pela publicação e as políticas municipais de educação do período.

Daniel Revah

Maria Rita de Almeida Toledo

Organizadores do dossiê.


REVAH, Daniel; TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 17, n. 39, Jan / abr, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Governo dos professores, governo das escolas: elementos para a história da institucionalização de mestres e alunos / Revista História da Educação / 2012

Neste dossiê procuramos observar ações voltadas para a constituição do aparato escolar, com uma dupla focalização. A primeira incide na análise do processo de normalização de professores [1], considerando a adoção de medidas destinadas ao preparo prévio, condição tida como necessária para uma formação científica dos futuros docentes e, por conseguinte, para uma atividade mais racionalizada no interior do aparato escolar.

No entanto, esta solução se processou em meio a um campo em organização no qual a forma escolarizada de preparo docente concorreu com a tradição do ofício, de aprendizagem pela prática, enfrentando, igualmente, resistências oferecidas pela população [2] em relação à própria forma escolar, o que pode ser evidenciável no número de matriculados, no problema da freqüência e na questão do aproveitamento dos alunos, por exemplo.

Nesse sentido, associado à imposição da normalização dos professores, medidas complementares foram produzidas para afirmar o modelo de educação escolar, como o serviço de inspeção e a consolidação dos institutos da obrigatoriedade e da liberdade de ensino. Esse conjunto de medidas difusas favoreceu ao aparecimento de formas escolares heterogêneas, como aquelas voltadas para os pobres e desvalidos, bem como para o conjunto da população que se pretendia educar.

Para proceder ao exame das tecnologias de afirmação e legitimação da escola reunimos, neste dossiê, um conjunto de dez artigos que tematizam os investimentos desenvolvidos no sentido de produzir certa padronização da escola.

Inicialmente, a título de oferecer um quadro geral como ferramenta de enquadramento do debate, Alberto Martínez Boom analisa o processo de escolarização ocorrido na Colômbia e postula que a formação escolar dispõe, prepara, antecipa e procura dirigir corpos, gestos e ações possíveis. Para tanto, recorre a um complexo institucional, programas e planos de modo a produzir e legitimar uma idéia de escolarização científica e moderna.

Tal processo pretende agir sobre os diferentes sujeitos que integram e compõem esse projeto, partindo do pressuposto da plasticidade humana. Menos que substância, no interior dessa representação, o homem é descrito como forma passível de ser objeto de sucessivas transformações. Deste modo, o sujeito ou a forma-sujeito é produto de um conjunto mais ou menos regular de exercícios, baseado em saberes, desenvolvido em instituições que terminam por constituir determinadas sujeições e formas de subjetivação correlatas.

No entanto, para Boom, considerando a Colômbia como seu observatório, esse processo não aconteceu de modo maciço, unitário e sem variações. Tendo em vista o estado fragmentário da escolarização na segunda metade do século 18, o autor procurou observar os investimentos voltados para padronização do modelo escolar como, por exemplo, a generalização e controle exercido sobre a produção, circulação e uso de manuais, métodos, programas, catecismos e obras exemplares, articulados aos saberes e instituições que, no conjunto, teceram procedimentos regulatórios no que se refere ao corpo docente, corpo infantil e famílias. Tudo isso a partir da escola que, paulatinamente, se afirmou como um lugar sitiado, protegido e tutelado por meio de práticas contingentes.

O tema da regulação do ofício, articulado a outros dispositivos associados ao processo de escolarização, é tratado em três artigos que procuram estudar quatro experiências específicas. O primeiro, de autoria de Luz Elena Galván, procura observar a emergência e o longo caminho da profissionalização docente no México. Para operar o deslocamento de uma prática comum, ordinária e conquistar o estatuto de profissão, houve necessidade de se interferir em saberes e costumes. No México, os saberes se transformaram em direção a uma pedagogia considerada nova e científica, afastando-se da pedagogia caracterizada pela cópia, repetição e memorização.

No que se refere aos costumes, cada Estado mexicano gozou de liberdade para organizar as escolas normais de acordo com suas necessidades e tradições. Portanto, menos que homogeneidade, o que se observa na experiência mexicana se caracterizou pela heterogeneidade das políticas de formação docente.

De acordo com a autora, o processo de profissionalização docente no México aconteceu de modo irregular, pois existiram modalidades de instituições que responderam aos costumes de cada Estado como, por exemplo, os institutos para meninas, liceus, academias e institutos literários, dentre outros. Trata-se de uma série de instituições que, em algumas ocasiões, serviram de base para a criação das escolas normais.

A irregularidade do processo de formação prévia também se verifica no Brasil, objeto dos artigos que examinam o processo de normalização dos professores em duas cidades-capitais e numa pequena cidade de Minas Gerais, isto é, nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói e São João del-Rey.

No caso da regulação do ofício no Rio de Janeiro, Ariadne Ecar e Marina Uekane desenvolvem um estudo sobre a experiência de duas escolas normais no final do século 19, uma situada na capital do Império e, outra, na capital da Província do Rio de Janeiro, Niterói. Consideradas como indispensáveis para formar os quadros docentes que atenderiam as escolas primárias, as instituições em questão passaram por diversas reformas pelas quais se procurou alargar os programas em prol de um ensino descrito como mais científico. Os deslocamentos institucionais observados indiciam investimentos no sentido de formar o futuro professor com mais robustez. Sugerem, igualmente, a existência de tensões em torno do conteúdo e forma dessas medidas.

Como se pode perceber ao longo do artigo, as políticas de formação de professores postas em prática nas duas capitais estiveram atreladas ao papel atribuído à instrução e aos seus professores. Logo, não podem ser compreendidas apenas na dimensão técnica. A racionalização do ofício consiste em uma face da questão, pois as reconfigurações programáticas e metodológicas observadas se constituem em expressão dos debates e dos equilíbrios entre as forças envolvidas em torno da definição do melhor modelo de preparo prévio para ser professor primário.

A composição das forças políticas também se constitui em chave para compreender a configuração do processo de normalização do trabalho docente no interior de Minas Gerais. Na tentativa de compreender o mecanismo da formação de professores, seu aparecimento, funcionamento, transformações e efeitos, Maria Aparecida Arruda examina as tradições forjadas ou inventadas no campo da docência e de sua formação prévia, a partir do estudo relativo ao Colégio Normal Nossa Senhora das Dores – CNSD -, instalado na cidade de São João Del Rei no ano de 1898. Observa-se, neste caso, a presença da Igreja Católica e seu investimento no espaço de formação docente, tendo como alvo o público feminino.

Em São João del-Rei a possibilidade da profissionalização do magistério primário para as mulheres começou a ser pensada a partir da instalação da primeira Escola Normal na cidade, em 1883. Tratava-se de uma instituição pública voltada para ambos os sexos. No entanto, de modo semelhante ao que se processou em outras escolas normais brasileiras, a escola normal mista também foi objeto de ingerência administrativa, fato observável pela ausência de investimentos financeiros para sua consolidação e continuidade, o que fez com que fosse extinta em 1906.

Essa extinção aconteceu paralelamente à obtenção de maior legitimidade da escola normal católica mantida pelas Filhas da Caridade da Sociedade São Vicente de Paulo. A equiparação com as escolas normais oficiais, novo estatuto jurídico adquirido em 1905, ampliou a força do Colégio Nossa Senhora das Dores, o que pode ser lido como sinal da eficiência das estratégias empregadas e da efetividade da ação educativa protagonizada pelas irmãs vicentinas em São João del-Rei.

Os três artigos apresentam contornos assumidos no processo de profissionalização ao focalizar a questão do preparo prévio. No entanto, esse não se constitui em dispositivo único voltado para a regulação do ofício.

Dada a multiplicidade do corpo docente, o fato de muitos não terem passado pelas escolas normais e a heterogeneidade da formação escolar dos professores, observamos ações complementares voltadas para regular e harmonizar a corporação, como a constituição de uma aparelhagem de inspeção na capital do Império, chamando atenção para procedimentos homólogos processados em muitas cidades brasileiras.

Esta se constitui na problemática estudada no artigo de Angélica Borges, em que procura discutir como a visibilidade dada à escola e aos seus atores, via inspeção, permitiram inseri-los em um esquema disciplinar, cujos efeitos encontram-se articulados e justificados em nome de um projeto de ordenação e civilização da capital do Império brasileiro.

Com foco na análise dos procedimentos de fiscalização de professores primários, a autora reflete sobre o funcionamento do serviço de inspeção da instrução na Corte Imperial, a partir de 1854, ano de sua institucionalização pelo Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Corte.

Apesar da existência de uma orientação geral, o estudo demonstra que a inspeção sobre o exercício do magistério não se processou de forma plena em todas as entradas e campos previstos em lei. Foi possível perceber que, ainda assim, conseguiu gerar uma série de dados, condição para se exercer o governo dos professores das escolas. Os registros gerados a respeito da distribuição dos professores e de suas práticas foram adotados como forma de tornar mais eficaz a disciplina exercida.

A aparelhagem da inspeção organizada na capital do Império permite observar as operações da arte de punir: comparar, diferenciar, hierarquizar, homogeneizar e excluir. Por meio de estratégias bem definidas, mesmo com seus efeitos lacunares, criou condições para comparar professores e diferenciá-los segundo a produtividade, gerar uma hierarquia definida por gratificações e prêmios concedidos aos serviços prestados com distinção, homogeneizá-los por meios de coerção e pelas conferências pedagógicas, bem como realocar ou excluir os que cometessem delitos.

O processo de fiscalização acontecia de modo articulado a outras instâncias de poder-saber, em graus e formas diferenciadas, a partir do que é possível observar o funcionamento dos dispositivos de controle e seus efeitos na conformação do exercício da profissão docente. Assim, o exercício da inspeção e da docência configuram um movimento no qual se pode evidenciar a existência de uma rede de relações de poder, marcada pelo registro da disciplina e gestos de anti-disciplina.

O estudo do problema do governo das escolas e dos professores, como tecnologia a serviço da gestão da população, pode trazer contribuições no sentido de ajudar a pensar a forma como vem sendo constituída a fiscalização do ensino e da profissão docente em vários presentes, destacando-se que tal prática não é fixa, tampouco se constitui em monopólio ou exclusividade de uma única agência, como se procura demonstrar neste artigo.

A legitimação da escola, contudo, advém da forte medida que procurou tornar a mesma compulsória, obrigando pais, tutores e outros responsáveis a enviarem crianças para serem submetidos à experiência escolar, fosse privada ou pública. No caso, com a adoção do instituto da obrigatoriedade, observamos a constituição de uma larga e importante rede de escolas públicas, subvencionadas e confessionais e de um cinturão de arsenais, rodas de expostos, asilos ou institutos profissionais, cujo fim seria o de tornar o indivíduo e seu corpo o mais rentável possível, útil a si, a igreja e a pátria.

A questão da escola compulsória é objeto de estudo do artigo assinado por Dimas Neves, Cintia Borges e José Gondra no qual procuram debater o tema da obrigatoriedade do ensino em Minas Gerais e Mato Grosso, províncias que procuraram normatizar esse instituto desde a segunda metade do século 19.

A pesquisa realizada procurou se ancorar nas contribuições dos estudos comparados e na análise dos discursos dos presidentes das províncias mineira e mato-grossense. Por se tratar do exame de uma medida global, a pesquisa buscou dialogar com a concepção de governamentalidade, considerando o tema da escola obrigatória como necessidade e urgência voltada para gestão das coletividades.

Deste modo, a instrução popular e o ensino compulsório passaram a ser pensados como ações de governo associadas à idéia de bom governo, porque implica em gerir as multiplicidades como forma de assegurar uma espécie de homeostase. Trata-se de uma tentativa de governar os corpos e os sujeitos, uma tentativa de moldar a conduta e o comportamento, de disciplinar a alma e inculcar determinados saberes e condutas de modo a evitar grandes conflagrações.

Nesse contexto, a obrigatoriedade do ensino pode ser pensada como uma tentativa de controle da população, aproximável da idéia de governamentalidade, na medida em que, com esse dispositivo, visava-se acautelar a vontade, o comportamento e as condutas das crianças e dos adultos por elas responsáveis.

As proposições e procedimentos relativos à obrigatoriedade escolar, identificados nas formações discursivas analisadas neste artigo, permitem observar a formação de um conjunto discursivo que se fortaleceu e ganhou adeptos com a finalidade de efetivar a construção do projeto civilizatório e de uma nação educada.

A aparelhagem escolar longe de ser a única forma educativa compartilhou essa função com outras instituições. Uma delas corresponde aos internatos para órfãos e pobres, pois essa população requeria, na ótica dos letrados, uma forma de governo ajustada a esse público.

Essa forma de governo é examinada no texto de Maria Zélia Maia de Souza, com base na análise das ações de governo de meninos realizadas no Instituto Profissional João Alfredo (1910 / 1933). O foco incide no campo dos saberes escolares, em especial no da ginástica escolar e do lugar do jogo de futebol no interior da instituição analisada.

O exame da documentação referente ao Instituto permitiu perceber que esse campo de saber foi parte integrante das táticas de governo executadas pelos gestores da instituição, as quais buscavam manter a regularidade da mesma, enquanto instituição pensada e implementada para abrigar, profissionalizar e instruir meninos pobres ou órfãos.

Partilhando da concepção de que o internato deveria cumprir a tripla função de casa, escola e oficina é que se pode compreender o ingresso de determinados saberes e a interdição de práticas que poderiam ser consideradas correlatas, como é o caso da ginástica e do futebol.

A interdição deste último se efetiva e se vê apoiada no argumento das rentabilidades, já que, para os gestores do Instituto, o futebol inquietava, era nocivo e antieconômico. Representação que parece ter alguma capilaridade no tecido social se considerarmos as palavras de Lima Barreto. Para ele, o futebol se constituía em “uma escola de violência e brutalidade e não merece nenhuma proteção dos poderes públicos, a menos que estes nos queiram ensinar o assassinato” ou, ainda,

não é possível deixar de falar no tal esporte que dizem ser bretão. Todo dia e toda a hora ele enche o noticiário dos jornais com notas de malefícios, e mais do que isto, de assassinatos. Não é possível que as autoridades policiais não vejam semelhante cousa. O Rio de Janeiro é uma cidade civilizada e não pode estar entregue a certa malta de desordeiros que se querem intitular sportmen.[3]

A eliminação do futebol do interior do internato parece que estava em sintonia com a idéia de que tal prática seria instauradora de desordem, contra-face do projeto asilar, instrucional e profissionalizante que o internato de meninos pretendia exercer. Logo, os exercícios corporais admitidos na instituição deveriam estar alinhados a este projeto, o que ajuda a compreender a solução imposta.

O amplo, complexo e descontínuo projeto de escolarização encontrou forte incremento nos poderes públicos, em seus três níveis, seja dos municípios, províncias / estados ou do governo central. No entanto, tal projeto, para ser efetivado, também esteve associado às iniciativas privadas no campo da instrução, sustentadas, por sua vez, no marco legal do instituto da liberdade de ensino.

A rede constituída pela iniciativa privada, por vezes subvencionada com recursos do poder público, é numerosa, estratificada e diversificada, sendo parte expressiva dela criada e mantida por entidades confessionais de diferentes matrizes. A rede mais conhecida, legitimada e, provavelmente, a de história mais antiga, corresponde às escolas criadas por iniciativas de católicos, matéria analisada por Aline Limeira e Fátima Nascimento. Reconhecendo que a construção da forma escolar moderna se deu por intermediações de forças distintas, as autoras focalizam as iniciativas particulares de educação promovidas pela Igreja Católica na Corte Imperial.

A partir das propagandas do Almanak Laemmert e de diversas informações do jornal O Apóstolo, localizam vestígios da estrutura física, planos de estudos e valores cobrados por alguns colégios católicos nas décadas de 1870 e 1880. O estudo também procura refletir a respeito das relações estabelecidas entre o Estado Imperial e a Igreja Católica e observar imbricações entre poderes públicos e privados, fenômeno que ultrapassa a sociedade imperial.

As autoras consideram ser necessário investigar mais o comércio da instrução mantido pelos religiosos católicos, recorrendo a outras fontes diferentes das propagandas de jornais, revistas, almanaques ou folhetins, haja vista que muitos estabelecimentos confessionais não recorriam à publicidade. De acordo com a pesquisa realizada, convém sublinhar que a iniciativa particular era composta por muitos e diferentes empreendimentos em prol da difusão do ensino primário e secundário, como as mantidas por protestantes, leigos, maçons, católicos, indígenas e espíritas, por exemplo. Por isso, as iniciativas arroladas constituem algumas dentre as que participaram do nascente e lucrativo mercado da instrução.

Neste sentido, os elementos analisados pelas autoras são vestígios de um processo de escolarização no qual é possível perceber que o comércio pouco ou nada apresenta de uniforme ou homogêneo. No que se refere aos estabelecimentos criados e mantidos pela Igreja Católica, eles também são marcados por uma importante heterogeneidade. Esta característica pode ser percebida na estrutura física – uns pequenos e baratos, outros adaptados, alguns bem equipados, caros e espaçosos – ou pelo público atendido, igualmente diversificado em virtude das características de cada iniciativa.

Ao procurar aprofundar as reflexões acerca das relações entre as forças públicas e particulares, a análise dos efeitos e implicações dos consórcios e concorrências estabelecidas desde o século 19, no campo da oferta dos serviços de instrução, ainda demanda novas explorações a respeito desta matéria, no intuito de expandir a possibilidade de se compreender de modo mais refinado as mediações entre a esfera pública e os interesses particulares que marcam as iniciativas voltadas para a educação escolar no Brasil.

Outro ponto convertido em objeto de exame nesta sessão temática se refere às relações entre escola e cidade. Para tanto, o artigo assinado por José Cláudio Sooma Silva, Irma Rizzini e Maria de Lourdes Silva analisa um conjunto de ações de governo que almejaram empreender um entrelaçamento das dimensões preventivas, educacionais e correcionais com as iniciativas de reforma urbana na cidade do Rio de Janeiro, na década 1920.

O artigo problematiza algumas das justificativas acionadas no período que sublinhavam as potenciais contribuições que a reconfiguração dos comportamentos, hábitos e condutas da população prestaria para a tentativa de disciplinamento e harmonização do traçado arquitetônico e seus usos sociais, com base em conjunto documental composto pela legislação educacional, regulamentação da assistência social, relatórios de chefes de polícia, ofícios remetidos pela Diretoria Geral de Instrução, periódicos e registros fotográficos.

Ao tomar a capital como observatório, os autores percebem que o desenrolar dos anos 1920 foram marcados pelo fortalecimento da certeza de que, para a necessidade de organizar, disciplinar e harmonizar o cotidiano social, não bastava promover o incremento dos aparatos de vigília e controle. Pelas características da capital, tornava-se indispensável inculcar nos habitantes a concepção de que o respeito às normas e regras não deveria estar diretamente vinculado à atuação de instâncias governamentais de fiscalização, ou seja, que a obediência fosse desencadeada somente pelo receio das possíveis penalidades.

Um dos desafios era fazer com que os cariocas internalizassem as regras estabelecidas, acreditando que seu cumprimento acarretaria benefícios para si e para os outros.

Em função desse investimento, as iniciativas se voltaram para o entrelaçamento das medidas de caráter policial com as ações de segurança, assistência e educação da população. Esse conjunto de intervenções pautado em uma gestão e racionalização da vida dos cariocas contribuiria para promover um rearranjo entre o conjunto físico e o conjunto humano e minimização das desordens.

Por fim, Ângela Aisenstein e Maria Eugenia Cairo abordam a questão dos saberes difusos que concorrem para modelar práticas no interior das unidades escolares e nas suas exterioridades, como é o problema da alimentação. Uma questão que não é recente, pois, na Argentina, já desde as últimas décadas do século 19 parte do discurso pedagógico foi orientado no sentido de se ensinar professores, famílias e crianças a respeito das qualidades, quantidades e modalidades do que deveria ser ingerido [4].

No estudo realizado, as autoras enfrentam esse questionário e procuram analisar o modo como a questão da ingesta se articula com o chamado discurso pedagógico estatal e os meios pelos quais foram difundidos na Argentina, com base em periódicos pedagógicos oficiais.

A análise do discurso pedagógico oficial sobre a educação alimentar, difundido pelas revistas educacionais, permite reconhecer a presença de concepções provenientes de distintos campos do saber. A partir de registros científicos, higiênicos e morais, o discurso pedagógico selecionou e ajudou a construir um texto em que se articulam prescrições, descrições e normas que procuraram orientar, criar e regular hábitos de alunos e alunas em relação aos alimentos, comidas, sua produção e consumo.

Ao lado disso, de acordo com as autoras, é possível assinalar que tais registros se reforçavam mutuamente e prescreviam lógicas, modelos sexuais e de organização familiar desejáveis, considerados social e politicamente necessários na virada do século 19 para o 20 na Argentina.

Para finalizar caberia destacar o efeito de conjunto pretendido pelos dez artigos aqui reunidos. Os dez estudos se aproximam pelo investimento comum em desnaturalizar a escola e o processo de escolarização. Afastam-se, igualmente, das teses generalistas que procuram fazer resumos simplificados da instituição e do movimento que busca legitimá-la. Logo, é o processo em sua diversidade e heterogeneidade, marcado pelo reconhecimento de alianças entre saberes, instituições e redes humanas, que interliga os trabalhos aqui reunidos.

Nesse conjunto há também uma recusa à busca de marcos fundadores originais e da perspectiva teleológica. Para os autores aqui reunidos, a história é uma reflexão indiscreta, composta por matéria ativa. É um saber ilimitado porque marcado pelo horizonte e pelas expectativas dos que produzem e dos seus destinatários, portanto, uma experiência aberta a recomposições infinitas.

Logo, as relações possíveis de serem estabelecidas entre distintos dispositivos associados à construção do modelo escolar, em diferentes espaços e temporalidades, constituem-se em condição para dilatar o saber existente e desafiar suas fronteiras em direção ao que ainda não fomos capazes de pensar.

Notas

1. O termo normalização serve para se referir àqueles que foram alunos das escolas normais, como a atenção que se procurou atribuir ao efeito constitutivo dessa experiência; aquilo que ela produz.

2. População é aqui entendida como possibilidade de se identificar e gerir as multiplicidades passíveis de serem medidas e calculadas, condição para que se produzir mecanismos e regras comuns, globais, visando efeitos de conjunto. Pensada nestes termos, ela implica nas tecnologias de governo, sendo a escola uma delas. A esse respeito ver FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

3. BARRETO, Lima. Não queria, mas… Crônica publicada na revista Careta em 3 de junho de 1922. Ver também BARRETO, Lima. O football. Crônica publicada na revista Careta em 1 de julho de 1922. As crônicas de Lima Barreto encontram-se publicadas no livro Toda crônica, organizado pelas professoras Beatriz Resende e Rachel Valença, publicado pela editora Agir em 2004.

4. O debate a respeito da ingesta também pode ser observado no Brasil do século 19, envolvendo agentes da ordem médica e da ordem pedagógica. A esse respeito, conferir GONDRA, José. Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: Eduerj, 2004.

José Gonçalves Gondra

Aline de Morais Limeira

Organizadores do dossiê.


GONDRA, José Gonçalves; LIMEIRA, Aline de Morais. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 16, n. 38, set. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Educação rural / Revista História da Educação / 2011

Este dossiê é uma forma de ampliar e dar continuidade à discussão sobre educação rural, pela contribuição de um conjunto de investigadores que tem compartilhado o interesse pelo tema a partir de meados da década de 2000. Nos anos de 2007, 2009, 2010 e 2011 foram organizados livros [1] no México, Brasil e Espanha, com a produção de pesquisadores que têm mantido articulações e se encontrado, principalmente, por ocasião de eventos de história da educação.

A rede de pesquisadores que discute educação rural, em diversas perspectivas, tem crescido. Há um debate do conteúdo político do termo rural e da educação do ou no campo, com mobilização de programas e projetos governamentais, bem como de conferências nacionais sobre o tema. Outros grupos de pesquisadores abordam ruralidades em sua diversificação, pelo eixo de histórias de vida e auto-biografias de professores e ex-alunos de escolas rurais ou, ainda, trazem para o debate as questões pedagógicas envolvidas na multiseriação que vige em muitas escolas.

Outras pesquisas analisam a educação rural na proposta de formação profissional e técnica para o trabalho no mundo rural e no agronegócio e debatem o cenário de globalização e relações capitalistas envolvidas. Há, também, investigações que tematizam os movimentos sociais do campo, especialmente a partir das políticas públicas voltadas para estas populações. Outros, ainda, abordam a educação rural numa discussão que se encaminha para a ação cooperativista.

Este dossiê poderia incluir inúmeros pesquisadores brasileiros que trabalham com o tema educação rural. Entretanto, o foco deste é, especificamente, a discussão da educação rural em perspectiva histórica. Nele, a abordagem da educação rural é realizada por pesquisadores da Argentina, México, Bolívia e Brasil.

O texto de Alicia Civera revisa temas e metodologias do campo da história da educação no México e situa a historiografia da educação rural. Destaca que o debate focalizou, inicialmente, a história política. Depois, passou para uma perspectiva regional que envolveu a análise do trabalho cotidiano de docentes, sua inserção nas comunidades e o funcionamento das escolas. A autora destaca que, na última década, a produção historiográfica tem atentado para as populações atendidas em termos de diferenciações de gênero e de cunho sócio-cultural. Discute, também, processos transnacionais e globais na abordagem do tema da educação rural.

Jaqueline Marcela Villafuerte Bittencourt traça um retrospecto histórico da educação boliviana e contextualiza, em suas dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais e tecnológicas, a marca forte da discriminação da origem étnica das populações rurais. Ao identificar a dicotomia presente entre o urbano e o rural nas políticas educativas da Bolívia, ao longo do século 20, a autora traça quatro eixos de debate: o Estado liberal oligárquico marcadamente civilizador, a revolução de 1952 e vigência do Código de Educação, quando se altera a denominação de indígenas para campesinos, a reforma educativa de 1994 e, por fim, o momento atual. A autora questiona se o momento atual põe fim à dicotomia, ao que interpõe uma reflexão que considera o movimento histórico e a fragilidade do momento institucional do país.

O trabalho de Lucía Lionetti focaliza a educação rural na Argentina, entre as décadas de 1850 e 1870, que tinha como objetivo eliminar o barbarismo, civilizar as populações para um mundo que se pretendia cada vez mais urbano, ordenado e harmônico. O trabalho recupera as políticas educativas na zona rural de Buenos Aires e demonstra que o modelo de escolarização estava inspirado em valores e práticas próprias do mundo urbano os quais, entretanto, entraram em choque com os costumes e práticas culturais das populações rurais.

Maria Apparecida Franco Pereira discute a educação rural em São Paulo, a partir da contribuição de três autores que atuaram como professores e políticos na educação paulista e nacional no início do século 20. Contextualiza a situação escolar em São Paulo, nas décadas de 1920 e 1930, a partir de documentos legais e normativos que referem as condições materiais de escolas isoladas de zona rural, a recomendação de organizarem-se como granjas rurais inovadoras, os programas de ensino voltados para a prática, com ênfase em atividades agrícolas, pastoris e marítimas, com vistas à fixação do homem ao seu ambiente. Discute o êxodo para as cidades como conseqüência de vários fatores, entre eles a imigração, as estradas e a riqueza do café.

Ana Clara Bortoleto Nery e Cleila de Fátima Stanislavski analisam a obra de Thales Castanho de Andrade, autor de vários livros de leitura publicados pela Companhia Editora Nacional, entre o final da década de 1920 e o início da década de 1960. Estes livros veiculavam modelos de vida que enalteciam o campo frente às condições urbanas. O artigo discute o modelo de homem civilizado para o meio rural através da obra de Thales de Andrade, considerando as imagens que povoam seus livros, o analfabetismo, o perfil de professor rural e a organização da escola rural.

O texto final é de minha autoria e tem como foco o rádio e seus usos na zona rural e nas escolas de formação de professores rurais. Refere o rádio como instrumento pedagógico e de extensão rural, veículo civilizador e de comunicação frente à dispersão da população pelo território nacional. Aborda os usos que dele faziam as escolas normais rurais do Rio Grande do Sul e como o Boletim de educação rural, impresso publicado pela Superintendência do Ensino Rural da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, se instituía como disseminador de uma cultura ruralista, com matérias que traziam pautas e conteúdos para serem veiculados pelas rádios locais.

Os textos apresentados neste dossiê dialogam entre si e contribuem para a compreensão do panorama latino-americano e brasileiro a respeito da educação rural. Esperamos que instiguem o debate teórico-metodológico sobre este tema e promovam a sensibilização de professores e estudantes de forma a colaborarem na investigação acerca da história da educação rural.

Nota

1. WERLE, Flávia Obino Corrêa (org.). Educação rural em perspectiva internacional: instituições, práticas e formação do professor. Ijuí: Unijuí 2007; PERES, Teresa González; PÈREZ, Oresta López. Educación rural en iberoamérica: experiência histórica y construcción de sentido. Madrid: Anroart, 2009; WERLE, Flávia Obino Corrêa (org.). Educação rural: práticas civilizatórias e institucionalização da formação de professores. São Leopoldo: Oikos / Brasília: Liber Livro, 2010; CIVERA, Alicia; ALFONSECA, Juan, ESCALANTE, Carlos (coord.). Campesinos y escolares: a construção da escola no campo latinoamericano (séculos 19 e 20). México: Colégio Mexiquense, 2011.

Flávia Obino Corrêa Werle – Universidade do Vale do Rio dos Sinos.


WERLE, Flávia Obino Corrêa. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 15, n. 35, set. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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Currículos, práticas e cotidiano escolar na formação educacional, moral e cívica de cidadãos no espaço luso-brasileiro / Revista História da Educação / 2010

O presente dossiê reúne seis artigos na temática geral da história das instituições escolares, com ênfase na questão dos currículos, práticas e cotidiano escolar. Os cinco primeiros estão dedicados à temática geral das práticas desenvolvidas a partir de instituições escolares em regiões e cidades do Brasil e de Portugal, tendo sido redigidos originariamente para apresentação no VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, realizado no Porto, em Portugal, em 2008. O último artigo foi redigido mais recentemente, abordando a questão dos arquivos escolares e sua relação como à produção do conhecimento em História da Educação, com correspondência significativa com os artigos apresentados anteriormente.

A percepção do sentido e dos objetivos sociais das instituições escolares contribui sobremaneira para o entendimento das relações fundamentais que se estabelecem entre o particular e o geral no processo de compreensão e de construção de interpretações sobre a história das instituições escolares e de seu papel nas cidades e regiões circunvizinhas, pois que no entendimento dessa relação ancora-se a descoberta da dinâmica das identidades construídas e assumidas pelos indivíduos que animam as instituições educativas.

Desse modo, as práticas escolares que se expressam por meio da organização curricular, da utilização de manuais por professores e alunos, da realização de festividades, da aplicação de premiações e de punições etc. tornam-se compreensíveis não pela descrição detalhada de suas especificidades, mas sim pela qualidade das relações que o pesquisador consegue estabelecer entre essas práticas e as finalidades sociais mais amplas determinadas pela sociedade nas possibilidades sempre em aberto de manutenção da ordem, de iniciativas transgressoras e mesmo de ruptura com o estabelecido.

Assim, a convergência dos trabalhos apresentados está, sobretudo, na preocupação em promover nas investigações particulares a articulação entre as práticas escolares e as finalidades sociais mais amplas, no estabelecimento de uma dialética que enriqueça a interpretação histórica, com utilização para tanto de farta documentação encontrada nos arquivos escolares pesquisados.

Décio Gatti Júnior – Professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, no qual coordena a linha de pesquisa “História e Historiografia da Educação”. E-mail: [email protected]

Eurize Caldas Pessanha – Professora-pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no qual coordena a linha de pesquisa “Escola, Cultura e Disciplinas Escolares”. E-mail: [email protected]


GATTI JÚNIOR, Décio; PESSANHA, Eurize Caldas. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 14, n. 31, maio / ago., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Releituras históricas do ensino secundário / Revista História da Educação / 2008

A Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação tem se pautado por um trabalho sério, criterioso e organizado. Em 1997, com o surgimento de sua Revista – História da Educação – pôde socializar diversos trabalhos e pesquisas de estudiosos da área. Para além dos diversos artigos, resenhas e traduções de intelectuais reconhecidos, essa revista também reproduziu uma seção denominada “documentos”, procurando tornar acessível a uma gama de interessados certas fontes raras e / ou inéditas. Por fim, sempre no intuito de possibilitar trocas, debates e aprofundamentos de pesquisa, em números especiais, o periódico científico da ANPHE tem procurado elaborar dossiês. A primeira tentativa coube à Revista nº 19, de abril de 2006, com o dossiê denominado “O Ensino de História da Educação nos Cursos de Pedagogia do Rio Grande do Sul”. Cabe a nós mantermos essa iniciativa viva, eis a razão deste segundo dossiê, que tem por tema o ensino secundário brasileiro.

Nos últimos anos, pesquisadores de diversas partes do mundo vêm se reunindo em fóruns específicos de discussão e produzindo trabalhos coletivos sobre o ensino secundário numa perspectiva histórica. Em maio de 2001 foi publicado um número especial da Revue Histoire de l`Éducation, organizada por MarieMadeleine Compère e Philippe Savoie, dedicada ao ensino secundário, tendo como título “L’établissement scolaire: des collèges d’humanités à l’enseignement secondaire, XVI-XX siècles” (COMPÈRE e SAVOIE, 2001). Entre 10 e 13 de julho de 2002, em Paris, realizou-se o XXIV ISCHE, que teve como tema “o ensino secundário: história institucional, cultural e social”, em comemoração ao bicentenário da criação dos liceus na França, quando foram apresentados trabalhos de vários países sobre o ensino secundário. Entre esses relatos de pesquisa, alguns deles foram selecionados para integrar o volume 40, números 1 e 2 da revista Paedagogica Historica, cujo tema é Secondary Education: Institutional, Cultural and Social History (SAVOIE, BRUTER e FRIJHOFF, 2004). Em 15 e 16 de novembro de 2002, na França, ocorreu o colóquio “Napoléon et les Lycées”, organizado pelo Institut Napoléon e pela Bibliothèque Marmottann, quando também foi discutida a criação dos liceus franceses na época napoleônica.

Por sua vez, alguns dos textos apresentados no XXIV ISCHE foram publicados no Brasil, na coletânea organizada por Ariclê Vechia e Maria Auxiliadora Cavazotti, sob o título “A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX) (VECHIA e CAVAZOTTI, 2003). Como esclarece António Nóvoa na apresentação dessa obra, o congresso de Paris centrou-se no ensino secundário, esse “todo poderoso império do meio” – na expressão consagrada por Lucien Febvre. O historiador português afirma ser “a idéia de meio, em toda a sua força e ambigüidade, que melhor traduz a história de um ‘poderoso império’, que nem sempre tem sido investigado com a atenção devida”, concluindo que os estudos históricos sobre educação infantil, primária e superior são mais abundantes do que aqueles que versam sobre o ensino secundário (NÓVOA, 2003, p.2).

Essa nova preocupação com questões pouco exploradas pela historiografia da educação só tem a contribuir com um melhor e mais profundo conhecimento da escolarização entre o curso primário e o ensino superior. Um grande desafio ainda envolve o estudo e aprofundamento de determinadas questões sobre o ensino secundário, pois, mesmo com a publicação de ensaios e a realização de alguns congressos temáticos, muito ainda tem a ser dito sobre o “todo poderoso império do meio”. Na perspectiva dessas novas tendências e na tentativa “da construção a muitas mãos”, procuramos sanar parcialmente essa lacuna elaborando um “dossiê” sobre o ensino secundário brasileiro.

A partir de um levantamento historiográfico baseado em Moraes e Berrien (1949), Warde (1984), Alves (2001) e Bastos, Bencostta e Cunha (2004), constatamos diversas lacunas. Por enquanto evidenciamos a pouca produção de trabalhos relativos ao ensino secundário referentes a alguns temas como o ensino profissional, manuais didáticos, formação docente e a alguns períodos históricos como, por exemplo, a época da redemocratização brasileira – entre o final do Estado Novo e o golpe de 1964 – e a reforma do ensino secundário implementada pelo regime militar, que resultou na criação do segundo grau. Existe, portanto, a necessidade de empreender novos estudos exploratórios e de análise sobre alguns períodos históricos e certos temas referentes ao ensino secundário, ao segundo grau e ao atual ensino médio.

O ensino secundário sempre foi considerado o nível de escolarização propedêutica dirigido às elites que ambicionam ingressar nos cursos superiores. Esse tipo de ensino plasmou-se em modelos adotados em grande parte nos países europeus, sendo transportados e adaptados no Brasil desde o período colonial brasileiro. As mais representativas escolas de estudos médios dos países ocidentais foram os antigos colégios do Antigo Regime, e, a partir do século XIX, os “lycées” na França [1], os “gymnasium” na Alemanha e as “Grammar Schools” na Inglaterra. Os currículos desses estabelecimentos de ensino secundário foram em grande parte herdeiros da tradição pedagógica clássico-humanista, estabelecida e disseminada sobremaneira pelos padres jesuítas a partir do século XVI e, posteriormente, reinventada pelo “estado educador” (COMPÈRE, 1985). Em geral, todos visavam possibilitar aos adolescentes uma formação literária e propedêutica (DURKHEIM, 1995, p.293), que os habilitasse e os preparasse para o ingresso no ensino superior.

No entanto, na história da educação ocidental, a tradição clássico-humanista começou a ser quebrada com a emergência de um ensino secundário diferenciado, marcado pela cultura científica e pelas línguas vivas, que se colocou, de forma tímida, nos oitocentos, e se consolidou durante o século XX. De acordo com Durkheim (1995, p. 287), Gréard compilou nada menos do que 75 modificações entre os anos de 1802 e 1887 nos programas de ensino secundário da França. Ele constatou que nos currículos do ensino secundário francês as disciplinas científicas ganhavam espaço, mas não de forma linear, pois às vezes havia restaurações do ensino literário, como parte das oscilações no jogo do poder. O século XIX foi marcado pela disputa entre a Igreja Católica, os monarquistas e os republicanos conservadores, que defendiam o ensino clássico, e os republicanos radicais e os socialistas, que pregavam um ensino científico.

No Brasil, durante o século XIX, no Imperial Colégio de Pedro II, nos liceus provinciais e mesmo nos colégios privados, predominou a tradição clássico-humanista, geralmente inspirada no modelo dos liceus franceses. Com a implantação do regime republicano e a partir de idéias positivistas, houve valorização da matemática e das línguas vivas, mas o currículo do Ginásio Nacional / Colégio Pedro II – padrão nacional para efeitos de equiparação e oficialização dos colégios de ensino secundário – manteve as línguas clássicas e não se constituiu numa ruptura significativa com a tradição clássico-humanista. Na década de 1920, o debate em torno da valorização das Ciências Naturais no ensino secundário ganhou fôlego, especialmente entre os intelectuais reformadores da educação nacional. A Reforma Francisco Campos (1931) realizou a modernização do ensino secundário no Brasil, por meio da implantação de vários elementos curriculares inovadores como a seriação compulsória, a criação de dois ciclos, a freqüência obrigatória dos alunos, bem como a valorização das disciplinas científicas e do vernáculo.

O presente dossiê se propõe realizar releituras históricas do ensino secundário brasileiro. O conjunto de textos não focaliza o ensino de segundo grau – criado pela Lei 5.692, de 1971 – e nem o atual ensino médio, mas coloca o foco sobre o ensino secundário no Brasil durante o século XIX e de boa parte do século passado. Os artigos estão organizados em certa ordem cronológica: um primeiro grupo de textos dedica-se a repensar o ensino secundário durante o Império, enquanto os outros ensaios refletem sobre esse mesmo nível de escolarização no período republicano. Eles tratam de diversificadas questões numa perspectiva histórica como o ensino militar, manuais escolares, disciplinas-saber, cultura escolar, sociabilidade e gênero e intelectuais da educação. São questões relevantes para a historiografia da educação, abordadas a partir de diferenciados referenciais teóricos, em que a história dialoga, de forma frutífera e criativa, com outras Ciências Sociais.

O ensino secundário nos oitocentos é revisitado inicialmente pelo artigo “O ensino secundário militar na contramão das tendências do império”, de Cláudia Alves, que procura mostrar como o ensino secundário militar teve formato seriado e foco nas Ciências Naturais, na segunda metade do século XIX. Essa cultura escolar, também praticada em alguns colégios confessionais, contrasta com o modelo dominante do ensino secundário no período imperial, marcado por cursos preparatórios e por exames parcelados – segundo o estudo clássico de Haidar (1972). O Imperial Colégio de Pedro II e os liceus provinciais tiveram como modelo principal o lycée francês. Nesta direção, no ensaio “Manuais escolares franceses no Imperial Colégio de Pedro II”, Maria Helena Camara Bastos apresenta a disseminação da francofonia no ensino secundário brasileiro a partir de um estudo instigante sobre manuais escolares. No período imperial, o sistema escolar brasileiro foi transversalizado pela galomania e, não por acaso, houve o predomínio das editoras francesas. No entanto, o texto de Eduardo Arriada e Letícia Stander Farias intitulado “O thou, that with surpassing glory crown’d: ensinando inglês aos estudantes brasileiros” chama a atenção para a importância da língua inglesa no ensino secundário brasileiro e sul-rio-grandense durante o Império, embora ela nunca tenha ameaçado a hegemonia do francês.

O ensino secundário na Primeira República é relido por dois artigos, que discutem questões distintas durante esse período histórico. O texto “O ensino secundário laico e católico no Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século XX: apontamentos sobre os ginásios Pelotense e Gonzaga”, de Giana Lage do Amaral, analisa o confronto entre o Ginásio Gonzaga, dirigido por padres jesuítas, e o Ginásio Pelotense, vinculado à maçonaria, na cidade de Pelotas. Essa tensão, discutida em nível local, colocou-se nas primeiras décadas do regime republicano em nível nacional, sendo que a Igreja Católica logrou êxito na consolidação da maior rede confessional de ensino secundário. Ademais, a partir desses dois estabelecimentos de ensino secundário foram instituídas a Universidade Católica e a Universidade Federal de Pelotas. Na década de 1920, emergiu uma fértil problematização do regime republicano, que no campo educacional foi colocada, especialmente, pela Associação Brasileira de Educação e por suas conferências nacionais de educação. É nesta conjuntura que se insere o artigo “Lysímaco Ferreira da Costa e o ensino secundário brasileiro”, de Geysa Spitz Alcoforado de Abreu, que detalha a intervenção de um intelectual paranaense que defendia a ciência aplicada e a modernização do ensino secundário. Desta forma, Lysímaco Ferreira da Costa entabulou interlocução com vários renovadores da educação nacional do eixo Rio-São Paulo.

Enfim, três artigos versam sobre estabelecimentos católicos de ensino secundário, a partir de inspiração bourdieusiana e da perspectiva de gênero. O ensaio “A formação do esprit de sion”, de Ângela Xavier de Brito, estuda a “cultura escolar católica de tradição francesa” no Colégio Notre Dame de Sion do Rio de Janeiro. O intuito da socióloga franco-brasileira é descortinar as estratégias explícitas e sutis da socialização escolar de adolescentes do sexo feminino de uma fração das classes abastadas da então capital do Brasil, colocadas em marcha por freiras de origem francesa. O artigo “A educação secundária feminina: uma história catarina (1935-1947)”, de Letícia História Cortellazzi Garcia, reflete sobre a socialização de alunas no Colégio Coração de Jesus, localizado em Florianópolis e dirigido pelas Irmãs da Divina Providência de ascendência germânica. Esse trabalho contribui para compreender a generificação da cultura escolar inscrita na Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942) e, sobremaneira, nas práticas educativas dirigidas a moças de elite da acanhada capital catarinense dos anos 30 e 40 do século XX. O texto “A força da tradição: ex-alunos do Colégio Catarinense em destaque e em rede”, de Norberto Dallabrida, procura compreender a importância simbólica dos ex-alunos célebres na construção da excelência escolar de um colégio de elite e a articulação da associação de ex-alunos com o intuito de manter e atualizar capital social.

A releitura histórica do ensino secundário realizada no presente dossiê deseja contribuir com o debate contemporâneo em torno da universalização e da democratização do ensino médio brasileiro.

Nota

1. Em 1815, aproximadamente, nota-se o emprego, pela primeira vez, do termo “secundário” em seu sentido moderno para designar todos os estabelecimentos do tipo liceu ou colégio (CHERVEL, 1992, p. 99).

 Referências

ALVES, Cláudia. Acervos bibliográficos para a história da educação. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2001.

BASTOS, Maria Helena Camara; BENCOSTTA, Marcus Levy Albino; CUNHA, Maria Teresa Santos. Uma cartografia da pesquisa em história da educação na região sul: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul (1980-2000). Pelotas: Seiva, 2004.

CHERVEL, André. Quando surgiu o ensino secundário? Revista da Faculdade de Educação. São Paulo, v. 18, n. 1, p.99-112, jan.-jun.1992.

COMPÈRE, Marie-Madeleine. Du collège au lycée (1500-1850): généalogie de l`enseignement secondaire français. Paris: Éditions Gallimard / Julliard, 1985.

COMPÈRE, Marie-Madaleine; SAVOIE, Philipe. L’établissement scolaire: des collèges d’humanités à l’enseignement secondaire, XVI-XX siècles. Revue Histoire de l`Éducation. Paris, nº 90, p.1-229, mai 2001. Numéro spécial.

DURKHEIM, Emile. A Evolução Pedagógica na França. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

HAIDAR, Maria de Lurdes. O ensino secundário no Império brasileiro. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1972.

MORAES, Rubens Borba de; BERRIEN, Willian. Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Souza, 1949.

NÓVOA, António. Apresentação. In: VECHIA, Ariclê; CAVAZOTTI, Maria Auxiliadora (orgs.). A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX). São Paulo: Annablume, 2003. p.1-4.

SAVOIE, Philippe; BRUTER, Annie; FRIJHOFF, Willem. Paedagogica Historica. International journal of the history of education. Special Issue: secondary education: institutional, cultural and social history. Carfax Publishing. Volume XL. Numbers 1 & 2. April 2004.

VECHIA, Ariclê; CAVAZOTTI, Maria Auxiliadora (orgs.). A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX). São Paulo: Annablume, 2003.

WARDE, Mirian Jorge. Anotações para uma historiografia da educação brasileira. Em Aberto (23): 1-6, set-out. 1984.

Eduardo Arriada

Norberto Dallabrida

(Organizadores)


ARRIADA, Eduardo; DALLABRIDA, Norberto. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 12, n. 26, set. / dez., 2008. Acessar publicação original [DR]

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O ensino de história da educação nos cursos de pedagogia no Rio Grande do Sul / Revista História da Educação / 2006

Este número da revista “História da Educação” reveste-se de um significado especial pois representa uma homenagem à Associação Sul-Rio-Grandense de História da Educação no momento em que a mesma completa 10 anos de existência. Esta associação é a mantenedora deste periódico, e com denodo e muito sacrifício tem conseguido manter seu alto padrão de qualidade, atestado, fundamentalmente pela qualidade dos artigos nela publicados.

Neste número mais uma vez, temos o prazer de apresentar trabalhos de investigadores caracterizados como de excelência tanto em nível nacional como internacional. De modo que somos gratos a todos que colaboraram com seus textos para este número e esperamos ter suas contribuições em outras edições desta revista.

Neste número, em substituição ao tradicional “documento’ que publicamos em todos os números anteriores estamos publicando um dossiê sobre o ensino de história da educação nos cursos de pedagogia no Rio Grande do Sul. Estes trabalhos foram, em sua maioria, apresentados no XI Encontro Sul-Rio Grandense de Pesquisadores em História da Educação realizado na Unisinos em S. Leopoldo.

Temos a convicção que a leitura desta revista será de muito proveito a nossos associados, assinantes e ao público interessado em história da educação.

A comissão executiva


Comissão Executiva. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 10, n. 19, jan. / jun., 2006. Acessar publicação original [DR]

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