Darwinismo / Revista Brasileira de História / 2008

Na noite de 3 de julho de 1980, na rua Macapá 29, na cidade de São Paulo, um grupo de historiadores pertencentes à diretoria da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (Anpuh) reuniu-se na residência da professora Alice Canabrava com o corajoso intuito de fundar um periódico científico. Durante meses, vários contatos com agências de fomento haviam sido realizados em busca de fundos. A boa notícia era a de que a Capes concedera, como apoio e impulso inicial, o financiamento dos dois primeiros números, a serem seguidos de outros, futuramente bancados pelos recursos da Associação.[1]

A Anpuh surgira durante um encontro de docentes, o I Simpósio de Professores de História do Ensino Superior, em outubro de 1961, e visava romper o isolamento em que trabalhavam os professores universitários de história, estimulando o diálogo e o compartilhamento de experiências. Completava, então, vinte anos de existência. Tratava-se de comemorar, e o projeto de fundação da revista inseria-se nesse propósito. Afinal, aqueles eram também tempos de intensificação de esperanças, com a extinção do AI-5, a re-ascensão dos movimentos sociais, a luta pela democratização política, a campanha pela Anistia, intensas greves operárias e de trabalhadores diversos e, sobretudo, a expectativa da superação de tempos tão tristes.

Em agosto de 1980, a casa da rua Macapá abrigou nova reunião, na qual se discutiram vários problemas práticos envolvidos na criação de um periódico da Associação, como nome, tamanho, periodicidade, conteúdos e sua viabilidade financeira. Após debate, decidiram-se o título da Revista Brasileira de História, órgão da Anpuh, a periodicidade semestral, e os conteúdos (com artigos, bibliografia e noticiário), entre outros detalhes. Ficou ainda acertado que o primeiro número seria lançado no XI Simpósio, programado para julho de 1981, na cidade de João Pessoa.

Desde então, a Revista Brasileira de História venceu inúmeros desafios. Sua heróica regularidade deveu-se ao esforço dos seus muitos editores e conselheiros, em quinze gestões — compostas por historiadores de diversas instituições, com grande abrangência geográfica — eleitas através dos processos de participação na Anpuh. Publicou artigos de grande impacto, assinados por autores brasileiros e estrangeiros. Organizou dossiês valiosos e pioneiros para a renovação historiográfica, veiculando temas e abordagens, estimulando a produção de um conhecimento de intenções transformadoras.

No ato de publicar, tornar acessível, possibilitar a circulação do conhecimento, a sociedade contemporânea abriu caminhos que têm se mostrado poderosos instrumentos para a pesquisa, para a produção de conhecimento, assim como para a educação. Nos primeiros números da Revista Brasileira de História, os índices de algumas revistas eram reproduzidos, mas sua disponibilidade permanecia difícil na maioria das universidades. Atualmente, a internet, os portais e os indexadores trazem canais decisivos de superação das distâncias. A aproximação não se efetiva apenas entre historiadores das mais variadas partes do país, pois abre-se a chance de uma circulação além das fronteiras, inaugurando uma dimensão renovada e estimulante do conhecimento histórico. O historiador constrói um olhar transnacional e transdisciplinar.

Trata-se, agora, de abrir a Revista Brasileira de História a uma rede de pesquisadores diversos, situados em vários países, dedicados às diferentes áreas do conhecimento histórico. Para tanto, os portais aos quais pertence, SciELO e Redalyc, dão acesso gratuito e fácil aos abstracts, resumos e artigos integrais. A base Scopus, disponível no Brasil gratuitamente desde o Portal de Periódicos Capes, e nas bibliotecas das mais variadas universidades do mundo, também veicula e disponibiliza conteúdos, que se tornam cada vez mais públicos, circulam, dão-se a conhecer, abrem-se ao debate e à crítica.

Neste número, o dossiê abre reflexões sobre a comemoração dos duzentos anos do nascimento de Darwin. Thomas Glick enfoca a presença do geneticista e evolucionista Dobzhansky no Brasil e a renovação das práticas de pesquisa nos meios científicos, sob a perspectiva da história da ciência. Celso Uemori mostra a peculiaridade de certas leituras de Darwin, com destaque para Manoel Bomfim que, diferentemente de muitos de seus contemporâneos, relacionou a luta pela sobrevivência às práticas de solidariedade e co-operação. Karoline Carula apresenta a presença darwinista nas Conferências da Glória, no Rio de Janeiro, entre 1875 e 1880, e Juanma Sánchez aborda os debates sobre evolucionismo, religião e marxismo.

Na seção de artigos, Elaine Lourenço analisa a coleção História Nova do Brasil, lançada em 1964 e logo abortada pela ditadura militar, como importante esforço de renovação do ensino da História; Kaori Kodama investiga a atuação do jornal O Philantropo (1849-1852) nos debates sobre o tráfico de escravos; Claudio DeNipoti enfoca o comércio e a circulação de livros em Portugal, na virada do século XVIII para o XIX, e os mecanismos de disseminação da literatura filosófica iluminista e liberal; Helder Macedo discute a existência de escravos índios no sertão da Capitania do Rio Grande e sua relação com as atividades econômicas nesse território, com ênfase na pecuária e na agricultura de subsistência; Francisco Ferraz aborda os processos de reintegração social dos ex-combatentes norte-americanos, franceses e ingleses, nas duas guerras mundiais; Daniel Pereira e Eduardo Felippe analisam a noção de formação territorial nas cartas enviadas por Capistrano de Abreu ao Barão do Rio Branco, entre 1886 e 1903; Jean Sales analisa o impacto da crise do socialismo real na trajetória do Partido Comunista do Brasil, e André e Mariângela Joanilho revisitam a fotonovela como fonte para a história da leitura e da cultura de massas.

No Estado da Arte, José Murilo de Carvalho — um dos pioneiros colaboradores da Revista Brasileira de História, com artigo publicado no segundo número, em 1981 — traz um ensaio sobre as comemorações dos duzentos anos da vinda da Corte.

Seguem-se seis resenhas, cumprindo aqui o papel de discutir e apresentar criticamente obras valiosas para os rumos do debate histórico contemporâneo.

Esperamos manter a Revista Brasileira de História como veículo eficiente de publicação de artigos, no contexto das redes sociais e acadêmicas de interatividade. Esse será certamente o caminho para mantê-la jovem, como uma bela e cobiçada balzaquiana conectada a histórias infinitamente ramificadas: desejada pelos leitores — apresentando-se como um veículo de estímulo intelectual — mas também pelos autores — destino almejado de seus textos mais provocativos. Só assim poderemos fazer jus aos esforços pioneiros daquele grupo de historiadores reunidos na rua Macapá, e aos vários outros que, ao longo de quase três décadas, dedicaram seu tempo e seus ideais a esta revista.

Nota

1. GLEZER, Raquel. A fundação da revista. Revista Brasileira de História, ano 1, n.1, p.129-130, mar. 1981. [ Links ]

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.28, n.56, 2008. Acessar publicação original [DR]

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Darwinismo / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2001

Estamos chegando ao fim de mais um ano laborioso, e as bagas de suor que escorrem pela face do editor e de seus colaboradores prenunciam um verão daqueles! Quase tão quente quanto o número que depositamos em suas mãos, caros leitor e leitora. Chamo inicialmente a sua atenção para o conjunto interessantíssimo de artigos que formam o ‘dossiê darwinismo’. Provêm do 1º Seminário Internacional de Filosofia e História das Ciências da Vida, realizado na Fundação Oswaldo Cruz, em junho de 2000, por iniciativa de Vera Vidal e Ricardo Waizbort. Esses dois pesquisadores estão à frente do Núcleo de História e Filosofia das Ciências da Vida, da Casa de Oswaldo Cruz, e já promoveram um segundo seminário sobre o mesmo tema.

Ricardo abre o dossiê analisando os aportes da biologia molecular à teoria da evolução, e as perspectivas e problemas associados às abordagens que conectam esta teoria à teoria social. Segundo o autor, a solidez desta ponte depende da eliminação das barreiras que separam o público leigo “da perigosa mensagem de Darwin, que afirma serem nossas capacidades sociais e mentais originadas no reino animal, sem interferência alguma de forças especiais”.

James Lennox, um dos mais renomados estudiosos de Darwin, põe em discussão as relações entre história e filosofia da ciência, e defende a abordagem ‘filogenética’, segundo a qual os problemas conceituais e metodológicos de uma ciência podem ser esclarecidos pelo estudo de sua história, já que por ela são moldados os métodos e as bases desta ciência.

Edson Pereira da Silva narra a história da teoria evolutiva à luz do materialismo dialético, partindo das contradições entre Darwin e o modelo mendeliano para chegar ao debate, ainda atual, entre neutralismo e selecionismo. Por sua vez, Anna Carolina Regner, em denso artigo, analisa a visão de ‘natureza’ presente em A origem das espécies, e o significado que esta visão teve para a sustentação da tese de Darwin de que a seleção natural é o “meio de modificação” mais importante da natureza, a fonte de suas novas espécies.

Aldo Mellender de Araújo analisa o salto qualitativo nos estudos de evolução produzido por Theodosius Dobzhansky, o pesquisador que reuniu, a partir dos anos 1920, duas tradições em conflito, a dos naturalistas, em declínio na virada do século, e a ‘experimentalista’, calcada na redescoberta de Mendel e na constituição da genética como campo disciplinar autônomo.

O físico nuclear e teólogo (que combinação explosiva, hem?) Eduardo Rodrigues Cruz polemiza com Stephen J. Gould e Edward Wilson, propondo a ‘consonância’ em substituição à “consiliência” como programa histórica e filosoficamente mais apropriado à abordagem das relações entre darwinismo e tradições religiosas.

Por último, Maurício Vieira Martins levanta hipóteses históricas e sociais para explicar o surpreendente revival, nos Estados Unidos e em outros países, do “criacionismo”, antiga concepção que atribui a origem do mundo e do homem a um ato de criação divina.

O “dossiê darwinismo” é parte da mais-valia que História Ciências Saúde — Manguinhos extraiu de seus editores este ano, em proveito de vocês, leitores. Em janeiro estarão recebendo a outra parte, o belo suplemento do volume VIII dedicado à ciência dos viajantes.

A fração, digamos, ‘normal’ do presente número compreende quatro bons artigos — destaco o de Hebe Vessuri sobre enfermagem na Venezuela — quatro interessantes resenhas, e a seção que traz imagens da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Estas imagens e o denso texto de Luciana Mendes Gandelman, que as acompanha, complementam à perfeição o belo artigo de Laurinda Abreu sobre o papel das Misericórdias na formação do império português.

Desejamos a vocês, caros leitores, proveitosa leitura, um feliz Natal e um ano novo repleto de saúde, alegria, trabalho, melhores salários e menos violência!

Jaime Benchimol – Editor.


BENCHIMOL, Jaime. Carta ao do Editor. História, Ciência, Saúde-Manginhos, Rio de Janeiro, v.8, n.2, set./dez., 2001. Acessar publicação original  [DR].

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