Cultura material de la ciencia Iberoamericana: museos, jardines y gabinetes científicos | História, Ciências, Saúde – Manguinhos | 2022

Capa de Historia Ciencias Saude – Manguinhos. Rio de Janeiro v.9 n.3 jul.set . 2022.
Capa de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.9, n.3, jul./set. 2022.

Recientemente, historiadores de la ciencia en Iberoamérica han empezado a reflexionar sobre el papel y la participación de la región en la ciencia global. Han destacado su rol en la construcción progresiva de una cultura científica materializada a través de diversos agentes e instituciones públicas. Hemos querido tomar parte en estas reflexiones mediante la presentación de un dossier sobre la cultura material de la ciencia en este espacio geográfico concreto.

El simposio “Visual, Material and Sensory Cultures of Science”, organizado dentro del 9th Conference of the European Society for the History of Science, llevado a cabo entre el 31 de agosto y el 3 de septiembre de 2020 en Bolonia, Italia, fue la instancia de colaboración e intercambio de ideas que dieron vida a cada uno de los artículos que aquí se presentan. Con la producción de este dossier, esperamos fortalecer una red de investigadores regionales sobre los estudios de historia de la ciencia y su proyección a diferentes temas como la producción, circulación e intercambio de colecciones, artefactos y conocimientos en torno a gabinetes, museos, instituciones educativas y científicas en América Latina y la Península Ibérica. Leia Mais

Pavilhão Mourisco: singular e universal / História, Ciências, Saúde — Manguinhos / 2020

O lançamento deste dossiê integra-se às iniciativas institucionais de comemoração dos 120 anos da Fundação Oswaldo Cruz, que tem no Pavilhão Mourisco sua sede e seu símbolo maior. Em 2018, foram celebrados os 100 anos de conclusão dessa edificação, construída no início do século XX e desde então marcante na paisagem carioca. A Fundação Oswaldo Cruz sempre teve papel preponderante nas ações de saúde pública na América Latina, e constitui uma das mais importantes instituições de ensino, pesquisa e produção do continente em sua área de atuação.

Os artigos da seção “Análise” que compõem o dossiê procuram apresentar o edifício-sede da Fiocruz sob diferentes abordagens, como: o âmbito criativo e racional dos movimentos relacionados ao ecletismo e ao alhambrismo, como também ao higienismo, vigentes na passagem do século XIX para o século XX; a valorização do contexto de sua criação e idealização, fruto da relação profícua entre o cientista Oswaldo Cruz e o arquiteto Luiz de Moraes Júnior; a dimensão pedagógica das técnicas tradicionais da construção relacionadas à salvaguarda do patrimônio arquitetônico; as ações de preservação, a cargo da instituição desde sua declaração como patrimônio de relevância nacional, homologada em janeiro de 1981, por meio do processo n.1.037-T-80, de 17 de novembro de 1980; e sob a abordagem da proposta, em andamento, de sua inclusão na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco.

Integram ainda o dossiê as seções “Imagens” e “Depoimento”. Na primeira, apresenta-se, a partir da perspectiva da relação entre cultura fotográfica e vida institucional, o acervo sob a guarda da instituição que retrata, em imagens, a construção do Pavilhão Mourisco. A seção “Depoimento” relata a atuação, na gestão de Sergio Arouca (1985-1989), da arquiteta responsável por implantar e sistematizar as primeiras ações de recuperação desse inestimável patrimônio cultural, seguindo a metodologia da restauração crítica.

A relevância desse patrimônio transcende seus valores estéticos e históricos, tanto no contexto do desenvolvimento das ciências biomédicas no Brasil quanto no das transformações, no início do século XX, da cidade do Rio de Janeiro, designada, em 2020, a primeira Capital Mundial da Arquitetura e sede do congresso mundial da União Internacional dos Arquitetos, em sua 27a edição (Rio de Janeiro…, 18 jan. 2019).1

Nota

1 O evento estava previsto para acontecer em julho de 2020, mas, em virtude da pandemia de covid-19, foi adiado para 2021.

Referência

RIO DE JANEIRO… Rio de Janeiro é a primeira Capital Mundial da Arquitetura. Disponível em: <https: / / www.uia2021rio.archi / noticia_042_pt.asp>. Acesso em: 19 abr. 2020. 18 jan. 2019. [ Links ]

Inês El-Jaick Andrade – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0001-9012-6421

Renato da Gama-Rosa Costa – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-2569-0912

Sônia Aparecida Nogueira – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]  http: / / orcid.org / 0000-0002-1442-1960

ANDRADE, Inês El-Jaick; COSTA, Renato da Gama-Rosa; NOGUEIRA, Sônia Aparecida. [Pavilhão Mourisco: singular e universal]. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.27, n.2, abr. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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ANDRADE, Inês El-Jaick; COSTA, Renato da Gama-Rosa; NOGUEIRA, Sônia Aparecida. [Pavilhão Mourisco: singular e universal]. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.27, n.2, abr. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Parto e nascimento: saberes, reflexões e diferentes perspectivas / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2018

Este dossiê coloca em foco o processo de medicalização do parto e suas consequências. A partir das últimas décadas do século XIX, o parto ingressou no âmbito da medicina e, aos poucos, foi se transformando em um evento completamente medicalizado. Esse processo histórico se ampliou fortemente no decorrer do século XX, em diversas regiões do globo, trazendo consigo importantes vantagens relacionadas, principalmente, à diminuição dos índices de mortalidade materna e neonatal. No entanto, a intensificação da medicalização dos nascimentos também aponta para problemas, à medida que a excessiva tecnologização tem gerado críticas e insatisfações principalmente no que concerne às consequências clínicas, físicas e emocionais do excesso de intervenções.

No Brasil, desde o final do século XIX, quando a medicina deu início à escalada de medicalização dos nascimentos, um dos principais problemas relacionados ao parto se inscreveu nos diferentes tipos de cuidados ministrados às gestantes pobres e às mais abastadas. As primeiras, na maior parte das vezes, tiveram pouco acesso a cuidados médicos e hospitalares; as últimas tinham seus filhos no conforto de suas casas com médicos e serviçais, a quem era confiado o cuidado. Tal problema persiste até os dias de hoje, apesar da descomunal ampliação do acesso aos serviços médicos e das políticas públicas direcionadas a garantir às mulheres direitos reprodutivos e cuidados humanizados.

A medicalização também se traduziu em tensões e controvérsias no que tange às técnicas e tecnologias que aos poucos passaram a fazer parte da cena do parto. O uso inadequado ou desnecessário de diversos procedimentos cada vez mais é discutido por profissionais de saúde e mulheres na busca de um equilíbrio na utilização de intervenções e tecnologias no processo de nascimento. A cesariana é o maior exemplo desse problema. Desde 2013, mais da metade dos nascimentos no país foram feitos por meio dessa cirurgia. Embora a Organização Mundial de Saúde postule que a cesárea deva ser empregada em índices entre 10 e 15% da totalidade dos nascimentos (Betrán et al., 2015WHO, 2018), a espantosa incidência da cirurgia no Brasil tem inquietado diversos setores da sociedade, gerando múltiplos posicionamentos entre atores de diferentes campos profissionais e de usuários do sistema de saúde.

Não só a cesariana tem se mostrado como problema em relação ao parto medicalizado. O excesso de intervenções, tão criticado por diversos grupos de mulheres, é a contraface da falta de assistência adequada às mulheres mais pobres. Se as mulheres de classe média discutem a forma mais confortável ou “humanizada” de terem suas crianças, as mais pobres muitas vezes ainda têm dificuldades de acesso a analgésicos e anestésicos que diminuiriam seu sofrimento na hora de parir.

A organização do sistema de saúde, das práticas profissionais e dos movimentos sociais, bem como a forma de incorporação de tecnologias médicas pelos sujeitos são algumas das dimensões do processo de medicalização do parto no Brasil. Essa complexidade requisita olhares de diferentes disciplinas e metodologias para explorar a questão. Tais aspectos vêm sendo cobertos por diferentes estudos direcionados às práticas de parto, aos usos e abusos da cesariana, às questões referentes à escolha da via de parto e à violência obstétrica. Entre elas destaca-se a pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento”, realizada pela Fiocruz, com o objetivo de conhecer os determinantes, a magnitude e os efeitos das intervenções obstétricas no parto.1 O estudo trouxe à luz o complexo quadro de iniquidades relacionadas à medicalização do parto no Brasil, sendo crucial para a reflexão sobre as transformações nas práticas de parto e sobre a utilização cada vez mais intensa de intervenções.

Compartilhando as inquietações acima observadas, e buscando se integrar ao esforço de trazer novas perspectivas para a questão do parto e de seu processo de medicalização,2 o grupo interdisciplinar de pesquisadores do projeto Medicalização dos Nascimentos no Brasil (COC / Fiocruz) lançou a chamada para os artigos que compõem este número especial. Agradecemos aos autores que responderam e compartilham conosco o objetivo de subsidiar reflexões múltiplas sobre o assunto.

No mesmo esforço de reunir variadas perspectivas sobre a temática, realizamos, nos dias 22 e 23 de outubro de 2018, no auditório do Museu da Vida (Fiocruz, Rio de Janeiro), o seminário internacional “Medicalização do Parto”. O seminário contou com a participação de pesquisadoras de diferentes cidades do Brasil e do mundo e com a presença de diferentes profissionais da assistência e representantes de movimentos de mulheres, que debateram a situação atual da assistência ao parto no Brasil. Em breve os temas discutidos no seminário serão organizados na forma de livro.

Para relembrar a historiadora Maria Lúcia Mott – homenageada em nosso dossiê –, “o nascimento não se restringe a um ato fisiológico, mas testemunha por uma sociedade, naquilo que ela tem de melhor e de pior” (Mott, 2002, p.399). A medicalização dos partos, dos nascimentos e da vida é parte da nossa sociedade, e olhar para essas questões é uma das formas de transformá-la.

Notas

1 Ver <http: / / www6.ensp.fiocruz.br / nascerbrasil / >.

2 Outros periódicos dedicaram números especiais ou dossiês à temática do parto, entre eles Civitas: Revista de Ciências Sociais (v.15, n.2, 2015; disponível em: <http: / / revistaseletronicas.pucrs.br / ojs / index.php / civitas / issue / view / 974>) e Revista Estudos Feministas (v.10, n.2, 2002; disponível em: <https: / / periodicos.ufsc.br / index.php / ref / issue / view / 318 / showToc>). Darwin et l’après-Darwin. Paris: Kimé. 1992.

Referências

BETRAN, Ana Pilar et al. What is the optimal rate of caesarean section at population level? A systematic review of ecologic studies. Reproductive Health, v.12. Disponível em: <http: / / reproductive-health-journal.biomedcentral.com / articles / 10.1186 / s12978-015-0043-6>. Acesso em: 19 nov. 2018. 2015. [ Links ]

MOTT, Maria Lucia. Parto. Revista Estudos Feministas, n.2, p.399-401. 2002. [ Links ]

WHO. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization. 2018. [ Links ]

Luiz Antônio Teixeira – Pesquisador, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz; Brasil. Professor, Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]

Andreza Rodrigues Nakano – Professora, Escola de Enfermagem Anna Nery / Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]

Marina Fisher Nucci – Pós-doutoranda, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]


TEIXEIRA, Luiz Antônio; NAKANO, Andreza Rodrigues; NUCCI, Marina Fisher. Apresentação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.25, n.4, out. / Dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Transnational Knowledge During The cold War / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2019

A recente perspectiva na história da ciência tem colocado ênfase na necessidade de escrever narrativas transnacionais baseadas no tratamento recíproco dos contextos globais e locais (Subrahmanyam, 1997). Essa abordagem transnacional abandona a nação como unidade de análise, as narrativas eurocêntricas, interpretações de difusão cultural, e as rígidas oposições das categorias “centro” e “periferia” para explicar as dinâmicas de circuitos transnacionais e a circulação global e local de conhecimento, pessoas, instrumentos e práticas científicas (Brown et al., 2006). Essa rica abordagem problematiza a percepção de “ciência internacional” e trata temas pendentes como definições mais claras dos conceitos de circulação, recepção, adaptação e criatividade. No entanto, a maioria dos estudos sobre ciência transnacional tem se focado no século XVIII e os naturalistas. Pouca atenção tem sido dada aos desenvolvimentos durante a Guerra Fria, momento em que as ciências da saúde, da saúde pública e as políticas se entrelaçaram, e os financiadores, assim como as novas e renovadas organizações bilaterais e multilaterais, desempenharam um importante papel na organização e produção do trabalho científico. Ocorreu uma expansão notável da ciência médica financiada pelo Estado e por meio do apoio militar ao trabalho cientifico nas ciências da saúde durante a Guerra Fria em países industrializados e em desenvolvimento. Os artigos neste dossiê compartilham a mesma linha de estudo, ao considerar a Guerra Fria como um fenômeno global e plural que moldou as condições e decisões internacionais, nacionais e locais do trabalho científico em meio à rivalidade entre os EUA e a URSS. A Guerra Fria influenciou não apenas a ciência e a tecnologia relacionadas à corrida espacial e militar, mas também a pesquisa em biomedicina e em outros campos.

No início da década de 1950, no encalço dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, fomentou-se uma extensa pesquisa que possibilitou diversas experimentações em física e química. O artigo de Ana Romero é uma reflexão sobre os instrumentos que circularam e viajaram entre a Espanha e a Itália (contadores de radioatividade), e no poder político dessas duas nações num mundo convulsionado pela bipolaridade estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial. De acordo com a autora, esses instrumentos foram usados como mediadores que definiram não apenas protocolos sobre como agir dentro e fora dos laboratórios, assim como estabeleceram redes de intercâmbio (a Espanha trocou urânio por assistência técnica) e participação na produção de energia nuclear e no poder político durante o regime de Franco. Os instrumentos e as técnicas viajaram junto com acordos e contratos, norteando laboratórios, estabelecendo agendas de pesquisa e tornando o desenvolvimento nuclear mais dinâmico. Estes foram utilizados por autoridades nucleares para demonstrar poder político. Por meio do trabalho da médica María Aránzazu Vigón, filha do general Vigón, ministro do primeiro gabinete do regime de Franco, Romero não apenas enfatiza como contextualizar os instrumentos traz à luz a circulação e as colaborações transnacionais, como demonstra a maneira pela qual os temas de gênero influenciaram a circulação dos contadores de radioatividade, uma vez que Vigón era responsável por estudar a construção e produção dos medidores de radiação na Espanha.

Após a Segunda Guerra Mundial, a biologia e a medicina também foram testemunhas de um intenso desenvolvimento que deu lugar ao campo da biomedicina. Novas práticas e técnicas foram desenvolvidas no campo da medicina em torno da herança humana, com a intenção não apenas de retratar, mas também de entender, as diferenças entre as populações e sua relação com a presença de certas doenças. Essas novas práticas também possibilitaram novas definições de conceitos clássicos como raça, variabilidade genética e populações naturais e humanas.

Erica Torrens, em seu artigo, discerne acerca da genealogia e a mudança dos conceitos de raça e racismo sobre os corpos mexicanos para demonstrar a nova cultura visual que resultou da fusão entre o conhecimento genético e o fenômeno do racismo durante a segunda metade do século XX no México. Os artistas e cientistas primeiro deram uma nuance visionária ao discurso sobre hierarquia racial na Europa do século XVIII, estabelecendo um poderoso aparato para manifestações de exclusão, racismo e xenofobia. Essas imagens circularam amplamente na Europa e suas colônias, influenciando debates sobre racismo e a formação de identidades nacionais. No México, durante o século XIX, o termo “mestiço” apareceu com força no discurso político como símbolo de identidade na formação do Estado-nação mexicano e como fator de homogeneização da identidade nacional. Para retratar o quadro local mexicano, Torrens primeiro discorre sobre o processo que impulsionou o racismo no país e suas mudanças devido aos diferentes conceitos de raça e à tecnologia disponível para estudar a evolução humana e sua variabilidade; e, segundo, analisa o impacto das teorias raciais e o conhecimento biomédico que imprimem uma visão dos corpos sob uma ótica racista nos materiais educacionais utilizados no México atualmente. A conclusão é problemática, pois revela uma percepção racista dos grupos humanos profundamente enraizada, impulsionada inadvertidamente por instituições cientificas e governamentais mexicanas.

Os artigos de Tito Carvalho e Ana Barahona discursam sobre a caracterização das populações naturais e humanas. Carvalho aborda a pesquisa brasileira realizada pelo geneticista estadunidense nascido na URSS Theodosius Dobzhansky em meados da década de 1950 e a enquadra dentro da ciência da variabilidade genética e das políticas de diversidade. Ele demonstra como as personalidades científicas dentro da política dependiam das ideias sobre o papel dos cientistas na sociedade que avançavam paralelas à coprodução da ordem social e natural. O trabalho de Dobzhansky com as populações tropicais no Brasil foi fundamental para sua articulação da síntese moderna e fonte para seu apoio aos princípios liberais, cosmopolitas e democráticos no contexto da Segunda Guerra Mundial e dentro do tema racial. Carvalho aponta que Dobzhansky era tão comprometido com o desenvolvimento da teoria moderna da evolução como era da representação científica do mundo como meio de abordar temas sociais e políticos urgentes e de levantar questionamentos sobre o papel do cientista no compartilhamento do saber científico racional como um projeto político global. No mesmo sentido, o artigo de Barahona discute a caracterização das populações infantil e indígena pelos médicos mexicanos Salvador Armendares e Rubén Lisker no México durante a Guerra Fria. Utilizando-se das ideias de Lock, Nguyen e Anderson, que consideravam as populações como laboratórios de produção de conhecimento e espaços cognitivos, esse artigo explora as últimas tendências em genética de populações no México, a construção de populações, as redes de colaboração internacionais que permitiram a importação e adaptação de novas técnicas desenvolvidas, e o emaranhado de histórias que possibilitaram Armendares e Lisker unir a citogenética à genética de populações, e deram à genética humana sua vida social. Esses dois últimos artigos contribuem significativamente para nosso entendimento de genética no Brasil e no México, ao demonstrar como a prática da genética de populações nos trópicos serviu como base científica para as políticas de diversidade no Brasil (em Carvalho) e como a citogenética e a genética de populações se fundiram intelectual e institucionalmente no México (em Barahona), em um momento em que a biomedicina emergia como um projeto pós-Segunda Guerra Mundial devido às preocupações mundiais sobre os efeitos da radiação nuclear nas populações humanas e naturais dentro do marco de interseção da física nuclear com a genética no pós-guerra.

A ideia deste dossiê é fruto da interação entre os autores durante o simpósio “Conhecimento transnacional durante a Guerra Fria: o caso das ciências da saúde e da medicina”, que ocorreu no Rio de Janeiro, Brasil, em julho de 2017, dentro do Congresso Internacional de História da Ciência e da Tecnologia, organizado por Ana Barahona e Marcos Cueto, a quem quero agradecer por sugerir utilizar a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos para circular e dar visibilidade aos nossos estudos para além das fronteiras.

Referências

BROWN, Theodore M.; CUETO, Marcos; FEE, Elizabeth. The World Health Organization and the transition from “international” to “global” public health. American Journal of Public Health, v.96, n.1, p.62-72. 2006. [ Links ]

SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected histories: notes towards a reconfiguration of early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, v.31, n.3, p.735-762. 1997. [ Links ]

Ana Barahona – Professora, Departamento de Biologia Evolucionária / Universidad Nacional Autónoma de Mexico. Coyoacán – México, DF – México. orcid.org / 0000-0001-7765-6444 E-mail: [email protected]


BARAHONA, Ana. Conhecimento transnacional durante a guerra fria: o caso das ciências da vida e das ciências médicas. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.26, n.1, jan. / mar., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Homeopathy in Latin America and Spain / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2019

A homeopatia é um sistema médico controverso praticado extensamente no mundo hoje. América Latina e Espanha não são exceções. Apesar da condição ambígua da homeopatia dentro dos círculos acadêmicos e instituições de saúde pública na região, muitos profissionais de saúde licenciados, agentes de saúde pública, farmacêuticos e pacientes a endossam, financiam e divulgam. Tal presença generalizada sugere a existência de raízes longas e profundas que merecem análise mais detalhada.

Durante muitos anos, a história confinou os homeopatas a um grande e diversificado grupo de curandeiros, charlatães e médicos não licenciados dedicados à prática da medicina na região. A consolidação da história da medicina como um campo profissional nas primeiras décadas do século XX permitiu a publicação de obras sobre o desenvolvimento de profissões médicas nacionais. Na América Latina e na Espanha, obras históricas escritas, sobretudo, por médicos reforçaram o discurso triunfalista da medicina profissional, que minimizavam ou excluíam a homeopatia e outros conhecimentos médicos. Em sua obra de síntese da história da medicina e saúde pública na América Latina, Cueto e Palmer (2015) lamentam a falta de atenção histórica conferida à homeopatia. Nos últimos anos, houve uma virada em que os historiadores tornaram mais complexo nosso pensamento sobre a hegemonia de médicos diplomados, e incursões profissionais feitas pela homeopatia serviram para mensurar os limites da profissionalização médica (Carrillo, 2010González Korzeniewski, 2010Luz, 2014).

Os artigos deste dossiê são uma resposta a essa virada. Em conjunto, constituem-se em uma coletânea distinta de ensaios destacando as histórias valiosas e as contribuições da homeopatia à saúde pública na Espanha e na América Latina. Sua metodologia combina abordagens historiográficas e de saúde pública tradicionais e inovadoras, com o objetivo de compreender o passado e o presente da homeopatia. O debate público sobre a área, tanto no passado como hoje, tentou reduzir o problema a uma simples questão: se a homeopatia é ou não é eficaz. Os autores incluídos nesta coletânea demonstram que não é possível propor questões simples a um problema complexo. Para todos eles, a questão que perdura é sobre as condições variáveis das sociedades do passado e do presente que promoveram, apoiaram, restringiram ou bloquearam a homeopatia. As respostas apresentam especificidades locais e tendências em comum entre os países analisados.

Essas obras retomam discussões sobre o processo de profissionalização em trabalhos das últimas décadas do século XX. Analisam, portanto, o papel dos introdutores, suas credenciais, sua interação com faculdades e sociedades médicas locais, a prática profissional, as atividades comerciais, a certificação e a aceitação de seu trabalho por parte do público. Fazem-no, porém, com clara ênfase em sua relevância global. Mostram as complexas redes de atores e instituições, bem como os processos gradativos de circulação de conhecimento, tratamentos e produtos médicos, de e para o continente americano, e também na região. As histórias da homeopatia em países da América Latina e na Espanha são dotadas de relevância global porque adaptaram o padrão de profissionalização delineado por sociedades industrializadas à sua própria situação sociopolítica. Nessas histórias, os homeopatas são agentes de modernização na relação e na competição com outras autoridades médicas.

Os contextos locais moldaram o desenvolvimento das instituições de homeopatia em cada país. Isso fica particularmente evidente quando os acadêmicos empregam o método comparativo. No encalço dessa abordagem, o dossiê inclui um estudo que compara a introdução da homeopatia no Brasil e na Suécia. Os outros artigos salientam os avanços locais em Barcelona, Colômbia, Lima, Cidade do México, Recife e Rio Grande do Sul em diferentes momentos históricos, enfatizando diversos atores históricos. As questões referentes a introdução, adaptação e aceitação de médicos e produtos homeopáticos no contexto de estabelecimento de barreiras entre as diferentes profissões ligadas à saúde se apresentam de forma mais notória em trabalhos cuja análise se concentra no final do século XIX e início do XX. A religião e o espiritualismo em particular exerceram um papel fundamental na disseminação da homeopatia no Rio Grande do Sul. A questão da avaliação e incorporação da homeopatia ao ensino nacional da medicina e aos sistemas de saúde pública é mais manifesta em artigos centrados nas últimas décadas do século XX. A produção acadêmica ainda carece de um estudo sobre a homeopatia em meados do século XX.

Não há sequer uma monografia que analise as junções entre as tendências históricas globais e locais na homeopatia na América Latina e na Espanha. O objetivo do dossiê é preencher essa lacuna. Trata-se de uma coletânea de artigos que investigam a relevância da homeopatia nesses países nos âmbitos da história, da historiografia e da saúde pública, ao mesmo tempo fazendo associações com a literatura sobre homeopatia produzida no mundo. Esperamos que esta coletânea incentive os acadêmicos a trabalhar com a história da homeopatia comparativa e global dentro e a partir da região, motive outros acadêmicos a trabalhar com a história e a relevância contemporânea da homeopatia e gere oportunidades de expansão da rede de acadêmicos interessados no tema.

Referências

CARRILLO, Ana María. ¿Indivisibilidad o bifurcación de la ciencia? La institucionalización de la homeopatía en México. In: Sánchez, Gerardo; Dosil, Francisco. Continuidades y rupturas: una historia tensa de la ciencia en México. Morelia: Instituto de Investigaciones Históricas / Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo; Unam. 2010. [ Links ]

CUETO, Marcos; PALMER, Steven Paul. Medicine and public health in Latin America: a history. New York: Cambridge University Press. 2015. [ Links ]

GONZÁLEZ KORZENIEWSKI, Manuel A. El mito fundacional de la homeopatía en Argentina: la Revista Homeopatía, Buenos Aires (1933-1940). Asclepio: Revista de Historia de la Medicina y de la Ciencia, v.62, n.1, p.35-60. 2010. [ Links ]

LUZ, Madel Therezinha. A arte de curar versus a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil. Porto Alegre: Rede Unida. 2014. [ Links ]

Jethro Hernández Berrones – Professor, Departamento de História / Southwestern University. Georgetown – EUA. E-mail: [email protected]

Patricia Palma – Pesquisadora, Departamento de Ciencias Históricas y Geográficas / Universidad de Tarapacá. Arica – Región de Arica y Parinacota – Chile. E-mail: [email protected]


BERRONES, Jethro Hernández; PALMA, Patricia. Homeopatia na América Latina e na Espanha: avanços locais e redes internacionais. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.26, n.4, out. / Dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Política de Saúde Pública na América Latina e no Caribe / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2017

Neste último número de 2017 temos a satisfação de entregar-lhes um cardápio variado de artigos de diferentes áreas do conhecimento, campos temáticos, abordagens, temporalidades e geografias, sempre procurando privilegiar a perspectiva histórica, que confere identidade a este veículo transdisciplinar que é História, Ciências, Saúde – Manguinhos. A diversidade, que não é exclusividade desta edição, teve reconhecimento na recente avaliação quadrienal de periódicos pela Capes. A revista manteve-se como A1 nas áreas de História; Interdisciplinar; Sociologia; e Educação. Foi classificada como A2 em Arquitetura; Urbanismo e Design; Ciência Política e Relações Internacionais; Ensino; Planejamento Urbano e Regional / Demografia; e Serviço Social. Nosso periódico passou a ser classificado também em novas áreas: Artes (A2); Comunicação e Informação (A2); e Direito (B2).

Certamente isso é motivo de particular satisfação, pois a capacidade de dialogar com campos disciplinares tão variados representa uma virtude, mas também impõe desafios em termos de política editorial, os quais implicam lidar com o paradoxo de manter essa interface com diversas áreas do conhecimento sem comprometer a identidade do periódico, que, em certa medida, obedece a parâmetros disciplinares. As escolhas nesse sentido são estratégicas, pois apontam para a revista que queremos ter no complexo cenário de início de século e para o potencial de manter-se longeva. Por ora, parece-nos que o enfrentamento da complexidade envolvida nos diversos dilemas contemporâneos requer exatamente a articulação de conhecimentos para superar barreiras disciplinares. Sem respostas ainda claras, temos agido pragmaticamente no intuito de favorecer a qualidade, que não é um parâmetro claramente delimitado, porque envolve subjetividades, mas é a bússola que nos orienta, assim como o amparo de nosso conselho de editores, e, acima de tudo, dos avaliadores. Não podemos deixar de prestar a estes últimos, no derradeiro número de 2017, um profundo e sincero agradecimento, por encontrarem tempo, em meio a rotinas acadêmicas cada vez mais atribuladas e burocratizadas, para examinar com cuidado os manuscritos que nos chegam em números crescentes e com variedade temática cada vez mais ampla.

O julgamento final deste complexo critério chamado “qualidade” é sempre conferido por vocês, leitores, a quem também expressamos gratidão por terem se mantido fiéis este ano, seja pela leitura de nossas edições impressas e digitais, seja pelo acompanhamento de nossos blogs e mídias sociais. Tal agradecimento é extensível aos autores, publicados ou não, que vislumbraram em nossas páginas um veículo atraente para divulgação de pesquisas, comentários e pontos de vista.

A perspectiva latino-americana, bastante presente nos artigos desta edição, é reforçada e ganha nuances caribenhas com o dossiê “Política de Saúde Pública na América Latina e no Caribe”, coordenado pela historiadora Henrice Altink, da Universidade de York (Inglaterra), pela pesquisadora Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz (Brasil), e pela professora Debbie McCollin, da University of the West Indies (Trinidad e Tobago). Os artigos resultam das apresentações de três encontros promovidos por cooperação entre a Casa de Oswaldo Cruz e a Universidade de York financiada pela British Academy. Os encontros ocorreram em 2014, 2015 e 2016 em York, Rio de Janeiro e Port of Spain, respectivamente. Os cinco trabalhos que compõem o dossiê trazem um rico panorama das dinâmicas envolvendo saúde pública, política e cultura em países como Haiti, Cuba, Jamaica, Brasil, Peru e Bolívia, e as redes de circulação de saberes com Europa e EUA.

Este número traz também debate sobre a epidemia de zika, travado quando a doença suscitou uma série de anseios, em virtude dos enigmas que ainda pairavam em torno de sua transmissão, patofisiologia e correlação com a microcefalia que acometia bebês de mulheres infectadas pelo vírus na gravidez. Apesar da virose de certa forma ter retrocedido do debate público, permanece uma ameaça concreta, ainda mais às vésperas do verão, quando seu vetor, o Aedes aegypti, alastra-se pelos centros urbanos, instaurando verdadeiro caos sanitário. O debate representa excelente registro das percepções de especialistas dedicados a pensar a doença em seus condicionantes sociais, econômicos e culturais.

Não podemos deixar de registrar nestas linhas que já se estendem nossa inquietude com os recentes ataques à liberdade e à autonomia do pensamento acadêmico no Brasil. Ataques revestidos de nebuloso autoritarismo querem censurar aquilo que destoa da agenda proposta para o país por segmentos fundamentalistas. Já assistimos ao cerceamento da expressão na arte, com argumentos de ordem pseudomoralista, mobilizados para defender a família – sempre este ente abstrato e flexível, que junto com Deus e a liberdade pôs nas ruas milhares de pessoas clamando por intervenção autoritária na véspera do golpe de 1964. No campo da educação, há algum tempo ganha vulto o movimento “Escola sem Partido”. Não tem faltado ataques a professores e alunos atinados com o debate contemporâneo de gênero e sexualidade e outras temáticas de cariz progressista. Na Universidade Federal da Bahia, professores e estudantes que pesquisam questões relacionadas a gênero foram ameaçados de morte. Notícia bastante recente (22 de novembro de 2017) veiculada na Folha de S.Paulo dá conta que artigo da área de educação, avaliado por pares, foi retirado da página do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, a contragosto da editora responsável, abrindo uma crise entre pesquisadores do campo. Aos colegas e instituições, nossa solidariedade.

O fascismo, de definição ampla e heterogênea, mas de percepção bastante clara quando diante de nossas faces, avança a passos largos. Mantenhamo-nos atentos, na esperança de que, no próximo ano, a sociedade brasileira possa manifestar nas urnas suas aspirações em eleições plenamente democráticas.

A todos uma boa leitura e um 2018 mais auspicioso!

André Felipe Cândido da Silva – Editor científico

Marcos Cueto – Editor científico


CUETO, Marcos; SILVA, André Felipe Cândido da. Carta dos editores. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.4, out. / Dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Os Desafios da Cooperação Tripartite Brasil – Cuba – Haiti / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2016

As experiências tradicionais de cooperação internacional do eixo Norte-Sul foram em sua grande maioria verticais e autoritárias. Nos últimos anos, um novo modelo de cooperação estruturante está emergindo entre países médios e países em desenvolvimento, em que os participantes têm uma relação horizontal, com diálogo efetivo, e cujo progresso é concebido a partir de aprendizagem e benefício mútuos. O Brasil teve uma experiência importante nesse novo tipo de colaboração com a Cooperação Tripartite Brasil-Cuba-Haiti. O objetivo principal dos artigos deste dossiê é contribuir para uma avaliação dessa experiência, levando em consideração que as categorias principais do novo modelo de cooperação devem ser a relevância e o caráter sustentável da cooperação.

É importante que essa colaboração tripartite representativa do novo modelo de cooperação tenha ocorrido em um país cuja trajetória histórica é um emblema dos problemas, dos desafios e das vicissitudes políticas do Caribe, mas também de lutas e resistências importantes para o processo de formação do mundo contemporâneo. Desde as últimas décadas do século XX, sobretudo a partir da queda da ditadura de François Duvalier, em 1971, a instabilidade política e social, a violência e a precariedade das condições de vida e de saúde tornaram-se características marcantes do Haiti. Isso começou a mudar em 1º de junho de 2004, quando as Nações Unidas começaram a articular uma série de ações internacionais destinadas a restituir uma democracia “vigiada”, fortalecer as instituições do Estado e promover iniciativas para a erradicação da pobreza extrema. Foi um grande desafio atuar em um dos países mais pobres da América Latina, com população de aproximadamente nove milhões de habitantes, da qual 40% vive nas zonas urbanas, e que apresenta configuração insular. É nesse contexto que nasce a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), força militar de estabilização social e institucional, na qual o Brasil apresenta-se desde o primeiro momento como uma liderança expressiva dos contingentes militares plurinacionais. Agravando a situação de instabilidade, em 12 de janeiro de 2010, o Haiti é atingido por um terremoto com força de 7,3 na escala de Richter, o qual afetou fortemente a região sudoeste do país. Em um país já devastado pela pobreza, o terremoto agravou o quadro de tragédias naturais de uma região sujeita a furacões e tormentas tropicais. Diante da magnitude do desastre, as forças nacionais e agências de cooperação já em operação no país percebem que as intervenções necessitam de estratégias de médio e longo prazos, em que fortalecer a saúde pública (a situação da maioria da população haitiana em termos de saneamento básico e condições de habitação era calamitosa) seja um objetivo fundamental.

A Cooperação Tripartite entre Brasil, Cuba e Haiti teve início em 2011, com o objetivo de fortalecer o sistema de saúde haitiano. Envolveu recursos substantivos doados pelo Brasil ao Haiti para o desenvolvimento de ações estratégicas. No Brasil, o projeto teve a liderança do Ministério da Saúde, que buscou apoio de instituições nacionais para parcerias nas áreas de formação de recursos humanos, entre elas a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nesse processo, couberam às unidades e aos programas da Fiocruz envolvidos – a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) e o Canal Saúde, todos sob a coordenação técnica do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris) – as iniciativas de formação de profissionais de saúde de diversas categorias, as quais buscaram privilegiar uma cooperação horizontal e estruturante. O Canal Saúde, em parceria com o Ministério da Saúde do Haiti e mídias locais, liderou as estratégias de comunicação para a promoção da saúde no país caribenho, com destaque para a estruturação de programas de rádios comunitárias no interior do país. O Icict focou as ações de cooperação no fortalecimento do suporte tecnológico ao ensino de saúde e no desenvolvimento dos sistemas de informação, resultando na Campanha Nacional de Vacinação e no desenvolvimento da Rede Haitiana de Vigilância, Pesquisa e Educação na Saúde, em que colaborou com a Ensp e a UFRGS.

Este número de História, Ciências, Saúde – Manguinhos traz quatro artigos que descrevem e analisam parte dessa importante experiência nos campos da epidemiologia, gestão de recursos físicos e tecnológicos de saúde e outras dimensões biomédicas da cooperação internacional em saúde Sul-Sul. Alguns estudos priorizam o olhar das ciências sociais, como o que investiga os migrantes haitianos no Amazonas e outro que aborda o debate etnográfico sobre cooperação internacional para a saúde no Haiti. Em conjunto, os artigos convidam a refletir a respeito de como encontrar um formato realmente colaborativo e sustentável para os processos de cooperação estruturante no eixo Sul-Sul, sem dúvida um grande desafio para os países da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Nesse sentido, representam não somente um aporte acadêmico, mas também uma contribuição para o debate acerca das políticas de cooperação em medicina, educação e saúde pública entre as nações da América Latina e do Caribe.

Aproveito para agradecer a Paulo Buss sua contribuição na aplicação dos princípios da cooperação estruturante à experiência da Cooperação Tripartite Brasil-Cuba-Haiti, e a Luisa Regina Pessoa, cujas sugestões e recomendações trouxeram elementos conceituais e operacionais para uma análise mais apurada da complexa realidade haitiana.

Carlos Linger – Centro de Relações Internacionais em Saúde / Fiocruz


LINGER, Carlos. Apresentação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, n.2, abr. / jun., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Humanitarism, War and Technological Innovation in Spain / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2016

Las actividades y debates en que se vio envuelto el movimiento internacional de Cruz Roja, desde su bienio fundacional (1863-1864), ofrecen un valioso observatorio para explorar los procesos de producción y circulación de innovaciones tecnológicas destinadas a paliar el sufrimiento de las víctimas en guerras y otras situaciones catastróficas. Valga precisar que por “innovación tecnológica” de carácter humanitario, en el ámbito de la medicina de guerra, entendemos no solo los nuevos instrumentos y equipamientos médicos, sino también las medidas innovadoras en la logística médico-militar y en los procedimientos de movilización de la solidaridad hacia las víctimas de la guerra entre la ciudadanía; todo ello en consonancia con un esquema taxonómico desarrollado por Habermas (1987-19881989) y Foucault (1990), que obviamente confiere al término “tecnología” una acepción muy amplia.

Inicialmente el “Comité de Ginebra” (luego conocido como Comité Internacional de Cruz Roja, CICR) tan solo contemplaba la asistencia bajo el amparo de la Convención de Ginebra (1864) de soldados enfermos y heridos en guerras internacionales. Este marco jurídico se vio pronto desbordado por nuevas demandas de actuación humanitaria a que las sociedades nacionales de Cruz Roja se veían compelidas por la proliferación, tanto de conflictos violentos de otro orden (guerras civiles y coloniales, movimientos insurreccionales) como de otros desastres (epidemias, inundaciones, terremotos, sequías, hambrunas y accidentes mineros o de transporte) o circunstancias carenciales relativas a la asistencia sanitaria y salud pública que afectaban al conjunto de la sociedad civil.

La historia de Cruz Roja Española (CRE) brinda un expresivo ejemplo de en qué medida nuevas demandas humanitarias movieron a distintas sociedades nacionales de la “Asociación Internacional de Socorro a los Soldados Heridos en Campaña” a extender sus intervenciones conforme a los valores consagrados por la primera Convención de Ginebra más allá de los límites jurídicos de esta. En efecto, los debates y actividades en que se vio envuelta la CRE desde sus inicios, en 1863, hasta el final del conflicto rifeño (1927) brindan un magnífico observatorio para explorar los procesos de producción y circulación de innovaciones tecnológicas destinadas a paliar el sufrimiento de las víctimas en conflictos civiles y coloniales, así como su uso extensivo en problemas de salud de la población civil.

Este dossier se inserta en el marco del proyecto de investigación “Sanidad militar, medicina de guerra y humanitarismo en la España del siglo XIX” (HAR2011-24134), financiado por la Dirección General de Investigación (Gobierno de España). Tres de los cuatro artículos integrantes del dossier abordan sendos estudios de caso relativos a distintas cuestiones y periodos de la historia de CRE; el cuarto reproduce, debidamente presentado, un documento inédito asociado al primer estudio de caso. Este se centra en los primeros años del movimiento internacional de Cruz Roja y presta atención al modo cómo este movimiento propició la confluencia en una red científica internacional, de un amplio grupo de médicos preocupados por la ayuda humanitaria en la guerra. Esta red experta potenció el conocimiento e intercambio de innovaciones tecnológicas destinadas a humanizar la guerra y su introducción en distintos países a la vez que contribuyó a la consolidación del papel de Cruz Roja en la esfera internacional. Si el número y variedad de innovaciones tecnológicas que CRE incorporó durante la última guerra carlista (1872-1876) permiten estimar la rapidez con que se coprodujo este cuerpo de conocimientos y prácticas, el informe de Nicasio Landa, proponiendo un nuevo sistema de suspensión elástica de camillas para el traslado de heridos, ilustra de modo bien expresivo la materialización de este proceso de coproducción a escala local.

Los otros dos estudios de caso abordan la acción de CRE en conflictos derivados del colonialismo español. El primero de ellos examina su atención en territorio metropolitano a los soldados heridos y enfermos repatriados de las últimas guerras coloniales de ultramar (Cuba, 1895-1898 y Filipinas, 1896-1898) y de la Guerra del Rif (1921-1927). Tal como se muestra, tras organizar las labores de acogida en hospitales provisionales permanentes destinados a los militares enfermos, heridos y mutilados, llegados de ultramar en los últimos años del siglo XIX, durante las primeras décadas del siglo XX, CRE no solo prosiguió su tradicional atención a nuevas demandas surgidas en el ámbito militar, como las derivadas de la Guerra del Rif, sino que, de modo similar a otras sociedades nacionales de Cruz Roja, extendió su acción al ámbito civil, respondiendo a carencias asistenciales y de salud pública con acciones de divulgación sanitaria, de lucha contra enfermedades epidémicas (sobre todo contra la gripe de 1918-1919 y la poliomielitis a partir de 1929), y de atención sanitaria a personas carentes de recursos.

El estudio de caso que cierra el dossier defiende, a partir del análisis de la actuación de CRE en Marruecos durante las dos últimas décadas del siglo XIX y tres primeras del XX, la función central que los Estados-nación continuaron desempeñando en la organización y actividades del movimiento de Cruz Roja tras la Primera Guerra Mundial. En efecto, la secular inestabilidad de España como Estado – agravada por el desastre colonial de 1898 que terminó primero con el proyecto regeneracionista de crear una Cruz Roja marroquí a finales del siglo XIX – se tradujo, tras la división colonial de Marruecos en 1912, en el progresivo arrinconamiento de CRE por la competencia de la Cruz Roja francesa, la internacionalización de Tánger y un rechazo local que culminaría en la llamada Guerra del Rif de 1921-1927, cruento conflicto a medio camino entre revuelta anticolonial y guerra internacional.

Referencias

FOUCAULT, Michel. Tecnologías del yo y otros textos afines. Barcelona: Paidós; ICE-UAB. 1990. [ Links ]

HABERMAS, Jürgen. El discurso filosófico de la modernidad. Madrid: Taurus. 1989. [ Links ]

HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. Madrid: Taurus. 2v. 1987-1988. [ Links ]

Jon Arrizabalaga – Institución Milà i Fontanals / Consejo Superior de Investigaciones Científicas


ARRIZABALAGA, Jon. Humanitarismo, guerra e innovación tecnológica: el caso de Cruz Roja Española. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, n.3, jul. / set., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Bioética e Diplomacia em Saúde / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2015

Os artigos deste dossiê reúnem parte dos esforços de compreender a governança da saúde em âmbito internacional; particularmente as perspectivas e implicações éticas da cooperação técnica entre países no contexto da crescente internacionalização dos assuntos sanitários.

Com esse espírito, encontram-se neste volume artigos assinados por alguns dos mais dedicados pesquisadores brasileiros da área. O leitor irá se deparar com narrativas de experiências pretéritas e problemáticas lançadas para o futuro da saúde em nível internacional. Nossa expectativa é que os textos sejam, num só tempo, instrutivos e prazerosos – tanto quanto foram para nós, que nos lançamos ao desafio de reuni-los.

O número abre com “Cooperação Sul-Sul: experiências brasileiras na América do Sul e na África”, de Roberta de Freitas Santos e Mateus Rodrigues Cerqueira. O texto realiza uma interessante descrição acerca das principais diretrizes de política externa brasileira com foco na noção de Cooperação Sul-Sul. Para tal, nutre-se da análise de iniciativas de cooperação técnica em saúde do Brasil realizadas na América do Sul e na África. Sem desconsiderar os interesses e as assimetrias de poder vigentes na Cooperação Sul-Sul, o artigo permite uma visão positiva da atuação do Brasil junto aos seus vizinhos e aos países africanos.

Já “Cooperação internacional para o desenvolvimento científico e tecnológico: um caminho para equidade em saúde”, de Priscila Almeida Andrade e Denise Bomtempo Birche de Carvalho, toma como foco analítico, no cenário que se desenha a partir da década de 1990, as prioridades dos países em desenvolvimento para pesquisa, desenvolvimento e inovação em saúde. As autoras têm uma perspectiva menos otimista acerca das possibilidades de ganho institucional decorrentes da inserção do Brasil no contexto atual da saúde global.

Fernando Pires-Alves e Marcos Chor Maio assinam “A saúde na alvorada do desenvolvimento: o pensamento de Abraham Horwitz”. Horwitz foi diretor da Organização Pan-americana da Saúde (Opas) no período 1958-1975. Essa fase coincidiu com um dos momentos mais ativos da trajetória da organização. É nesse contexto, por exemplo, que se deu a formulação da Aliança para o Progresso (1961). Proposta e liderada pelos EUA, consistiu em um programa de assistência econômica e social para a América Latina. Nascia o que poderíamos chamar de “a era do desenvolvimento”. Iniciativas como o primeiro Plano Decenal de Saúde Pública para as Américas ganhariam não só o apoio político e financeiro necessário, mas, igualmente, desenvolvia-se o esteio discursivo que as sustentou. Horwitz, a partir de seu assento na Opas e dos textos que legou, teria papel relevante na construção desse ideário que estreitou as relações entre saúde e desenvolvimento econômico e social. Podemos dizer com alguma segurança que seu legado, senão presente, foi bastante duradouro.

“O governo JK e o Grupo de Trabalho de Controle e Erradicação da Malária no Brasil: encontros e desencontros nas agendas brasileira e internacional de saúde, 1958-1961”, de Renato da Silva e Carlos Henrique Assunção Paiva, trata da experiência do Grupo de Trabalho de Controle e Erradicação da Malária no Brasil durante a gestão do presidente Juscelino Kubitschek. As negociações e tensões em torno das propostas defendidas pela comunidade científica brasileira e pela Organização Mundial da Saúde no que tange ao combate à malária constituem o pano de fundo do texto. Demonstra-se que as relações entre atores nacionais e instituições internacionais e / ou comunidade internacional, ainda que possam ser marcadas por flagrante assimetria de poder, não podem ser simplesmente reduzidas à imposição da vontade externa – suspostamente mais forte – aos interesses definidos no plano doméstico. O jogo de resistência e negociação frente às formulações e orientações vindas do exterior dá a medida, de um lado, da expertise e tradição científica já instalada no país e, de outro e por esta razão, da capacidade de a comunidade científica e agentes de estado nacionais fazerem valer, ainda que parcialmente, seus interesses. Cooperação em saúde, em outras palavras, não é um jogo de soma zero.

Na sequência, Luiz Eduardo Fonseca e Celia Almeida nos brindam com “Cooperação internacional e formulação de políticas de saúde em situação pós-conflito: o caso do Timor-Leste”. O foco do estudo é o primeiro documento de política de saúde para o Timor-Leste. O período, em termos analíticos, é um dos mais interessantes, uma vez que no processo de construção da política de saúde nacional o país encontrava-se sob a administração transitória das Nações Unidas (1999 a 2002). Aos autores interessou observar as relações entre diferentes atores, nacionais e internacionais, nesse processo de construção política. O apoio da cooperação internacional no processo de reabilitação do sistema de saúde no período pós-conflito é, portanto, evidente, e é analisado como parte da reconstrução do Estado e da montagem de um arcabouço político e institucional no país.

As pesquisadoras Janete Lima de Castro, Rosana Lucia Alves de Vilar e Raimunda Medeiros Germano assinam “Educação, ética e solidariedade na cooperação internacional”, texto que tem como foco a experiência de cooperação técnica entre o Brasil e os países da região andina, nos marcos do Curso Internacional em Gestão de Políticas de Recursos Humanos em Saúde. Essa experiência teve o protagonismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a mediação da Opas e, segundo as autoras, lançou mão de valores sustentados no campo da ética e da solidariedade como determinantes no processo de cooperação técnica internacional. Em outras palavras, as autoras nos desafiam a pensar a cooperação técnica não exclusivamente a partir dos interesses estratégicos políticos e econômicos a ela relacionados, mas, além de uma perspectiva instrumental, a partir de um universo de valores situados no terreno da ética e da solidariedade humana.

Na seção Imagens, encontra-se o interessante trabalho realizado por Alejandra Carrillo Roa e Felipe Ricardo Baptista e Silva. Sob o título “A Fiocruz como ator da política externa brasileira no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: uma história revelada”, os autores retratam o papel da Fundação Oswaldo Cruz como um ator relevante no âmbito da comunidade de países lusófonos. A perspectiva adotada no texto é da “cooperação estruturante em saúde”, segundo a qual o governo brasileiro, por intermédio de instituições como a Fiocruz, desempenharia um papel positivo tanto na construção de melhores patamares de saúde e condições de vida junto a países estrangeiros quanto na promoção da independência técnica e tecnológica deles.

Na esteira dos artigos aqui comentados, Livros & Redes traz três resenhas que, em diferentes formas, dialogam com o universo de questões em debate neste volume. Carmen Beatriz Loza faz sua leitura do livro organizado pelo antropólogo espanhol Gerardo Fernández Juárez, Salud, interculturalidad y derechos: claves para la reconstrucción del Sumak Kawsay-Buen Vivir. Na sequência, Tyara Kropf Barbosa, Alejandra Carrillo Roa e Neilia Barros Ferreira de Almeida nos apresentam a Biblioteca Virtual em Saúde Bioética e Diplomacia em Saúde. Por fim, Thiago Rocha da Cunha e José Paranaguá de Santana nos apresentam o site do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde da Fiocruz (Nethis / Fiocruz), onde se encontram abrigadas fontes de informação especializadas para os estudos que se situam na interface saúde pública, bioética e relações internacionais.

Agradecemos aos autores que assinam os textos aqui disponíveis, ao apoio da Opas a essa iniciativa conjunta do Nethis e de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, ressaltando a dedi-cação e o profissionalismo de sua equipe de coordenação, em especial a Marcos Cueto, Jaime Benchimol e Roberta Cerqueira. Igualmente agradecemos aos pareceristas, colaboradores sempre condenados ao anonimato a despeito da importância de suas contribuições.

Carlos Henrique Assunção Paiva

José Paranaguá de Santana


PAIVA, Carlos Henrique Assunção; SANTANA, José Paranaguá de. Apresentação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.1, jan. / mar., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Saúde Internacional-Saúde Global / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2015

Nos últimos anos a saúde global se tornou um conceito onipresente na saúde pública praticamente substituindo a cinquentenária ideia de saúde internacional. No entanto, não têm sido suficientemente analisadas suas origens, suas características, suas diferenças e seus impactos. Este dossiê tem como objetivo reunir historiadores e especialistas para buscar compreender a ideia de saúde global, destacando a história da saúde internacional, a mudança do papel dos serviços estatais de saúde pública e assistência médica, e a interação entre local / nacional e global tendo como foco a América Latina e o Caribe. A nossa região tem uma longa e dinâmica relação com a saúde internacional, suas organizações, personagens, iniciativas e programas. A produção no campo da história da saúde na América Latina e no Caribe tem crescido em quantidade, bem como amadurecido em qualidade. Esses estudos exigem dos historiadores e especialistas reflexão e discussão sobre a historicidade do caráter global / internacional da saúde e as possíveis especificidades do nosso contexto regional.

Essa tarefa exige um esforço coletivo de reflexão, pois não existe uma definição única de saúde global, nem um consenso sobre seu início. Para alguns especialistas, o processo de globalização começou no século XVI com a conquista e colonização espanhola e portuguesa das Américas, que gerou uma medicina colonial. Para outros, a saúde global remonta à estreita relação entre o imperialismo e a medicina tropical do final do século XIX e ao papel desempenhado por agências filantrópicas no início do século XX, como a Fundação Rockefeller, que procurou civilizar o resto do mundo por meio da medicina ocidental. Alguns acreditam que o antecedente imediato da saúde global é uma saúde internacional que emergiu com a Guerra Fria, período iniciado por volta de 1948, marcado por agências multilaterais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo confronto ideológico entre a União Soviética e os EUA para divulgar modelos de saúde (estatização versus prática privada; nacionalização dos serviços de saúde versus campanhas verticais). Outros acreditam que a saúde global está ligada à emergência do neoliberalismo que se seguiu ao fim da Guerra Fria (final da década de 1980) e está associada com o onipresente tema da “globalização”, na qual a economia e a tecnologia parecem comprimir e acelerar uma sociedade global. Na globalização surge um novo cenário epidemiológico em que infecções novas ou reemergentes incidem igualmente sobre países ricos e pobres. Cenário em que são frequentes as viagens internacionais e a migração maciça e em que emergem novos atores, como as organizações não-governamentais, a nova filantropia internacional, as parcerias público-privadas e instituições até então não tradicionais na saúde, como o Banco Mundial. É um período marcado por um conjunto de novos desafios aos serviços de saúde nacionais e internacionais, em que se questiona a premissa de que o Estado é a principal autoridade de saúde.

Os artigos deste dossiê são parte constitutiva desse esforço de reflexão histórica. Baseiam-se, em sua maioria, em palestras realizadas no Seminário Internacional Saúde Internacional / Saúde Global – Perspectivas históricas da América Latina e do Caribe, realizado nos dias 20, 21 e 22 de junho 2012 na Casa de Oswaldo Cruz (COC) / Fiocruz, no Rio de Janeiro, Brasil. O seminário contou com o decisivo apoio da Faperj e da direção da COC / Fiocruz na figura de Nara Azevedo. Nesse encontro participaram acadêmicos do (ou sediados no) Brasil, Argentina, Peru, México, EUA, Canadá, Alemanha e Espanha, e historiadores de várias instituições cariocas que foram convidados a comentar as apresentações. O objetivo do Seminário foi justamente examinar a noção de saúde global, destacando continuidades e mudanças na ideia de saúde internacional e resulta de uma grande rede de pesquisa sobre história da saúde na América Latina, formada por latino-americanistas e latino-americanos que, com publicações, seminários e cursos de pós-graduação, têm avançado o conhecimento sobre saúde e doença em perspectiva his-tórica na região das Américas.

Os artigos analisam diferentes dimensões e períodos da interface entre a saúde global / internacional e a saúde pública nacional / local, com ênfase na negociação, na resistência, na adaptação e também na circulação de conhecimentos. Adam Warren estuda as atividades das parteiras no Peru nos primórdios de seu período republicano, na primeira metade do século XIX, e a influência de uma parteira francesa em Lima. Karina Rammaciotti estuda os saberes legais e as instituições vinculadas aos acidentes de trabalho na Argentina; um tema de crescente importância para agências internacionais e para os Estados da região na metade do século XX. Luiz Antonio Teixeira nos apresenta um tema que cada vez é mais estudado: às campanhas de prevenção ao câncer no Brasil. Segundo ele o desenvolvimento dos conhecimentos sobre o câncer de colo do útero se relacionou simultaneamente com as transformações no conhecimento médico, a ampliação das preocupações com a saúde da mulher e as transformações do sistema de saúde brasileiro. O artigo de Mariola Espinosa estuda os vínculos entre o Sistema Nacional de Saúde nos EUA e as origens dos sistemas de saúde na região caribenha na virada do século XX. O artigo de Marcos Cueto analisa as campanhas promovidas por agências internacionais e organismos nacionais destinadas a eliminar doenças infecciosas no âmbito rural latino-americano de meados do século XX. O artigo sobre a repercussão da gripe A (H1N1) nos jornais paranaenses é resultado de pesquisa de Sandra Mara Maciel-Lima, José Miguel Rasia, Rodrigo Cechelero Bagatelli, Giseli Gontarski, Máximo José D. Colares. O texto analisa mais de 180 matérias sobre a gripe A (H1N1) em jornais do estado do Paraná no ano 2009 por meio das quais os autores discutem o impacto social que a pandemia H1N1 representou para a sociedade, cada vez mais globalizada, desafiando poder público, instituições e o cidadão comum. O dossiê se encerra com uma Nota de Pesquisa do historiador Diego Armus sobre a influência de Genebra e da OMS na medicalização do fumo na Argentina.

Marcos Cueto

Gilberto Hochman

 


CUETO, Marcos; HOCHMAN, Gilberto. Apresentação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.1, jan. / mar., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Histories of poliomyelitis / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2015

En las últimas décadas la producción historiográfica latinoamericana asiste a un proceso de renovación de la agenda de los historiadores en clave teórica, metodológica, pero también temática. La nueva historia de la salud y la enfermedad ha sido parte del mencionado proceso al ser uno de los sub campos historiográficos que mayor desarrollo y difusión ha logrado en los últimos tiempos.

Esto, en parte (solo en parte) resulta del hecho de ser las enfermedades, en su estado endémico o epidémico, un prisma de excelencia para analizar las políticas sanitarias, puesto que permiten ponderar el tipo de políticas públicas que modelaron los Estados, evaluando las formas de intervención que los mismos asumieron o escogieron para actuar frente a determinadas situaciones sanitarias. Pero como toda acción o inacción del aparato estatal genera reacciones sociales frente a los embates epidémicos, dichas reacciones asumen una intensidad distinta, donde las construcciones culturales en torno al proceso de salud – enfermedad, a la muerte, a la cura, al valor de la vida – cobran una visibilidad diferente. Como también, adquiere una tonalidad llamativa el mundo de la medicina, puesto que una epidemia pone a prueba conocimientos, capacidades institucionales, perfiles profesionales, tecnologías etc. Pujas y acuerdos entre el poder político y la corporación médica es solo una parte del problema que acarrean las situaciones de crisis sanitarias, puesto que los desencuentros no solo se pueden vislumbrar entre el poder político y el poder médico, sino dentro de ambos poderes se abren gritas y se tejen nuevas alianzas que dan origen a intervenciones en el seno social. De allí entonces las riquezas y potencialidades de este enfoque.

Desde el punto de vista historiográfico, y dentro del campo de las enfermedades infecto-contagiosas, las que se desarrollaron entre fines del siglo XIX y principios del XX han recibido gran atención por parte de los historiadores. Pero las epidemias del siglo XX, la centuria donde se inscribe el triunfo de la higiene, está en sus inicios. En este sentido, el siglo XX, que había comenzado caracterizado por un gran optimismo médico y social en torno al control de las infectocontagiosas, encendió sus signos de alarma frente a los embates de una enfermedad que sin piedad atacaba básicamente a los más pequeños. La infancia, estaba en peligro, justo en un momento cuando el mundo entero abogaba por la necesidad de establecer una protección integral mediante la consolidación de sus derechos, de su identidad. Una enfermedad parecía ensañarse con ellos: la poliomielitis. No eran los únicos, los adultos también padecían poliomielitis, pero el hecho de que los niños fueran afectados, despertó una serie de sensibilidades en torno a esta dolencia que pocas enfermedades estimularon.

Además, con ciertos particularismos, como el hecho de observarse desde finales del siglo XIX que la poliomielitis afectaba más a las poblaciones con cierto nivel socio económico, mientras que pasaba casi desapercibida en las poblaciones más pobres. El concepto de enfermedad y suciedad, que iba junto con el de enfermedad infecciosa, no parecía cumplirse en este caso. Puesto que, a mediados del siglo XX, la consolidación de la medicalización de las sociedades y del sanitarismo, en general, expresaban (para la mayoría de los países) una mejora higiénica y sanitaria, frente a este “triunfo de la higiene” aumentaba la frecuencia de la poliomielitis paralítica.

Por lo expuesto, y teniendo en cuenta que la propagación de la poliomielitis fue común tanto en Europa como en América Latina, entendemos que sería un gran aporte historiografico reunir un grupo de trabajos que ahonden en esta enfermedad de los tiempos modernos como forma de mostrar su estado en Iberoamérica, de fortalecer la recién formada Red de Estudios de la Polio y de la Síndrome Pospolimielitis en Iberoamérica, pero también como forma de mostrar los cambios e incorporaciones en la agenda de la Nueva Historia de la Enfermedad.

La reunión de trabajos sobre poliomielitis en Iberoamérica, desde el punto de vista historiográfico, constituye un gran desafío, cuyas potencialidades se centran en mirar de forma ampliada y comparada la poliomielitis y sus legados sociales e institucionales en un marco que involucra a sociedades y modelos de Estado diferentes, con generación de políticas públicas semejantes, con análogas respuestas de organización ciudadana. Este último aspecto intensifica la necesidad de un enfoque global con el fin de abocarnos a la búsqueda de interpretaciones integrales.

Los artículos compilados en este dossier son indicativos del interés de los investigadores iberoamericanos en la historia de la poliomielitis y de el sídrome pospolio y del grado de desarrollo de la temática. Además, el dossier pretende ser una instancia para reinstalar el debate sobre “la polio” y el síndrome pospolio en los ámbitos académicos, puesto que en 2014 se cumplieron 20 años, desde que América Latina fue declarada libre de la enfermedad.

Adriana Alvarez – Universidad Nacional de Mar del Plata, Conicet

Dilene Raimundo do Nascimento – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz 


ALVAREZ, Adriana; NASCIMENTO, Dilene Raimundo do. Lo ganado y lo perdido después de dos décadas desde que América Latina fue declarada zona libre de poliomielitis. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.3, jul. / set., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Brasil no Contexto Global, 1870-1945 / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2014

Ao longo de 2013 foram comemorados 25 anos do Sistema Único de Saúde (SUS) com abundantes debates, reportagens e entrevistas. Esta primeira edição de 2014 de História, Ciências, Saúde – Manguinhos traz ainda algumas contribuições às análises em geral muito preocupantes sobre os rumos dessa guinada fundamental na história da saúde pública brasileira.

Ao assumir João Baptista Figueiredo o último governo (1979-1985) da ditadura militar, objeto também de balanços históricos pelos cinquenta anos decorridos desde o golpe de 1964, chegava ao fim o milagre brasileiro e começava a “década perdida”. A elevação dos preços do petróleo, a expansão descontrolada da dívida externa e da inflação e a política recessiva contribuíram para levar às ruas o movimento “Diretas já” (1982-1983). No governo Geisel começara a chamada “abertura lenta e gradual”. Entre as diversas formas de mobilização popular sobressaíam as que conjugavam a luta pela redemocratização a propostas de reforma da saúde. O primeiro Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, na Câmara dos Deputados, reuniu em 1978 as principais lideranças do movimento da reforma sanitária, aprovando-se documento com seus princípios centrais. Estavam em sintonia com tendências em curso na saúde global que traziam a primeiro plano o conceito de atenção primária à saúde. Aí também o novo pensamento médico nutria-se de processos que formariam o epílogo da guerra fria. Os movimentos de estudantes, trabalhadores e intelectuais que irromperam em 1968 contestavam não apenas o sistema capitalista e a cultura e ideologia burguesas, mas também o establishment médico, acelerando a obsolescência dos modelos verticais de erradicação de doenças e a ideologia desenvolvimentista correlata, segundo a qual os países “subdesenvolvidos” trilhariam caminho igual ao da América do Norte e Europa Ocidental se fossem providos de tecnologias médicas sofisticadas. Estudos produzidos dentro e fora do campo médico, inclusive no âmbito historiográfico, ajudaram a demolir essa visão de mundo e da saúde. O divisor de águas na saúde global foi a Conferência Internacional sobre a Atenção Primária à Saúde realizada em setembro de 1978 em Alma-Ata, na então União Soviética. A declaração lá aprovada estabelecia como princípios básicos: tecnologia adequada às necessidades das populações pobres em lugar da tecnologia sofisticada consumida por uma minoria urbana; oposição ao elitismo médico e à excessiva especialização; valorização de agentes comunitários de saúde; abertura aos saberes tradicionais; e o conceito de saúde como ferramenta para o desenvolvimento socioeconômico, por meio de ações horizontais e intersetoriais, chegando às zonas rurais e periferias pobres das grandes cidades.

No Brasil, os movimentos sociais com agenda semelhante alcançaram suas vitórias mais expressivas algum tempo depois. Em 15 de janeiro de 1985, foi eleito presidente, pelo voto indireto, o senador Tancredo Neves, que morreu antes da posse, assumindo o cargo o vice-presidente, José Sarney (1985-1990). Pressionado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e por diversas instituições médicas e científicas, o governo nomeou o principal líder do movimento pela reforma sanitária presidente da Fiocruz. Sergio Arouca, da Escola Nacional de Saúde Pública, assumiu o cargo em 3 de maio de 1985 e em março do ano seguinte presidiu a oitava Conferência Nacional de Saúde, cujas plenárias sacramentaram o conceito de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado a ser implementado com a unificação, democratização e descentralização do sistema, compreendendo-se saúde não apenas como acesso a serviços, mas como resultado das condições de vida. Medicina previdenciária e saúde pública deviam ser integradas num sistema único que viesse a prover cobertura a todos os cidadãos.

Os deputados federais e senadores empossados em fevereiro de 1987 acumularam as funções de uma Assembleia Constituinte. Presidida por Ulysses Guimarães, do PMDB, era formada majoritariamente por representantes de segmentos conservadores, coligados no “centrão”. Ainda assim, nela foi aprovada a criação do SUS, graças a habilidosas negociações e ao acolhimento de uma emenda popular defendida por Arouca, com o apoio de vários partidos e entidades.

As regras político-eleitorais legadas pelo regime militar ampliaram o peso dos estados com menor colégio eleitoral, em que prevalecem os interesses oligárquicos, em detrimento das áreas mais urbanizadas, e facilitaram a proliferação de partidos políticos, o que dificulta a formação de maiorias no Legislativo e obriga os governos a se apoiar em coalizões conservadoras. Isso ajuda a explicar a opção da Constituinte, e das coalizões que vêm governando o país até hoje, de manter, ao lado do SUS, competindo com ele e ameaçando-o, um setor privado de saúde com privilégios fiscais e outras regalias.

Os artigos e as entrevistas publicados nesta edição da revista trazem importantes subsídios à reflexão sobre esses dilemas.

O leitor encontrará também nas páginas a seguir um dossiê com trabalhos derivados de uma conferência internacional realizada no Instituto de Estudos Latino-americanos da Freie Universität, em Berlim, em outubro de 2011, com o título “Brasil no contexto global, 1870-1945”.1 Organizada por Georg Fischer, Christina Peters e Frederick Schulze, discípulos do renomado historiador Stefan Rinke (o dossiê inclui entrevista concedida por ele), a conferência deu origem a livro preparado pelos mesmos pesquisadores sob o título Brasilien in der Welt: Region, Nation und Globalisierung 1870-1945 (Frankfurt am Main: Campus, 2013). Nem todas as comunicações aí enfeixadas estão nesta edição de HCS-Manguinhos, que reúne trabalhos submetidos à avaliação de pareceristas e a modificações às vezes consideráveis feitas pelos autores, antes de sua publicação em português.

Seguindo as linhas mestras do programa do evento, o dossiê reúne textos sobre temas que não têm necessariamente a ver com saúde. Desde os anos 1990 historiadores norte-americanos, britânicos e mais recentemente alemães vêm discutindo temas e métodos da global e da world history, assim como da história transnacional. Essas abordagens tentam superar antigas limitações resultantes da vinculação entre historiografia e Estado nacional. Inicialmente o esforço de superação se deu por comparações e história de transferências. As abordagens atuais vão além e pesquisam como espaços se constroem por entrelaçamentos e inter-relações, inclusive a circulação de saberes e atores. O dossiê reúne, assim, trabalhos que analisam, sempre no tocante ao Brasil, as referências globais do imaginário nacional; o papel de regiões e regionalismos na formação nacional e sua relação com processos globais; a transformação do significado de conceitos como nacionalidade e descendência étnica no contexto de processos globais de migração; as transferências de conhecimentos pertinentes à história do trabalho, da economia e do consumo; e, por último, as relações entre Alemanha e Brasil a partir de uma perspectiva transnacional.

Bom proveito!

Nota

1 Programa disponível em http: / / www.lai.fu-berlin.de / disziplinen / geschichte / Veranstaltungen / brasilglobal_programa.pdf

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.1, jan. / Mar, 2014. Acessar publicação original  [DR]

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Medicina no Contexto Luso-Afro-Brasileiro / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2014

Em abril de 2012, teve lugar em Lisboa, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, o primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical, com o subtítulo: “A medicina tropical nos espaços nacionais, coloniais e pós-coloniais (séculos XIX-XX)”. O encontro integrou as comemorações do 110º aniversário de fundação da Escola de Medicina Tropical de Lisboa, antecessora do atual Instituto de Higiene e Medicina Tropical, comemorando-se também, na mesma ocasião, o 60º aniversário do primeiro Congresso Nacional de Medicina Tropical, realizado na capital portuguesa em 1952.

Aquele primeiro encontro de investigadores brasileiros e portugueses dedicados ao estudo da história da medicina tropical, ou de temas correlatos, foi organizado com o decisivo apoio de Paulo Ferrinho e Zulmira Hartz, diretor e vice-diretora do instituto lisboeta, e a importante participação de Isabel Amaral, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Nova de Lisboa.

Nas diversas mesas apresentadas ao longo de quatro dias, foram abordados os temas a seguir. “Trópicos e medicina” debatia os significados atribuídos à medicina tropical como objeto de estudo; as representações construídas em diferentes contextos históricos e formações sociais a respeito da categoria “trópico”; e as reflexões ou controvérsias que a ideia de “tropicalidade” suscitara no pensamento sobre as sociedades e nações luso-afro-ásio-brasileiras. “Saberes e práticas médicas: histórias e tradições plurais” tinha em mira a reflexão sobre as formas como os conhecimentos e as técnicas da medicina tropical foram aplicados no combate a doenças em territórios nacionais e coloniais, em diferentes contextos históricos. Seriam aí também contempladas as relações de domínio, exclusão ou permeabilidade com medicinas nativas e saberes tradicionais, assim como as artes de curar e as estruturas de assistência implementadas no contexto luso-afro-ásio-brasileiro. O terceiro eixo de discussões do primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical foi “Tráfico de escravos, fluxos migratórios e circulação de doenças” entre Portugal, Brasil, África e Ásia nos séculos XIX e XX. “Atores, doenças e instituições” enfeixava comunicações sobre trajetórias e inter-relações de instituições e outros atores vinculados às áreas de medicina tropical, microbiologia e saúde pública nos contextos referidos acima. Nas mesas alinhadas a esse tema, foram incluídos trabalhos que diziam respeito a expedições científicas e programas de investigação no âmbito das ciências biológicas e biomédicas visando ao controle de doenças incidentes em suas diferentes zonas geográficas. Por último, o encontro debateu “Políticas internacionais de saúde”, histórias comparativas, trajetórias e inter-relações de instituições e outros atores vinculados a ações globais em medicina tropical, microbiologia e saúde pública nos países lusófonos.

Tais temas foram desigualmente cobertos pelos trabalhos apresentados, e menos da metade chegou efetivamente às páginas da atual edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, sabendo-se que alguns foram veiculados em outras edições da revista, e que a presente edição traz trabalhos que não fizeram parte do encontro, tendo porém afinidade com a temática do dossiê “Medicina no contexto luso-afro-brasileiro”.

Antes de chegar a ele, os leitores encontrarão seis instigantes artigos submetidos de forma espontânea sobre temas variados: as representações sociais do mundo rural na Europa e em outras regiões; um panorama das antropologias médica, do sofrimento e do biopoder nos EUA e na Europa; relacionados à Argentina, dois trabalhos: modos de pensar o esporte destinado a deficientes físicos nos anos 1950 e 1960, e câncer como objeto científico e problema sanitário no começo do século XX; um artigo discute as extensões possíveis do darwinismo ao âmbito da cultura e outro, disponível no portal Scielo desde janeiro, traz à edição em papel o estudo sobre as redes sociotécnicas subjacentes à Liga de Acupuntura da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Esta edição de HCS-Manguinhos traz ainda a coligação de duas resenhas e uma entrevista que têm relação com Ernesto Laclau, teórico argentino recém-falecido que inovou os estudos sobre a teoria do discurso, tendo publicado A razão populista, um dos livros aqui resenhados. A entrevista é com Chantal Mouffe, companheira de Laclau e, como ele, autora de importantes contribuições ao uso da teoria do discurso nas democracias contemporâneas. O segundo livro resenhado é O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos, de Aura Helena Ramos, educadora que faz uso desse referencial teórico em seu estudo sobre o lugar da diferença na educação em direitos humanos, e que participa da entrevista feita com Mouffe.

Termino esta carta com uma dupla homenagem: a Ruth Barbosa Martins, fundadora e por longo tempo editora desta revista, jornalista competentíssima, amiga do coração, que se aposenta deixando um rastro luminoso de realizações e amizades; e Isnar Francisco de Paula, que secretariou a revista desde as origens, com seu jeito suave e eficiente. Aposentadas, bem longe agora da “ralação” cotidiana, Isnar, Ruth e outra companheira querida, Ângela Pôrto, muito brejeiras, acenam para veteranos, como o autor destas linhas, com a tentadora promessa de gozarmos também do justo e merecido direito à preguiça.

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.2, abr. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Brasil – Alemanha: Relações Médico-Científicas / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2013

Entre os artigos que inauguram o primeiro número de 2013 de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, o leitor é brindado com o dossiê temático Brasil-Alemanha: relações médico-científicas. Os trabalhos são resultado de simpósio realizado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em março de 2011, como parte das comemorações do Ano de Cooperação Brasil-Alemanha em Ciência, Tecnologia e Inovação, transcorrido entre abril de 2010 e abril de 2011. O simpósio foi organizado pela Casa de Oswaldo Cruz e o Bernhard-Nocht Institut für Tropenmedizin de Hamburgo, com apoio do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde e a Vice-presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz. O presente dossiê reúne trabalhos apresentados então por biólogos e cientistas sociais, inclusive alguns estudantes de pós-graduação. Numa perspectiva interdisciplinar e transnacional, os artigos aqui reunidos analisam redes de atores e instituições que tomaram parte no intercâmbio científico e cultural entre os dois países, e o impacto que esse intercâmbio teve nas relações políticas, diplomáticas e econômicas, abrangendo a circulação de ideias, cientistas, modelos institucionais, agendas de pesquisa, produtos e tecnologias médicas etc.

Um conjunto de textos trata do papel que as revistas científicas e jornais tiveram nas relações médico-científicas entre a Alemanha, América Latina e África: o historiador Stefan Wulf mostra como o periódico Revista Médica de Hamburgo serviu como instrumento da política cultural alemã no entreguerras; Marlom Silva Rolim e Magali Romero Sá abordam as interfaces do intercâmbio intelectual com a indústria farmacêutica a partir de duas publicações médico-farmacêuticas da Bayer; Sílvio Marcus de Souza Correa analisa o significado da imprensa colonial alemã para as comunidades alemãs em ultramar, como importante veículo de divulgação sobre doenças tropicais que acometiam os colonos alemães na África.

Nos outros artigos do dossiê, a historiadora Karen Macknow Lisboa apresenta o tema da insalubridade, da aclimatação e das doenças no Brasil em escritos de viajantes de língua alemã envolvidos com a questão imigratória; René E. Gertz examina as contribuições de médicos imigrantes alemães que se estabeleceram no Rio Grande do Sul entre a proclamação da República e a Segunda Guerra Mundial e os conflitos desencadeados pela sua presença; André Felipe Cândido da Silva observa as relações Brasil-Alemanha a partir da trajetória do médico Henrique da Rocha Lima, importante quadro do Instituto Oswaldo Cruz e do Institut für Schiffs- und Tropenkrankheiten de Hamburgo; Cristiana Facchinetti e Pedro Felipe Neves de Muñoz discutem a apropriação de teorias e práticas de Emil Kraepelin por Juliano Moreira e outros médicos psiquiatras brasileiros, entre 1903 e 1933; Robert Wegner e Vanderlei Sebastião de Souza tratam da aproximação de médicos brasileiros com uma eugenia ‘negativa’, dando ênfase aos papéis conflitantes desempenhados pelo eugenista Renato Kehl e pela Igreja católica no Brasil; Juliana Manzoni Cavalcanti estuda a trajetória do médico vienense Rudolf Kraus entre 1913 e 1923, quando, na América do Sul, dedicou-se à busca de novos produtos biológicos para tratamento de doenças infecciosas de regiões tropicais.

Ainda neste número, na seção Imagens, Vera Lucia Cortes Abrantes trata da produção fotográfica de Tibor Jablonszky no que diz respeito à representação do trabalho feminino nas décadas de 1950 e 1960; e em Nota de Pesquisa, Patrícia M. Aranha aborda os trabalhos de levantamento topográfico por engenhos militares da Comissão Rondon, e Ana Laura Godinho Lima examina as recomendações a respeito de ‘criança-problema’ feitas por médicos brasileiros em manuais de higiene mental entre 1937 e 1947.

Desejamos aos leitores ótima leitura!

Magali Romero Sá – Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L.; SÁ, Magali Romero. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.1, jan. / Mar, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Arquivo / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2012

Esta edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos traz, além da habitual paleta de trabalhos submetidos espontaneamente à redação, um dossiê dedicado ao tema arquivos, que se originou de encontro promovido em setembro de 2009 por Aline Lopes de Lacerda, da Universidade Federal Fluminense, e Marcos Chor Maio, da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, com o sedutor título “A paixão pelos arquivos: entre práticas de organização e usos de pesquisa”. O encontro reuniu arquivistas, historiadores, antropólogos e sociólogos, e dos trabalhos então apresentados três evoluíram para os artigos ora publicados.

A presente edição é volumosa porque estamos empenhados em reduzir a não mais de um ano o tempo de espera dos trabalhos submetidos à revista, desde a chegada à sua publicação, passando pelos processos, nem sempre rápidos, de análise por parecistas; modificações feitas pelos autores; nova avaliação pelos editores; revisão e / ou copidesque; em certos casos, versão para o inglês, para a edição digital da revista; normalização; editoração; nova revisão e – ufa! – publicação em papel e on-line.

Quero aproveitar este espaço para sacramentar uma mudança que foi apenas sugerida na edição anterior da revista: sua editoria científica será, doravante, compartilhada por mim e pelo historiador peruano Marcos Cueto. A quem quiser conhecer suas credenciais sugiro consulta à página onde consta entrevista que concedeu em junho de 2011 a Ruth B. Martins, ex-editora executiva da revista, hoje na comunicação social da Casa de Oswaldo Cruz (ver http: / / migre.me / 8m2fu).

Divido com os leitores a satisfação com que tomamos conhecimento da mais recente classificação de História, Ciências, Saúde – Manguinhos no Qualis-Capes: aí figuramos agora como A1 não apenas em história e educação, mas também em sociologia; conservamos a posição A2 em letras-linguística e serviço social; e em saúde coletiva ascendemos a B1, posição que já havíamos conquistado em antropologia / arqueologia, arquitetura e urbanismo, artes / música, geografia, planejamento urbano e regional, demografia e psicologia.

Peço a vocês, caros leitores, que nos ajudem a divulgar uma chamada em circulação em http: / / migre.me / 8m2jn. Até o final de maio esta revista acolherá artigos inéditos sobre cooperação internacional em saúde, focalizando sua história, resultados, desafios e perspectivas, com ênfase nas dimensões bioéticas das relações internacionais em saúde. A proposta veio de integrantes do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde e do Observatório História e Saúde, ambos da Fundação Oswaldo Cruz.

Proximamente, a revista divulgará (se atravessarem o crivo dos pareceristas) trabalhos apresentados no seminário Salud Internacional / Salud Global, perspectivas históricas de América Latina y el Caribe, que terá lugar na Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, em 21 e 22 de junho do corrente ano. Organizado por Marcos Cueto e Gilberto Hochman, o seminário discutirá o conceito de ‘saúde global’, suas origens e características, e suas singularidades em relação a outra ideia de largo e mais antigo curso, ‘saúde internacional’. O seminário dará especial atenção ao papel cambiante dos Estados nos serviços sanitários públicos e nas agências internacionais, assim como às interações entre local e global na América Latina e Caribe.

Em breve, também, História, Ciências, Saúde – Manguinhos publicará trabalhos apresentados em conferência internacional promovida pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos da Freie Universität Berlin – “Brasil no contexto global: 1870-1945” -, que se realizou em outubro do ano passado na capital alemã. O evento deveu-se à iniciativa de Georg Fischer, Christina Peters e Frederik Schulze, colaboradores do professor Stefan Rinke, conceituado aglutinador de mestrandos e doutorandos que se dedicam, naquela universidade, a estudos sobre o Brasil e outras formações sociais latino-americanas, ele próprio autor de trabalhos de fôlego a esse respeito, como Geschichte Lateinamerikas: Von den frühesten Kulturen bis zur Gegenwart (História da América Latina: de suas culturas mais antigas ao presente) (München: Beck, 2010).

Despeço-me, caros leitores, convidando-os a embarcarem comigo para a adorável Lisboa, cuja feminina silhueta de montanhas, cujos sobrados, ladeiras e paralelepípedos, cujo céu azul anil e cuja gente tão amável e gentil nos inspiram aquela agradável e sedutora combinação de sensações, de familiaridade e estranhamento. Lá, no centenário Instituto de Higiene e Medicina Tropical, de 21 a 24 de abril próximo, terá lugar o Primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical, cujo programa está disponível em http: / / encontrolb.ihmt.unl.pt / . Nossos leitores hão de ter percebido que as páginas da revista vêm refletindo o crescente intercâmbio de conhecimentos entre historiadores da ciência do Brasil e de Portugal. Torço para que esse Encontro venha a deixar registro duradouro das potencialidades que vejo na história comparativa e na história das relações mútuas no campo das ciências da vida, da medicina e da saúde pública.

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.19, n.1, jan. / Mar, 20012. Acessar publicação original [DR]

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Carlos Chagas Filho / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2012

A presente edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos entra em gráfica quando transcorrem já nesta cidade os eventos, notícias e incômodos associados à Rio+20. Não há como não falar do assunto. O tom dominante no noticiário e nas conversas de rua é de ceticismo com relação ao que resultará de concreto das confabulações da ‘alta cúpula’, majoritariamente disposta a pagar alto preço com relação aos horizontes de vida de nossos filhos e dos seres que conosco compartilham este planeta, para a curtíssimo prazo salvar um modelo de civilização em crise, extensivo às sociedades capitalistas tradicionais e àquelas que chegaram a formas igualmente destrutivas de capitalismo por via de revoluções socialistas. Mas se as altas autoridades governamentais negociam ou, no caso das brasileiras, exaltam como alternativa mais avançada a velha política do ‘milagre econômico’, o baixo clero, por assim dizer, por meio de iniciativas institucionais ou não governamentais, toca o bumbo e põe na rua eventos os mais diversos. Para o cidadão comum, é difícil separar o trigo do joio e situar-se nessa pletora de mostras, debates, manifestações, especialmente quando é levado quase à náusea pelas mensagens publicitárias que empresas e órgãos, muitas vezes comprometidos com a degradação do meio ambiente, lançam oportunisticamente sobre nossos olhos e ouvidos.

A Fiocruz assumiu posições firmes, louváveis, e não permitiu que a dimensão da saúde fosse deixada à sombra das discussões oficiais e alternativas, oferecendo à população rico programa de atividades. Entre elas, debates sobre desenvolvimento sustentável, ambiente e saúde; segurança alimentar e nutricional; saneamento básico; segurança química, especialmente o impacto dos agrotóxicos na saúde e no ambiente; movimentos sociais e equidade em saúde; movimentos de resistência a transgênicos; justiça social e ambiental.

A programação da Fiocruz incluiu um site (www.sauderio20.fiocruz.br) com entrevistas, reflexões e documentos sobre a relação entre saúde e ambiente, um deles, “Saúde na Rio+20: desenvolvimento sustentável, ambiente e saúde”, aberto à colaboração pública.

Com a parceria do Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico de Inhotim (MG) e da Eletrobras Furnas, o Museu da Vida inaugurou a exposição “Nós do mundo”, que aborda de forma lúdica e interativa temas em questão na Rio+20 (http: / / migre.me / 9xxNH). A mostra comemora também os aniversários de 13 anos do museu, de 25 da Casa de Oswaldo Cruz e os 112 anos da própria Fiocruz. Os painéis discutem consumismo, mudanças climáticas, degradação ambiental, matrizes energéticas e desigualdades sociais, e o visitante pode pedalar uma bicicleta que transforma energia mecânica em elétrica, e acionar uma linha do tempo das discussões que desembocam na Rio+20. Uma casa em miniatura traz informações sobre o gasto de energia dos aparelhos mais triviais; num supermercado simulado, um leitor de código de barras dá informações ambientais sobre os produtos que os visitantes estão habituados a comprar.

E o que fizemos nós, em História, Ciências, Saúde – Manguinhos? Esta edição e as seguintes ostentarão o selo FSC concedido a quem trabalha dentro das normas de preservação ambiental no que diz respeito ao manejo florestal. A sigla remete ao Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) organização não governamental com sede em Bonn, na Alemanha, criada no início da década de 1990 para promover o manejo florestal responsável mundo afora (http: / / migre.me / 9xze8). Só em 2001 foi criado o Conselho Brasileiro de Manejo Florestal. A FSC tem atuado junto aos países com florestas para que uma emenda seja incluída no documento oficial da Rio+20, destacando a importância desses mecanismos na transição para a chamada ‘economia verde’. A proposta é transformar a certificação socioambiental em compromisso dos governos, sob a justificativa de que induz práticas sustentáveis e contribui com a conservação das florestas tropicais e seus recursos. O tema começa a entrar na agenda das compras e contratações públicas, e aí entramos nós, rodando a revista em papel com o selo FSC.

Um dos artigos desta edição da revista se coaduna com os temas em debate na Rio+20: “A terra ‘quente’ na imprensa: confiabilidade de notícias sobre aquecimento global”, de Celso Dal Ré Carneiro, professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, e João Cláudio Toniolo, graduando em Filosofia na mesma universidade.

Os autores pesquisaram notícias sobre ‘aquecimento global’ em veículos do grupo de comunicação UOL, Folha.com e Folha de S. Paulo. As posições variaram da concordância absoluta com a interpretação de causa estritamente antropogênica (posição predominante) até a negação da tese. Nessa posição minoritária, inclui-se a perspectiva ‘geológica’ da evolução do planeta: antes do aparecimento da espécie humana a Terra vivenciou períodos muito mais quentes ou muito mais frios que o atual. Segundo os autores, a maioria dos redatores de notícias, ao considerar causas exclusivamente antrópicas, ignora as incertezas inerentes ao trabalho científico. “No conjunto das ciências da Terra, a geologia tem mostrado, exaustivamente, que o clima da Terra mudou no passado, e continuará a mudar no futuro. A interferência humana pode intensificar os efeitos transitórios de certas mudanças, mas não se atingirá, jamais, um quadro de aquecimento global cujas causas sejam exclusivamente antropogênicas, como os veículos de mídia analisados tentam propagar”.

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.19, n.1, abr. / jun., 20012. Acessar publicação original [DR]

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Malária / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2011

Esta edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos traz um dossiê dedicado à malária, subproduto de um seminário que teve lugar na Fundação Oswaldo Cruz em abril de 2007 intitulado “Henrique Aragão e a pesquisa sobre a malária: 100 anos da descoberta do ciclo exoeritrocítico da malária”. Um dos principais desafios da medicina tropical à época em que ela se instituía como campo científico, em fins do século XIX, a malária ainda hoje é considerada a mais importante endemia mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge de trezentos a quinhentos milhões de pessoas e causa cerca de um milhão de óbitos por ano em todo mundo, matando duas vezes mais do que a Aids e muito mais do que qualquer outra doença infecciosa. O presente dossiê traz contribuições sobre a história da malária, enfocando principalmente o Brasil mas numa perspectiva internacional, e isso a meu ver constitui o traço mais original dos trabalhos ora reproduzidos.

Presidente do comitê organizador do seminário a que me referi, Magali Romero Sá assina “Os estudos em malária aviária e o Brasil no contexto científico internacional (1907-1945)”. Analisa aí a gênese, a significação e os desdobramentos de descoberta realizada em 1907 por Henrique Aragão, um dos jovens pesquisadores do instituto ainda chamado Soro-terápico, rebatizado como Instituto Oswaldo Cruz no ano seguinte. A mudança de nome estava associada a uma metamorfose tanto nas instalações físicas da instituição como em seu programa de trabalho, apoiado em ambicioso tripé: pesquisa em diversas vertentes da microbiologia e zoologia médica; fabricação de soros, vacinas e outros produtos biológicos para a medicina humana e veterinária; e cursos de especialização em bacteriologia e medicina tropical, para médicos que iriam atuar em laboratórios, na saúde pública e no combate a doenças de animais e plantas.

As transformações em curso na instituição, que por bom tempo viria a ser o centro de gravidade da medicina experimental e da saúde pública brasileiras, foram alavancadas por diversos acontecimentos, especialmente as campanhas sanitárias contra febre amarela, peste bubônica e varíola, conduzidas por Oswaldo Cruz na capital brasileira, e a destacada participação do Instituto e da Diretoria Geral de Saúde Pública no 14º Congresso Internacional de Higiene e Demografia e na Exposição de Higiene anexa a ele, em Berlim, em setembro de 1907. A medalha de ouro ali conquistada teve enorme repercussão no Brasil e trouxe inesperado reforço aos esforços propagandísticos que fazia o governo para convencer a opinião pública internacional de que o Rio de Janeiro não era mais a cidade pestilenta da qual fugiam capitais e imigrantes. Na urdidura dos laços então estabelecidos com instituições científicas na vanguarda da medicina tropical, antes mesmo da descoberta da tripanossomíase humana que consagraria Carlos Chagas, teve enorme importância o trabalho de Henrique Aragão veiculado em Brazil-Medico, em 1907, e no prestigioso Archiv für Protistenkunde, depois de ser aclamado no Congresso de Berlim como contribuição importantíssima aos estudos sobre a evolução do parasito da malária em seus hospedeiros vertebrados.

Foi a esse fato que se deveu o seminário comemorativo realizado na Fundação Oswaldo Cruz, cem anos depois. Outro trabalho apresentado é “Malaria epidemics in Europe after the First World War: the early stages of an international approach to the control of the disease”. Gabriel Gachelin e Annick Opinel analisam relatórios e diretrizes emanados da Comissão de Malária, formada em 1923 pela Comissão de Higiene da Liga das Nações para fazer face ao recrudescimento da doença em várias partes da Europa, durante e depois da Primeira Guerra Mundial.

Os demais artigos que compõem o dossiê foram capturados depois do seminário de 2007. Juliana Manzoni Cavalcanti, doutoranda do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, em co-autoria com Marcos Chor Maio, analisa os estudos sobre a anemia falciforme publicados no Brasil nas décadas de 1930 e 1940, correlacionando-os à literatura internacional. Dá ênfase às investigações hematológicas e epidemiológicas feitas no país e às ambivalências das associações estabelecidas então entre essa doença hemolítica e hereditária e a ‘raça negra’.

Em conjuntura subsequente – anos 1950 e 1960, – situa-se o estudo de Renato da Silva, da Universidade Unigranrio, e Gilberto Hochman, da Casa de Oswaldo Cruz, sobre a ascensão e queda de um método de combate à malária concebido no Brasil por Mario Pinotti: o sal de cozinha misturado com cloroquina, adotado em extensas regiões geográficas durante a campanha de erradicação da malária coordenada pela OMS.

Os problemas identificados nos anos 1960, de resistência do plasmódio aos quimioterápicos em uso, e dos mosquitos transmissores da malária ao DDT estão na origem da questão analisada por Ivone Manzali de Sá, pesquisadora colaboradora do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Tirando proveito de sua formação em farmacologia e botânica, a autora examina as pesquisas científicas voltadas para a obtenção de novos antimalariais entre as décadas de 1960 e 1980, em especial nos EUA e na China, sem perder de vista o papel central desempenhado pela OMS na mediação entre os grupos atuantes naqueles países que a Guerra Fria punha em confronto. Mostra Manzali de Sá que os norte-americanos privilegiaram a triagem de moléculas sintéticas inspirados no modelo da quinina, ao passo que a China adotou linha de pesquisa que agregava o conhecimento tradicional, baseado em plantas medicinais, desenvolvendo assim um medicamento que se tornaria a nova referência de droga antimalarial no final dos anos 1980.

Em “O medo do sertão: a malária e a Comissão Rondon (1907-1915)”, Arthur Torres Caser, mestre em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, e Dominichi Miranda de Sá, pesquisadora dessa mesma instituição, analisam o impacto da malária sobre a saúde dos homens que cuidavam da instalação de linhas telegráficas nas regiões hoje pertencentes aos estados de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas, onde era endêmica a doença, motivando a criação de um serviço sanitário para seu controle. Estreita relação com esse artigo guarda a seção Fontes, onde André Vasques Vital, mestrando também do referido Programa de Pós-graduação da Casa de Oswaldo Cruz, comenta o artigo ora reeditado “Região do Madeira: Santo Antônio”, do médico Joaquim Augusto Tanajura (1878-1941), chefe do serviço de saúde da Comissão Rondon de 1909 a 1912.

Do seminário realizado na Fundação Oswaldo Cruz em abril de 2007 participou Randall Packard, professor do Instituto de História da Medicina da The Johns Hopkins University e coeditor do Bulletin of the History of Medicine. Aproveitamos a ocasião para entrevistar esse grande especialista em história da malária e das relações internacionais em saúde. A seção Depoimento desta edição da revista traz ainda curto depoimento da doutora Ruth Sonntag Nussenzweig, estrela de primeira grandeza da ciência brasileira que iniciou sua carreira na Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e hoje brilha na da New York University, especificamente no Langone Medical Center, onde se dedica ao desenvolvimento de uma vacina contra a malária.

Nesta edição o leitor encontrará ainda outros cinco artigos espontaneamente submetidos a esta revista e que não têm ligação com o Dossiê Malária. Todos originais e de excelente qualidade, fazem deste número de Manguinhos um ‘livraço’ que não pode faltar nas prateleiras ou discos rígidos de estudiosos e amantes da história das ciências.

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.2, abr. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]

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Varíola / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2010

Em agosto próximo passado, a Fundação Oswaldo Cruz sediou um simpósio comemorativo dos trinta anos de erradicação a nível mundial da varíola, feito sem precedentes anunciado em 8 de maio de 1979, na Assembléia Mundial da Saúde. O simpósio reuniu diversos protagonistas do Programa de Erradicação da Varíola para debater suas experiências e as lições que dela se podem extrair para o combate a outras doenças. A presente edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos traz entrevista exclusiva concedida a Gilberto Hochman e Steven Palmer pelo doutor Donald A. Henderson, diretor da campanha da Organização Mundial da Saúde de 1966 a 1977, assim como trechos do diário de viagem ao Brasil, em abril de 1967, de outro participante dela, o canadense Robert J. Wilson. A análise dessa fonte por Palmer, Hochman e Arbex possibilita interessantes reflexões sobre a campanha em nosso país, as vacinas aí utilizadas e o papel das comunidades de especialistas naquele empreendimento internacional.

A seção Análise deste número abre com interessante artigo de André Luis de Lima Carvalho e Ricardo Waizbort, sobre uma personagem pouco conhecida entre nós, Frances Power Cobbe, que se destacou na Inglaterra vitoriana por sua militância em prol de causas sociais. A preocupação com a legitimidade ética de certas formas de exploração dos animais teve ressonância especialmente forte naquele país, onde já em 1822 fora aprovada legislação estabelecendo penalidades contra os maus tratos perpetrados contra eles. O artigo de André e Ricardo trata sobretudo dos embates entre Cobbe e Charles Darwin a respeito de animais usados em experimentos científicos. No âmago desse artigo está a questão das relações entre humanos e não humanos, entre ciência e natureza, o que nos transporta a dois outros artigos que abordam a natureza de ângulos diversos. Num deles, dois geógrafos da Unicamp tecem considerações sobre os conceitos a esse respeito em Alexander von Humboldt e sua relação com a gênese da geografia física moderna. Um filósofo e um híbrido de agrônomo, sociólogo e antropólogo tratam das “antinomias pós-modernas sobre a natureza”. Para Antonio Carlos Vitte e Roberison Wittgenstein Dias da Silveira, Humboldt desenvolveu uma nova interpretação da natureza na superfície da Terra, em que eram fundamentais os conceitos de espacialidade e paisagem geográfica e que traziam implícito um complexo cruzamento de influências estéticas e instrumentais. A geografia física moderna teria se estruturado a partir, principalmente, das reflexões de Humboldt contidas em Quadros da natureza e Cosmos. Para os autores, esta última obra oferece ao saber geográfico atual uma resposta científica e filosófica para a dualidade geografia física / geografia humana, indo ao encontro da necessidade contemporânea de transcender os limites restritos das disciplinas formais.

José Marcos Froehlich e Celso Reni Braida, por sua vez, analisam as noções de natureza subjacentes à elaboração atual de ciência. Depois de curto inventário das ideias sobre esse conceito polissêmico em diferentes épocas históricas, ressaltam as incongruências presentes nas imagens pós-modernas de natureza, fazendo uso sobretudo das reflexões de Fredric Jameson, um dos poucos marxistas a empregar, nos anos 1990, a linguagem do pós-modernismo associada a uma análise materialista de sua lógica cultural.

Em “As antinomias da pós-modernidade”, primeira parte de As sementes do tempo (São Paulo, Ática, 1997), Jameson fornece um mapa cognitivo daquele fim de século, mapeando tendências na semiótica, no pós-estruturalismo e nos estudos culturais. Argumenta que um dos elementos principais da sociedade pós-moderna é o ‘fim da natureza’, sua artificialização. Para Jameson, o desaparecimento da natureza desgasta seu outro termo: a concepção clássica de cidade e do urbano perde significação e deixa de designar uma realidade específica, diferenciada. O urbano se torna o social em geral e ambos se perdem num global de novo tipo. Paradoxalmente, o desaparecimento da natureza em sua forma tradicional estimula o retorno de outro ‘tipo’ de natureza, como atestam os diversos fenômenos ligados ao ecologismo. Tal revivescência constitui uma antinomia fundamental da pós-modernidade. Os autores do artigo ora publicado defendem que há contradições mais profundas do que a contraposição entre social e natural ou cultura e natureza. Propõem então que avancemos rumo a uma concepção de natureza e ciência que não implique fazer dos seres humanos estranhos no mundo em que habitam e que buscam conhecer.

Nesta edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos os leitores também encontrarão três contribuições de autores argentinos. Diego P. Roldán, da Universidad Nacional de Rosario, analisa discursos produzidos sobre o corpo, a máquina, a energia e a fadiga na virada dos séculos XIX e XX, mostrando como contribuíram para a construção de um saber biopolítico que colocou o corpo em relação com a produção capitalista e com o Estado. Lucía Romero analisa a modernização acadêmica da Universidad de Buenos Aires e de sua Faculdade de Medicina em meados dos anos 1950, dando ênfase às ideias sobre pesquisa clínica, docência e atenção médica defendidas por Alfredo Lanari no Primeiro Congresso de Educação Médica da Associação Médica Argentina (1957). A fundação do Observatório de La Plata (1882-1890) é tema de Marina Rieznik, da Universidad de Buenos Aires, que estuda o evento no contexto das disputas suscitadas por missões internacionais para a observação da passagem de Vênus diante do Sol, que envolveram principalmente o diretor do Observatório de Córdoba, o governador da província de Buenos Aires e membros do Bureau des Longitudes da França.

Leandro Belinaso Guimarães, da Universidade Federal de Santa Catarina, analisa como se consolidaram, no Brasil da Primeira República, processos discursivos, sociais e políticos que nacionalizaram a Amazônia. Utilizando textos de Euclides da Cunha, mostra que estava em operação um modo de ver e narrar a floresta distinto do encontrado em relatos de viagem escritos por naturalistas ao longo do século XIX. Valéria Zanetti e colaboradoras, da Universidade do Vale do Paraíba e do Núcleo de Pesquisa Pró-Memória de São José dos Campos, escrevem sobre a transformação dessa cidade, nos anos 1930, em Estância Climatérica para o tratamento da tuberculose pulmonar. Recorrem principalmente ao periódico editado pelos tisiologistas locais, Boletim Médico, além de fontes correlatas e mostram que a condição de Estância era, simultaneamente, ameaça à população da cidade e força motriz da economia local, baseada, até a década de 1950, quase que exclusivamente na exploração da doença.

Flavio Coelho Edler, da Casa de Oswaldo Cruz, assina “Pesquisa clínica e experimental no Brasil oitocentista: circulação e controle do conhecimento em helmintologia médica”. Mostra que as contribuições de médicos brasileiros ao conhecimento sobre doenças causadas por vermes parasitas, durante a segunda metade do século XIX, produziu efeitos distintos em três comunidades epistêmicas: a anatomoclínica brasileira; a geografia médica francesa; e a emergente parasitologia médica. Admitindo a heterogeneidade dos regimes de legitimação dos fatos científicos e das práticas epistemológicas observadas por cada uma dessas tradições, descreve uma cartografia do conhecimento médico da época e revela as linhas de força dos três campos disciplinares.

Os limites de uma carta de editor me impedem de falar sobre outros materiais importantes que o leitor encontrará nas páginas a seguir. Aspirem fundo, caros leitores, o ar ameno da primavera que ora se inicia: estamos em vésperas de eleições e, apesar da campanha pífia, esperemos que refloresçam os ideais de transformação na alma coletiva e no peito de cada um de nós.

Jaime L. Benchimol – Editor


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.3, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Ciência e Mídia / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2010

Tenho o prazer de anunciar novo integrante do corpo de editores das seções da revista: Luisa Massarani, investigadora que há muito tempo se dedica ao estudo da divulgação da ciência, atual chefe do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz. Em seu âmbito, Luisa havia criado o Núcleo de Estudos da Divulgação Científica (http: / / bit.ly / 63zyWY), que tem por objetivo promover a reflexão sobre temas concernentes a essa dimensão tão importante da ciência, antípoda ao encastelamento na ‘torre de marfim’, ao confinamento na linguagem esotérica que circula somente entre pares, no mundo competitivo do ‘publique ou pereça’, mundo muitas vezes alheio às necessidades, racionalidades e linguagens dos grupos sociais que não fazem parte do mundo acadêmico.

História, Ciências, Saúde – Manguinhos já teve uma seção dedicada a museus, que não perdurou, não obstante a presença frequente de artigos dedicados ao tema, inclusive uma edição especial, esgotadíssima – Museus e Ciências (v.12, suplemento de 2005 disponível somente on line, no site da SciELO). Diálogos Entre Ciência e Arte (v.13, suplemento de outubro de 2006) foi outra experiência bem-sucedida da revista, que busca, agora, com a ajuda de Massarani, entronizar de vez, na nossa linha editorial, os estudos sobre a divulgação científica. Eles são importantes para os leitores e colaboradores que já frequentam suas páginas e serão para aqueles que vierem a fazê-lo por força dessa iniciativa. Divulgação científica não constitui uma seção da revista, como foi, por um tempo, Museus. Sua editora incrementará a captação de bons materiais para as seções existentes, estudos – inclusive do tempo presente – sobre a comunicação de temas de ciência e tecnologia através de distintos meios: museus, jornais, internet, televisão, exposições, desenhos animados, filmes, histórias em quadrinhos, eventos de rua, artes plásticas etc.

No Brasil, a divulgação científica vem se aprimorando – cito como exemplo, da melhor qualidade, o Boletim da Fapesp (http: / / bit.ly / 93aU20). Como área acadêmica, tem crescido também. Em 1985 foi defendida apenas uma tese de doutorado sobre o assunto, conforme o banco de dados da Capes; atualmente são cerca de quarenta teses e dissertações a cada ano. Em 2009 a Casa de Oswaldo Cruz, a Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro e o Museu de Astronomia e Ciências Afins, com apoio da Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia da América Latina e do Caribe (Red-Pop), da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência e do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia (Ministério da Ciência e Tecnologia), inauguraram um curso de especialização em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde, que veio se somar a iniciativas educacionais mais antigas, entre elas o Núcleo José Reis, na Universidade de São Paulo, e o programa em Educação, Difusão e Gestão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Para mostrar que levamos a coisa a sério, na presente edição da revista reunimos num dossiê três artigos. Em “A ciência na primeira página”, Flavia Natércia da Silva Medeiros, Marina Ramalho e a própria Luisa Massarani analisam as chamadas de capa relativas à ciência e tecnologia veiculadas em 2006 na Folha de S.Paulo, jornal de elite nacional, e em dois jornais regionais: Jornal do Commercio, de Pernambuco, e Zero Hora, do Rio Grande do Sul. “Enquadramentos de transgênicos nos jornais paulistas”, de Danilo Rothberg e Danilo Brancalhão Berbel, trata dos enquadramentos e das agendas construídas pelos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo sobre a segurança de alimentos transgênicos, a fim de avaliar o potencial das informações oferecidas como subsídios à participação política, tendo os autores em mente, especificamente, uma consulta pública a esse respeito, promovida em 2007 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Iara Maria de Almeida Souza e Amanda Muniz Logeto Caitité assinam “A incrível história da fraude dos embriões clonados e o que ela nos diz sobre ciência, tecnologia e mídia”. A partir de notícias publicadas em jornais brasileiros, analisam a fraude cometida pelo cientista sul-coreano Woo Suk Hwang. Habitual-mente a exposição da ciência pela mídia põe em evidência descobertas e promessas de aplicação, mas nesse caso a ciência é mostrada em seu avesso, sendo a sua fabricação desnudada em virtude das tensões entre seus diferentes elementos e dos ilícitos em questão.

Os leitores encontrarão, em outra seção da revista, texto que guarda estreita relação com o tema do dossiê Ciência e Mídia. Trata-se da resenha de livro organizado por Regina Maria Marteleto e Eduardo Navarro Stotz, Informação, saúde e redes sociais: diálogos de conhecimentos nas comunidades da Maré, cujos capítulos estão em consonância com a revisão contemporânea dos processos de divulgação científica, analisando com propriedade as dimensões sociais e coletivas da construção do conhecimento.

Esperamos que essa ‘inauguração’ atraia contribuições igualmente valiosas para História, Ciências, Saúde – Manguinhos, e eu, para terminar, desejo aos leitores e colaboradores grandes alegrias e muita fraternidade no transcurso dos emocionantes jogos da Copa do Mundo. Que vençam os melhores!

Jaime L. Benchimol – Editor


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.2, abr. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Sanitarismo e Interpretações do Brasil / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2009

Em 2009 comemora-se o centenário de uma das grandes realizações da ciência brasileira: a descoberta, por Carlos Chagas (1878-1934), jovem pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, da doença que leva seu nome.

A tripanossomíase americana atinge, atualmente, cerca de 12 milhões de pessoas na América Latina e integra o grupo das chamadas ‘doenças tropicais negligenciadas’, intimamente relacionadas à pobreza neste continente. Apesar dos notáveis avanços na compreensão científica da doença, e nas ações voltadas a combatê-la, muito há ainda por fazer, alertam os especialistas, os governos dos países afetados e as agências internacionais.

Como em outros momentos comemorativos, as atenções se voltam para a história, na expectativa de reconstituição dos fatos e de melhor celebrar a efeméride. A pesquisa histórica, entretanto, vai muito além da celebração, ao buscar respostas para perguntas fundamentais: como seu deu este ‘feito único’ da medicina nacional? Quais foram as circunstâncias sob as quais ele se viabilizou? Qual foi o seu impacto no Brasil e no exterior? Por que depois de tantos anos a doença permanece um problema importante de saúde pública? Os historiadores, municiados com os documentos de época e com as questões e metodologias próprias à disciplina, debruçam-se sobre o tema, em diálogo com os pesquisadores da área biomédica e de saúde.

O centenário desta descoberta traz à reflexão o longo caminho pelo qual a ciência brasileira – mais especificamente a ciência médica do início do século XX, impulsionada pelas ‘conquistas’ da microbiologia e da medicina tropical – instituiu-se como atividade social legítima, com espaços institucionais próprios, reconhecida pela sociedade como importante para identificar e solucionar os problemas da tão sonhada ‘civilização brasileira nos trópicos’.

A perspectiva de associar as reflexões sobre a descoberta de Carlos Chagas como emblema de uma ciência a serviço da saúde e da modernização levou-nos a situá-la, neste número comemorativo, no contexto histórico-social mais amplo que lhe deu sentido como fato histórico e símbolo nacional. Trata-se do debate sobre os ‘males’ deste país que, apesar da confiança no progresso materializado em sua capital da Belle Époque, constituía-se, em seus desconhecidos ‘sertões’, como um ‘imenso hospital’. A célebre expressão de Miguel Pereira, proferida em outubro de 1916, sintetizou discussão vigente no meio médico brasileiro desde a descoberta, no sertão mineiro de Lassance, de que ali grassava um importante ‘flagelo’ do interior do país. Essa discussão ecoaria por muitas décadas com a repercussão da campanha pelo saneamento rural.

O chamado movimento sanitarista da Primeira República constituiu um marco no processo de construção do Estado-Nação no Brasil. A produção historiográfica que o tomou como objeto contribuiu fortemente para a institucionalização da Casa de Oswaldo Cruz e do próprio campo de pesquisa em história da ciência e da saúde no Brasil. Tal produção vem sendo continuada, por meio de novas perspectivas de análise sobre a relação entre ciência, saúde e sociedade, em distintos momentos históricos.

Reunimos, neste número, textos que abordam a descoberta e as pesquisas sobre a doença de Chagas no Brasil e no exterior – alguns deles apresentados na mesa-redonda que a Casa de Oswaldo Cruz organizou (mediante comitê composto por Simone Kropf, Nara Azevedo, Nísia Trindade Lima e Magali Romero Sá) no âmbito do Simpósio Internacional do Centenário da Descoberta da Doença de Chagas (http: / / www.chagas2009.com.br), promovido pela Fiocruz – e trabalhos relacionados ao debate mais geral em torno das idéias e propostas para o saneamento do Brasil. Cabe lembrar que em 2009 também celebramos os 90 anos de importante reforma no aparato sanitário federal do país. Em dezembro de 1919 foi aprovada a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, do qual Chagas foi o primeiro diretor, numa forte evidência do entrecruzamento entre ciência, saúde e política. A metáfora do ‘imenso hospital’ produziu, e continuaria a produzir, não apenas imagens do país, mas ações, políticas e instituições.

Além de artigos escritos por historiadores, o número conta com textos de importantes médicos que atuaram na pesquisa sobre a doença de Chagas: o de Joffre Rezende, na seção artigos; e o depoimento de Francisco Laranja, concedido em 1986, e que integra o acervo de história oral da Casa de Oswaldo Cruz. Enriquecido pela análise de fontes iconográficas relacionadas aos temas da descoberta e do saneamento, o número traz ainda o documento-chave para a criação da imagem do Brasil como ‘imenso hospital’: o discurso de Miguel Pereira. Muito citado, mas pouco acessível aos leitores, esse texto está agora reproduzido na íntegra e analisado em seus múltiplos sentidos.

Convidamos o leitor a nos acompanhar nos caminhos desta história, que, por sua vez, nos leva não apenas a conhecer o passado, mas a refletir sobre os novos desafios e o muito que há por ser feito nos campos da ciência e da saúde.

Simone Petraglia Kropf

Dominichi Miranda de Sá


KROPF, Simone Petraglia; SÁ, Dominichi Miranda de. Cartas das editoras. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, supl.1, jul., 2009. Acessar publicação original  [DR]

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Transmission of Science and Scientific Legacy: Europe and Latin America / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2008

Este número da revista é um verdadeiro caleidoscópio! Nele estão representadas quase todas as facetas do poliédrico e cambiante campo de conhecimento que resulta da intercessão da história com outras ciências e a saúde. Examinemos primeiro as páginas destinadas aos trabalhos que afluem espontaneamente à editoria.

O biofísico Darcy Fontoura de Almeida analisa as razões que levaram Carlos Chagas Filho a se afastar da linha de pesquisa do pai e do irmão, em patologia tropical, para se dedicar à físico-química dos processos vitais, e não no instituto que Carlos Chagas pai dirigiu por longo tempo, mas no âmbito da universidade, num momento em que ela começava a se tornar pólo importante na pesquisa científica.

Ariadne Chloë Furnival e Sônia Maria Pinheiro, cientistas da informação, estudam a percepção pública dos riscos dos transgênicos na cadeia alimentar, sobretudo quanto à saúde e ao meio ambiente, pondo em evidência também a exclusão do público dos processos decisórios. Gabriela Marques Di Giulio, Newton Müller Pereira e Bernardino Ribeiro de Figueiredo, pesquisadores ligados à área ambiental e às geociências, analisam a influência da mídia na construção social do risco, a partir das percepções e atitudes de moradores de uma cidade paranaense exposta a grave contaminação por chumbo. Os autores observam como as respostas àquela situação de risco envolvem interações de processos psicológicos, sociais, institucionais e culturais.

Virginia Bentes Pinto, outra profissional ligada às ciências da informação, apresenta reflexões sobre os modelos de tratamento e organização de imagens tendo em mira as possibilidades de recuperação de informações e sua aplicação no campo da saúde.

Carolina Biernat e Karina Ramacciotti, estudiosas de questões relativas a Estado e sociedade, analisam a organização da tutela estatal de mães e filhos na Argentina, no período entreguerras e depois, sob o peronismo. Mostram os projetos propostos para reduzir a mortalidade infantil, os quadros técnicos recrutados para implementá-los e as limitações que tolheram as políticas e seus agentes.

Os leitores de História, Ciências, Saúde – Manguinhos estão cientes da importância que tem, entre suas vertentes temáticas, aquela dedicada às disciplinas e instituições que lidam com as doenças mentais. O antropólogo Luís Quintais brinda-os com estudo muito original sobre a psiquiatria portuguesa na transição do século XIX para o XX, tomando o conceito de degeneração como fio condutor das experiências então descritas como ameaças a certa concepção de ordem social e política.

O suicídio de escravos nas últimas décadas da escravidão é o tema do artigo dos médicos Saulo Veiga Oliveira e Ana Maria Galdini Raimundo Oda, que se baseiam sobretudo em matérias publicadas na Gazeta de Campinas (1871-1887).

O historiador Alarcon Agra do Ó, que já publicou belo artigo nesta revista sobre Thomas Lindley (v.11, n.1), aborda desta vez as contribuições do sociólogo Norbert Elias para a compreensão da experiência contemporânea da velhice, relacionando-a à própria invenção da modernidade.

A presente edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos contém duas Notas de Pesquisa. Nelson Senra, autor de obra fundamental recém-publicada sobre a história das estatísticas no Brasil, apresenta inventário muito útil de temas e fontes aos interessados em imergir nessa área ainda pouco explorada da história das ciências e da saúde no Brasil. Já o trabalho da entomologista Jane Costa e co-autores diz respeito à Coleção Entomológica do Instituto Oswaldo Cruz, uma das mais ricas e antigas da América Latina, seriamente danificada durante o chamado Massacre de Manguinhos, um dos tristes episódios protagonizados pela ditadura militar brasileira.

A segunda parte da revista traz o dossiê Transmisión y Herencia Científica: Europa y América Latina, organizado pela historiadora mexicana Sonia Lozano. São sete estudos escritos por historiadores, psicólogos, sociólogos e especialistas em ciências químicas e biológicas, originalmente apresentados num simpósio realizado em 2005, em Castellón, no âmbito do 14º Congreso de Asociación de Historiadores Latinoamericanistas Europeos (AHILAE) e do 52º Congreso Internacional de Americanistas, que teve lugar no ano seguinte, em Sevilla.

Jaime Benchimol – Editor


BENCHIMOL, Jaime. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15, n.2, abr. / jun., 2008.Acessar publicação original [DR]

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Persuasion and Domination: Medicine and the Public in Spain (19th and 20th Centuries)  / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2006

Neste número de História, Ciências, Saúde — Manguinhos, temos dois acontecimentos importantes para celebrar com nossos leitores e colaboradores. O primeiro é que a revista, agora, é indexada no PubMed-Medline, complexo de bases de dados mais utilizado em todo o mundo por profissionais das áreas de saúde e medicina.

Em meados dos anos 1960, serviços bibliográficos, técnicos e científicos começaram a ser informatizados. Com a popularização da Internet, nos anos 1990, as informações passaram a ser disponibilizadas em redes eletrônicas de abrangência internacional. Um dos mais antigos serviços dessa natureza são os Zoological Record, cuja existência remonta a 1864. Sob a responsabilidade do British Museum of Natural History e da Zoological Society of London, hoje estão acessíveis em http://www.ovid.com/site/catalog/DataBase/200.jsp.

O PubMed-Medline, serviço oferecido pela U.S. National Library of Medicine (http://www.nlm.nih.gov/), reúne cerca de quarenta bases de dados e contabiliza mais de um milhão de acessos diários. Segundo página produzida por uma universidade de Indiana, a Purdue University, aliás excelente guia para quem quiser navegar no Pubmed (visite http://www.idi.ntnu.no/emner/tdt46/docsIntroduction%20to%20PubMed2.pdf e consulte também Guide for Finding History of Medicine or Older Medical Articles in PubMed http://info.med.yale.edu/library/historical/Pub Medguide.html), sua existência remonta aos esforços feitos pelo soldado John Shaw Billings, veterano da Guerra de Secessão nos Estados Unidos, para organizar a biblioteca do Surgeon General, a autoridade suprema dos serviços médicos do exército daquele país. As fichas de papel produzidas por Billings logo se transformaram em listas que começaram a ser publicadas, surgindo, então, em 1879, o Index Medicus.

Em meados da década de 1960, com o advento dos computadores, transformou-se no Medical Literature and Retrieval System ou, simplesmente, Medlars, o qual passou se chamar Medlars Online ou Medline ao ser disponibilizado na Internet (www.ncbi.nlm.nih.gov).

Em 1997, o acesso ao Medline tornou-se gratuito. São cerca de nove milhões de referências bibliográficas retiradas de quatro mil e quinhentos periódicos, a partir de 1966. A despeito de abranger publicações de mais de setenta países, 80% dos artigos são escritos em inglês, ou seja, ficam fora milhares de revistas escritas em outros idiomas, de países com menor tradição em pesquisa.

Justamente para modificar esta correlação de forças surgiu, em 1997, a Scielo (Scientific Electronic Library Online), bem-sucedido projeto bancado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O portal de periódicos científicos dispõe de uma coleção de títulos do Brasil, de vários países da América Latina, além de periódicos da Espanha e da Organização Pan-Americana de Saúde. (http://www.scielo.org).

O ingresso de História, Ciências, Saúde – Manguinhos na Scielo, em 2000, representou um divisor de águas em sua história. Entre os muitos benefícios proporcionados pela inserção na Scielo destacamos, agora, a indexação de nosso periódico no PubMed-Medline, que remete seus usuários diretamente aos textos disponibilizados na biblio-teca eletrônica latino-americana. Se quiserem conferir, anotem e sigam este endereço enorme: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=PubMed&term=”Hist+ Cienc+Saude+Manguinhos”[Journal:__jrid23004.

A admissão de Manguinhos no PubMed-Medline deveu-se, também, ao apoio de Elizabeth Fee, autora de estudos fundamentais em história da saúde, responsável por esta área na U.S. National Library of Medicine. Em abril, Fee proferiu a aula inaugural de 2006 do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, abordando o tema “A Organização Mundial de Saúde e a AIDS: o que podemos aprender com a história?”. Na ocasião, concedeu-nos interessante entrevista que será publicada em nosso próximo número.

O PubMed (http://www.pubmedcentral.nih.gov/) inclui cerca de 16 milhões de citações do MEDLINE e de periódicos relacionados às ciências da vida, compiladas desde os anos 1950. A princípio, era quase um espelho das informações encontradas no Medline, mas depois que acolheu as bases de dados construídas pelo National Institutes of Health’s Human Genome Project, tornou-se o integrador dos hipertextos e registros construídos a seu redor, na coleção de bases de dados bio-informáticas que cresce exponencialmente.

De 1951 aos dias de hoje, o PubMed inclui todos os artigos históricos indexados no MEDLINE, a base de dados na literatura médica corrente, assim como artigos publicados em periódicos de história não cobertos por este indexador mais antigo. Os dados relativos ao período 1951-1965 foram incluídos recentemente, e como os registros são dessemelhantes daqueles relativos ao período posterior a 1966, convém variar as estratégias de pesquisa. Além de conhecer o PubMed não deixe de visitar os sites da History of Science, Technology and Medicine (http://echo.gmu.edu/index.php) ou da Base HISA (Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe) que também incluem livros, capítulos de livros ou dissertações (http://www.coc.fiocruz.br/areas/dad/hisa/).

Como mostrou Ruth B. Martins em dissertação de mestrado Do papel ao digital: a trajetória de duas revistas científicas brasileiras [Curso de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), Rio de Janeiro, 2003], cuja leitura recomendo a quem queira conhecer este complexo universo de bibliotecas e indexadores virtuais, a entrada no Medline foi um marco muito importante para os periódicos nele admitidos, como nosso irmão mais velho, os Cadernos de Saúde Pública. Novos colaboradores e leitores passaram a ver a revista com outros olhos desde que ela apareceu na base que mais valorizavam; foi estimulada a se abrir para novos temas, o que, por sua vez, redundou na aquisição de universo mais amplo de leitores e colaboradores. Oxalá isso venha a acontecer conosco.

O segundo acontecimento importante que desejamos celebrar com você, leitor, tem relação com este limiar que História, Ciências, Saúde — Manguinhos acaba de transpor. Como comunicamos na edição passada, seus editores escolheram, dentre os artigos publicados nos dois últimos volumes, aqueles que serão vertidos para o inglês com recursos fornecidos pelo CNPq para fortalecer periódicos científicos brasileiros divulgados por meio eletrônico, em modo de acesso aberto.

Foram escolhidos “A reforma médica no Brasil e nos Estados Unidos”, de Flavio Coelho Edler e Amy Kemp (v. 11, n. 3, set. dez. 2004); “Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos”, de Tânia Salgado Pimenta (v 11, sup. 1, 2004); “Revisitando a Espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro”, de Adriana da Costa Goulart (v. 12 , n. 1, jan.-abril 2005); “Brincos de ouro, saias de chita: mulher e civilização na Amazônia segundo Elizabeth Agassiz em Viagem ao Brasil (1865-1866)”, de Fabiane Vinente dos Santos (v 12, n 1, jan.-abril 2005); “Antropologia, raça e os dilemas das identidades na era da genômica”, de Ricardo Ventura e Marcos Chor Maio (v. 12, n. 2, maio-ago. 2005), e, finalmente, “Globalização e ambientalismo: etnicidades polifônicas na Amazônia”, de Luiza Garnelo e Sully Sampaio (v. 12, n. 3, set- dez. 2005). Em breve as novas versões desses artigos estarão na SciELO.

Termino reiterando o convite a todo autor cujo trabalho tenha sido aprovado para publicação nesta revista: submeta, também, versão em inglês pois, através da Scielo e com a ajuda desta poderosa alavanca, o PubMed-Medline, ele certamente correrá mundo.

Jaime Larry Benchimol – Editor.


BENCHIMOL, Jaime Larry. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.13, n.2, abr./jun.2006. Acessar publicação original desta apresentação [DR].

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Baniwa / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2007

A idéia do presente suplemento de História, Ciências, Saúde — Manguinhos surgiu durante o Seminário “Saúde, Meio Ambiente e Cultura: 100 anos de Oswaldo Cruz na Amazônia”, realizado em outubro de 2005 no Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane, unidade da Fiocruz em Manaus.

O título do seminário alude às viagens de inspeção dos portos marítimos e fluviais do Brasil realizadas por Oswaldo Cruz em 1905-1906. Diretor-geral de Saúde Pública, visitou então, entre outras localidades, Belém, Santarém, Óbidos, Parintins, Manaus e a Ilha de Tatuoca. O objetivo do encontro realizado na capital amazonense, um século depois, foi rever parceiros e atualizar as discussões que instigaram as pesquisas e gravações para os projetos “Revisitando a Amazônia de Carlos Chagas: da borracha à biodiversidade (1991-1997)” e “Oswaldo Cruz na Amazônia (1999-2002)”.

Realizados pelo Setor de Imagem em Movimento do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, os vídeodocumentários Chagas na Amazônia (1991), Chagas nos rios Negro e Branco (1994), Chagas no Acre e Purus (1997) e Oswaldo Cruz na Amazônia (2002) refazem as mencionadas viagens, reexaminando questões relativas às condições sanitárias da região Amazônica.

O artigo de Júlio César Schweickardt e Nísia Trindade Lima mostra a relevância do estudo dos relatórios das expedições científicas de Carlos Chagas e Oswaldo Cruz (1910-1913), uma vez que ajudaram a construir representações de longa duração no pensamento científico e na história das idéias sobre a região amazônica.

Em 1991, quando era reitor da Universidade Federal do Amazonas, o médico e professor Marcus Barros participou do primeiro documentário realizado nos rios Juruá e Solimões, iniciando-se aí uma amizade com os pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz, que se traduz em apoio a novas pesquisas na região. Na entrevista publicada neste número, Barros fala sobre sua trajetória como médico e político, marcada pelo engajamento em lutas em prol do desenvolvimento sustentável da região, com melhoria das condições de vida e saúde das populações.

Em 2005, quando era o presidente do Ibama, Marcus Barros foi um dos mentores da idéia de outorgar ao pajé Tukano Gabriel Gentil o título honorífico de pesquisador da Fiocruz no campo do conhecimento tradicional. Este gesto legitimou parcerias na luta pelo reconhecimento dos saberes tradicionais dos índios e fortaleceu o diálogo entre as comunidades indígenas e a científica. O texto de Séribhi — nome tukano de Gabriel Gabriel —, com apresentação de Ana Carla Bruno, é uma narrativa mitológica que diz respeito às relações intertribais dos povos Aruak, na região do rio Negro, relações sujeitas a conflitos e mudanças. Durante a palestra que fez no seminário de outubro de 2005, Gentil, paramentado com seu colar de quartzo branco, explicou com palavras e gestos como o pajé se transmuta em onça para exercer seus poderes de cura.

A atuação do pajé-onça ganhou novos sentidos com a palestra do filósofo paraense Benedito Nunes sobre o animal e o primitivo, dois entes à margem de nossa cultura greco-latina. Nos tempos mitológicos, animal e homem estavam unidos. Desde que os deuses antigos foram demonizados pelo cristianismo, passamos a ver o animal que habita o homem como estranho, como algo que simboliza o que ele tem de mais baixo e rude. O segundo ‘outro’ de nossa cultura, o índio, chegou a gerar uma questão teológica: teria aquele primitivo alma, seria humano? Benedito Nunes invoca, então, Tristes trópicos de Levi-Strauss: deveríamos admitir dois modos de ciência complementares: um mais próximo do real, e que o alcança por intermédio da imaginação, e outro, um pouco mais distante, que faz uso de conceitos abstratos.

O artigo da médica e doutora em antroplogia Luiza Garnelo, sobre mitos e ritos alimentares dos Baniwa, analisa como esta rica tradição influencia as dimensões política, ética e prática da vida social e orienta a sobrevivência do grupo. Para os Baniwa, como para outras sociedades indígenas sul-americanas, haveria uma unidade de espírito entre humanos e animais. No cotidiano Baniwa, a pesca, o preparo do peixe e seu consumo têm características rituais que expressam conexões entre a vida humana e a ordem cósmica. Os alimentos, se preparados fora das regras rituais, ficam contaminados com os poderes agressivos dos espíritos-animais, podendo gerar transtornos digestivos e outros.

As transformações históricas ameaçam o modo de vida da sociedade Baniwa. A partir da década de 1980, o projeto colonizador na região do Alto Rio Negro foi revitalizado pela política de ocupação das fronteiras (projeto Calha Norte/SIPAM) e por outras iniciativas do Estado e da sociedade brasileira. Paralelamente, a demarcação das terras indígenas do Alto rio Negro, com mais de 10,6 milhões de hectares (1997-1998), e o fortalecimento do movimento indígena local ganharam terreno na preservação dos conhecimentos tradicionais. “A base do conhecimento são nossas terras, são florestas, animais e minerais, além da parte espiritual sobre cada uma delas”, diz André Fernando, liderança indígena Baniwa no trabalho intitulado O mundo e o conhecimento sustentável indígena.

Não só os Baniwa, mas outras 22 etnias, cuja principal organização é a Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), vêm desenvolvendo sua capacidade de negociação com o mundo globalizado e enfrentam contradições para implantar novos projetos destinados a proteger conhecimentos tradicionais, inclusive no âmbito do Conselho Nacional de Patrimônio Genético.

As contradições do modo de ser contemporâneo dos Baniwa são abordadas em dois outros textos relacionados ao documentário Koame wemakaa pandza , kome watapetaaka kaawa [Baniwa uma história de plantas e curas], que oferecemos aos leitores como brinde nessa edição da revista: Caminhos para um roteiro foi escrito pela autora do documentário e o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marco Antonio Gonçalves, assina a resenha intitulada As plantas que curam e as ‘qualidades do ser’ sobre ontologia e alteridade ameríndia.

A história oral é utilizada em dois artigos. Jane Felipe Beltrão compara as epidemias de cólera ocorridas no Pará nos séculos XIX e XX, usando, entre outras fontes, memórias de coléricos e seus familiares. Conclui que há repetição de tragédias, que as condições de vida dos pobres permanecem péssimas. No século XIX, os registros feitos pelos profissionais de saúde são detalhados. O mesmo não ocorre na epidemia de 1991. Para a autora, esta diferença é constitutiva da análise histórica.

Em artigo sobre os caboclos do rio Negro, Fernando Dumas também tira proveito de depoimentos de descendentes das múltiplas etnias do lugar, de portugueses e migrantes nordestinos. O autor mostra como se transformaram os saberes que formam as tradições populares. Resgata, assim, uma história que parecia perdida, uma memória oculta pela aparente estagnação do processo cultural dos indivíduos procedentes do extrativismo.

Por sua vez, Ana Daou analisa os interesses e as expectativas da elite letrada presentes na representação pictórica da paisagem amazônica. A autora vê na decoração do salão nobre do Teatro Amazonas uma dimensão propagandística da natureza local, com a clara intenção de neutralizar os aspectos e efeitos negativos associados a ela por outros discursos. Os painéis apresentam uma Amazônia rica em flora e fauna, mas idealizada, amena, distanciada das febres, das populações indígenas e dos trabalhadores urbanos.

Kelerson Semerene Costa analisa a obra escrita pelo padre João Daniel no Estado do Maranhão e Grão-Pará, entre 1741 e 1757. Em Tesouro descoberto no rio Amazonas, o missionário jesuíta, desterrado para Lisboa dois anos antes do banimento da Companhia de Jesus da América portuguesa, apresenta um projeto para a colonização, crítico ao modelo então em vigor, em que enfatiza a questão do trabalho.

Com base em jornais editados em Manaus, entre 1895 e 1915, Fabiane Vinente dos Santos relaciona o projeto de civilização das elites locais à preocupação caracteristicamente moderna com o corpo e a sexualidade da mulher, em um contexto sócio-histórico de consolidação do pensamento científico e das tecnologias, que tinham no corpo seu objeto de intervenção.

Nas primeiras décadas do século XX, intelectuais e médicos apontaram insistentemente a malária como o grande obstáculo ao desenvolvimento da Amazônia e a sua integração ao país. Após o golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, a Amazônia ganhou relevância para o governo Vargas. O presidente da República inclusive viajou à região. Nesse contexto político foi concebido o Plano de Saneamento da Amazônia (1940-1942), analisado por Rômulo de Paula Andrade e Gilberto Hochman.

A esse mesmo contexto histórico reportam-se Marcos Chor Maio e Rodrigo Cesar da Silva Magalhães ao analisarem o projeto do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA). A proposta da Unesco tem relação com as idéias sobre desenvolvimento em voga após a Segunda Guerra Mundial.

Há cem anos Oswaldo Cruz iniciou o estudo integrado da natureza e das condições de saúde das populações nativas e daquelas que migravam para a região amazônica atraídas pelos seringais ou por grandes empreendimentos como a Estrada de Ferro Madeira — Mamoré. Esta agenda continua atual. Devemos acrescentar a ela o desafio de integrar políticas para a melhoria da qualidade de vida das populações da floresta com políticas em prol do ambiente. É preciso conservar a natureza através da política para áreas protegidas e o respeito aos saberes tradicionais e direitos intelectuais dos povos da floresta.

Stella Oswaldo Cruz Penido– Editora convidada.


PENIDO, Stella Oswaldo Cruz. Carta do Editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.13, n.2, abr./jun., 2006. Acessar publicação original  [DR].

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Pestilências e curas da medicina quinhentista  / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2005

Na capa desta edição de História, Ciências, Saúde — Manguinhos depara o leitor com a imagem de um homem, médico ou clérigo de um burgo medieval que se dirige a um prédio, em cujos degraus jaz uma criança enfaixada, e onde uma vela arde sobre um altar. É parte da ilustração de um manuscrito anônimo impresso em Portugal no começo do século XVI: curador e doente encontram-se aí não apenas à luz da chama que simboliza o poder espiritual da igreja católica, como à sombra do poder secular representado pelas armas reais e por um castelo, ao fundo. Manuscrito em latim ibérico tardio, este documento anônimo explicava como fazer curativos com bálsamo e como proceder com feridas internas. Outro fruto de releituras medievais de textos médicos gregos e romanos reintroduzidos na Europa por autores árabes é o Regimento proveitoso contra a pestenença, que teve versões em latim, francês, inglês e português. Os dois textos constituíam a biblioteca médica disponível em Portugal no começo do século XVI, por obra de impressores estrangeiros que davam início à produção de incunábulos naquela parte da Península Ibérica.

Maria Carlota Rosa, filóloga e lingüista; Ana Thereza Basílio Vieira, Henrique Cairus e Edwaldo Cafezeiro, professores de letras clássicas; a médica-historiadora Diana Maul de Carvalho, os historiadores Jorge Prata de Sousa e Ricardo da Costa, Mariângela Menezes, doutora em ciências biológicas e Dante Martins Teixeira, doutor em zoologia brindam os leitores de Manguinhos com um trabalho extraordinário com respeito a esses documentos: são apresentados em fac-símile e em português atual, reproduzindo-se o primeiro em português arcaico mas com caracteres tipográficos modernos. Complementam a incursão pela medicina quinhentista dois artigos que colocam em perspectiva histórica o Regimento proueytoso contra ha pestenença e o Modus curandi cum balsamo, assim como um erudito glossário, de grande valia como ferramenta para a leitura de outros textos da época.

Na seção Análise, em contraponto com os documentos impressos em Portugal à época das grandes navegações, a medicina luso-brasileira setecentista mostra-se na trajetória de uma cria exemplar dela, o médico José Pinto de Azeredo, que realizou estudos superiores em Edimburgo e Leiden, praticando, em seguida, em Angola, no Rio de Janeiro, sua cidade natal, e em Lisboa, onde faleceu em 1810. O trabalho é fruto da colaboração entre dois pesquisadores da Universidade de Aveiro, Manuel Serrano Pinto e Isabel Maria Malaquias; de João Rui Pita, da Universidade de Coimbra; e dois brasileiros — Marco Antonio G. Cecchini e Lycia Maria Moreira-Nordemann, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais, respectivamente. Em 1790, José Pinto de Azeredo publicou estudo inédito sobre a composição e a salubridade do ar do Rio de Janeiro. Além de analisá-lo, os autores do presente artigo apresentam versão fac-similar desse estudo, relevante tanto para a história da medicina e da química, como para a promissora vertente historiográfica que toma como seu objeto o meio ambiente.

Neste número da revista, a área “psi” é representada por três trabalhos. A antropóloga Cristina Sacristán, do Instituto Mora, analisa os esforços envidados por psiquiatras e outros atores, por volta dos anos 1930, para se contraporem à massificação que transformou La Castañeda, principal manicômio da cidade do México, num depósito de doentes incompatível com a racionalidade de um espaço terapêutico e com a legitimidade da psiquiatria como ciência. Por sua vez, Alexander Jabert, doutorando da Casa de Oswaldo Cruz, estuda as formas de administração da loucura durante nossa Primeira República, mas no Espírito Santo, território até hoje inexplorado pelos autores que vêm se dedicando ao estudo das articulações entre loucura, sociedade e medicina, com foco, principalmente, no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.

Na seção Fontes, Ana Maria Galdini Raimundo Oda e Paulo Dalgalarrondo, da Universidade Estadual de Campinas, ajudam a dissolver este ‘Sudeste-centrismo’ ao apresentarem os resultados de pesquisa sobre a história de instituições para alienados criadas durante o Segundo Reinado, entre 1846 e 1889, em cinco províncias brasileiras: São Paulo, Rio Grande do Sul, Maranhão, Pernambuco e Pará.

Benjamim Gomes, da Universidade de Pernambuco, e Rita Barradas Barata, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, abordam, por ângulos diferentes, o atualíssimo problema das relações entre ética e medicina. Com base em textos escritos por Foucault, Gomes mostra como ele parte de uma concepção de poder sobre os outros em direção a uma concepção de poder que transcorre no espaço da antiga moral grega — o indivíduo em relação consigo mesmo — legando-nos, assim, com esta demarche a um só tempo histórica e filosófica, uma interpretação ético-humanística da medicina. Uma das faces do desencantamento com o mundo contemporâneo são os questionamentos sobre a ética das pesquisas em seres humanos. Rita Barradas Barata mostra que, em sua prática cotidiana, os profissionais e pesquisadores da saúde se vêem, constantemente, em situações que exigem discernimento de caráter ético, mas sem dispor de regras infalíveis para fazer frente a elas. Segundo a autora, só uma consciência crítica, reiterada cotidianamente, lhes possibilita desempenhar suas funções dentro de um marco ético.

A seção Análise encerra-se com bela análise de Luiza Garnelo e Sully Sampaio, da Universidade Federal do Amazonas, sobre as contradições da globalização na Amazônia. De um lado, redunda na instalação de base produtiva massificada, de outro, favorece a valorização das diferenças culturais e as alianças entre líderes indígenas, ambientalistas e outros atores trans-mundiais. As lideranças etnopolíticas se vêem às voltas com uma duplicidade: têm sua identidade diluída na condição genérica de ‘índio em luta’, e, ao mesmo tempo, reafirmam as diferenças étnicas frente à sociedade nacional e mundial. Mostram os autores que, a despeito destas contradições, o movimento indígena representa um avanço em relação a outros grupos subalternos amazônicos, que não possuem estratégias consistentes de negociação com os poderes mundiais.

Dois trabalhos compõem a seção Imagens. A historiadora Lina Rodrigues de Faria revela a atuação de Geraldo Paula-Souza à frente do Instituto de Higiene, que deu origem à atual Faculdade de Saúde Pública da USP, através de documentação fotográfica utilizada na gestão do sanitarista de São Paulo. Por seu turno, o cirurgião cardiovascular Paulo R. Prates examina a simbologia associada ao coração. Antes de ser descoberta a sua função de bombear o sangue, representava a vida, a coragem e a razão, associações que o autor atribui à semelhança formal do órgão com a folha de hera, que, na Antiguidade, simbolizava imortalidade e poder.

A seção Nota de Pesquisa é ocupada por dois estudiosos do meio ambiente. José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond analisam o pensamento de Armando Magalhães Corrêa, autor de O sertão carioca (1936), integrante de uma geração pioneira de conservacionistas brasileiros que defendeu a melhora das condições de vida no interior do país. Corrêa uniu argumentos políticos, científicos, estéticos e sociais para defender a preservação da natureza, identificando-a com a construção de uma nação forte e moderna.

As seções Livros & Redes e Teses fecham a edição afinadas, com resenhas de seis livros publicados recentemente e resumos de meia dúzia de dissertações de mestrado e teses de doutoramento recém-defendidas.

Desejamos boas festas a todos. Voltaremos a nos encontrar em 2006, e fazemos votos para que sejam devolvidas, então, as esperanças indignamente seqüestradas ao povo brasileiro ao longo deste ano.

Jaime L. Benchimol – Editor


BENCHIMOL, Jaime Larry. Carta do Editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.12, n.3, set./dez. 2005. Acessar publicação original [DR].

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Gripe espanhola no Brasil / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2004

Não sei se para os leitores da revista é assim, mas, para este editor, ler jornal todo dia tem se tornado um hábito cada vez mais sinistro: entre um gole e outro de café, absorvo os relatos de crimes, corrupções e hipocrisias misturados ao farfalhar de celebridades efêmeras e enfadonhas; a xícara às vezes queda suspensa no ar enquanto fito atônito as cenas de desastres arrepiantes. E quando adentro o dia ensolarado e o céu azul anil de Santa Teresa, para tomar o rumo do trabalho, o faço com as pupilas contraídas por este banho maravilhoso de luz e o coração oprimido por saber quão frágil é o sentimento de ‘normalidade’ com que encaramos o dia-a-dia.

Ele pode ser espatifado, quando menos se espera, por eventos que repercutem dramaticamente em nossas vidas pessoais ou no destino das coletividades. Foi o que aconteceu em fins de 1918, quando a epidemia de influenza varreu o continente europeu, acrescentando mais cadáveres à carnificina da Primeira Guerra Mundial, para em seguida matar milhares de pessoas em outros continentes.

Nesta edição de História, Ciências, Saúde — Manguinhos, o leitor encontrará três artigos dedicados ao impacto dessa pandemia no Brasil, mais especificamente na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Considerando a pouca atenção que foi dada à ‘espanhola’ em nossa historiografia, em comparação com outros temas, não exagero ao dizer que estes artigos representam contribuição substancial ao conhecimento de uma questão que permanece muito atual.

Não pensem que estou a apregoar isso para vender o nosso ‘peixe’. Imagino que não tenham passado despercebidas a vocês, leitores, as notícias que vêm se insinuando com preocupante freqüência ao lado daquelas que tratam de guerras e crimes, tsunamis e terremotos: “OMS diz que pandemia de gripe é iminente” — lê-se na edição de O Globo de 24 de fevereiro do corrente ano (p. 32); dia antes (1.2.2005, p. 28), éramos alertados para o fato de que o “vírus da Ásia é duas vezes mais letal que o da varíola”. O jornal atribuía a cientistas da Tailândia, dos Estados Unidos e da Organização Mundial de Saúde a advertência de que “precisamos adotar medidas preventivas enquanto a tempestade está se formando”.

À época em que preparávamos a presente edição de Manguinhos, o noticiário da imprensa era tomado pelas notícias sobre a crise da saúde no Rio de Janeiro, e entre um gole e outro de café desciam com dificuldade os relatos das infâmias perpetradas por todos aqueles que não hesitam em sacrificar vidas humanas a suas mesquinhas ambições políticas.

Vocês conseguem imaginar como repercutiria hoje, amanhã ou depois em nossa cidade uma outra ‘espanhola’? Será parecida com ela a ameaça que paira sobre nossas cabeças? Que precauções têm tomado as autoridade federais, estaduais e municipais, nos intervalos entre suas maníacas aparições na mídia? Torcem por mais uma crise que dê manchetes e derrube o adversário?

Tomados por estas inquietações, fomos procurar não um medalhão boquirroto, mas um destes abnegados quadros que, em silêncio, põem o melhor de seus cérebros e sentimentos a serviço das pessoas. Além de ser esclarecedora, a conversa com a virologista Marilda Mendonça Siqueira, do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo da Fundação Oswaldo Cruz, nos coloca no bom caminho: a necessidade de conhecermos melhor o passado, de refletirmos mais sobre o presente e de agirmos sobre ele com consciência, e a confortadora certeza de que há gente boa, decente, à sombra deste sinistro estardalhaço que nos obrigam a sorver cotidianamente.

Jaime Larry Benchimol
Editor


BENCHIMOL, Jaime Larry. Carta do Editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,  Rio de Janeiro, v.12, n.1, jan./abr. 2005.  Acessar publicação original [DR].

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4º Congresso Mundial de museus e centros de ciência  / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2005

Seis anos após a inauguração de um museu aberto ao público na Fiocruz, esta centenária instituição de pesquisa, produção e serviços na área da saúde abraça um novo repertório de problemas e ações. O Museu da Vida constrói paulatinamente um espaço legítimo de investigação no âmbito do qual são considerados objetos de estudo pertinentes à história das ciências não só os próprios museus como os processos educacionais, a comunicação e divulgação das ciências e ainda a apropriação social destes espaços culturais. Estes interesses levaram a Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, através do Museu da Vida, a organizar em abril de 2005 o IV Congresso Mundial de Centros de Ciência, primeiro em seu gênero a acontecer na América Latina.

O presente suplemento da Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos propõe ao leitor um conjunto de reflexões sobre os processos e produtos que, ao longo do tempo, urdiram relações entre diferentes museus e ciências diversas. Procuramos reunir um leque variado de abordagens nesta edição onde se fala ora sobre o museu, com certo distanciamento acadêmico, ora a partir desse espaço particular de produção de saber.

Diferentes disciplinas o interrogam. A sociologia e a história preocupam-se em saber como o museu participa da estruturação da dinâmica cultural e dos campos de conhecimento. Essas disciplinas querem também saber como variam os papéis e as ênfases atribuídos à pesquisa, à divulgação e ao ensino entre diferentes museus ou no interior de cada um; abordam, ainda, o modo pelo qual os contextos político-sociais e os desenvolvimentos endógenos às ciências interferem na criação de instituições dessa natureza, em suas transformações e permanências. Esta é a tônica das contribuições de Maria Margaret Lopes e Sandra Elena Murriello, Maria Alejandra Pupio, Irina Podgorny e Myrian Sepúlveda dos Santos.

As teorias da comunicação, a psicologia, as ciências da educação aproximam-se de seu objeto de estudo, o museu, por outras vias: a produção de saberes particulares que têm a ver com a reformulação dos conhecimentos expostos nestas instituições e a necessidade de melhor compreender a natureza da experiência que aí transcorre  a um só tempo social, cultural, cognitiva e epistemológica. Estas são as discussões propostas por John H. Falk e Martin Storksdieck, Lynn D. Dierking, Michel Van Praet, Daniel Jacobi, Jean Davallon, Adriana Mortara Almeida, Denise Coelho Studart, Dominique Colinvaux, Douglas Falcão e John Gilbert, Martha Marandino, Maria Esther Valente, Sibele Cazelli, Fátima Alves, Marília Xavier Cury, Thelma Lopes e Julia Tagüena. É notória, neste suplemento, a predominância de contribuições oriundas deste segundo grupo, que dão maior visibilidade às questões e conhecimentos compartilhados por profissionais que estão implicados na implementação ou avaliação de atividades e de espaços de visita no âmbito de museus.

Incluímos neste suplemento de História, Ciências Saúde – Manguinhos três textos encomendados pelos organizadores do IV Congresso Mundial de Centros de Ciência com a intenção de provocar debates entre os participantes do evento. Os textos já disponíveis em inglês e português no site do Congresso (http://www.museudavida.fiocruz.br/4scwc/) são de autoria de Ann Mintz, President of the Chester County Historical Society, Pennsylvania, USA; Jorge Wagensberg, Director of the Fundació “la Caixa” Museu de la Ciencia, Barcelona; e Ingit Mukhopadhyay, Director of National Council of Science Museums, Índia.

Finalmente, nesta edição da revista inauguramos a seção Museus e Ciências. A proposta é acolher falas que vêm de dentro dos museus: projetos, programas, resumos de atividades, relatórios comentados e ainda depoimentos de profissionais da área. Queremos oferecer como matéria para a análise dos leitores documentos sobre propostas museológicas, museográficas ou educativas relevantes. Espero que tirem bom proveito da presente edição: que ela enriqueça sua percepção das problemáticas que permeiam as relações dos museus com as ciências, a cultura e a sociedade.

Luciana Sepúlveda Köptcke – Editora convidada.


KÖPTCKE, Luciana Sepúlveda. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.12, supl.0, 2005. Acessar publicação original  [DR].

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Raça, genética, identidades e saúde / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2005

Este número de História, Ciências, Saúde — Manguinhos é um dos mais densos que já produzimos. Além dos artigos submetidos à publicação, contém um interessante dossiê, na verdade dois: um sobre raça e genômica, organizado pelo sociólogo Marcos Chor Maio e pelo antropólogo Ricardo Ventura Santos, e outro, que alojamos na seção Debate, orquestrado por Luisa Massarani, tendo por tema a ciência, a tecnologia e os diálogos com os cidadãos.

Relembro um fato recente, dos mais controvertidos, que não deve ter passado desapercebido aos leitores: em junho, a imprensa noticiou a liberação, pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, de um medicamento contra a insuficiência cardíaca (BiDil) para ser usado por negros, ou ‘afro-descendentes’. Na história da medicina e farmácia, é o primeiro destinado especificamente a uma raça, com base no pressuposto de que seus indivíduos têm quantidades menores de óxido nítrico no organismo (“EUA estudam liberar droga só para negros”, Jornal da Ciência, 14.6.2005; “EUA aprovam droga específica para negros”, O Globo, 25.6.2005).

No cerne do dossiê apresentado neste número de História, Ciências, Saúde – Manguinhos estão as supostas relações entre raça e saúde, cada vez mais debatidas mundo afora e Brasil adentro – veja-se, por exemplo, o programa do Seminário Internacional sobre Raça, Sexualidade e Saúde realizado no Rio de Janeiro, em novembro de 2004 (disponível em www.clam.org.br).

Em “Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira”, Sergio D. J. Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, demonstra que a reduzida variabilidade genética da espécie humana é incompatível com a existência de raças como entidades biológicas e, portanto, cor ou ancestralidade geográfica pouco ou nada contribuem para a prática médica. A anemia falciforme, doença hereditária com maior prevalência na população negra, é analisada tanto por Pena como por Peter H. Fry, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de “O significado da anemia falciforme no contexto da ‘política racial’ do governo brasileiro (1995-2004)”. Para o primeiro autor, esta e outras doenças supostamente ‘raciais’ são, na verdade, produtos de estratégias evolucionárias de populações expostas a agentes infecciosos específicos. Fry mostra que a anemia falciforme é objeto, no Brasil, de um discurso que conta com destacada participação de ativistas negros, e que constitui poderoso catalisador da naturalização da ‘raça negra’, em oposição à ‘raça branca’, num país que até recentemente se via como mestiço, biológica e culturalmente.

Josué Laguardia, médico epidemiologista, estuda a hipertensão arterial, outro caso em que se atribui papel causal tanto a fatores genéticos como à raça. O autor analisa os pressupostos que embasam os argumentos racializadores desta patologia, as hipóteses alternativas presentes na literatura científica e os aspectos éticos nela implicados.

A partir de pesquisa etnográfica com usuárias e profissionais envolvidos com as novas tecnologias reprodutivas, que permitem a procriação sem relação sexual, Naara Luna, antropóloga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, discute as concepções de natureza humana implicadas na biologização e genetização do parentesco.

Dois estudos abrangentes e complementares de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz encerram o dossiê deste número de Manguinhos. No primeiro, Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos analisam os debates motivados por estudos sobre o perfil genético da população brasileira, cuja interpretação mobiliza biólogos, sociólogos, movimentos sociais e outros atores. Além de mostrar as confluências entre antropologia, genética e sociedade no mundo atual, os autores examinam como o híbrido de novas tecnologias biológicas com velhas configurações ideológicas influencia as interpretações da realidade brasileira contemporânea. Em “Tempos de racialização”, Maio e Simone Monteiro detêm-se na ‘saúde da população negra’, campo de reflexão e intervenção política que se firmou entre 1996 e 2004: a postura ambivalente do governo Fernando Henrique Cardoso deu lugar, na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, à expansão das políticas compensatórias, inclusive no âmbito da saúde pública, inflexão que os autores relacionam à Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela ONU em Durban, África do Sul, em setembro de 2001.

Na seção Debate, a jornalista Luisa Massarani, do Centro de Estudos do Museu da Vida (Fiocruz), pôs, lado a lado, profissionais de grande competência a discutir a importância de se ampliar a participação do público não-especializado nas decisões concernentes a temas de ciência e tecnologia com impacto na sociedade. As experiências do Canadá, Chile, Reino Unido, – Argentina e Dinamarca – modelo internacional no tocante a mecanismos participativos nessa área – são dissecadas na entrevista com Lars Klüver, diretor do Conselho de Tecnologia da Dinamarca, e Edna F. Einsiedel, da University of Calgary, no Canadá, assim como nos textos de Tom Shakespeare, do Policy, Ethics and Life Sciences Research Institute; Alberto Pellegrini Filho, da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS); Ricardo Ferraro, da Universidad de Buenos Aires, Adriana J. Bacciadonne, do International Doorway to Education & Athletics e, ainda, Alberto Díaz, da Universidad Nacional de Quilmes (Argentina).

Outros materiais enfeixados neste número de História, Ciências, Saúde — Manguinhos chegaram a nós de forma espontânea, formando, naturalmente, um leque mais díspar de temas. Sergio Alarcon, da Secretaria Estadual de Ação Social do Rio de Janeiro, identifica distintas linhagens teóricas e práticas no âmbito da reforma psiquiátrica, e propõe um debate sobre as mudanças de estratégia para evitar que sofra retrocessos. Ricardo Waizbort, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz, analisa dois novos campos de conhecimento que integram ciências biológicas e sociais: a psicologia evolutiva procura compreender a mente humana como produto de processos biológicos e evolutivos, e a ainda incipiente memética trata as informações culturais e as tradições como complexos de idéias que usam os cérebros humanos para se reproduzir. Rita de Cássia Ramos Louzada, da Universidade Federal do Espírito Santo, e João Ferreira da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, investigam a relação entre pós-graduação e trabalho através de observação participante e relatos de doutorandos de um curso de excelência na área de ciências da saúde. Por fim, Marcos Henrique Fernandes, Vera Maria da Rocha e Djanira Brasilino de Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, investigam a concepção dos docentes do ensino fundamental sobre a saúde do escolar, bem como a formação desses profissionais no que se refere a esta temática.

As seções Fontes e Imagens reúnem materiais que se complementam: de um lado, o renomado “Chernoviz” e outros manuais de medicina popular no Império, trabalho de Maria Regina Cotrim Guimarães, da Universidade Federal Fluminense; de outro, Theodoro Peckolt, naturalista e farmacêutico alemão que deu contribuições decisivas para o desenvolvimento da fitoquímica no Brasil, como mostra o cuidadoso levantamento elaborado por Nadja Paraense dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Além de diversas resenhas de livros que certamente despertam o seu interesse, este número da revista traz ainda duas Notas de Pesquisa, o que nos alegra muito, porque essa é uma seção subutilizada, não obstante seu potencial como indutora ou valorizadora de projetos de pesquisa em andamento. Amílcar Davyt, Bernardo Borkenztain, Fernando Ferreira e Patrick Moyna, da Universidad de la República de Uruguay, nos falam sobre o desenvolvimento da química naquele país, a partir de um quadro de grande projeção neste campo do conhecimento, Giovanni Battista Marini Bettolo. Daniela Barros mostra como surgiram os estudos sobre imagem corporal e analisa as implicações fisiológicas e sociais desse conceito.

— “Raios me partam! Dentro em pouco vão me faltar forças para erguer tão polpudos volumes” — diz o leitor, de si para si. Eu próprio reconheço que me vejo em apuros para fazer caber tanta matéria na carta de editor, que já está longa demais.

Tranqüilize-se, leitor amigo. A partir de 2006, História, Ciências, Saúde — Manguinhos será trimestral e, assim, recuperará a elegância de formas que tinha à época em que as colaborações eram mais escassas.

Jaime L. Benchimol – Editor.


BENCHIMOL, Jaime Larry. Carta do Editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.12, n.1, jan./abr, 2005. Acessar publicação original [DR].

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Darwinismo / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2001

Estamos chegando ao fim de mais um ano laborioso, e as bagas de suor que escorrem pela face do editor e de seus colaboradores prenunciam um verão daqueles! Quase tão quente quanto o número que depositamos em suas mãos, caros leitor e leitora. Chamo inicialmente a sua atenção para o conjunto interessantíssimo de artigos que formam o ‘dossiê darwinismo’. Provêm do 1º Seminário Internacional de Filosofia e História das Ciências da Vida, realizado na Fundação Oswaldo Cruz, em junho de 2000, por iniciativa de Vera Vidal e Ricardo Waizbort. Esses dois pesquisadores estão à frente do Núcleo de História e Filosofia das Ciências da Vida, da Casa de Oswaldo Cruz, e já promoveram um segundo seminário sobre o mesmo tema.

Ricardo abre o dossiê analisando os aportes da biologia molecular à teoria da evolução, e as perspectivas e problemas associados às abordagens que conectam esta teoria à teoria social. Segundo o autor, a solidez desta ponte depende da eliminação das barreiras que separam o público leigo “da perigosa mensagem de Darwin, que afirma serem nossas capacidades sociais e mentais originadas no reino animal, sem interferência alguma de forças especiais”.

James Lennox, um dos mais renomados estudiosos de Darwin, põe em discussão as relações entre história e filosofia da ciência, e defende a abordagem ‘filogenética’, segundo a qual os problemas conceituais e metodológicos de uma ciência podem ser esclarecidos pelo estudo de sua história, já que por ela são moldados os métodos e as bases desta ciência.

Edson Pereira da Silva narra a história da teoria evolutiva à luz do materialismo dialético, partindo das contradições entre Darwin e o modelo mendeliano para chegar ao debate, ainda atual, entre neutralismo e selecionismo. Por sua vez, Anna Carolina Regner, em denso artigo, analisa a visão de ‘natureza’ presente em A origem das espécies, e o significado que esta visão teve para a sustentação da tese de Darwin de que a seleção natural é o “meio de modificação” mais importante da natureza, a fonte de suas novas espécies.

Aldo Mellender de Araújo analisa o salto qualitativo nos estudos de evolução produzido por Theodosius Dobzhansky, o pesquisador que reuniu, a partir dos anos 1920, duas tradições em conflito, a dos naturalistas, em declínio na virada do século, e a ‘experimentalista’, calcada na redescoberta de Mendel e na constituição da genética como campo disciplinar autônomo.

O físico nuclear e teólogo (que combinação explosiva, hem?) Eduardo Rodrigues Cruz polemiza com Stephen J. Gould e Edward Wilson, propondo a ‘consonância’ em substituição à “consiliência” como programa histórica e filosoficamente mais apropriado à abordagem das relações entre darwinismo e tradições religiosas.

Por último, Maurício Vieira Martins levanta hipóteses históricas e sociais para explicar o surpreendente revival, nos Estados Unidos e em outros países, do “criacionismo”, antiga concepção que atribui a origem do mundo e do homem a um ato de criação divina.

O “dossiê darwinismo” é parte da mais-valia que História Ciências Saúde — Manguinhos extraiu de seus editores este ano, em proveito de vocês, leitores. Em janeiro estarão recebendo a outra parte, o belo suplemento do volume VIII dedicado à ciência dos viajantes.

A fração, digamos, ‘normal’ do presente número compreende quatro bons artigos — destaco o de Hebe Vessuri sobre enfermagem na Venezuela — quatro interessantes resenhas, e a seção que traz imagens da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Estas imagens e o denso texto de Luciana Mendes Gandelman, que as acompanha, complementam à perfeição o belo artigo de Laurinda Abreu sobre o papel das Misericórdias na formação do império português.

Desejamos a vocês, caros leitores, proveitosa leitura, um feliz Natal e um ano novo repleto de saúde, alegria, trabalho, melhores salários e menos violência!

Jaime Benchimol – Editor.


BENCHIMOL, Jaime. Carta ao do Editor. História, Ciência, Saúde-Manginhos, Rio de Janeiro, v.8, n.2, set./dez., 2001. Acessar publicação original  [DR].

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Transgênicos / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2000

OGMs à mesa: decifre-os antes de devorá-los!

Os organismos geneticamente modificados (OGMs) vêm suscitando caloroso debate em vários países, principalmente no que diz respeito aos alimentos. No Brasil, o tema saiu do âmbito de universidades e instituições de pesquisa e passou a ocupar espaços sistemáticos na imprensa, desde que grandes empresas do setor de alimentos quiseram introduzir no mercado produtos geneticamente modificados. “O assunto deixou de ser racional e passou a ser passional”, constata a bioquímica Glaci Zancan, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Zancan propõe uma moratória para a liberação comercial de alimentos transgênicos (ver Glossário), alegando que ainda há muitas dúvidas sobre impactos ambientais e danos à saúde de animais e de seres humanos. Além disso, segundo ela, é preciso realizar testes no país para verificar se as linhagens de plantas aqui introduzidas são comercialmente vantajosas, levando em conta as características particulares do ambiente brasileiro.

A Academia Brasileira de Ciência, por sua vez, juntamente com instituições similares dos Estados Unidos, da China, da Índia, do México e da Grã-Bretanha e de outros países do Terceiro Mundo, defende abertamente que os “alimentos produzidos por meio de tecnologia GM (geneticamente modificados) podem ser mais nutritivos, estáveis quando armazenados e, em princípio, podem promover a saúde, trazendo benefícios para consumidores, seja em nações industrializadas ou nações em desenvolvimento” (a íntegra do documento ‘Plantas transgênicas na agricultura’ pode ser lido na home-page da Academia Brasileira de Ciência [www.abc.org] e da Royal Society www.royalsoc.ac.uk/files/statfiles/keywords-116.txt).

De acordo com o texto das Academias, atualmente já são cultivados milhões de hectares de plantações comerciais transgênicas de soja, algodão, tabaco, batata e milho em vários países, entre eles os Estados Unidos (28,7 milhões de hectares em 1999), Canadá (4 milhões), China (trezentos mil) e Argentina (6,7 milhões). “Nesses países, cerca de quatrocentos milhões de pessoas estão comendo alimentos cuja origem foram plantas geneticamente melhoradas”, estima o geneticista Antônio Rodrigues Cordeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nos Estados Unidos, a metade dos alimentos já é transgênica, na avaliação do geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS).

O tema é polêmico. Neste dossiê — organizado pelo Centro de Estudos do Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, com a nossa coordenação e edição — encontram-se artigos e depoimentos de pesquisadores que vêm se dedicando a refletir sobre ele. Buscamos reunir diferentes pontos de vista, sem tomar partido. Nosso objetivo é, acima de tudo, colocar o tema dos organismos geneticamente modificados (incluindo-se aí os transgênicos) em sua mesa, para que você participe do debate, que chega ao Brasil com vinte anos de atraso, segundo a socióloga Maria Celeste Emerick, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Luisa Massarani – Jornalista Chesthunt road, Tottenham London N 17 7PU England jornalista. E-mail: [email protected].


MASSARANI, Luisa. OGMs à mesa: decifre-os antes de devorá-los! História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.7, n.2, jul./out., 2000. Acessar publicação original  [DR].

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História Ciências Saúde Manguinhos | FOC | 1994

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História, Ciências, Saúde – Manguinhos (Rio de Janeiro, 1994-) é uma publicação trimestral da Casa de Oswaldo Cruz , uma divisão da Fundação Oswaldo Cruz dedicada à pesquisa, ensino e comunicação da história da ciência e da saúde, que também gerencia e preserva patrimônio cultural e memória da Fundação.

História, Ciências, Saúde – Manguinhos foi lançado em julho de 1994 e, desde 1998, também está disponível na versão digital. Em 2000, a revista passou a fazer parte do portal SciELO. Os artigos são aceitos em português, espanhol e inglês através de envio online. Nenhuma taxa é cobrada. Desde 2006, alguns artigos aceitos para publicação em português e espanhol foram traduzidos para o inglês e publicados no e-journal. Além de quatro edições regulares, a revista publica uma a duas edições especiais a cada ano, nos formatos impresso e digital.

História, Ciências, Saúde – Manguinhos apresenta artigos que exploram a produção de conhecimentos e práticas nas ciências da vida e saúde a partir de uma perspectiva histórica, abrangendo as diversas dimensões sociais, políticas e culturais dos campos. A revista também publica artigos sobre comunicação científica e preservação e gestão do patrimônio cultural no campo da ciência e da saúde.

Periodicidade trimestral.

Acesso livre.

ISSN 0104-5970 (Impresso)

ISSN 1678-4758 (Online)

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