O primeiro Duque de Palmela: político e diplomata. Lisboa: D. Quixote, 2015 / Maria de Fátima Bonifácio

Após a sua já consagrada Apologia da história política2 publicado pela Quetzal em Lisboa, Maria de Fátima Bonifácio3 publicara já uma série de estudos no âmbito de uma defesa da História Política e de suas perspectivas de análise. Com vista a críticas de uma história das estruturas, “invisível” e “profunda”, defende em sua apologia as formas e os métodos da História Política, ao mesmo tempo em que passa a oferecer ao público acadêmico estudos de biografia política de destacadas figuras portuguesas, desde os finais do século XVIII e todo o século XIX. Fora com esse ímpeto que em 2002 publica A segunda ascensão e Queda de Costa Cabral, 1847-1851 e em 2013, pela Editora D. Quixote, uma extensa análise em Um homem singular biografia política de Rodrigo da Fonseca Magalhães, 1787-18584. O seu estudo já conhecido e reeditado várias vezes sobre D. Maria II5 também entra na lista de sua bibliografia sobre biografias de personalidades políticas, sejam elas envoltas nas tentativas de instituição de um liberalismo em Portugal ou mesmo nos períodos posteriores ao “radicalismo” vintista, setembrista e cabralista.

Em 2006, pela Quetzal, escreve um longo posfácio à edição portuguesa de Correspondência Madame de Staël e Dom Pedro de Souza6, organizada e comentada por Béatriz d’Andlau7. Neste posfácio levanta já alguns dos fatos que seriam retomados na edição das Memórias do Duque de Palmela8, transcritas e editadas por ela e que, num detalhado prefácio, analisa a trajetória do diplomata, tendo atuado em Londres, Madrid e no Congresso de Viena (1815). Esse prefácio, acrescido de mais um capítulo, fora reediado pela Editora D. Quixote e é agora publicado com o título O primeiro Duque de Palmela- político e diplomata em edição de junho de 2015, objeto desta resenha.

No texto, analisa a trajetória política e biográfica do primeiro Conde, primeiro Marquês e primeiro Duque de Palmela, D. Pedro de Sousa Holstein. Nascido em Turim em 1781, descendia de membros da alta aristocracia portuguesa, da Casa Palmela,9 tendo desempenhado uma ascendente carreira diplomática10, desde Conselheiro de embaixada em Roma (1802-1805), Ministro em Cádiz (1810-1812), embaixador em Londres (1812), representante português no Congresso de Viena (1815), dentre diversos outros cargos de grande representação política e social, tendo sido Secretário de Negócios Estrangeiros e da Guerra por diversos períodos.

O texto divide-se em três partes: (I) Vocação e caráter de um conservador liberal, (II) Em luta pela liberdade portuguesa e (III) Em busca de um “partido moderado e médio”; esses foram resgatados do prefácio que a autora havia publicado em Memórias do Duque de Palmela11. Em “o capítulo que falta”, Maria de Fátima Bonifácio detalha aquele que, segundo sua análise, fora um dos principais desafios do ministro português: a abolição do fatídico Tratado de Amizade, Comércio e Navegação luso-britânico de 181012 e a aprovação de outro tratado que seria colocado em ratificação apenas em 1842. O livro encerra-se com uma detalhada cronologia da vida política e pessoal de D. Pedro, de 1781 à sua morte por pneumonia dupla, em 12 de outubro de 1850.

O ambiente internacional de formação de D. Pedro envolve um período de conturbações importantes de finais da era moderna. A conjuntura após a Revolução Francesa que se desdobra, dentre outras coisas, em movimentos de controle e de fortalecimento das Monarquias, temerosas de contestações de tal calibre, encontra terreno para movimentos reformistas e de algumas reorientações no campo político internacional. No caso português, que vivia na órbita de aproximação e conflito entre ingleses e franceses, a ascensão de Napoleão e a definição clara de sua linha de atuação na Europa, antibritânica, encurrala em perigosas negociações as tomadas de posição da Coroa Lusa. Os desdobramentos do Bloqueio Continental (1806) e do ultimatum de Napoleão ao Príncipe Regente D. João VI (julho de 1807) pelo cumprimento ou guerra com o exército francês, que culmina na transferência da família real ao Rio de Janeiro (novembro de 1807), serão eventos chave para os movimentos que se seguiram e que seriam colocados pelos representantes portugueses no Congresso de Viena (1814-1815)13.

A atuação de D. Pedro de Sousa no Congresso de Viena fora, para um jovem diplomata de 33 anos, o início de uma consagrada carreira nos orbes europeus. Chega a Viena em 27 de setembro, antes do “início”14 do Congresso e passa a apurar os estados das negociações. Os problemas que pareciam postergar as atividades congressuais apontavam, dentre outras coisas, ao direito de voto das potências, sendo que inicialmente Portugal estava fora deste seleto grupo15. Após longas conversas e ofícios enviados, D. Pedro consegue16 que Portugal fosse alçado ao pé de igualdade das demais grandes nações europeias: Rússia, Prússia, Suécia, Inglaterra, Espanha e Áustria.

O fantasma de Napoleão rondou o Congresso no seu andamento e somente após a chegada das notícias de Waterloo (18 de junho) que a tranquilidade se instalou nos ministros, depois da assinatura do “Ato Final”. Estes representavam quase todos os Estados e principados europeus, até os que não eram reconhecidos por alguns chefes, sendo que muitas destas questões foram colocadas em resolução. O ambiente era de total cosmopolitismo e de ostentações, festas e vaidades, com os mais importantes chefes das nações europeias17; D. Pedro circulava com total liberdade pelos principais salões de Viena, correspondendo-se com os mais importantes ministros acerca das pautas portuguesas, além de aumentar consideravelmente seu círculo de contatos, essencial para sua carreira ao retornar a Portugal.

As principais questões colocadas por D. Pedro de Sousa e os demais ministros, como o Caso da Guiana, não resultaram em grandes modificações do que já ficara acordado entre França e Inglaterra no tratado de Paris (1814); no entanto, os plenipotenciários portugueses além de D. Pedro, como Antonio Saldanha da Gama e Joaquim Lobo da Silveira, conseguiram que as definições fronteiriças entre a Guiana e a América portuguesa ficassem definidas na linha do Rio Oiapoque18. A questão da abolição da escravatura, colocada sobre forte pressão britânica19, e do tráfico de escravos ficara limitada ao norte da linha do Equador, o que provocara, na então ex-colônia e agora Reino Unido20, elevação aprovada em Carta de Lei de dezembro de 1815 no próprio Congresso, do preço médio dos escravos vindos da África, principalmente nas províncias do Norte do Brasil21. Em torno das indenizações que a França deveria pagar aos Estados lesados, Portugal não saíra com grandes quantias e, segundo Ana Faria22, a participação fora tão baixa quanto da Suíça e Dinamarca.

Uma das principais questões portuguesas no Congresso seria a restituição de Olivença pelos Espanhóis. Após o Tratado de Badajoz de 1801, que pôs fim a chamada Guerra das Laranjas e que deu ao espanhóis a soberania de Olivença desde o Rio Guadiana e suas possessões, que essa questão se arrastava pelos campos diplomáticos. Em 1808, já no Rio de Janeiro, D. João VI denunciara o tratado que seria, por D Pedro de Sousa, quando enviado a Cádiz (1810), retomado às negociações que, dentre outras coisas, determinava a devolução de Olivença aos portugueses; no entanto, este acordo não fora cumprido e não figurava no Tratado de Paris. Em Viena, dado o reconhecimento das demais nações da soberania portuguesa sobre Olivença, fora adicionado ao tratado um artigo que definia a devolução em favor de Portugal23. Por mais que a Espanha tenha reconhecido, à época, a soberania portuguesa, a devolução nunca veio a acontecer.

No entanto, a coroação da brilhante carreira de D. Pedro de Sousa aconteceria logo em seguida ao Congresso de Viena, com o seu envio como embaixador em Londres. Desde esse momento, o nome Palmela já era, mais que antes, conhecido e admirado na Europa24. A partir desse momento, mais particularmente após o movimento vintista e sua passagem pelo Brasil (1820), passa a ser uma importante figura de conciliaçao nacional.

Sempre a buscar um partido moderado e a simbiose dos diferentes interesses postos no jogo político, D. Pedro será figura-chave nas querelas pela coroa portuguesa após o Vintismo, sendo que suas raízes aristocráticas o farão25 ao mesmo tempo lutar pela soberania de D. Maria II e também ser alvo, em diversos momentos, da ira dos Miguelistas, mesmo depois de derrotados. A sua tentativa progressista de compor ministérios com ambas as partes, vistas como conciliatórias, foram rechaçadas e sua tomada de partido sempre colocada sobdúvida.

As ambiguidades do primeiro Duque de Palmela, sempre a ostentar “a gala da sua independência partidária”, acabaram por torná-lo mal visto até mesmo pela Rainha, acabando por isolá-lo do círculo palaciano. Conforme Maria de Fátima, no final de seu texto, apesar dos revezes de sua trajetória política, fora o único ministro português conhecido em todos os palácios europeus e sua casa uma das mais ricas e reconhecidas casas aristocráticas do Reino; de seu tempo, fora um dos mais representativos agentes da história portuguesa.

Notas

  1. Resenha submetida à avaliação em junho de 2015 e aprovado para publicação em novembro de 2015.
  2. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. Apologia da história política: estudos sobre o século XIX português. Lisboa: Quetzal Editora, 1999.
  3. Com larga carreira em ensino e pesquisa, fora professora da Universidade Nova de Lisboa de 1980 a 2006, tendo sido doutorada com agregação pela mesma universidade; licenciou-se em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e fora investigadora-coordenadora do Instituto de Ciências Sociais da mesma universidade até 2012.
  4. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. Um homem singular: biografia política de Rodrigo da Fonseca Magalhães (1787-1858). Lisboa: D. Quixote, 2013.
  5. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. D. Maria II: 1819-1853. Lisboa: Temas e Debates, 2007.
  6. D’ANDLAU, Béatriz (Org.). Correspondência de Madame de Staël e Dom Pedro de Souza. Lisboa: Quetzal, 2010.
  7. Ao estar com o pai em Roma, ainda com vinte e quatro anos, D. Pedro de Sousa conhece a famosa romancista francesa (1804), Mme de Stäel que viaja à Itália para recolher notas a um novo romance. A efusiva correspondência entre os dois demonstra um longo relacionamento, com cartas inflamadas e saudosas. Com o retorno do Duque a Portugal, a correspondência passa a cessar nomedamente depois dos planos de casamento de D. Pedro. Cf. CAMPOS, Claudia. A Baronesa de Estäel e o Duque de Palmella. Lisboa: Tavares Cardoso & Irmão, 1901.
  8. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. Memórias do Duque de Palmela. Lisboa: D. Quixote, 2011.
  9. Cf. URBANO, Pedro. A casa Palmela. Lisboa: Livros Horizonte, 2008.
  10. Filho de D. Alexandre de Sousa Holstein, Conde de Sanfré, e de D. Isabel Juliana de Sousa Holstein; D. Alexandre já tinha desempenhado na diplomacia diversos cargos, Embaixador em Copenhaga (1785-1789), Berlim (1789-1790), Viena (1790) e Roma (1808-1803) para onde leva o filho. Desde então, D. Pedro adquire o gosto pelos mais requintadores salões da política europeia do período, tendo contato com as mais importantes famílias.
  11. BONIFÁCIO, Memórias…op. cit.
  12. BONIFÁCIO, Memórias…op. cit. p.83: “Não confundir com o Tratado de Aliança e Amizade também celebrado em 1810, destinado a regular as relações políticas entre Portugal e a Grã-Bretanha durante o domínio napoleônico na Europa, tendo sido abolido na sequência da Paz Geral oficializada pelo Congresso de Viena em 1815”.
  13. Cf. FARIA, Ana Leal de. Arquitectos da paz: a diplomacia portuguesa de 1640 a 1815. Lisboa: Tribuna, 2008. p.152-157.
  14. Segundo Maria Amália Vaz de Carvalho (1898, p.293, nota I), o Congresso nunca possuiu uma “abertura”, não havendo a constituição efetiva de um Congresso; na prática, apenas algumas comissões entre ministros plenipotenciários foram instaladas, com assinaturas de tratados unilaterais ou de interesses comuns que foram feitos. No final de todas essas negociações, em 19 de junho de 1815, há a assinaura de um Ato final do Congresso de Viena. Cf. CARVALHO, Maria Amália Vaz de (1898). Vida do Duque de Palmela D. Pedro de Sousa e Holstein. Lisboa: Imp. Nacional, 1898.
  15. O temor inicial das demais nações era que a presença de mais uma nação alinhada com os interesses ingleses pudesse representar um voto a mais para o Império Britânico, para além da já presença de uma nação Ibérica, a Espanha. Cf. CARVALHO, Maria Amália Vaz de (1898), p.292-294.
  16. BONIFÁCIO, O primeiro Duque…op. cit., p. 28.
  1. Cf. ZAMOYSKI, Adam. Ritos de paz: a queda de Napoleão e o Congresso de Viena. São Paulo: Record, 2012.
  2. Cf. ALÇADA, Isabel; FERNANDES, Paulo Jorge. MAGALHÃES, Ana Maria. As invasões francesas e a Corte no Brasil. Lisboa: Caminho, 2011. p.216-219.
  3. Cf. VICK, Brian E. The Congress of Vienna: power and politics after Napoleon. London: Havard University Press, 2014. p. 196-198.
  4. Segundo FARIA, op cit., p.157, fora a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal que permitiu as negociações que conseguiram consumar o casamento do Príncipe D. Pedro com D. Carlota Josefina Leopoldina de Habsburgo (maio de 1818).
  5. Cf. GALVES, Marcelo Cheche. The Congress of Vienna and the matter of slavery in the North of the Portuguese America. In: THE CONGRESS OF VIENNA AND ITS GLOBAL DIMENSION, 2014, Vienna. Book of abstracts… Viena: Universitat Wien, 2014. v. 1. p. 9.
  6. FARIA, op cit., p.156-157.
  7. Cf. MENDONÇA, Antonio Pedro Lopes de. Notícia histórica do Duque de Palmella. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859. p.36-39.
  8. BONIFÁCIO, O primeiro Duque…op. cit., p.30-32.
  9. Ibid., p. 57-59.

Romário Sampaio Basilio – Mestrando em História Moderna e dos Descobrimentos, Universidade Nova de Lisboa, FCSH, Lisboa, Portugal. E-mail: E-mail: [email protected].


BONIFÁCIO, Maria de Fátima. O primeiro Duque de Palmela: político e diplomata. Lisboa: D. Quixote, 2015. Resenha de: BASILIO, Romario Sampaio. A Diplomacia portuguesa no Congresso de Viena (1815): a trajetória do primeiro Dugue de Pamela, D. Pedro de Sousa Holstein. Outros Tempos, São Luís, v.12, n.20, p.288-292, 2015. Acessar publicação original. [IF].