A Diplomacia do Estado Novo: Crepúsculo do Colonialismo (1949-1961) – PEREIRA (LH)

PEREIRA, Bernardo Futscher. A Diplomacia do Estado Novo: Crepúsculo do Colonialismo (1949-1961). Lisboa: D. Quixote, 2017, 312 pp. Resenha de: REIS, Bruno Cardoso. Ler História, v.73, p. 262-266, 2018.

1 Bernardo Futscher Pereira é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Columbia, foi jornalista antes de ingressar na carreira diplomática, foi embaixador na Irlanda de 2012 até 2017, período durante o qual redigiu esta obra. Embora eu resista à ideia de reduzir uma obra às circunstâncias ou a uma das identidades de quem a escreve, parecem ser de notar estes dados biográficos, pois poderão ajudar a perceber algumas das suas opções de partida. A obra assume-se, como seria de esperar, como a continuação, em termos cronológicos e de abordagem, do livro anterior do autor sobre A Diplomacia de Salazar, 1932-1949 (Lisboa: D. Quixote, 2012). Este é, portanto, “um livro essencialmente de história diplomática” o qual “procura sintetizar, em registo narrativo, os lances essenciais da política externa portuguesa, situando-os no contexto internacional da época”, oferecendo numa linguagem acessível uma visão geral da forma como a elite governativa e diplomática portuguesa foi gerindo os principais desafios da política externa.

2 Isso fará sentido tendo em conta as tendências atuais na História? A resposta é sim, a não ser que se queira impor (à maneira do Estado Novo) uma determinada agenda à História. Se o que se pretende é alargar os horizontes da disciplina então trata-se de adicionar novas dimensões às tradicionalmente dominantes, não de eliminar estas últimas. É tão legítima e válida a história “a partir de baixo” como “a partir de cima”, tudo depende das perguntas a que se quer responder. Independentemente das modas, a “alta política” e a diplomacia continuam a ser altamente relevantes. Veja-se o enorme impacto na vida de todos os portugueses, angolanos, moçambicanos, guineenses, e no curso da história nacional e global, das guerras coloniais tardias do Estado Novo. Guerras que, como este livro mostra, foram o pesado preço a pagar pela política seguida por Salazar na defesa do império ultramarino português.

3 Futscher Pereira também deixa claro que esta obra “baseia-se essencialmente em fontes secundárias e em fontes primárias publicadas”. É o normal em obras de síntese deste tipo, que quando muito complementam a sua síntese de obras e fontes publicadas com pesquisa de arquivo sobre alguns temas não suficientemente tratados na literatura existente. Foi o que Futscher Pereira fez, em especial sobre as “provações de Portugal nas Nações Unidas”, a que dá justificado destaque. Significa isto que esta obra se destina apenas ao público em geral, e não tem especial interesse para historiadores focados em análises originais? Como iremos procurar mostrar, esta é não apenas uma obra de referência útil, desde logo para o ensino destes temas, ela tem também elementos novos que merecem ser debatidos no quadro da agenda de investigação da história da política externa portuguesa neste período. É uma obra de divulgação, mas não é simplesmente descritiva.

4 Futscher Pereira avança efetivamente com uma interpretação geral deste período da política externa do Estado Novo. A tese central do livro, que justifica o seu subtítulo, é a de que já neste período a Guerra Fria europeia foi secundária, e o anticomunismo foi instrumental na política externa de Salazar. O foco principal de atenção ao longo da década de 1950, a prioridade da ação externa do regime salazarista, era já, defende o autor, a defesa das colónias, em particular a mais diretamente ameaçada neste período – o Estado Português da Índia. O principal alvo da política externa de Salazar era já o anticolonialismo militante da União Indiana, muito ativo nos fora multilaterais da ONU. Isso importava mais do que a NATO, a defesa face à ameaça soviética, ou mesmo a relação bilateral com os EUA, todas elas, segundo esta obra, estavam subordinadas à prioridade máxima que era a defesa da dimensão ultramarina, colonial de Portugal. Esta é uma ideia fundamental a que voltaremos no final desta recensão.

5 Como avaliar genericamente esta primeira história geral da diplomacia do Estado Novo por um só autor? Desde logo, notando que esta é uma obra bem escrita, numa linguagem acessível, adequada ao seu objetivo de fazer divulgação de qualidade. Tem uma estrutura clara. Embora nos pareça questionável a opção por os títulos dos capítulos serem um par de datas. Os títulos temáticos dos subcapítulos tornam, apesar disso, relativamente fácil navegar na obra; dão também uma ideia de algo em que os praticantes da política externa insistem: a dificuldade de terem de lidar com problemas urgentes e inesperados em partes muito diversas do mundo simultaneamente ou em rápida sucessão. Mas isso não deixa de afetar um pouco a coerência da exposição e da análise. Depois, deve ser sublinhado que este tipo síntese, um tour d’horizon por um só autor, é uma novidade. Existem outras sínteses da história da política externa do regime de Salazar, mas não por um só autor e como parte de obras mais genéricas.1 Além disso, há que destacar que a obra tem uma base empírica e bibliográfica sólida. Como já vimos anteriormente, o livro resulta da consulta de fontes publicadas, mas também de alguma pesquisa original de fontes de arquivo. De notar também como ponto positivo que o autor utiliza inclusive algumas teses de doutoramento ainda inéditas sobre temas relevantes.2

6 Antes de terminarmos destacaríamos duas interpretações mais específicas desta obra, uma que nos parece particularmente pertinente, e a outra que nos suscita dúvidas. Sendo que, no entanto, qualquer delas nos parecem ser contribuições pertinentes para o debate sobre a política externa do Estado Novo. Quanto à primeira, um ponto forte desta obra é efetivamente a análise dos principais atores da política externa portuguesa. Poucos discutirão a afirmação de Futscher Pereira de que embora Salazar deixe de ser formalmente Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 1947, continua a ser a figura central da política externa portuguesa. Apesar da mudança de título deste volume para o anterior, a Diplomacia do Estado Novo, é, no fundo, mais um volume sobre a Diplomacia de Salazar. O peso de Salazar é especialmente marcante quando o titular da pasta é fraco, como é o caso de Caeiro da Matta, entre 1947 e 1950. Mas Salazar continua a pesar na diplomacia portuguesa mesmo com os mais sólidos Paulo da Cunha, entre 1950 e 1958 (sendo que este terá ficado diminuído por razões de saúde a meio do seu consulado), ou Marcelo Mathias, entre 1958 e 1961.

7 Salazar nunca abdicou de escolher os principais embaixadores e de comunicar diretamente com eles. Vários deles são ainda, neste período, escolhas pessoais e políticas do ditador vindos de fora da carreira. É nova, no entanto, a tese de Futscher Pereira de que entre os diplomatas “no estrangeiro” neste período “o papel de maior destaque coube a Vasco Garin”, pois que “como embaixador em Nova Deli e, de seguida, em Nova Iorque, foi ele que, na primeira linha, sofreu o embate dos conflitos diplomáticos” mais importantes. Este parece-nos um ponto válido. Garin é, claramente, uma figura a merecer um bom estudo de fundo. Também de notar, por ser rara a valorização da história das informações e das operações especiais neste tipo de obra, é a atenção de Futscher Pereira à figura menos ortodoxa de Jorge Jardim, que por várias vezes foi os olhos e os ouvidos de Salazar em zonas de crise. O real papel de Jardim pode ser difícil de avaliar com rigor, mas esta dimensão de diplomacia paralela e recolha de informações secretas merece atenção.

8 Outro ponto forte na análise por Futscher Pereira dos atores da política externa é o destaque dado Delgado, a Henrique Galvão e à ação internacional da oposição. Uma oposição que desenvolve, pela primeira vez, uma estratégia internacional paradiplomática e mediática eficaz que cria dificuldades sérias ao regime. Teria sido interessante que o autor tivesse dado mais atenção ao papel da rede diplomática na vigilância e gestão da presença internacional da oposição, assim como ao papel do PCP e da sua relação especial com a URSS. A acção internacional dos movimentos independentistas africanos é referido pelo autor – sobretudo a presença do líder da UPA em Nova Iorque, aquando do início do levantamento armado no norte de Angola, feita precisamente para coincidir com a discussão da situação angolana no Conselho de Segurança da ONU.

9 Um ponto fraco da análise do autor, do meu ponto de vista, é a apreciação repetida ao longo da obra de que as chefias militares leais ao general Botelho Moniz – como Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e, depois, como ministro da Defesa entre 1958 e 1961 – tinham uma boa visão da política internacional e, por isso, defenderam uma boa estratégia militar e política de resposta ao desafio independentista africano, bloqueada pela austeridade cega de Salazar. Ora, como o autor bem assinala, Salazar frequentemente mostrou nas suas comunicações privadas temor pelo elevado preço que seria preciso pagar internacionalmente para o Estado Novo manter a África portuguesa, em contraste com a confiante retórica pública da sua propaganda. Um temor que aumentou com as conhecidas reservas relativamente ao colonialismo do jovem senador John Kennedy, eleito presidente dos EUA em 1960. A realidade é complexa e parece-me claro que Salazar pode ter estado errado na sua opção de política externa para Portugal, mas esteve certo na sua análise da política internacional. Já os militares em torno de Botelho Moniz, a meu ver, estão menos unidos quanto ao que fazer antes e depois do início da luta armada em Angola; estão menos certos quanto à análise que fazem do contexto internacional; e estão claramente errados quanto às possibilidades de uma mudança limitada da política colonial portuguesa ser viável a prazo ou ser recompensada internacionalmente. Moniz e os seus próximos aparentemente acreditavam que Portugal, sem Salazar, manteria as possessões coloniais durante pelo menos uma década e conseguiria consolidar uma federação lusófona depois disso. Estas chefias militares também me parecem sobretudo desejosas de defender o interesse corporativo das Forças Armadas em obter mais recursos, em vez de, como pretendia Salazar, com recursos semelhantes mudarem radicalmente de prioridades e passarem de uma guerra convencional na Europa para uma guerra de guerrilha em África.

10 Para terminar voltamos à tese central desta obra. Afirma o autor: “a disputa com a União Indiana acerca de Goa, Damão e Diu foi a questão principal que ocupou a diplomacia portuguesa nestes anos.” Afirma também que o comunismo no quadro da Guerra Fria é uma ameaça meramente instrumental para a diplomacia de Salazar. Discordo desta última tese. Creio que se trata mais propriamente de um caso da diplomacia de Salazar acreditar na sua própria propaganda. Havia, efetivamente, a ideia na elite salazarista de que muitos destes movimentos anticoloniais eram hostis ao bloco ocidental e estavam dispostos a aliar-se ao bloco soviético, fossem ou não propriamente comunistas. O próprio Futscher Pereira nota de forma pertinente que, em plena Guerra Fria, “a ameaça comunista era o fator decisivo na política externa dos EUA e da Grã-Bretanha, as duas grandes potências ocidentais e atlânticas que eram, também, os principais aliados de Portugal”, acrescentando que “durante a quase totalidade deste período estiveram no poder em Washington e em Londres governos de direita, que olhavam para o Estado Novo com complacência”. Também nos parece apressado dar por adquirido “o descrédito completo das doutrinas raciais” no bloco ocidental ou, mesmo, no soviético. Ainda havia muito racismo, embora de uma variante mais paternalista. Isto não significa que discordemos do autor de que se deve dar muito maior peso à questão colonial na diplomacia de Salazar logo na década de 1950, e de que este facto tem sido algo descurado em favor de uma maior atenção dada à Guerra Fria. Parece-nos, porém, que ambos os contextos estão intimamente ligados, mesmo que seja necessário repensar a respetiva ordem de prioridades na política externa do Estado Novo.

Notas

1 Um exemplo recente são os capítulos sobre política externa nos cinco volumes de António Costa Pinto (…)

2 O que não significa que não seja possível sugerir alguma adição ou notar alguma gralha. Por exemplo (…)

Bruno Cardoso Reis – ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected].

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O primeiro Duque de Palmela: político e diplomata. Lisboa: D. Quixote, 2015 / Maria de Fátima Bonifácio

Após a sua já consagrada Apologia da história política2 publicado pela Quetzal em Lisboa, Maria de Fátima Bonifácio3 publicara já uma série de estudos no âmbito de uma defesa da História Política e de suas perspectivas de análise. Com vista a críticas de uma história das estruturas, “invisível” e “profunda”, defende em sua apologia as formas e os métodos da História Política, ao mesmo tempo em que passa a oferecer ao público acadêmico estudos de biografia política de destacadas figuras portuguesas, desde os finais do século XVIII e todo o século XIX. Fora com esse ímpeto que em 2002 publica A segunda ascensão e Queda de Costa Cabral, 1847-1851 e em 2013, pela Editora D. Quixote, uma extensa análise em Um homem singular biografia política de Rodrigo da Fonseca Magalhães, 1787-18584. O seu estudo já conhecido e reeditado várias vezes sobre D. Maria II5 também entra na lista de sua bibliografia sobre biografias de personalidades políticas, sejam elas envoltas nas tentativas de instituição de um liberalismo em Portugal ou mesmo nos períodos posteriores ao “radicalismo” vintista, setembrista e cabralista.

Em 2006, pela Quetzal, escreve um longo posfácio à edição portuguesa de Correspondência Madame de Staël e Dom Pedro de Souza6, organizada e comentada por Béatriz d’Andlau7. Neste posfácio levanta já alguns dos fatos que seriam retomados na edição das Memórias do Duque de Palmela8, transcritas e editadas por ela e que, num detalhado prefácio, analisa a trajetória do diplomata, tendo atuado em Londres, Madrid e no Congresso de Viena (1815). Esse prefácio, acrescido de mais um capítulo, fora reediado pela Editora D. Quixote e é agora publicado com o título O primeiro Duque de Palmela- político e diplomata em edição de junho de 2015, objeto desta resenha.

No texto, analisa a trajetória política e biográfica do primeiro Conde, primeiro Marquês e primeiro Duque de Palmela, D. Pedro de Sousa Holstein. Nascido em Turim em 1781, descendia de membros da alta aristocracia portuguesa, da Casa Palmela,9 tendo desempenhado uma ascendente carreira diplomática10, desde Conselheiro de embaixada em Roma (1802-1805), Ministro em Cádiz (1810-1812), embaixador em Londres (1812), representante português no Congresso de Viena (1815), dentre diversos outros cargos de grande representação política e social, tendo sido Secretário de Negócios Estrangeiros e da Guerra por diversos períodos.

O texto divide-se em três partes: (I) Vocação e caráter de um conservador liberal, (II) Em luta pela liberdade portuguesa e (III) Em busca de um “partido moderado e médio”; esses foram resgatados do prefácio que a autora havia publicado em Memórias do Duque de Palmela11. Em “o capítulo que falta”, Maria de Fátima Bonifácio detalha aquele que, segundo sua análise, fora um dos principais desafios do ministro português: a abolição do fatídico Tratado de Amizade, Comércio e Navegação luso-britânico de 181012 e a aprovação de outro tratado que seria colocado em ratificação apenas em 1842. O livro encerra-se com uma detalhada cronologia da vida política e pessoal de D. Pedro, de 1781 à sua morte por pneumonia dupla, em 12 de outubro de 1850.

O ambiente internacional de formação de D. Pedro envolve um período de conturbações importantes de finais da era moderna. A conjuntura após a Revolução Francesa que se desdobra, dentre outras coisas, em movimentos de controle e de fortalecimento das Monarquias, temerosas de contestações de tal calibre, encontra terreno para movimentos reformistas e de algumas reorientações no campo político internacional. No caso português, que vivia na órbita de aproximação e conflito entre ingleses e franceses, a ascensão de Napoleão e a definição clara de sua linha de atuação na Europa, antibritânica, encurrala em perigosas negociações as tomadas de posição da Coroa Lusa. Os desdobramentos do Bloqueio Continental (1806) e do ultimatum de Napoleão ao Príncipe Regente D. João VI (julho de 1807) pelo cumprimento ou guerra com o exército francês, que culmina na transferência da família real ao Rio de Janeiro (novembro de 1807), serão eventos chave para os movimentos que se seguiram e que seriam colocados pelos representantes portugueses no Congresso de Viena (1814-1815)13.

A atuação de D. Pedro de Sousa no Congresso de Viena fora, para um jovem diplomata de 33 anos, o início de uma consagrada carreira nos orbes europeus. Chega a Viena em 27 de setembro, antes do “início”14 do Congresso e passa a apurar os estados das negociações. Os problemas que pareciam postergar as atividades congressuais apontavam, dentre outras coisas, ao direito de voto das potências, sendo que inicialmente Portugal estava fora deste seleto grupo15. Após longas conversas e ofícios enviados, D. Pedro consegue16 que Portugal fosse alçado ao pé de igualdade das demais grandes nações europeias: Rússia, Prússia, Suécia, Inglaterra, Espanha e Áustria.

O fantasma de Napoleão rondou o Congresso no seu andamento e somente após a chegada das notícias de Waterloo (18 de junho) que a tranquilidade se instalou nos ministros, depois da assinatura do “Ato Final”. Estes representavam quase todos os Estados e principados europeus, até os que não eram reconhecidos por alguns chefes, sendo que muitas destas questões foram colocadas em resolução. O ambiente era de total cosmopolitismo e de ostentações, festas e vaidades, com os mais importantes chefes das nações europeias17; D. Pedro circulava com total liberdade pelos principais salões de Viena, correspondendo-se com os mais importantes ministros acerca das pautas portuguesas, além de aumentar consideravelmente seu círculo de contatos, essencial para sua carreira ao retornar a Portugal.

As principais questões colocadas por D. Pedro de Sousa e os demais ministros, como o Caso da Guiana, não resultaram em grandes modificações do que já ficara acordado entre França e Inglaterra no tratado de Paris (1814); no entanto, os plenipotenciários portugueses além de D. Pedro, como Antonio Saldanha da Gama e Joaquim Lobo da Silveira, conseguiram que as definições fronteiriças entre a Guiana e a América portuguesa ficassem definidas na linha do Rio Oiapoque18. A questão da abolição da escravatura, colocada sobre forte pressão britânica19, e do tráfico de escravos ficara limitada ao norte da linha do Equador, o que provocara, na então ex-colônia e agora Reino Unido20, elevação aprovada em Carta de Lei de dezembro de 1815 no próprio Congresso, do preço médio dos escravos vindos da África, principalmente nas províncias do Norte do Brasil21. Em torno das indenizações que a França deveria pagar aos Estados lesados, Portugal não saíra com grandes quantias e, segundo Ana Faria22, a participação fora tão baixa quanto da Suíça e Dinamarca.

Uma das principais questões portuguesas no Congresso seria a restituição de Olivença pelos Espanhóis. Após o Tratado de Badajoz de 1801, que pôs fim a chamada Guerra das Laranjas e que deu ao espanhóis a soberania de Olivença desde o Rio Guadiana e suas possessões, que essa questão se arrastava pelos campos diplomáticos. Em 1808, já no Rio de Janeiro, D. João VI denunciara o tratado que seria, por D Pedro de Sousa, quando enviado a Cádiz (1810), retomado às negociações que, dentre outras coisas, determinava a devolução de Olivença aos portugueses; no entanto, este acordo não fora cumprido e não figurava no Tratado de Paris. Em Viena, dado o reconhecimento das demais nações da soberania portuguesa sobre Olivença, fora adicionado ao tratado um artigo que definia a devolução em favor de Portugal23. Por mais que a Espanha tenha reconhecido, à época, a soberania portuguesa, a devolução nunca veio a acontecer.

No entanto, a coroação da brilhante carreira de D. Pedro de Sousa aconteceria logo em seguida ao Congresso de Viena, com o seu envio como embaixador em Londres. Desde esse momento, o nome Palmela já era, mais que antes, conhecido e admirado na Europa24. A partir desse momento, mais particularmente após o movimento vintista e sua passagem pelo Brasil (1820), passa a ser uma importante figura de conciliaçao nacional.

Sempre a buscar um partido moderado e a simbiose dos diferentes interesses postos no jogo político, D. Pedro será figura-chave nas querelas pela coroa portuguesa após o Vintismo, sendo que suas raízes aristocráticas o farão25 ao mesmo tempo lutar pela soberania de D. Maria II e também ser alvo, em diversos momentos, da ira dos Miguelistas, mesmo depois de derrotados. A sua tentativa progressista de compor ministérios com ambas as partes, vistas como conciliatórias, foram rechaçadas e sua tomada de partido sempre colocada sobdúvida.

As ambiguidades do primeiro Duque de Palmela, sempre a ostentar “a gala da sua independência partidária”, acabaram por torná-lo mal visto até mesmo pela Rainha, acabando por isolá-lo do círculo palaciano. Conforme Maria de Fátima, no final de seu texto, apesar dos revezes de sua trajetória política, fora o único ministro português conhecido em todos os palácios europeus e sua casa uma das mais ricas e reconhecidas casas aristocráticas do Reino; de seu tempo, fora um dos mais representativos agentes da história portuguesa.

Notas

  1. Resenha submetida à avaliação em junho de 2015 e aprovado para publicação em novembro de 2015.
  2. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. Apologia da história política: estudos sobre o século XIX português. Lisboa: Quetzal Editora, 1999.
  3. Com larga carreira em ensino e pesquisa, fora professora da Universidade Nova de Lisboa de 1980 a 2006, tendo sido doutorada com agregação pela mesma universidade; licenciou-se em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e fora investigadora-coordenadora do Instituto de Ciências Sociais da mesma universidade até 2012.
  4. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. Um homem singular: biografia política de Rodrigo da Fonseca Magalhães (1787-1858). Lisboa: D. Quixote, 2013.
  5. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. D. Maria II: 1819-1853. Lisboa: Temas e Debates, 2007.
  6. D’ANDLAU, Béatriz (Org.). Correspondência de Madame de Staël e Dom Pedro de Souza. Lisboa: Quetzal, 2010.
  7. Ao estar com o pai em Roma, ainda com vinte e quatro anos, D. Pedro de Sousa conhece a famosa romancista francesa (1804), Mme de Stäel que viaja à Itália para recolher notas a um novo romance. A efusiva correspondência entre os dois demonstra um longo relacionamento, com cartas inflamadas e saudosas. Com o retorno do Duque a Portugal, a correspondência passa a cessar nomedamente depois dos planos de casamento de D. Pedro. Cf. CAMPOS, Claudia. A Baronesa de Estäel e o Duque de Palmella. Lisboa: Tavares Cardoso & Irmão, 1901.
  8. BONIFÁCIO, Maria de Fátima. Memórias do Duque de Palmela. Lisboa: D. Quixote, 2011.
  9. Cf. URBANO, Pedro. A casa Palmela. Lisboa: Livros Horizonte, 2008.
  10. Filho de D. Alexandre de Sousa Holstein, Conde de Sanfré, e de D. Isabel Juliana de Sousa Holstein; D. Alexandre já tinha desempenhado na diplomacia diversos cargos, Embaixador em Copenhaga (1785-1789), Berlim (1789-1790), Viena (1790) e Roma (1808-1803) para onde leva o filho. Desde então, D. Pedro adquire o gosto pelos mais requintadores salões da política europeia do período, tendo contato com as mais importantes famílias.
  11. BONIFÁCIO, Memórias…op. cit.
  12. BONIFÁCIO, Memórias…op. cit. p.83: “Não confundir com o Tratado de Aliança e Amizade também celebrado em 1810, destinado a regular as relações políticas entre Portugal e a Grã-Bretanha durante o domínio napoleônico na Europa, tendo sido abolido na sequência da Paz Geral oficializada pelo Congresso de Viena em 1815”.
  13. Cf. FARIA, Ana Leal de. Arquitectos da paz: a diplomacia portuguesa de 1640 a 1815. Lisboa: Tribuna, 2008. p.152-157.
  14. Segundo Maria Amália Vaz de Carvalho (1898, p.293, nota I), o Congresso nunca possuiu uma “abertura”, não havendo a constituição efetiva de um Congresso; na prática, apenas algumas comissões entre ministros plenipotenciários foram instaladas, com assinaturas de tratados unilaterais ou de interesses comuns que foram feitos. No final de todas essas negociações, em 19 de junho de 1815, há a assinaura de um Ato final do Congresso de Viena. Cf. CARVALHO, Maria Amália Vaz de (1898). Vida do Duque de Palmela D. Pedro de Sousa e Holstein. Lisboa: Imp. Nacional, 1898.
  15. O temor inicial das demais nações era que a presença de mais uma nação alinhada com os interesses ingleses pudesse representar um voto a mais para o Império Britânico, para além da já presença de uma nação Ibérica, a Espanha. Cf. CARVALHO, Maria Amália Vaz de (1898), p.292-294.
  16. BONIFÁCIO, O primeiro Duque…op. cit., p. 28.
  1. Cf. ZAMOYSKI, Adam. Ritos de paz: a queda de Napoleão e o Congresso de Viena. São Paulo: Record, 2012.
  2. Cf. ALÇADA, Isabel; FERNANDES, Paulo Jorge. MAGALHÃES, Ana Maria. As invasões francesas e a Corte no Brasil. Lisboa: Caminho, 2011. p.216-219.
  3. Cf. VICK, Brian E. The Congress of Vienna: power and politics after Napoleon. London: Havard University Press, 2014. p. 196-198.
  4. Segundo FARIA, op cit., p.157, fora a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal que permitiu as negociações que conseguiram consumar o casamento do Príncipe D. Pedro com D. Carlota Josefina Leopoldina de Habsburgo (maio de 1818).
  5. Cf. GALVES, Marcelo Cheche. The Congress of Vienna and the matter of slavery in the North of the Portuguese America. In: THE CONGRESS OF VIENNA AND ITS GLOBAL DIMENSION, 2014, Vienna. Book of abstracts… Viena: Universitat Wien, 2014. v. 1. p. 9.
  6. FARIA, op cit., p.156-157.
  7. Cf. MENDONÇA, Antonio Pedro Lopes de. Notícia histórica do Duque de Palmella. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859. p.36-39.
  8. BONIFÁCIO, O primeiro Duque…op. cit., p.30-32.
  9. Ibid., p. 57-59.

Romário Sampaio Basilio – Mestrando em História Moderna e dos Descobrimentos, Universidade Nova de Lisboa, FCSH, Lisboa, Portugal. E-mail: E-mail: [email protected].


BONIFÁCIO, Maria de Fátima. O primeiro Duque de Palmela: político e diplomata. Lisboa: D. Quixote, 2015. Resenha de: BASILIO, Romario Sampaio. A Diplomacia portuguesa no Congresso de Viena (1815): a trajetória do primeiro Dugue de Pamela, D. Pedro de Sousa Holstein. Outros Tempos, São Luís, v.12, n.20, p.288-292, 2015. Acessar publicação original. [IF].

 

A Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo – MATOS (LH)

MATOS, Luís Salgado deA Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo. Lisboa: D. Quixote, 2011. Resenha de: CARVALHO, David luna de. Ler História, v.65, p. 179-181, 2013.

1 O livro A Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo de Luís Salgado Matos apresenta logo no subtítulo uma indicação preciosa sobre o seu contributo para a historiografia, a de que também houve concórdia no processo de separação do Estado da Igreja! Segundo o autor, o próprio processo de implementação da Lei da Separação demonstra mesmo que numa fase inicial o projeto da lei era de molde a não levantar problemas; devido a um acordo tácito entre o Estado e a Igreja as cultuais eram, na prática, voluntárias e o culto paroquial livre.

2 Não saindo da tradicional vertente da história da I República – a História Política – Luís Salgado Matos inova no entanto ao demonstrar que cada um dos dois intervenientes no processo em análise, o Estado e a Igreja, longe de serem entidades homogéneas, decompunham-se numa heterogeneidade de protagonistas e interesses contraditórios. Para exemplo podemos ver como o autor avalia a sensibilidade em matéria religiosa por parte do Estado, ou seja dos republicanos. A existência de diversas sensibilidades como as dos evolucionistas e unionistas, adeptos de uma política de atração e para quem a Igreja só devia ser reprimida se fizesse política contra a República, até aos democráticos, considerados como os mais radicais e para quem defender a República era reprimir a igreja já era conhecida, mas Salgado Matos debruça-se ainda sobre outra categoria, a dos laicistas. O autor demonstra que os mais radicais não foram os democráticos, mas sim os laicistas. Estes consideravam a religião como algo a extinguir ao contrário dos democráticos que a concebiam de um modo positivo.

3 Partilhando a conceção de que a questão religiosa foi central na «vida e morte» da I República, Salgado Matos demonstra como a organização política esteve refém da «dialética dos extremos», quer no interior do Estado Republicano quer no da Igreja Católica. No campo republicano, o do Estado, a tendência laicista mais radical pressionava a corrente laica e no campo do Catolicismo os católicos monárquicos constitucionais, representados pelo rei exilado, D. Manuel, pressionavam a hierarquia eclesiástica e os partidários da indiferença face à questão do regime político, como os membros do Centro Católico.

4 Os republicanos laicos, pretendendo um relacionamento com o topo da hierarquia católica, o Vaticano, não conseguiam dissociar-se de um laicismo intolerante, de tal modo que fundamentavam a importância dessa relação praticamente apenas na salvaguarda do empreendimento colonial. A hierarquia católica, reforçada por já não partilhar o seu poder com o Estado Regalista, não se demarcou das ofensivas monárquicas e do próprio constrangimento proveniente do rei exilado ser considerado um rei «fidelíssimo», tornando-se «refém do seu imaginário de vítima perseguida».

5 No cerne de toda a questão religiosa esteve, segundo o autor, a questão da personalidade jurídica da Igreja Católica. Contrariamente às teses que consideram que o Estado republicano era irredutível, atribuindo a personalidade jurídica apenas à associação dos cidadãos crentes em cultuais e que a Igreja também o era, considerando apenas a hierarquia eclesiástica, para Luís Salgado Matos houve entendimentos que consideravam soluções intermédias. Estas soluções existiam no próprio texto da lei, pois as cultuais aí consagradas constituíam mais de que uma categoria, além das cultuais a serem criadas de novo existiam também as cultuais baseadas em organizações tradicionais como as misericórdias, irmandades e outras instituições seculares da Igreja. Ainda que as Irmandades tivessem de alterar os seus estatutos, muitas não o fizeram, não sendo postas em causa e, além disso, não tardou que existisse legislação atribuindo ao clero a acreditação dos membros cultualistas como católicos. Esta foi uma solução de compromisso aceite pelos moderados de ambas as partes e contrariada pelos seus extremistas, demonstrando que a Lei da Separação portuguesa não era uma cópia da lei francesa de 1905, mas sim uma lei original.

6 As irmandades foram, segundo o autor, o terreno de encontro entre o Estado e a Igreja e esta prática remontava ao Estado monárquico liberal. O desejo dos republicanos laicos era o de uma reconfiguração que não abandonasse totalmente o regalismo, tendo chegado a negociar com o Vaticano e com os bispos antes da publicação da Lei da Separação, algo que o papa de então, Pio X não aceitou. Posteriormente, sobretudo devido a um novo papa, Bento XV, advogando uma política de ralliement, e a Sidónio Pais, com medidas segundo as quais os associados teriam de ter o aval do clero, a questão religiosa foi resolvida em termos institucionais.

7 Com o cuidado de não equiparar a separação da Igreja do Estado com a Lei da Separação, pois que aquela foi realizada também em muitas medidas anteriores a esta, a tese fundamental de Salgado Matos é a de que nem o Estado nem a Igreja pretendiam a separação que acabou por ocorrer, mas após o processo se ter iniciado cada uma das entidades foi ultrapassada e os seus objetivos alterados de um modo antes inimaginável. A divulgação da pastoral dos bispos em fevereiro de 1911 constituiu o marco dessa clivagem, não obstante o culto ter prosseguido com normalidade na maioria das paróquias. Mesmo com a sua conciliação depois da primeira guerra, nem o Estado republicano nem a Igreja católica tinham conseguido dominar os seus extremistas.

8 Sendo eu próprio um historiador da «Separação» em Portugal, embora numa perspetiva menos política e mais social e cultural, as conclusões de Luís Salgado Matos são particularmente preciosas, não apenas por aquelas que são coincidentes, mas também devido às que são divergentes.

9 No que respeita a conclusões convergentes com as minhas existe uma coincidência fundamental, concluímos ambos não ter existido uma guerra religiosa no processo de laicização e o autor considera que esse processo não constituiu uma perseguição, mas apenas um combate, com a «violência de forças opostas».

10 No respeitante a conclusões divergentes será muito interessante tentar perceber a sua razão de ser. Pela minha parte pude concluir que a faceta mais conflitual da «Separação» se tinha verificado no contexto da realização dos cultos, pois a grande maioria dos tumultos inventariados referia o constrangimento desses atos como pretextos de rebelião. Para Luís Salgado Matos, porém, o fulcro do conflito entre o Estado e a Igreja foi o da organização dos cultos uma vez que colocava em causa a personalidade jurídica da Igreja. Creio que esta divergência se deve exatamente ao diferente tipo de universo que ambos estudámos, no meu caso observei as reações dos fiéis comuns face aos implementadores locais da lei, enquanto Luís Salgado Matos observou essas reações sobretudo no topo das duas esferas, o Estado e a Igreja. Mais difícil de explicar é o autor não ter atribuído importância à «Lei do Registo Civil Obrigatório», anterior à «Lei da Separação», no que diz respeito à sua prescrição de proibição do cortejo fúnebre religioso no espaço público. Na minha inventariação de conflitos o maior pico mensal de tumultos verificou-se precisamente após a implementação dessa medida. Porque não terá havido eco nas esferas superiores da contenda, quando sabemos que foi a única ocasião em que os mais altos representantes do Estado republicano consideraram a possibilidade de um «conflito passional de natureza religiosa»?

11 A terminar uma breve alusão positiva à preocupação do autor em explicitar constantemente o significado de muitos conceitos pouco acessíveis a quem não tiver alguma especialização neste domínio, algo que não é muito vulgar!

David Luna de Carvalho – Doutorado em História Contemporânea e investigador do Centro de Estudos de História Contemporânea (ISCTE-IUL). E-mail: [email protected].

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