Festas / Revista Brasileira de História / 2011

Neste ano de 2011 a Revista Brasileira de História completou 30 anos. Criada em 1981 com o objetivo de se constituir em um canal de divulgação da produção dos professores e historiadores brasileiros, teve o intuito inicial de suprir o vazio deixado pelo fim da publicação dos Anais dos Simpósios da Anpuh, em 1978, e veio ao encontro das conquistas no campo científico e da necessidade de sua divulgação. De acordo com a apresentação da professora Alice Canabrava, sua primeira editora, uma parte do periódico deveria dar publicidade a artigos originais sobre pesquisas de História ou de seu interesse. A atualização permanente com respeito à bibliografia histórica seria objeto de outra seção. Foi considerada, de início, especialmente a produção dos periódicos consagrados à História, nacionais e estrangeiros, no sentido de proporcionar aos professores e pesquisadores uma contribuição que viesse suprir a carência das bibliotecas universitárias. Essa informação bibliográfica deveria ser ampliada para divulgar também comentários de obras históricas. Finalmente, o “Noticiário” deveria tornar mais conhecida a atividade dos Núcleos Regionais, “dar maior publicidade aos conclaves de História realizados no país e no exterior e a outros assuntos de interesse para os que militam no campo da História” (RBH, v.1, n.1, 1981, p.9).

Com periodicidade semestral, a RBH já alcançou a publicação de 62 números. A partir do número 59, a Revista iniciou uma nova etapa, passando a ser somente digital e a oferecer uma versão em inglês. Essas inovações visam ampliar o escopo de circulação do periódico, permitindo o acesso à nossa produção de um público não conhecedor da língua portuguesa, bem como agilizar a consulta dos volumes novos e antigos. Um balanço dos acessos aos números mais recentes da RBH na internet nos mostra a dimensão e a repercussão que nossa produção pode alcançar através da web. Nos últimos dez números, a quantidade de acessos por mês foi superior a 20 mil (mais de 240 mil / ano), uma abrangência impensável para os impressos, confirmando a grande importância da internet na disseminação dos conteúdos da Revista e fazendo da web um instrumento precioso para a divulgação da historiografia produzida no Brasil e sobre o Brasil.

No segundo semestre de 2011 atingimos um novo marco importante. Com o objetivo de ampliar a internacionalização da produção acadêmica brasileira, a Capes decidiu apoiar dois periódicos por área, ao longo de cinco anos, com a intenção de convertê-los em referências. Em nossa área optou-se por edital interno em que poderiam concorrer todas as revistas classificadas entre Qualis A1 e B2. Responderam ao convite 12 revistas, então avaliadas por um comitê escolhido especificamente para esse fim. Entre as duas selecionadas, a Revista Brasileira de História foi escolhida por unanimidade. Essa aprovação não só representa o reconhecimento da importância do papel da RBH e da Anpuh, mas também nos permitirá alcançar um novo patamar, podendo ampliar o número de artigos publicados, produzir a edição trilíngue – em espanhol e inglês – e alcançar uma maior interação com a comunidade internacional de historiadores.

Neste número elegemos para o dossiê o tema “Festas”, que surgiu sem anúncio prévio e como resultado do grande interesse despertado para o número anterior, “Comemorações”. Em verdade, a grande oferta de mais de 110 textos focalizando celebrações, festejos e eventos vinculados à construção de memórias e identidades, já aprovados por pareceristas, nos levou a optar por abrir um novo dossiê. Como historiadores, sabemos que comemorar não é um ato sem maiores implicações, pois envolve escolhas e projetos e funciona para estabelecer laços identitários entre diferentes grupos sociais. E é exatamente porque permitem legitimar e atualizar identidades que as celebrações públicas ocupam um lugar central no universo contemporâneo.

Para este dossiê foram selecionados cinco artigos. Iniciamos com o texto de Petrônio José Domingues, “‘A redempção de nossa raça’: as comemorações da abolição da escravatura no Brasil”, que focaliza em São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, como estratos da população negra saíam às ruas todo ano para comemorar o 13 de Maio – data da abolição –, por meio de romarias, missas, conferências cívicas, discursos solenes, festivais artístico-culturais, bailes, música, dança e teatro, quase sempre embalados por um clima de emoção e alegria. O segundo artigo, de Jocelito Zalla a Carla Menegat, trata da “História e Memória da Revolução Farroupilha” com o objetivo de apresentar um panorama das manifestações em torno dessa revolução, desde o próprio episódio até sua consolidação como mito fundador da identidade regional no Rio Grande do Sul. Isabel Bilhão, em “‘Trabalhadores do Brasil’: as comemorações do Primeiro de Maio em tempos de Estado Novo varguista”, analisa as mudanças e permanências em seus rituais comemorativos, bem como as estratégias de preparação, apresentação e legitimação de suas comemorações por parte do governo. Crislane Barbosa Azevedo no trabalho “Celebração do civismo e promoção da educação: o cotidiano ritualizado dos Grupos Escolares de Sergipe no início do século XX” busca compreender o funcionamento cotidiano de tais instituições por meio da identificação e análise dos diferentes eventos de caráter escolar e cívico. Lucileide Costa Cardoso em “Os discursos de celebração da ‘Revolução de 1964′” aborda aspectos desses discursos construídos pelos militares entre os anos de 1964 e 1999, através dos quais buscaram explicitar as motivações da articulação do Golpe de Estado, a estruturação do regime e o seu desfecho em 1985. O objetivo, portanto, é analisar as concepções de história, o sentido e o caráter das comemorações, estabelecendo regularidades que possam elucidar a estruturação do pensamento anticomunista e autoritário em disputa no campo da memória por uma determinada apropriação do passado.

A seção se avulsos apresenta sete artigos: Andre de Lemos Freixo, em “Um ‘arquiteto’ da historiografia brasileira: história e historiadores em José Honório Rodrigues”, analisa a história da historiografia brasileira segundo a perspectiva de José Honório Rodrigues (1913-1987), como parte dos esforços que na década de 1930 começaram a investir nos aspectos profissionais da História como disciplina no Brasil – enfatizando, por exemplo, a função central da metodologia histórica como diferencial frente às escritas amadoras. Juliana Pirola da Conceição e Maria de Fátima Sabino Dias no artigo “Ensino de História e consciência histórica latino-americana” apresentam a pesquisa desenvolvida sobre a contribuição dos conteúdos latino-americanos na grade curricular de ensino para a formação histórica dos jovens na escola. Letícia Borges Nedel em seu texto “Entre a beleza do morto e os excessos dos vivos: folclore e tradicionalismo no Brasil meridional” examina a participação gaúcha no autodenominado Movimento Folclórico Brasileiro, entre as décadas de 1940 e 1960. Cássia Rita Louro Palha em “Televisão e política: o mito Tancredo Neves entre a morte, o legado e a redenção” aborda a produção cultural da televisão brasileira, em especial da Rede Globo de Televisão e de seu telejornalístico Globo Repórter no desaguar da chamada ‘abertura política’, tendo como mote a veiculação da imagem política de Tancredo de Almeida Neves e os processos de construção simbólica que envolveram a sua mitificação. Carolina Amaral de Aguiar no artigo “Cinema e História: documentário de arquivo como lugar de memória” analisa o filme A espiral (1975), um documentário que focaliza a Unidade Popular no Chile com base em materiais pesquisados em arquivos. José Iran Ribeiro em “O fortalecimento do Estado Imperial através do recrutamento militar no contexto da Guerra dos Farrapos” analisa o significativo crescimento e atuação do Exército Imperial brasileiro e a capacidade das autoridades em recrutar efetivos necessários para o fortalecimento da autoridade imperial. Jorge Pimentel Cintra e Júnia Ferreira Furtado no texto “A Carte de l’Amérique Méridionale de Bourguignon d’Anville: eixo perspectivo de uma cartografia amazônica comparada” analisam do ponto de vista da cartografia alguns mapas da região amazônica de meados do século XVIII que visavam à produção de um documento que servisse de base para as negociações do Tratado de Madri.

Neste número publicamos também uma entrevista com Bartolomé Clavero, catedrático da Universidad de Sevilla com vasta obra na área de história do direito e das instituições. A entrevista foi coordenada por Ivan de Andrade Vellasco e realizada em abril de 2011.

Este número apresenta ainda duas resenhas. Tereza Maria Spyer Dulci escreve sobre o livro O dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil (Ed. Unesp, 2010), de Luís Cláudio Villafañe Santos, e Carlos Roberto Figueiredo Nogueira analisa Inventar a heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição (Ed. Unicamp, 2009), organizado por Monique Zerner.

Completam esta apresentação textos em homenagem a Maria Yedda Leite Linhares (titular da UFRJ) e Eni de Mesquita Samara (titular da USP), ambas destacadas professoras e historiadoras brasileiras, falecidas neste ano.

Mais uma vez convidamos nossos leitores a consultar o site da Anpuh e do SciELO e baixar nos computadores ou nos leitores digitais os artigos de seu interesse.

Marieta de Moraes Ferreira
dezembro de 2011


FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.31, n.62, dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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