Fragilidad humana y ley natural: cuestiones disputadas en el Siglo de Oro – CRUZ (FU)

 

CRUZ, J.C. Fragilidad humana y ley natural: cuestiones disputadas en el Siglo de Oro. Pamplona: Ediciones de la Universidad de Navarra, 2009. (Colección de Pensamiento Medieval y Renacentista). Resenha de: CULLETON, Alfredo. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.1, p.108-110, jan./abr., 2010.

Este é o volume 111 da coleção Pensamiento medieval y renascentista que as Ediciones de la Universidad de Navarra, S.A., nos oferecem desde 1999, sob a direção do próprio Juan Cruz Cruz. Em um formato econômico, mas de excelente qualidade editorial, é-nos oferecido o resgate de uma importante parte da história da filosofia ocidental dos clássicos do pensamento medieval e renascentista, sobretudo da Escolástica Ibérica. Dificilmente encontraremos na história da filosofia um período de tamanha sinergia entre história, teologia, filosofia e direito. Foi um tempo em que as melhores respostas políticas exigiram referências a sofisticados conceitos filosóficos, que, por definição, aspiram à eternidade, no sentido de transcender tempo e circunstâncias.

No chamado Século de Ouro (XVII), destacados teólogos e juristas de diversas nacionalidades teriam o desafio de escrever comentários sobre os aspectos teológicos, metafísicos, lógicos, jurídicos, legais e políticos da obra do Aquinate e de outros importantes pensadores antigos, medievais e renascentistas. Nesse empreendimento não somente atualizaram as idéias do seu mestre Tomás, como introduziram uma nova filosofia política e do direito, que influenciou significativamente a história da América.

Para alguns investigadores, esse movimento representa um episódio isolado na história intelectual europeia; para outros, o debate acerca da sua filosofia política e jurídica é fundamental por razões históricas e sistemáticas. De um lado, estão aqueles que sustentam que essa segunda Escolástica representa um retorno à mais genuína teoria aristotélico-tomista, dependentes de suas noções de lei natural e direito, considerados como objetos da justiça e afirmando um direito objetivo. De outro lado, estão aqueles que asseguram que, embora esses teólogos-juristas aparentemente se mostrem fiéis seguidores de Aristóteles e Tomás, efetivamente consideram o direito como uma faculdade ou liberdade individual, isto é, como um direito subjetivo. Assim, podemos entender esses escolásticos como fortemente influenciados pela tradição franciscana, eventualmente precursora de um contratualismo político.

A maneira como esse vivo diálogo teológico-político-jurídico se desenvolveu entre Suarez, Vitória, Las Casas, Soto, Bañez, Luis de León, Bartolomé de Medina, a maneira como teve continuidade no continente americano, a maneira como os conflitos políticos e sociais das Américas encontraram um eco teórico na Espanha, bem como a significativa influência desses pensadores – e dos conceitos desenvolvidos por eles – sobre os movimentos revolucionários que levaram à independência dos diferentes países são novos tópicos não apenas de interesse histórico, mas de extrema importância filosófica.

Os conceitos de fragilidade humana e de lei natural são conceitos-chave nessa discussão; em cada um desses conceitos os autores trarão as suas maneiras peculiares de interpretar Aristóteles, Tomás e as suas respectivas antropologias, que redundarão em formulações políticas e morais da maior relevância.

Juan Cruz Cruz, catedrático da universidade de Navarra, é erudito na matéria que se permite, com toda a naturalidade, fazer uma retrospectiva introdutória aos mais elementares conceitos como os de razão, natureza e lei, que irá facilitar àqueles que estão pouco familiarizados com a temática o trânsito com fluidez pelos capítulos seguintes, mais densos e detalhados nas disputas conceituais entre os autores.

Os autores do Século de Ouro se valem de um rico instrumental lógico, antropológico e ético para encontrar na lei natural o sentido da atuação moral. A razão prática que objetiva tal lei natural é afetada, segundo a tradição medieval, por três tipos de contingências: a da finitude (fragilidade entitativa), a da liberdade e a da sensualidade (fragilidade operativa). Os capítulos desse livro estão configurados à luz dessa tríplice contingência.

A obra conta com duas partes compostas de cinco capítulos cada uma. Na primeira delas, o autor analisa os conceitos básicos da lei natural assim como são tratadas pelos autores, suas peculiaridades, o seu fundamento formal, o resgate da ideia aristotélica de epiqueia, sua relação com o discernimento, a lei e a justiça; as exceções à lei natural, em que casos e desde que perspectiva; valendo-se de Domingo Soto, Cruz apresenta brilhantemente o paradoxo da mentira, segundo o qual a verdade se constitui em um direito do ouvinte ao qual estão submetidos igualmente os governantes.

Ainda na primeira parte, o quinto capítulo é dedicado à tensão dialética entre vontade e liberdade, entre o voluntário necessário e o voluntário livre, em que o conhecimento e a teleologia vão exercer um papel preponderante, e no qual a necessidade natural não é incompatível com a dignidade da vontade, mas a esta só se opõe a necessidade de coação.

A segunda parte trata das projeções da lei natural, especialmente o direito das gentes. O autor vai usar as próprias palavras de Vitória para distinguir este conceito daquele de direito natural. Dirá ele que a clássica definição de direito natural como aquilo que é adequado a outro pela própria natureza pode ser entendido de duas maneiras. A primeira, quando de por si (de se) corresponde a certa equidade ou justiça, como no caso de devolver o que foi emprestado ou de não querer para o outro aquilo que não se quer para si; a segunda, quando é considerado adequado a outro não em si, mas de acordo com outra coisa (ad aliud), como no caso da divisão da propriedade que não é uma exigência de justiça em si, mas se ordena a outros valores que podem ser a paz ou a concórdia, que não podem existir ou ser preservadas se as pessoas não possuem certos bens básicos, e é por isso que a distribuição de renda corresponde ao direito das gentes. O que é adequado e absolutamente justo no primeiro modo é de direito natural, dirá Cruz (p. 143-144), e o que é adequado e justo do segundo modo, enquanto ordenado a outra coisa, será chamado de direito das gentes. Esse direito das gentes desenvolvido pelo direito romano é retomado e amplamente estudado por Suarez, Vitória e Soto e será de grande importância na política e na relação com os povos não cristãos, especialmente nas Américas.

Cabe destacar um excelente comentário exegético e hermenêutico de Cruz a uma carta de 1534, escrita por Francisco de Vitória e endereçada ao padre Arcos – tratando sobre negócios das Índias, referindo-se especialmente ao tratamento que certos conquistadores do México e do Peru davam aos indígenas –, valendo-se de conceitos como os de direitos humanos e de dignidade, dificilmente atribuídos aos autores desse período.

Outra riqueza dessa obra que deve ser registrada é a minuciosa referência aos textos clássicos de Aristóteles e Tomás de Aquino, bem como de cada um dos autores estudados, sendo sempre mencionadas as edições mais atualizadas.

Alfredo Culleton – Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, RS, Brasil. E-mail: [email protected]

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