História do esporte / História – Questões & Debates / 2020

I

Embora ocorra uma confusão conceitual relacionada à gênese do esporte – seja no âmbito acadêmico ou leigo – em essência, confundindo práticas ritualísticas de civilizações antigas com as atividades corporais sistematizadas que surgiram, sobretudo, ao longo do século XIX, não há como negar que a ideia de competitividade tem uma origem remota. Provavelmente até mais distante do que os antigos jogos realizados nas diversas pólis gregas (o mais conhecido era, obviamente, aquele realizado em Olimpia) e os combates entre gladiadores (atividade de entretenimento popular pelos recônditos do mundo romano), a competição pode, de forma grosseira, remeter à luta por alimento, inclusive contra outras espécies. Talvez o ímpeto à competição esteja ali, impresso em nosso código genético, relacionado à adrenalina, aquele hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais tão propalado por nos preparar para a movimentação intensa e súbita. Ainda no plano especulativo, é uma possibilidade que a descarga hormonal que nos levava a correr de um predador ou atrás de uma presa ou ainda a lutar pela sobrevivência ou por alimento, hoje, desnecessária, leve-nos a uma busca – tremendamente difícil de explicar – por uma espécie de catálise. Buscamos, despropositadamente, a prática física competitiva, mesmo que seja apenas para apreciá-la.

O que conhecemos, no seu formato acabado de hoje, como esporte – mesmo sendo registradas algumas iniciativas pontuais e prematuras no final do século XVIII – surgiu, considerando o seu volume, na segunda metade do século XIX, na Europa recém industrializada. Não se tem como negar que o processo de industrialização levou ao surgimento de grandes metrópoles que, por sua vez, foram ponto fulcral para que aquelas práticas físicas se desenvolvessem. Porém, atualmente, existem outros aspectos que são considerados pelos estudiosos dos esportes e práticas corporais, como fundamentais para que estes se transformassem em uma exibição de vigor físico, destreza e estética corporal de considerável impacto na sociedade contemporânea. O primeiro e mais evidente – e que, por incrível que possa parecer, passou desapercebido do meio acadêmico por um bom tempo – foi o avanço da tecnologia agrícola, o que permitiu que, ao menos a uma parcela considerável do mundo dito civilizado, houvesse um aumento do consumo alimentar. Não é de se estranhar, então, que durante a Idade Média, na Europa, fosse observada uma carência de atividades físicas (ao menos, as lúdicas sem propósito) tendo em conta que o consumo calórico médio era algo em torno de 1.500 calorias. Sabe-se hoje que consumo energético semelhante, perdurado por um tempo relativamente longo, leva à subnutrição. Logo, um indivíduo que mal tinha força para a labuta diária, não apresentaria, consequentemente, vontade de se exercitar além do necessário. O segundo aspecto foi o significado social que o tempo livre obteve na modernidade. Ter tempo disponível, seja para viajar com fins turísticos, praticar esportes ou exercícios físicos regularmente ou até mesmo para, simplesmente, “flanar” pelas cidades sem ter necessidade de um horário definido para o retorno, passou a ser um símbolo de status social. O golfe e o tênis, por exemplo, estão historicamente entre as modalidades mais elitistas e uma condição elementar para isso é que não existe uma definição precisa de tempo para duração de uma disputa. Uma partida pode durar quatro ou cinco horas e os competidores sabem desta possibilidade desde o início, sendo assim, são donos do seu próprio tempo. Não necessitam se preocupar em ter que interromper a prática no meio devido aos compromissos laborais típicos do dia a dia. Ao contrário, modalidades que caíram rapidamente no gosto popular – como o futebol americano, rúgbi, futsal e basquete – apresentam um tempo previamente definido, embora, para manter o senso de justiça, o cronômetro seja paralisado em momentos previstos nas regras. O futebol de campo foi mais longe: o tempo nunca para, então o praticante e / ou apreciador pode saber com a precisão variável de alguns poucos minutos (os acréscimos) o horário de início e encerramento da disputa.

O esporte, aquele surgido no novecentos, atualmente, galgou tamanha popularidade a ponto de ser considerado um fenômeno social. No início, tinha um interesse apenas restrito, o dos jovens (homens) praticantes em busca de um corpo estético renascentista, de sociabilidade e – com algumas exceções – de um símbolo de distinção social. Mas não foi necessário mais do que alguns anos para que passasse a angariar também apreciadores com outros perfis. É possível que este público interessado, os “simpáticos aos esportes”, reles apreciadores chamados de “a assistência”, fosse formado por minorias excluídas do processo: mulheres, idosos, deficientes, inábeis ao esforço físico, enfim. Só que a presença de interessados / curiosos, além dos próprios esportistas, nos locais de realização das práticas fez com que estas se transformassem em eventos sociais. Consequentemente, despertando também a atenção da mídia (ainda circunscrita aos diários e revistas). Quando a presença do público se avolumou, ganhou também outro significado: o de parte ativa do espetáculo esportivo. A “assistência” virou torcida.

Não é estranho, assim, que aqueles grupos minoritários, vetados na sociogênese da prática esportiva, gradativamente (e não na velocidade que gostaríamos), fossem incluídos e ganhassem o seu devido espaço. Além do crescimento do esporte de mulheres, também é sensível o crescimento do esporte para deficientes, sobretudo, nas últimas décadas. Hoje o esporte – com um pouco de otimismo – tem a capacidade de comportar a diversidade com dignidade e respeito. Embora existam inevitáveis aspectos biológicos que impliquem em subdivisões por sexo, peso, idade e até nível de rendimento – obviamente, variando de acordo com a modalidade – para assegurar condição de igualdade na disputa. Esta salutar diversidade se manifestou nas temáticas que compõem este dossiê, como será detalhado adiante.

Mas explicar o súbito e contínuo crescimento da popularidade do esporte talvez seja uma tarefa tão árdua quanto descobrir os motivos da queda de Roma. Dentre os principais aspectos que podemos, por enquanto, somente especular, constam: 1- o sentimento de pertencimento a um grupo, condição que, como explica a Psicologia Social, traz segurança; 2- a adequação ao discurso médico-científico, o qual considera o esporte um suposto meio à saúde (é fato que hoje o esporte de rendimento se afasta cada vez mais desta máxima); 3- a percepção generalizada de que o esporte segue (mesmo com vários desvios) princípios humanistas e civilizados; 4- estar, desde o início, coadunado a um dos valores mais marcantes nas sociedades contemporâneas, o de família.

É fato que tais aspectos, juntos a outros secundários, alçou o esporte a mais marcante atividade de entretenimento global. Seria inevitável que uma das consequências paralelas ao seu desenvolvimento e popularização fosse a sua expansão econômica e hoje podemos crer em uma quase inesgotável indústria de consumo do esporte. Além do consumo direto dos espectadores / torcedores, seja comprando ingressos e assistindo in loco ou pela TV e pelas emergentes plataformas digitais, existe um interesse cada vez maior por bens de consumo derivados: vestuário com alto recurso tecnológico; bebidas, alimentos e suplementos que aumentam o rendimento; equipamentos específicos a cada modalidade; o turismo com fins esportivos (tanto para assisti-los quanto para praticá-los); produtos ligados aos cuidados com o corpo (cremes, desodorantes, etc.); mídias diversas (revistas especializadas, programas de debates televisivos, lives em plataformas digitais); enfim tudo isto é avidamente consumido.

II

É certo que nem o mais bem informado cientista do mundo poderia antecipar, no findar de 2019, que teríamos, já no início de 2020, uma pandemia de impacto global. Tampouco que tal pandemia – entre consequências muito mais graves, como a morte de centenas de milhares de pessoas – poderia resultar no adiamento por um ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Nós, então, não poderíamos continuar a apresentação deste dossiê se não com adjetivos como inacreditável, terrível, lamentável e pesaroso.

Quando propusemos às editoras da Revista História, Questões e Debates a temática história dos esportes para um dossiê temático, a ideia era exatamente aproveitar a aproximação dos XX Jogos Olímpicos, aqueles que seriam realizados em agosto. A ideia foi bem aceita, a chamada do dossiê foi lançada e, mesmo sem a realização do principal evento esportivo do mundo, a recepção da proposta por parte de nossos pares foi amplamente aceita. Recebemos quase três dezenas de artigos sobre o tema, dos quais, preservando as normativas da própria revista, foram selecionados os onze que compõem o dossiê.

A nossa preocupação como organizadores foi, primeiramente, preservar a multiplicidade temática. Sabíamos que, ainda mais no Brasil, existe uma predominância do futebol como modalidade de maior popularidade e tal condição não poderia deixar de se refletir no meio acadêmico. Com o agravante de que a própria Revista História, Questões e Debates já havia publicado anteriormente um dossiê acerca do tema – Futebol, Sentimento e Política (2012), organizado por Luiz Carlos Ribeiro. Para o nosso alento – embora, inevitavelmente, o futebol tenha sido a temática central de maior predominância dentre as submissões – recebemos propostas ecléticas o que assegurou que o dossiê se concretizasse, efetivamente, como de história do esporte.

Abrimos o dossiê com o artigo mais panorâmico, mas no sentido mais rico que o termo possa significar. Com maturidade acadêmica e requinte intelectual, JeanFrançois Loudcher em Processo civilizador e transformações sociais: uma análise das teorias elisianas em relação às Ciências Sociais do Esporte, revisa as possibilidades de uso da teoria de Norbert Elias nos estudos acerca dos esportes. Loudcher não idealiza Elias, respeita-o como intelectual que formulou um modelo histórico / interpretativo das sociedades (principalmente as ocidentais), mas não nega suas limitações e fragilidades.

Prova da amplitude das temáticas presentes são os artigos sobre os esportes ditos californianos. Dropando sobre as pranchas: os impactos das transformações conceituais das práticas do surfe e do skate refletidos no anúncio do Comitê Olímpico Internacional, escrito por Monique de Souza Sant’Anna Fogliatto e José Carlos Marques, trata, evidentemente, da completude da esportivização de tais práticas. Pensar que o surfe e skate carregavam junto a si nos anos 1980 / 90 o ideário “estilo de vida”, cuja principal característica era a aversão às regras (basta lembrarmos do impactante Kids de Larry Clark ou do descolado Caçadores de Emoção de Kathryn Bigelow) e que hoje são modalidades olímpicas altamente regradas é uma mostra do constante movimento adaptativo dos esportes. Reforçando a condição inconteste de que o surfe galgou a condição de esporte, o texto de Pedro Cezar Duarte Guimarães e Rafael Fortes, A transmissão ao vivo de campeonatos de surfe pela internet: padrões televisivos, inovação e questões para a história do esporte, examina o uso (e popularização) da plataforma de transmissão online da World Surfing League, focando o estudo na bateria final do Corona Open J-Bay no ano de 2017.

O surfe é um esporte que exige, além do confronto com os adversários, uma rápida e harmônica relação com a natureza e sua condição inconstante. Mas desafiar a natureza já era uma ideia recorrente desde o surgimento do esporte. A natação – modalidade realizada hoje, sobretudo, no ambiente extremamente controlado das piscinas (com o adendo de que a Maratona Aquática em mar seja uma das provas olímpicas) – nos seus primórdios, era praticada em locais inóspitos. Dois artigos abordam o assunto. O primeiro, de autoria de Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros, Evelise Amgarten Quitzau e Marcelo Moraes e Silva, A Travessia de São Paulo à Nado (1924-1944) e o processo de esportivização aquática paulistana, detalha como uma prática que nasce imbricada à máxima de desafio à natureza e superação pessoal começa a ganhar contornos esportivos na primeira metade do século XX. Mesmo focados no processo que tornava as exóticas travessias no Rio Tietê algo de maior seriedade, ao analisar os periódicos Correio Paulistano e A Gazeta, os autores conseguiram com maestria mostrar também a presença na época de um ideal estético, por eles chamado, com propriedade, de “cultura física”. O segundo artigo, Los Diferentes sentidos sobre la ‘naturaleza’ y su relación con la feminidad y la nacionalidade – la prensa y el primer cruce a nado del Río de La Plata, 1923, um estudo de caso feito por Pablo Ariel Scharagrodsky, foca no feito inédito realizado pela atleta Lilian Harrison. A superação do desafio inóspito por Harrison fez com que esta se tornasse um símbolo de mulher argentina moderna – aquela que poderia superar adversidades originárias da masculinização da natureza – como os jornais nacionais argentinos faziam questão de enfatizar.

Ainda na intensa década de 1920, período focal dos dois artigos da natação em rios, em Da celebração à comoção: os discursos da imprensa escrita paulista em relação a uma célebre luta de boxe, Rick Lise, eu (André Capraro) e Fernando Cavichiolli detalhamos um caso emblemático do boxe, a controversa luta entre o brasileiro Benedicto dos Santos e o italiano Ermínio Spalla. Transcendendo a própria prática do esporte, o confronto pugilístico demonstrou a volatilidade dos jornais brasileiros ao tratar de um incidente.

Como prática sociocultural, seria inevitável que o esporte também tivesse uma interface com a literatura. Centenas de obras literárias, cujo tema central é o esporte, são publicadas todos os anos mundo afora. Dentre os gêneros literários que se sobressaem, figuram aqueles de caráter híbrido, como a biografia e a autobiografia. Estes gêneros – ao lado da crônica, do romance histórico e do ensaio de cunho sociológico – são os memorialísticos. Com sofisticação acadêmica, circulando a análise entre os preceitos da Teoria Literária e da História, Elcio Cornelsen, em Memória e futebol no Brasil: escritas da vida de jogadores brasileiros, analisa 18 obras pertencentes a tais gêneros. Pesquisa robusta, com resultados inéditos.

Não faltaram no dossiê dois subtemas clássicos em se tratando de esporte: 1) a presença da mulher no esporte e 2) a proximidade do esporte – diríamos até que em uma relação simbiótica – com a ginástica. No artigo de Alice Beatriz Assmann, Ester Liberato Pereira e Janice Zaperllon Mazo, Personagens na rede: indivíduos, posições sociais e identidades construídas por meio do Turnen no Rio Grande do Sul, as autoras descrevem o surgimento e as nuances de uma prática física tipicamente alemã, amplamente aceita pelas comunidades teutas estabelecidas no Brasil. Focando no caso específico do Rio Grande do Sul e, sobretudo, na atuante figura de Jacob Aloys Friederichs, o texto conclui que, mesmo sendo uma prática que aceitava a competição, o seu caráter era mesmo o de integração e harmonia. Quanto ao avanço das mulheres no cenário esportivo, consequentemente, estabelecendo complexas relações entre gêneros, Ana Flávia Braun Vieira e eu (Miguel A. de Freitas Júnior), em Relações de poder entre os sexos nos Jogos Olímpicos: análise da participação das atletas brasileiras a partir da perspectiva sociológica de Norbert Elias (1920-2020), apresentamos uma reflexão sobre a presença da mulher brasileira no eventomor do esporte; aproximando-se metodologicamente, inclusive, da proposta analítica feita por Loudcher no texto de abertura.

Finalizando o dossiê temos como foco os atuais Jogos Olímpicos. Em um ensaio crítico e contundente, A (des)politização dos Jogos Olímpicos modernos, Luiz Carlos Ribeiro nos brinda com uma avaliação conjectural de três momentos emblemáticos do olimpismo: o início sob a égide do amadorismo e fair-play; os anos 1930, com o totalitarismo em ascensão, materializado na emblemática Olimpíada de Berlim (1936); e, por fim, o período no qual se tornou um palco para as tensões da Guerra Fria. O artigo escolhido para o encerramento foi The legacy of a cultural elite: the British Olympic Association, de autoria de Dave Day e Jana Stoklasa. A dupla descreve o desenvolvimento do esporte olímpico britânico, com ênfase na presença e controle exercido por uma elite cultural que tinha com princípio a ética do amadorismo. O texto exacerba a ideia de que, tratando-se de esporte olímpico, há um forte exercício de poder (e controle), na maioria dos casos, externo à própria prática, que idealiza um modelo amadorístico – porém, tal modelo, ao menos no caso britânico, é suscetível ao desempenho atlético.

Complementam esta edição da Revista História, Questões e Debates o artigo de Roberta Barros Meira e Daniel Campi, Uma nova paisagem açucareira: os técnicos versus os modos tradicionais de produzir açúcar na Argentina e no Brasil nas primeiras décadas do século XX, fruto de uma parceria acadêmica entre Brasil e Argentina; e a resenha de Maria Eloisa de Oliveira e Pauline Iglesias Vargas, Reflexões sobre uma das obras de Svetlana Aleksiévich: as memórias das crianças que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial, focadas no livro “As últimas testemunhas: crianças na Segunda Guerra Mundial”. Embora as obras de celebradíssima Nobel de Literatura, Svetlana Aleksiévich, não tenham relação explícita com a temática do dossiê, as resenhistas – também pesquisadoras do esporte – usam-nas como um exemplo para quem trabalha com a oralidade.

III

Durante a pandemia COVID-19 não há como negar que o esporte (de alto rendimento) assumiu a sua condição de protagonista entre as atividades de entretenimento. Prova é que tais práticas competitivas se tornaram foco de um amplo e acalorado debate.

As opiniões oscilavam radicalmente. De um lado aqueles que o viam como apenas mais uma atividade trivial e que, consequentemente, os seus agentes deveriam participar da quarentena como outros quaisquer; de outro, como contraponto, um grupo que o considerava uma forma de entretenimento televisivo fundamental, logo, elemento que poderia até colaborar para que as pessoas permanecessem em casa por mais tempo. Entre as posições extremas acima, outras tantas mais ponderadas apareceram.

Mas o debate não era somente se os treinos e campeonatos deveriam retornar e quando. Já em março o Comitê Olímpico Internacional foi duramente criticado por postergar em exagero o anúncio de cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Também causou polêmica a decisão do Ultimate Fight Championship, maior organizador de eventos de MMA, de recomeçar os combates sem público, só que no auge da pandemia nos Estados Unidos da América. Alguns poucos campeonatos que não foram cancelados também foram motivo de cobertura da imprensa – Cuba, Nicarágua, Bielorrússia, Cingapura, Taiwan, Burundi entre outros países não paralisaram as suas atividades esportivas. Assim como os posicionamentos contundentes de alguns atletas não se sentindo seguros para o retorno nos momentos definidos pelas instituições regulamentadoras (por exemplo, o caso NBA versus Lebron James). Enfim, raras exceções, o esporte, mesmo paralisado, nunca perdeu o protagonismo como a mais popular atividade de lazer / entretenimento.

O esporte é parte do nosso cotidiano. Não só do nosso, mas na verdade, do mundo todo. Nem mesmo os sherpas – pessoas de etnia de origem tibetana outrora desconhecida por viver na região do sopé nepalês do Himalaia – escaparam do impacto da indústria esportiva. Estes intrépidos “homens da montanha” agora são conhecidos mundialmente. Do best-seller No Ar Rarefeito de Jon Krakauer chegando à recente série Everest: o preço da escalada do Discovery Channel, os sherpas foram alçados à condição de heróis. Sua tarefa, em síntese, é viabilizar a estrutura para escalada e (não raro) resgatar atletas (a maioria, amadores) que se dispõem a pagar vultosas quantias às empresas que organizam excursões para a escalada e ataque ao cume do Everest. É fato que uma camada significativa da população global não tem predileção por esportes (seja para praticá-los ou assisti-los), porém, mesmo os avessos não conseguem se desvencilhar de sua presença.

Mas mesmo com toda a sua popularidade e altiva presença no globo, o esporte já parou. Parou em grandes e traumáticos eventos históricos. São os casos dos Jogos Olímpicos de Berlim (1916), cancelados por causa da Primeira Grande Guerra; ou os Jogos Olímpicos de Tóquio (1940) e Londres (1944), além das Copas do Mundo de Futebol de 1942 (provavelmente seria na Alemanha) e 1946 (provavelmente seria na Argentina), todos por causa da Segunda Guerra. Parou também durante o período de pandemia global da Gripe Espanhola, entre os anos de 1918-19. No caso brasileiro, vários campeonatos regionais de futebol foram cancelados e, para comoção geral, nem mesmo jovens atletas com elevada condição de saúde escaparam da impactante estimativa de 40 mil mortos pela Espanhola, apenas no Brasil. O esporte não parou, mas deveria parar em outras situações. É o caso, por exemplo, dos Jogos Olímpicos de Munique, quando um atentado terrorista promovido pela Organização Setembro Negro ceifou brutalmente a vida de atletas e treinadores da delegação de Israel. O esporte parou também no trágico acidente aéreo com o voo fretado pela Associação Chapecoense de Futebol em 2016. O impacto do acidente causou um luto nacional, mas foi deveras reconfortante a homenagem prestada pelos torcedores do Atlético de Nacional de Medellín – gesto que, sem dúvida, fez-nos lembrar o quanto o esporte nos une, mesmo na intensa dor. Nós, proponentes deste dossiê, não temos dúvida: parou e deveria parar por causa da pandemia COVID-19, mas irá se erguer novamente. “O show não pode parar!”

Não poderíamos deixar de agradecer as pessoas que colaboraram conosco na realização deste dossiê. Marcelo Moraes e Silva comprou a ideia e participou de forma tão ativa quanto nós da empreitada. Luiz Carlos Ribeiro, nosso eterno orientador, estimulou que tentássemos e confiou no nosso trabalho. Renata Senna Garraffoni era a editora da Revista História, Questões e Debates quando propusemos o dossiê e foi muito atenciosa com a transição. Mas o nosso maior agradecimento é a Priscila Piazentini Vieira, atual editora da Revista, sem a sua orientação, apoio e, sobretudo, paciência (ainda mais em época de pandemia) a concretização deste dossiê não seria possível.

André Mendes Capraro (Universidade Federal do Paraná)

Miguel A. de Freitas Junior (Universidade Estadual de Ponta Grossa)

Os organizadores


CAPRARO, André Mendes; FREITAS JUNIOR, Miguel A. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.68, n.2, jul./dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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