História e Relações Internacionais / História e Cultura / 2015

As Relações Internacionais constituem uma área de estudo e investigação relativamente nova, se comparada às ciências humanas clássicas, como História, Política, Geografia, Economia e Direito. Trata-se de uma ciência multidisciplinar que, por meio do contato com outros campos do saber, busca o refinamento e a solidez a fim de compreender as relações sociais, econômicas e políticas em todo o mundo. Nesse processo, a História se coloca como base para compreensão dos fatos e fenômenos ocorridos no passado, proporcionando interpretações e comparações do panorama presente e, possibilita instrumentos e análises para traçar cenários futuros. Assim, para entender as relações internacionais na contemporaneidade, é condição sine qua non, utilizar como recurso metodológico a aplicação da perspectiva histórica com o objetivo de enriquecer tal arcabouço teórico e conceitual.

Os estudos de Relações Internacionais sempre buscaram na História as análises dos acontecimentos que justificassem a tomada de decisões dos governantes e dos Estados em suas políticas externas e domésticas, até mesmo para compreender quais são as variáveis que interferem para que um Império pudesse nascer, crescer e morrer (DUROSSELE, 2000).

Com as mudanças que ocorrem ao longo do extremo e curto século XX (HOBSBAWM, 1995), novos atores tornaram-se presentes e influentes no sistema internacional, como as Organizações Internacionais Governamentais, as diversas instituições ligadas ao setor privado, os meios de comunicação e outras instâncias constituídas por indivíduos. Além disso, os temas das agendas dos Estados, a princípio, defesa nacional, soberania, expansão territorial e relações de poder, passaram a dividir espaços com temáticas antes consideradas de segunda ordem, mas que, certamente, são imprescindíveis para a sobrevivência da humanidade, como meio ambiente, direitos humanos, igualdade entre gêneros, respeito às culturas, comércio, cooperação, integração, dentre outros.

Este dossiê objetiva apresentar temas das Relações Internacionais que se apropriaram da perspectiva histórica para compreender e analisar, para além da macropolítica e atuação dos Estados, mas também a participação direta e indireta dos atores não estatais na agenda internacional contemporânea.

O significativo volume de contribuições recebidas demonstra o inquestionável potencial que as Relações Internacionais possuem enquanto ciência em crescente construção e consolidação. Os catorze artigos que aqui se apresentam têm diversas origens e objetos de análise, demonstrando, a complexidade e a variedade das temáticas nessa área. O dossiê abrange acadêmicos de distintas universidades, nacionais e internacionais, além de envolver todo um arcabouço interdisciplinar.

No primeiro artigo, A política externa do governo Vargas durante o Estado Novo e a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, Camila de Oliveira analisa as relações políticas entre Brasil e EUA na construção da CSN, além de demonstrar o êxito político do governo Vargas nesse processo. N

o texto Are the new international forums of the global south anti-western? Notes from historical and institutional perspectives, Victor Tibau problematiza o surgimento dos novos fóruns internacionais a partir de uma perspectiva “antiocidental”. Gilberto Guizelin, em As relações africano-brasileiras de longa data: uma análise da investigação histórica sobre o assunto no Brasil, resgata a história das relações internacionais entre Brasil e África ao analisar tais relações políticas no passado.

O quarto artigo, A rivalidade como sentimento profundo: origem, evolução histórica e reflexos contemporâneos do padrão de rivalidade entre Brasil e Argentina, sob autoria de Érica Winand, examina a relação histórica de embates e aproximações entre os dois países do Cone Sul, aportando-se, por fim, no tempo presente, marcado por alguns desentendimentos entre os dois Estados.

O artigo de Juliana Souza, Das várias linguagens do poder contemporâneo: feminismos, mercados e jornalismos, problematiza os feminismos vigentes na economia neoliberal e suas (re)produções presentes no discurso institucional.

Em Derrubando fronteiras: a construção do jornal A plebe e o internacionalismo operário em São Paulo (1917-1920), Kauan dos Santos analisa a interação entre o processo político local do operariado paulistano e sua relação com uma cultura política internacionalista, presente no periódico.

Ainda nos estudos internacionalistas que propõem a abertura de novas temáticas para a área, temos no texto de Rafael de Lima, Diplomacia em xeque: direito das gentes e escravidão na agenda bilateral Brasil-Uruguai (1847-1869), a análise dos embates diplomáticos entre Brasil e Uruguai, referentes à questão da escravidão para cada nação.

Dando sequência às novas fontes e estudos, no oitavo artigo, La diplomacia del balón: deporte y relaciones internacionales durante el franquismo, Juan Simón visa trabalhar com o papel do desporto da política do general Franco, durante seu governo ditatorial.

Outro texto publicado em espanhol, La “gallina ciega”: azara y la diplomacia entre España y Francia a finales del siglo XVIII, de Aleix Peña, aborda a questão subordinativa da Espanha frente ao Diretório francês, a partir de 1796.

No décimo texto, Victorino Oxilia, Ildo Sauer e Larissa Rodrigues, analisam as Motivações políticas e econômicas da integração energética na América do Sul: o caso de Itaipu, enfatizando sua importância para o projeto de integração e desenvolvimento regional, bem como os ganhos e interesses econômicos dos atores envolvidos nessa construção.

No segundo texto em inglês do dossiê, Tatiana Maia, em seu Not all fascisms are created equal: a comparative perspective on the politics of nationality in Interwar Germany and Italy, trabalha com a perspectiva comparada, a fim de traçar a complexidade das dinâmicas sociais, presentes nos países que viriam a associar-se ao Eixo.

Em Operações de paz: novos mandatos e suas implicações para os países contribuintes com tropas, Sérgio Aguilar apresenta as alterações nas operações de paz contemporâneas conduzidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e suas implicações para o Brasil.

O penúltimo texto, Política e cinema na era da Boa Vizinhança (1933 – 1945), de Isaias Moraes, apresenta uma análise histórica da Política Externa de Boa Vizinhança para América Latina, particularmente no Brasil.

Por fim, João Veiga e Murilo Zacareli, no texto Regimes Internacionais – do intergovernamental público às arenas transnacionais público-privadas, analisam a formação e a obsolescência do conceito de regimes internacionais para se compreender o sistema internacional na contemporaneidade.

Os organizadores deste dossiê esperam abrir mais uma porta para o universo das Relações Internacionais sob o olhar da História, inspirando reflexões e novas possibilidades.

Também compõem esse dossiê quatro artigos de temas livres e uma resenha. O primeiro artigo, A SAGMACS no Brasil e o planejamento urbano em Belo Horizonte (1958-1962), de Samuel Silva Rodrigues de Oliveira que analisa três aspectos da configuração social e política do planejamento urbano regional na região de Belo Horizonte, ao final da década de 1950 e início de 1960; o segundo artigo livre, intitulado A contribuição de Daniel Pedro Müller para a transição do ensino da engenharia militar para a civil na Província de São Paulo (1802-1841), de José Rogério Beier, reconstitui a trajetória desse engenheiro militar e sua contribuição na organização de uma escola de engenheiros construtores de estradas, em meados do século XIX; no âmbito da História Política, José Henrique Songolano Néspoli, em Cultura Política, História Política e Historiografia, traça o processo de renovação da “História Política”, a partir de novos conceitos, como o de cultura política; por fim, no texto A mobilidade social do imigrante italiano pobre no Brasil (1890-1930): uma contribuição à historiografia da imigração em São Paulo, Marco Antonio Brandão retrata um outro cenário da imigração italiana no Brasil ao analisar sua atuação na cidade de Ribeirão Preto. A resenha desse número, escrita por Natália Frazão José, analisa a obra Introduction to the life of an Emperor, de Karl Galinsky.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

Referências

DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo império perecerá. Teoria das relações internacionais. Tradução de Ane Lize Spaltemberg de Siqueira Magalhães, Brasília: Unb, 2000.

HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Tatiana de Souza Leite Garcia – Mestre em Geografia – Universidade Federal de Uberlândia (MG), Bacharel em Relações Internacionais e Geografia, Docente da Universidade de Ribeirão Preto e da Universidade Anhembi Morumbi.

Victor Augusto Ramos Missiato – Doutorando em História – Universidade Estadual Paulista (UNESP / Franca)

Sandra Rita Molina – Doutora em História – Universidade de São Paulo (USP), Docente Titular da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e pesquisadora do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC).

Organizadores do Dossiê História e Relações Internacionais


GARCIA, Tatiana de Souza Leite; MISSIATO, Victor Augusto Ramos; MOLINA, Sandra Rita.  Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 4, n. 1, mar., 2015. Acessar publicação original [DR]

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