História Atlântica e da Diáspora Africana / Outros Tempos / 2011

Um dossiê sobre Histórias Atlânticas e da Diáspora Africana é algo relativamente novo, pois enquadra uma grande quantidade de temas sobre a movimentação no Atlântico, sobretudo aquela da Diáspora Negra. O Antropólogo inglês Paul Gilroy publicou em 1993 o livro Atlântico Negro, que enfocava um Atlântico em movimento, um Atlântico vivo, um Atlântico do tráfico de escravos, um difusor de gente, ideias, músicas e elementos culturais. Ainda nos anos de 1960 e 1970 um agrupamento muito específico de pesquisadores dos estudos afro começou a utilizar o termo Midlle Passage, a passagem do meio, para referirem-se ao oceano Atlântico, espaço que separa, mas ao mesmo tempo interliga os continentes, países, ideias e informações através de seus portos.

O oceano Atlântico, portanto, possibilitou a existência da diáspora africana e através dele os cativos africanos incorporaram aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos da vida no Brasil, nas Américas e no Mundo. Estes africanos no “Novo Mundo”, trabalhando no eito ou no espaço doméstico, sendo negro de ganho ou negro de fazenda, imprimiram marcas na cultura afro-americana, na agricultura, na culinária, nas práticas religiosas, língua, música, artes, etc. É a partir da necessidade de melhor compreender essas conexões nos dois lados do atlântico, que a Revista Outros Tempos lança o presente dossiê.

Na seção específica, podemos encontrar o trabalho de Rafael Chambouleyron MUITA TERRA… SEM COMÉRCIO: O Estado do Maranhão e as rotas atlânticas nos séculos XVII e XVIII; sobre o comércio para o Grão-Pará e Maranhão através do Atlântico, ligando o Estado a outras localidades do Império. Reinaldo Barroso Junior com o título ARROZ DE VENEZA E OS TRABALHADORES DE GUINÈ: A lavoura de exportação do Estado do Maranhão e Piauí (1770-1800) analisa a produção de arroz no Maranhão e a utilização dos trabalhadores africanos de Guiné, descritos como qualificados para o cultivo deste produto. Em seguida, o trabalho de Tatiana Raquel Reis Silva sobre o COMÉRCIO (TRANS) ATLÂNTICO das rabidantes cabo-verdianas, que discorre sobre a intensa movimentação econômica entre Brasil e Cabo Verde e O COMÉRCIO ILEGAL DE AFRICANOS NO SUL-FLUMINENSE: Os Souza Breves e suas fazendas, no qual o historiador Thiago Campos Pessoa analisa a relação entre o tráfico ilegal de escravos e a produção de riquezas da família dos Sousa Breves.

Destacamos, também, o artigo de Luiza Nascimento dos Reis O “CASO DOS SOUZA CASTRO”: Itinerários de dois pesquisadores do Centro de Estudos Afro-Orientais na Nigéria (1962-1963), sobre a trajetória de pesquisa do casal “Sousa Castro” na Nigéria. O trabalho de Fábio Pereira de Carvalho é uma análise da obra de Eugene Genovese relacionando-a ao mundo e a resistência escrava – E TOMARÃO LUGAR À MESA DO REINO DE DEUS: Eugene D. Genovese e o evangelho nas senzalas. Clara Farias nos apresenta A IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DOS HOMENS PRETOS DO RECIFE E O GOVERNO DAS NAÇÕES E CORPORAÇÕES: uma análise das apropriações do cargo de governador dos pretos. O dossiê conta ainda com o trabalho de Fred Maciel e Marcos Sorrilha Pinheiro, sobre o Blues como uma manifestação cultural que consolidou a cultura afro-americana, intitulado BLUES: manifestação e inserção sociocultural do negro no início do século XX e, por fim, com a tradução do texto OS DOMÍNIOS DO PRAZER: a mulher escrava como mercadoria sexual, escrito por Hilary McD Beckles no ano de 2000, e traduzido por Elaine Pereira Rocha.

Antes, no espaço reservado aos artigos livres apresentamos pesquisas sobre o Brasil oitocentista, centradas nas províncias do Maranhão e Rio Grande do Sul, e sobre o Estado do Pará no início do século XX. Marcelo Cheche Galves analisa as COMEMORAÇÕES VINTISTAS NO MARANHÃO (1821-1823). O trabalho de Wheriston Silva Neris trata A PRODUÇÃO DO CORPO SACERDOTAL NO BISPADO DO MARANHÃO (XIX): formação seminarística e introdução de novos modelos disciplinares, referente a formação nos Seminários de Nossa Senhora das Mercês e Santo Antonio. Ainda no XIX, Sandor Fernando Bringmann nos apresenta o artigo “DOS ÚTEIS EFFEITOS DA SOCIABILIDADE E DAS VANTAGENS DA CIVILISAÇÃO”: a questão indígena e sua representatividade nos gabinetes provinciais do Rio Grande do Sul (1846-1870), que estuda as imagens criadas sobre os índios do grupo Kaingang, habitantes das regiões norte e nordeste do Rio Grande do Sul. A seção de artigos livres termina com o artigo de Fabrício Herbeth Teixeira da Silva A DISCIPLINA E SUAS NORMAS: a higienização da carne, a atuação dos açougueiros e marchantes em Belém na virada do XX.

Também faz parte do presente volume, os documentos referentes à Vila de Santo Antônio de Alcântara (Maranhão) do final do século XVII, apresentados por Daniel Rincon Caires e a resenha do livro “A hidra de muitas cabeças: marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico Revolucionário”, de Sabrina Fernandes Melo.

Boa Leitura!!


Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 8, n. 12, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História Atlântica / Textos de História / 2004

Apresentação

Muito se tem falado das relações entre os continentes africano e americano, mas ainda há muito a desvelar sobre essas relações transatlânticas enquanto um universo em movimento. As análises tomaram como objeto o mundo moderno e a migração gigantesca de africanos para o continente americano e assim iniciaram-se as primeiras revisões conjugando escravidão e identidade na diáspora africana. O oceano já era navegado pelos povos, apenas o Atlântico não era cruzado por rotas marítimas contínuas; mesmo assim, nele a navegação costeira era uma prática comum. Uma específica e renovadora literatura aponta na direção de uma história peculiar a esse mundo construído numa determinada época, com histórias próprias e do período, chamado, moderno. A modernidade trouxe a esses mundos proximidades deixando atrás de si rastros desses intensos contatos vividos durante séculos.

Na busca desses rastros encontramos trajetórias traçadas por homens e mulheres. A possibilidade de reconstruir identidades nestes espaços depende de minuciosos trabalhos assentes no cruzamento de fontes e no uso dos mais variados tipos de documentação que faça emergir os personagens centrais nesses cenários oceânicos. Histórias de vidas que atravessaram os mares, viajaram distâncias fabulosas por terras adentro. Histórias de grupos, comunidades se redefinindo a cada passo entre Áfricas e Américas. Desse passado, até hoje, encontramos os testemunhos dessas presenças evidenciadas nos trabalhos de historiadores sobre os cantos mais diversificados desses continentes.

A bibliografia preocupada com a articulação desses espaços de massas oceânicas torna-se importante no sentido de recuperar uma dimensão ainda não integrada à historiografia de língua portuguesa. A proposta visa retomar as relações estreitas entre os continentes africano, americano e europeu, revelar as circunstâncias e especificidades dessas vivências nesta dimensão Atlântica, no chamado mundo pré-capitalista.

Há mais de uma década, alguns autores formularam a idéia de uma História Atlântica num contexto africano e americano. A possibilidade de pies expansão de uma venerável tradição de história de ‘Impérios’ – seja britânico, espanhol, português ou holandês, ela significa novos paradigmas.

Nesse movimento de busca de peculiaridades e de unidades distintas, nesse mar de histórias, os textos aqui apresentados fazem suas conexões com esse conceito ampliado de História Atlântica. Dessa perspectiva, Isabel Castro Henriques apresenta sua leitura dos marcadores territoriais e simbólicos na organização do universo africano, resultante do choque entre o Fato Colonial português e a emergência das formas autônomas angolanas. Gerhard Seibert discute as polêmicas hipóteses explicativas da origem dos angolares, grupo sócio-cultural e lingüísticos distintos na Ilha de São Tome, abordando para isso justificativas que até então têm sido apresentadas como identificadoras para as identidades angolares. Nas rotas das travessias e retornos, Gomes, Soares e Farias fazem uma reflexão sobre os Cabindas, sua inserção nas amplas redes recriadoras de identidades conectando áreas do tráfico, como do rio Zaire, litoral norte de Angola, com a demografia da escravidão do Rio de Janeiro. Em ampla sintonia com os três textos apontados, o Dossiê do Atlântico apresenta, também, as resenhas de obras que remetem para a face atlântica da África. Cristina Wissembach comenta a obra, recentemente traduzida para o português, de John Thornton que defende em seu livro o argumento da majoritária participação dos africanos na construção do mundo Atlântico; enquanto Selma Pantoja resenha a obra da historiadora Beatrix Heitez sobre as caravanas que cortaram os sertões da África Central Ocidental , no século X I X , e o papel dos africanos nesse evento de interiorização da presença européia na região. D o ângulo das relações de gênero Philip Havik comenta a coletânea organizada por Geiger & Musisi, sobre o impacto do colonialismo na vida das mulheres africanas em várias partes do continente, com base nos mais variados papéis desempenhados por essas mulheres e em abordagens profundamente interdisciplinares.

Esperamos que esta oportunidade de reflexão sobre mais uma pequena porção desse mundo oceânico, permita integrar nossa historiografia nesse novíssimo debate da História Atlântica.

[Sem indicação de autoria]

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