A casaca do Arlequim: Belo Horizonte – uma capital eclética do século XIX | Heliana Angotti-Salgueiro

ANGOTTI SALGEUIRO Heliana A casaca do Arlequim
ANTOTTI H A casaca do Arlequim A casaca do ArlequimHeliana Angotti-Salgueiro | Foto: TV Unesp 2019

Heliana Angotti-Salgueiro | Foto: TV Unesp 2019O livro A casaca do Arlequim: Belo Horizonte – uma capital eclética do século XIX foi publicado primeiro em francês há muitos anos [1], e agora sai em português – ele é o resultado da reelaboração de uma tese de doutoramento apresentada em 1992 na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales por Heliana Angotti-Salgueiro – trata-se de um livro que tem uma história, e uma história importante.

1. Parto do título, pois na minha opinião é um título belíssimo – quão bela é a “Casaca do Arlequim”! – eis um título particularmente apropriado, capaz de despertar curiosidade, tanto em francês, como em português, e sobretudo atualmente, uma vez que todos nós precisamos de cores e mesmo de alegria (ou pelo menos de serenidade) nesse momento. Faz alusão ao fato de que a veste do Arlequim é composta de pedaços de tecido costurados, podendo se referir à fragmentação da cidade. A expressão é de Paul Planat (como explicou Heliana na sua “Apresentação” à edição brasileira do livro), remetendo-a a um texto deste arquiteto francês em volume sobre habitações privadas de 1890 [2] – mas esse título também pode nos remeter à inevitável multiplicidade de perspectivas dos diferentes atores que intervêm no processo constitutivo de uma nova cidade, que neste caso é a nova capital (Belo Horizonte) de um estado brasileiro (Minas Gerais). Leia Mais

A casaca do Arlequim | Heliana Angotti-Salgueiro

É uma honra e um prazer ter sido convidado para falar hoje por ocasião da publicação da edição brasileira do grande livro de Heliana Angotti-Salgueiro, A casaca do Arlequim. É difícil acreditar que já se passaram quase vinte e quatro anos desde que o livro de Heliana foi publicado na sua versão francesa (1). Vinte e quatro anos é o tempo de uma geração. É obviamente um desafio formidável para uma obra histórica, que tem necessariamente a marca das teorias, obras e debates da época em que foi escrita, reaparecer em um contexto completamente diferente. No longo prefácio que escreveu para a edição brasileira do seu livro, Heliana Angotti-Salgueiro recorda com maestria e profundidade o contexto em que o livro A casaca do Arlequim foi elaborado. Este contexto é antes de tudo o de uma instituição, a École des Hautes Études en Sciences Sociales, onde brilhantes e diversas personalidades – de Hubert Damisch a Louis Marin e de Marcel Roncayolo a Bernard Lepetit – se cruzavam. Leia Mais

A História da Construção em Portugal – Alinhamentos e Fundações – MATEUS (LH)

MATEUS, João Mascarenhas. (Coord). A História da Construção em Portugal – Alinhamentos e Fundações. Coimbra: Edições Almedina, 2011. Resenha de: FERNANDES, José Manuel. Ler História, n.61, p.194-195, 2011.

1 Integrada na coleção «Cidades e Arquitetura», dirigida por Carlos Fortuna e José António Bandeirinha, a obra A História da Construção em Portugal – – Alinhamentos e Fundações foi coordenada pelo engenheiro João Mascarenhas Mateus, e publicada nas Edições Almedina S.A. de Coimbra, em 2011.

2 A obra constitui-se no resultado direto da I Conferência sobre a História da Construção em Portugal, realizada em 2010 no CIUL – Centro de Informação Urbana de Lisboa, pela iniciativa do CES – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, funcionando de algum modo como atas do referido encontro, e contando a edição ainda com o apoio da empresa STAP, por via de Vítor Coias, desde há muto ligado aos temas de reabilitação urbana.

3 João Mascarenhas Mateus tem um percurso académico e formativo que o recomenda para a temática que agora desenvolveu e aprofundou: nascido em 1964, é investigador do CES, e doutorado em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico da UTL; fez o mestrado na Universidade Católica de Lovaina, na área das Ciências da Arquitetura, Conservação de Monumentos e Sítios Históricos.

4 A História da Construção constituiu-se paulatinamente como disciplina autónoma desde há décadas em alguns países, nomeadamente em Espanha e Inglaterra; mas em Portugal avança ainda nos seus primeiros passos – donde a oportunidade deste livro é fundamental, como um quase primeiro documento congregador de metodologias, temáticas e áreas de estudo específicas.

5 A pertinência de uma História da Construção, abrangente e compreensiva, é imensa, desde a desvalorização da temática construtiva tradicional que a Arquitetura Moderna, assente no total domínio das novas tecnologias (aço, betão), encetou ao longo do século XX. Trata-se de uma área de conhecimento que, estruturante no seu domínio, permite articular de uma forma renovada a História da Arquitetura, com a da Engenharia, com a das Ciências e Técnicas – sem esquecer a ligação aos domínios da Economia, da Sociologia, da Antropologia.

6 Efetivamente, a construção e as suas longas, seculares e enraizadas tradições vive e depende do mundo dos materiais, da arquitetura, das obras e suas estruturas, dos técnicos, operários e comunidades especializadas, e dos respetivos custos, investimentos e iniciativas.

7 Em Portugal, quase tudo estava ainda por fazer, no aspeto do estudo e do conhecimento das múltiplas interações historicamente havidas entre todos estes domínios. É este trabalho que o livro aqui apreciado enceta, em termos organizados e projetivos: ao longo dos oito textos que inclui, os seus oito autores vão abordando assuntos que se completam e para os quais preparam o leitor, sucessivamente. A formação diferenciada desses mesmos autores facilita essa concretização, e justifica a sua inclusão.

8 Num plano introdutório e sistematizador, surgem: o texto do coordenador, que procura na apresentação dos trabalhos incluídos uma síntese dos temas fulcrais da história da construção em Portugal; e o trabalho por Santiago Huerta, que sistematiza as tradições, as características e o percurso recente da disciplina internacionalmente.

9 Nos seis textos seguintes, organizados cronologicamente, cada contributo refere seis temas concretos, dentre os muitos possíveis, que apontam para estudos de caso pertinentes e quase sempre incontornáveis: o estaleiro medieval de obra e os seus agentes mais diretos, com o caso do Mosteiro da Batalha (por Saul António Gomes); o longo processo da construção do Palácio da Ajuda (aqui em articulação com os temas provindos da História da Arte, suas contradições e sucessos), por José Monterroso Teixeira; e a essencial temática da construção pombalina, aqui sintetizada (talvez demasiado) por Jorge Mascarenhas.

10 Os três textos seguintes estabelecem-se já no plano dos tempos industriais e pós-industriais: a construção dos caminhos de ferro na fase oitocentista, referindo-se aos aspetos da produção e utilização do ferro, do aço, às questões de produção nacional e de importação, ao domínio das comunidades de operários e à industria (por Magda Pinheiro); os primeiros exemplos das obras em betão armado executadas no país, nomeadamente pontes e depósitos de água, por uma famosa firma nacional da especialidade, no arranque de Novecentos (por André Tavares); e o caso profissional e de personalidade criativa do grande engenheiro Edgar Cardoso, no tema da conceção de pontes, por Manuel Matos Fernandes.

11 Muitos outros temas ficam certamente por tratar – para só citar dois, os relacionados com a produção nacional da construção nos espaços coloniais, ou o da construção no quadro da arquitetura popular ou vernácula – mas os caminhos básicos ficam abertos ou apontados, e os seus temas de investigação lançados; e, ainda, de algum modo, desejadas e previstas as próximas iniciativas de reunião científica que permitirá avançar mais o conhecimento neste ramo. O livro cumpre, pois, os seus objetivos essenciais, de apresentação do estado da questão em Portugal, de sistematização e de abertura do conhecimento a uma área fulcral do saber técnico-artístico.

José Manuel Fernandes – Arquiteto

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