História das Mulheres / História, Histórias /2015

Apresentação

Em mãos das leitoras e dos leitores este dossiê –”História das Mulheres” –se constitui em uma resposta acadêmica, social e política contra as inúmeras formas de atualização dos discursos androcêntricos, que se regozijam no poder patriarcale que perpassam a vida, fora e dentro das universidades. Os artigos reunidos cuidadosamente para este dossiê buscam não somente dar visibilidade às práticas e aos processos de produção de sentidos que envolvem as relações de gênero e as identidades e experiências das mulheres no passado, mas também revelam propostas políticas transformadoras. Nesse sentido, eles produzem e difundem conhecimentos, orientados por perspectivas críticas, permitindo enfrentar e desconstruir as desigualdades, que produzem corpos, comportamentos, subjetividades, saberes e práticas sociais pautados na diferença entre homens e mulheres, entre os homens, entre as mulheres, e que excluem as inúmeras e –porque não dizer –infinitas possibilidades de vivenciar o corpo, a sexualidade, os desejos e os prazeres.

Abre este dossiê um artigo de minha autoria, intitulado “História das Mulheres e Estudos Feministas: um diálogo entre Rago, Rüsen e Mccullagh”, no qual se apresentam diálogos divergentes que refletem sobre a constituição do campo História das Mulheres e sua abordagem feminista à luz dos conceitos de “matriz disciplinar”, de Jorn Rüsen, e de “viés”, de Mccullagh. Pretende-se argumentar que, após a inclusão das mulheres na História, toda história de mulheres pode ser apreendida como um compromisso com o feminismo, pois as relações entre escrever uma história das mulheres e defender suas demandas não são conflitantes politicamente, mas assumem entrecruzamentos de vieses muito próximos.

Já o segundo artigo, de Simone Alves dos Santos (Centro Universitário Fundação Santo André), apresenta os resultados de uma investigação sobre práticas de assédio sexual contra mulheres em espaços públicos, cometidas no final dos anos 1970 até os dias atuais. Trata-se de uma investigação ancorada em uma abordagem feminista atenta às variáveis sociais, étnicas, políticas e de gênero.

O terceiroartigo, de autoria de Raquel Botelho (Secretaria de Educação do Distrito Federal), Benedito Santos (UCB) e Gabriel Rosa (Universidad del Salvador, Argentina), trata do discurso jurídico de responsabilização por crimes de violência contra mulheres e a efetividade da Lei nº. 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, em sentenças resultantes de julgamentos realizados entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012, em um juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Marcus Reis (UERJ), no quartoartigo, analisa fontes da primeira visitação do Santo Ofício à América Portuguesa (1591-1595), que revelam perseguições aos ritos de adivinhação praticados por mulheres. De acordo com o autor, a presença feminina tanto no interesse pelos ritos de adivinhação como nas supostas práticas, revela os primeiros indícios de uma tentativa das mulheres em procurar espaços de autonomia para além da normatização vigente.

Frank Mezzomo (UNESPAR), Ivania Skura (UNESPAR) e Cristiana Pátaro (UNESPAR), no quintoartigo, criticam os estereótipos femininos que desvalorizam as mulheres na mídia. Desse modo, analisam o papel da propaganda na construção e na desconstrução de estereótipos femininos em três propagandas de 1967, publicadas em uma mídia impressa norte-paranaense; em outras duas propagandas de 2014 e de 2015, publicadas em ambiente digital; e em dois anúncios atuais, de 2014, também veiculados online, por organizações que reconhecem e questionam papéis de gênero e que visam combater práticas sexistas.

Ronyere Ferreira (UFPI) e Teresinha Queiroz (UFPI), autores do sexto artigo, discutem a participação de literatos, como Jônatas Batista, no processo de alargamento das responsabilidades sociais das mulheres no início do século XX, em Teresina (Piauí). Tais fontes permitiram aos autores fazer emergir sentidos sobre o feminismo e suas demandas naquela cidade. Apesar de o feminismo não ter se constituído em um movimento organizado na cidade de Teresina, os autores argumentam que o feminismo, ali, teve adesão tanto de homens quanto de mulheres, possibilitando uma ampla reflexão sobre a vida das mulheres.

No sétimoartigo, Raimundo Expedito dos Santos Sousa (UFMG) e Adelaine Laguardia (UFSJ) analisam como oanticolonialismo irlandês pautou-se na maximização de fronteiras de gênero, com vistas a acentuar a hombridade dos homens gaélicos, em face de sua feminização. Nesse caso, o colonialismo legitimava-se pela atribuição de gênero ao liame entre Inglaterra e Irlanda, ao inscrever o império no registro masculino e a colônia no feminino. Mediante pesquisa em fontes primárias, os autores investigam as implicações dessa contra-estratégia na representação de mulheres subversivas que desafiavam uma matriz de gênero dual, em que a masculinidade se definia em relação oposta e complementar com a feminilidade.

Já o oitavoartigo, de autoria de Marcus Vinicius Neto Silva (UFMG) e Érica Silva Espírito Santo (UFMG) confere visibilidade e importância às primeiras mulheres psicanalistas, enfocando sua vida e obra.

Encerrando o dossiê, o artigode Paulo Brito do Prado (UFF) problematiza os silêncios impostos às mulheres que atuaram no cenário urbano da antiga Vila Boa (Cidade de Goiás), nos anos 1960. Por meio da história oral, o autor confere visibilidade às versões da história local produzidaspor essas mulheres que se tornaram guardiãs das tradições e das manifestações culturais nesta cidade.

Os artigos aqui reunidos revelam olhares precisos que analisam, criticam e desnaturalizam discursos fomentadores da subalternização feminina e das tecnologias de gênero heteronormativas e racializadas.Nestes trabalhos o gênero também é tomado como categoria de análise e como discurso construído historicamente que adquire novos contornos e novas operacionalidades frente à pluralidade de discursos e práticas que caracterizam o social. Não há como negar, portanto, esse estilo múltiplo, aberto, problematizador, ousado e desafiador, que configura a História das Mulheres, sinalizando para a condição relacional da pesquisa histórica, para a dimensão constantemente aberta dos processos de subjetivação e para a presença incontornável das relações de poder que atravessam as práticas e os saberes sociais.

Boas indagações!

Goiânia, outubro de 2015.

Prof. Dr. Thiago Fernando Sant’Anna eSilva (UFG)

ORGANIZADOR

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