História – Ensino / Vozes Pretérito & Devir / 2018

O século XX trouxe grandes questionamentos e reformulações para a ciência histórica que a afetaram não somente do ponte de vista de sua maturação epistemológica, a História em si, mas também seus modos de socialização. Desta forma, percebemos que o ensino de história passou a constituir um campo rico em discussões teóricas, filosóficas, metodológicas, éticas e estéticas (KARNAL, 2007). O fazer pedagógico, assim como o próprio conhecimento historiográfico é entendido como uma prática social, exercida em sala de aula, suscetível a mudanças no tempo e no espaço. Isto posto, verificamos a importância de uma crítica sobre as formas como foram sendo construídas, as práticas e representações em torno do ensino de história, e como elas se relacionam com as demandas contemporâneas de formação da cidadania (GOMES, 2015).

Entretanto, na contramão dos avanços nas produções intelectuais relacionadas ao ensino de História, percebemos que muitas das inovações proporcionadas pelas novas abordagens historiográficas estão longe de fazerem parte do cotidiano das salas de aula do ensino básico. Alguns procedimentos adotados pelos professores chegam mesmo a contradizer aquilo que vem sendo discutido nas universidades, no que se refere às últimas décadas. Outro ponto a ser considerado é o desinteresse dos alunos pela disciplina de História, os quais, em sua maioria, ao não perceber uma aplicação prática, no plano quotidiano, para tal disciplina e por isso mesmo não sabe pra que serviria a História (MORAES, 2006).

Portanto, precisamos tratar com muita complexidade as questões relacionadas à escolha do que deve ser ensinado na disciplina de história: como devemos proceder em relação à seleção de conteúdos? Quais podem ser mais atraentes e garantir uma formação adequada? Além disso, precisamos também estar atentos para a utilização de diferentes linguagens e abordagens na sala de aula. De acordo com Ribeiro (20013, p. 1):

No que se refere ao ensino de história, é importante observar que a construção do currículo não pode se limitar a um enfoque meramente disciplinar, pois, estudar o passado significa fazer referência às múltiplas experiências dos seres humanos no tempo, que são, antes de tudo, permeadas por um conjunto de conhecimentos e aspectos que não podem ser reduzidos a um recorte disciplinar.

Todo este quadro se torna ainda mais complexo diante das questões colocadas pela lei nº 13.415 / 17 que instituiu a Reforma do Ensino Médio. Entre as mudanças estabelecidas destacamos que a disciplina de História deixa de ser obrigatória e passa a ser eletiva. Embora ainda não seja possível dimensionar com precisão os prejuízos advindos desta não obrigatoriedade da disciplina e da consequente não oferta da mesma em muitas escolas públicas é necessário nos prepararmos para o que está por vir.

Também contribui para a problemática do ensino em nossa sociedade o projeto de lei 867 / 2015, apresentado à Câmara dos Deputados, e o projeto de lei 193 / 2016, apresentado ao Senado. Figura entre as propostas destes projetos a inclusão, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o chamado “Programa Escola Sem Partido”.

Atrelado a outras propostas polêmicas para a Educação, o Escola Sem Partido opera na desconstrução das ideias de democracia e justiça social; as ideologias propostas por ele têm sido construídas ao longo de uma década, por seus protagonistas, na grande mídia e, com isso, tem se consolidado um discurso de invalidação do conhecimento científico e de perseguição a perspectivas históricas e políticas distintas. A tentativa de inviabilizar, ao mesmo tempo, a produção e a socialização de conhecimento para uma educação antirracista e o objetivo de minar toda e qualquer possibilidade dessa discussão é, mais uma vez, uma tentativa de silenciamento e de perseguição, colocada pelo Escola Sem Partido, por via da judicialização da ação docente, dos poucos profissionais que operam para a reflexão sobre as injustiças sociais de modo a desvelar a história oficial para ouvir seus agentes silenciados. (FREITAS; BALDAN, 2017, p. 3-4)

Foi pensando nos desafios que o ensino de História vem enfrentando no mundo contemporâneo que resolvemos dedicar o dossiê da presente edição da Revista de História da Uespi: “Vozes, Pretério e Devir”, à discussão deste assunto. Abrimos nosso dossiê com uma reflexão em torno dos limites que o fator tempo tem colocado, historicamente, à atuação dos professores no exercício de suas funções e na constituição de suas identidades profissionais. Na sequência apresentamos um artigo que analisa as orientações teórico-metodológicas voltadas para o ensino de história presentes na revista “Escola Secundária” que circulou no Brasil entre os anos de 1957 e 1963. Também contamos com uma análise sobre a constituição do ensino em escolas primárias no Brasil Republicano que nos é apresentada através da autobiografia de Paschoal Lemme.

Continuando nosso dossiê temos uma análise sobre o uso das TDICs no ensino de história e de como as mesmas podem auxiliar professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem. Outro artigo visa compartilhar experiências de transposição didática de pesquisas ligadas à temática da migração. Em sequencia, é possível apreciar uma abordagem voltada a “história e imagem” relacionando a representação do negro em quadros do século XIX, esta questão se torna ponto de partida para pensar a relevância do ensino de História África e Cultura afro-brasileira no ensino básico. Finalizando o dossiê contamos com um artigo que se propõe a analisar as políticas voltadas para a formação continuada dos professores de História.

Dos das produções textuais que constitui o dossiê temático, também contamos na composição desta edição, a publicação de artigos livres, os quais trazem os mais variados temas, como por exemplo, a mercantilização da terra no Brasil colonial, passando pelas problematização das artes de cura, da escravidão e das representações escatológicas no sertão do Piauí. Por fim, o conteúdo da mesma se da por findado ao expor um resumo expandido de monografia que trata do ciberativismo e o jogo político do Brasil contemporâneo.

Referências

FREITAS, Nivaldo Alexandre de; BALDAN, Merilin. Dossiê Escola Sem Partido e formação humana. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Janeiro – Junho de 2017 Vol.14 Ano XIV nº 1 ISSN: 1807-6971

GOMES, Gustavo Manoel da Silva. Historiografia e ensino de História para a descolonização do conceito de cultura afro-brasileira: articulando ciência, ensino, cultura e política. Bananeiras-PB: Revista Lugares de Educação [RLE], Bananeiras-PB, v. 5, n. 10, p. 93-111, Jan-Jul., 2015 ISSN 2237-1451.

KARNAL, Leandro. (org.) História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2007.

MORAES, Airton de. Historiografia e ensino de história: algumas reflexões sobre o ensino fundamental. Londrina-PR: História & Ensino, v. 12, p. 9-34 ago. 2006.

RIBEIRO, Jonatas Roque. História e ensino de História: perspectivas e abordagens. Educação em Foco, Edição nº: 07, Mês / Ano: 09 / 2013, Páginas: 1-7

Marta Rochelly Ribeiro Gondinho – Doutora

Felipe da Cunha Lopes – Mestre


GONDINHO, Marta Rochelly Ribeiro; LOPES, Felipe da Cunha. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.8, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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