Estado, sociedade, culturas políticas e economia no longo século XIX brasileiro | Vozes, Pretérito & Devir | 2022

A organização do dossiê Estado, sociedade, culturas políticas e economia no longo século XIX brasileiro é parte do esforço coletivo de um grupo de pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa Política, Sociedade e Economia do Brasil no longo século XIX, cadastrado no Diretório de Pesquisa do CNPQ. O referido grupo, que é formado por docentes e pesquisadores de cursos de Graduação e Pós-graduação de diversas regiões do país, escolheu como uma das suas estratégias de ação a criação de espaços institucionais de discussão e divulgação de pesquisa historiográfica, e tem como foco temporal o longo século XIX brasileiro.

Assim, a intenção do presente dossiê na Revista Vozes, Pretérito e Devir é a de acolher artigos que expressem o resultado de pesquisas articuladas dentro e fora do Grupo de Pesquisa e que, partindo de diversas matrizes teóricas e documentais, desenvolvam trabalhos de cunho historiográfico relacionados aos quatro campos de investigação propostos. Igualmente é necessário enfatizar as disposições das relações entre Estado e sociedade, a vida política, as interações sociais entre os indivíduos, as práticas discursivas, os grupos institucionalizados, a economia política, o processo econômico, os projetos de sociedade e a natureza conflituosa dessas relações. Tudo isso no transcorrer do longo século XIX no Brasil, entendido aqui como o período que abarca as últimas décadas do século XVIII até as primeiras décadas do século XX, tempo que compreende a crise colonial, o processo de independência e a construção da nacionalidade brasileira. Leia Mais

História Medieval: experiências do passado/ perspectivas contemporâneas | Vozes/ Pretérito & Devir | 2021

Não diga jamais

Poderá parecer estranho para muitos, talvez mesmo abusivo, o fato de nossas Universidades dedicarem grande parte de seus cursos de História à Idade Média, sobretudo se atentarem para a circunstância de não termos no Brasil nem arquivos nem problemáticas pertinentes e, muito menos, o passado medieval. Assim sendo, de uma Universidade Brasileira jamais surgirá um medievalista, o que não importa em dizer que seja impossível fornecer cursos sérios e honestos sobre o passado medieval de importância primordial para a formação de professores de História e historiadores brasileiros.

[…]

Não deixa de ser com alegria que acolhemos a edição desses documentos, a primeira assim cremos, a ser feita no Brasil. […] os estudantes serão os maiores beneficiados com essa iniciativa e, com eles, aumentará, em substância, a possibilidade de termos melhores historiadores do Brasil (LINHARES, 1979, p. 11; 13-14).

Com essas palavras, Maria Yedda Leite Linhares apresentou a obra O Modo de Produção Feudal, de Jaime Pinsky. Ao invocar esse conteúdo para apresentar um dossiê dedicado exclusivamente às problemáticas acerca da Idade Média, não se pretende levantar uma bandeira de vitória sobre o monte da revanche, mas marcar um ponto de chegada do campo dos estudos medievais no Brasil, com potencial ainda latente e capacidades de inovação que não devem ser subestimadas.

A trajetória dos estudos históricos no Brasil se entrelaça à dos estudos medievais. Em 1942, Eurípedes Simões de Paula defendeu a primeira tese doutoral em História do Brasil (SILVA; ALMEIDA, 2016), justamente dedicada a uma problemática acerca da Idade Média. Intitulado O comércio varegue e o grão-principado de Kiev, o trabalho analisou a atuação dos escandinavos em regiões orientais no contexto medieval, propondo reflexões sobre as relações comerciais entre Oriente e Ocidente (de PAULA, 2009).

Depois de atuar junto à força brasileira na Segunda Guerra Mundial, entre 1942 e 1945, Eurípedes Simões de Paula assumiu a cadeira de História da Civilização Antiga e Medieval na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) (LOMÔNACO, 2019). Quinze anos depois, esteve à frente das discussões que deram origem à Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) (SILVA; ALMEIDA, 2016).

O protagonismo de um indivíduo não representava, contudo, a proeminência de um campo. No final de 1970, poucas universidades apresentavam uma separação entre História Antiga e História Medieval – reflexo da escassa especialização desses dois campos no Brasil (SILVA; ALMEIDA, 2016). Foi principalmente da década de 1990 em diante, que os estudos medievais ganharam fôlego e cresceram no Brasil. A partir de então, historiadores voltaram seus olhares à Idade Média, alguns desenvolveram parte de seus estudos em países europeus e muitos se tornaram professores universitários, a orientar, dessa forma, futuros medievalistas. Assim cresceu a medievalística brasileira, impulsionada pela maior presença de especialistas e pelo crescimento das pesquisas em História Medieval nos Programas de Pós-Graduação – formando novos mestres e doutores –, até chegar à fundação da Associação Brasileira de Estudos Medievais (ABREM), em 1996 (BASTOS, 2016).

A abertura do século XXI trouxe também mudanças significativas para os estudos medievais no Brasil e no mundo. O avanço acelerado da internet foi acompanhado da abertura de arquivos digitais a partir de um esforço de digitalização e disponibilização de documentos em alta resolução, de modo a emular a presença física do pesquisador diante de seu suporte e proporcionar acesso crescente a bases de dados antes muito distantes. A entrada das grandes livrarias e a internacionalização das vendas on-line ampliou o acesso – embora muitas vezes custoso – às obras de referência e às novas publicações da medievalística. Tanto quanto ou mais significativo, foi a ampliação do acesso aos periódicos e aos artigos que passaram a circular cada vez mais nas universidades brasileiras, ao que se soma a iniciativa de docentes, discentes, Programas de Pós-graduação e grupos de pesquisa, em organizar revistas especializadas sobre problemáticas ligadas à Idade Média.

Nesse mesmo contexto, enquanto o mundo dava passos largos no desenvolvimento de novas tecnologias da informação, o Brasil deu saltos sociais e educacionais por meio de uma política de governo, a qual, entre os anos de 2004 e 2014, ampliou os investimentos na área educacional em cento e trinta por cento (MENDES, 2015). Essa iniciativa promoveu um avanço quantitativo e qualitativo das investigações sobre a Idade Média no país. A oferta de oportunidades de estudo e pesquisa no exterior durante a graduação e a pós-graduação, ampliou as possibilidades da formação de medievalistas brasileiros em universidades, arquivos e núcleos de pesquisa de diversos países do mundo, marcadamente da Europa. Os estudos medievais brasileiros se internacionalizaram ainda mais a partir de novos diálogos e parcerias com instituições de ensino e investigadores estrangeiros.

A nova geração de medievalistas favorecida por esse ambiente, aprofundou os estudos das problemáticas suscitadas pelos mestres das gerações anteriores, enveredando pela senda de perspectivas teóricas renovadas que também apontaram outros temas, outros objetos e outras preocupações diante do presente. Concomitantemente, a expansão das Instituições de Ensino Superior da oferta de cursos de graduação e pós-graduação, abriu as portas das universidades a essa geração de medievalistas por meio de concursos públicos. Assim, novos pesquisadores passaram a aprender os ofícios do historiador e do medievalista.

Os desdobramentos desse brevíssimo itinerário dos estudos medievais no Brasil podem ser vislumbrados neste dossiê, que reúne trabalhos de pesquisadores das diversas regiões do Brasil, a oferecer reflexões sobre os mais variados temas a respeito da Idade Média, tais como a atuação e relação dos poderes régio, senhorial e eclesiástico; produções literárias e narrativas; criação das universidades; representações e modelos femininos; e demais problemáticas, como se poderá constatar pela leitura das páginas que seguem.

Essas problemáticas foram analisadas a partir do uso das mais diversas tipologias documentais – registros régios e eclesiásticos, ordenações legais, tratados teológicos, crônicas, hagiografias, entre outras –, oriundos de arquivos físicos e digitais, e também do trabalho de transcrição, tradução e publicação de obras originais levado a cabo pela iniciativa editorial. Tudo isso em uma revista acadêmica inteiramente on-line e gratuita, mantida por uma instituição pública de excelência.

À parte do dossiê, mas relacionado ao tema da Idade Média, esse volume da Vozes, Pretérito & Devir traz também uma entrevista com o professor Dr. Carlile Lanzieri Júnior, que ofereceu suas reflexões sobre as mudanças experimentadas pela medievalística brasileira, bem como a importância do estudo da Idade Média no Brasil, as perspectivas teóricas para os estudos medievais e os usos políticos desse passado que, dizem alguns, não nos pertence, embora nos seja tão presente – basta saber olhar!

Como toda iniciativa nutre uma expectativa, a organização deste dossiê não é despretensiosa. A primeira dessas intenções diz respeito ao incentivo à ampliação dos estudos sobre a Idade Média, quer seja por estudantes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), cujos docentes organizam essa revista, mas também pelos futuros historiadores nordestinos.

Enquanto as universidades e programas de pós-graduação do Sul e do Sudeste, e em menor medida do Centro-Oeste, têm seus quadros integrados por especialistas em História Medieval, o mesmo não ocorre no Norte e no Nordeste. Tratando-se dessa última região, a condição tardia do desenvolvimento de Programas de Pós-Graduação e a concentração das linhas de pesquisa em problemáticas locais ou regionais, são fatores que explicam a pouca presença de estudos ligados à Idade Média (ALVARO; MOTA, 2019).

A organização deste dossiê busca também oferecer um espaço de publicação – palavra entendida aqui em seu sentido lato, isto é, de tornar público – dos resultados obtidos pelo esforço investigativo de alguns dos pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre a Idade Média para escrutiná-la com o devido rigor exigido pelo ofício do historiador.

Em um contexto de atritos políticos e curriculares, quando saltam vozes a desqualificar e desmerecer diversos temas e problemáticas, a reunião desses artigos visa ratificar a importância dos estudos medievais no Brasil e chamar atenção para o fato de que a História é uma área composta por campos, e a inabilitação ou eliminação de um deles, não representa a possibilidade de ampliação dos outros, mas antes o enfraquecimento e o encolhimento da própria área; por consequência, seu descrédito e desmerecimento já tão acelerados em tempos de negacionismo e certezas anticientíficas. A quem duvida desse perigo ou julga-o menor, sugiro: não diga jamais.

Uma excelente leitura a todos.

Curitiba, março de 2021

Referências

ALVARO, Bruno Gonçalves; MOTA, Bruna Oliveira. Grandes Sertões do Nordeste Brasileiro: o Horizonte dos Estudos Medievais nos Programas de Pós-Graduação em História. In: AMARAL, Clinio; LISBÔA, João. A Historiografia Medieval no Brasil: de 1990 a 2017. Curitiba: Editora Prismas, 2019, p. 93-127.

BASTOS, Mário Jorge da Motta. Quatro décadas de História Medieval no Brasil: contribuições à sua crítica. Diálogos, Maringá, v. 20, n. 3, p. 2-15, set. 2016. Disponível em: < http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/33600>  Acesso em: 02 mar. 2021.

DE PAULA, Eurípedes Simões. Concessão de título de doutor honoris causa ao professor Eurípedes Simões de Paula. Extraído do Boletim da Universidade de Toulouse, nº V, 1965. Trad. de SOUZA, Joceley Vieira; GOMES, Rodolfo de V. Revista de História, São Paulo, n. 160, p. 85-91, 2009. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/19103/21166.  Acesso em: 02 mar. 2021.

LINHARES, Maria Yedda Leite. Apresentação. In: PINSKY, Jaime. O modo de produção feudal. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979.

LOMÔNACO, José Fernando Bitencourt. Vida e Obra de Eurípedes Simões de Paula. Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, v. 39, n. 97, p. 294-295, jul./dez. 2019. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2019000200016 . Acesso em: 02 mar. 2021.

MENDES, Marcos. Boletim Legislativo 26, de 2015: a despesa federal em Educação: 2004-2014. Brasília: Senado Federal, 2015. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletinslegislativos/bol26 . Acesso em: 02 mar. 2021.

SILVA, Marcelo Cândido da; ALMEIDA, Néri de Barros. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 36, n. 72, p. 13-16, mai./ago. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/TbLWnvgHd6fp8qSD5KnQvTN/?lang=pt . Acesso em: 02 mar. 2021.


Organizador

Carlos Eduardo Zlatic


Referências desta apresentação

ZLATIC, Carlos Eduardo. Apresentação. Vozes, Pretérito & Devir. Teresina, v.13, n.1, p.5-9, 2021. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

História e Educação (II) / Vozes, Pretérito & Devir / 2021

Vozes Preterito Devir Historia e Educacao II História e Educação

SILVA, Samara Mendes Araújo; COSTA FILHO, Alcebíades; BAPTISTA, Marcus Pierre de Carvalho. Apresentação. Vozes, Pretérito & Devir. Teresina, v.12, n.2, 2021. Acessar publicação original, relativa à primeira parte deste dossiê [IF].

Acessar dossiê

História e Educação (I) / Vozes, Pretérito & Devir / 2021

Vozes Preterito Devir Historia e Educacao II 1 História e Educação

Apresentação

Tecendo Conexões: História, Educação e Tempo Presente

Este bravo Indiano deu então alguns detalhes sobre a vítima. Era uma Indiana famosa por sua beleza, de raça parsi, filha de ricos negociantes de Bombaim. Tinha recebido naquela cidade uma educação absolutamente inglesa, e por suas maneiras, por sua instrução, qualquer um a creria europeia. (VERNE, 2006, p. 74) (grifo nosso).

Entremeando fios de História e Literatura a partir do universo fantástico tecido por Júlio Verne, em uma de suas obras mais icônicas, A Volta ao Mundo em 80 dias, iniciamos estas breves reflexões sobre a educação enquanto aspecto integrante demarcador e marcante da historicidade humana.

A educação, deste modo, torna-se um elemento de distinção, produto e produtor de identidades, e, também de diferenças, visto que é através desta e por meio desta, juntamente com nossas experiências, que atribuímos sentidos ao mundo, às temporalidades que nos atravessam e aos espaços que nos inserimos.

Voltemos à Júlio Verne, mais especificamente à moça indiana por ter recebido uma educação inglesa, rendeu-lhe bônus e ônus de ser percebida enquanto europeia, tanto por seus pares quanto para os outros. Através da educação tanto no exemplo da moça indiana da obra de Verne, quanto nos diversos contextos das historicidades analisadas pelas autoras e pelos autores que integram o presente Dossiê, é um dos principais veículos de processos de hibridização cultural e a (re)configuração de referenciais identitários que demarcam as posições e lugares sociais dos sujeitos e contribuem para reverberar a percepção de si, bem como a percepção do Outro.

A Educação, muito além de um elemento capaz de demarcar socialmente e culturalmente um sujeito, é um aspecto histórico-cultural, se modificada no tempo e no espaço. Por isto datada histórica e socialmente.

A recente compreensão da Educação enquanto um direito básico do ser humano, conforme o destaque dado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de sua necessidade para que os sujeitos compreendam os direitos inalienáveis e universais que todos possuem, ou, mesmo o realce feito pelo Artigo 6 da Constituição Brasileira (1988) que a estabelece enquanto um direito social garantido a todo brasileiro. Não é direito consolidado nem mesmo tornou-se acessível em todas as sociedades mundiais contemporâneas.

Deve-se frisar que o direito à educação, aliás, a conquista deste, conforme Pinsky (2013), não se refere somente a um direito inalienável ou básico da humanidade, mas também está atrelado diretamente a ideia e concepção de ser “cidadão”, posto que é necessário para os sujeitos possam exercer sua cidadania. Deste modo, para o autor, sem os direitos sociais e nestes inclui-se a educação, não é possível o exercício pleno da cidadania, tendo em vista que “[…] exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais” (PINSKY, 2013, p. 10).

No tempo presente tem-se a Educação enquanto integrante do rol de direitos legalmente garantidos, ainda que teoricamente, a todas as pessoas. Em função das lutas e embates feitos por grupos sociais (muitas vezes marginalizados) que buscavam ampliar (embora a maioria de suas disputas fossem para igualar) os direitos frente aos demais, dentre estes, o acesso, ampliação e melhoria da educação, haja visto que em séculos anteriores “[…] houve forte resistências contra o início de uma educação universal” (COGGIOLA, 2013, p. 311).

Ao refletirmos historicamente sobre a constituição da Educação enquanto veículo de (trans)formação e manutenção sociocultural, a partir da importância do direito à educação e da conquista deste teve para a emancipação feminina na sociedade ocidental nos últimos séculos, por exemplo. Podemos mensurar infimamente as repercussões no campo da historiografia quando analisadas e compreendidas as transformações das sociedades em determinado contexto histórico a partir dos componentes e elementos educacionais.

Relembramos ainda que se avolumam as discussões sob viés educacional, e, consequentemente as produções sobre a História da Educação, estas produções estão concentradas e são divulgadas por profissionais seja na área da História (historiadores de ofício) seja da área da Educação (possuem formação de base na área da Educação, ou outras licenciaturas que não História), os quais se organizam em eventos científicos e produções acadêmico-científicas a partir dos GT (Grupos de Trabalho) de História da Educação consolidados, no cenário nacional e internacional.

No último Simpósio da ANPUH (2019), ocorrido em Recife, o GT de História da Educação obteve o maior número de trabalhos inscritos em todo o evento, sendo o único com apresentações de trabalhos em todos os cinco (05) dias do evento. A SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação – (historiadores de ofício ou historiadores de exercício) congrega profissionais das mais diferentes áreas de formação que atuam, a cada nova edição amplia seu destaque em âmbito nacional e internacional.

Publicar DOSSIÊ com TEMÁTICA de HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, especificamente neste ano de 2020, marcado por inúmeros questionamentos (por vezes demais insensatos) sobre a importância do FAZER EDUCAÇÃO e sobre as ações dos SUJEITOS DA & NA EDUCAÇÃO, a contribuição e importância reside precisamente em apontar direções e conexões entre passado e tempo presente, conforme enfatiza Walter Benjamin em suas Teses sobre o Conceito da História (1940):

[…] O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.

[…] O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.

Enquanto organizadores, nos últimos meses, tivemos o privilégio de dialogar, debater e aprimorar ideias e conhecimentos na área da historiografia da educação com pesquisadores das mais diferentes instituições do país, conhecemos suas produções, inovações e contribuições que ampliam e diversificam o conhecimento sobre a História da Educação Brasileira.

Diferentes pesquisadores – portadores das mais diversas formações – idênticos em um fator são profissionais dedicados e exímios produtores de saber e conhecimentos sobre: HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. Estes profissionais cordialmente concordaram em integrar o volume I do DOSSIÊ da Vozes, Pretérito e Devir: Revista de História da UESPI (2020).

Ressaltamos, então, a importância do artigo “A educação da mulher”: o manual de história de educação feminina de Afrânio Peixoto (1936) de autoria de Roberlayne de Oliveira Borges Roballo e Alexandra Padilha Bueno que se propõe a refletir sobre o projeto de educação feminina de Afrânio Peixoto e o ideal de mulher moderna na primeira metade do século XX.

Deste modo, é preciso destacar a relevância que estas questões, tão pertinentes no decorrer dos últimos séculos, principalmente para a história da educação, não apenas ainda provocam questionamentos e inquietações, mas são necessárias considerando as sociedades em que vivemos e suas perspectivas no que se refere aos homens e mulheres e os espaços destinados a cada um.

Se na contemporaneidade questiona-se cada vez mais os espaços destinados a homens e mulheres ao refletirmos sobre as instituições escolares e a história da formação de professores, o olhar acerca de quem poderia frequentá-las, o que deveria ser estudado e quem deveria exercer a docência transformou-se diversas vezes ao longo dos distintos recortes temporais que atravessaram os sujeitos e estes espaços.

Este processo, por sua vez, não ocorreu isentos de críticas e a “feminização” da docência “[…] era alvo de discussões, disputas e polêmicas. Para alguns parecia uma completa insensatez entregar às mulheres usualmente despreparadas, portadoras de cérebros „pouco desenvolvidos‟ pelo seu „desuso‟ a educação das crianças” (LOURO, 2004, p. 376).

Do mesmo modo houve posicionamentos favoráveis a ocupação das mulheres na atividade docente, ainda que viessem acompanhados de uma naturalização dos papeis sociais destinados a homens e mulheres, na medida em que afirmavam que estas possuíam por questões naturais mais capacidade e habilidade para lidar com crianças e, assim, o mais apropriado seria que fossem responsáveis por ensiná-los. A docência, neste ponto, tornar-se-ia um prolongamento da maternidade, destino natural de toda mulher na perspectiva destes sujeitos (LOURO, 2004).

Deste modo, evidenciamos a importância dos artigos “O legado das professoras leigas no ensino rural no Piauí 1960-1980” escrito por Jéssika Maria Lima; “Professor primário no Ceará provincial: formação e profissão docente” de autoria de Adriana Madja dos Santos Feitosa e Diana Nara da Silva Oliveira; “Hortênsia de Hollanda e a circularidade metodológica aplicada à educação em saúde” produzido por Dulce Dirclair Huf Bais, que discutem questões pertinentes à história da formação de professores em espaços e temporalidades distintas no Brasil.

O primeiro trata especificamente sobre a atuação de professoras leigas no interior do Piauí, enfatizando os problemas sociais existentes na segunda metade do século XX no município de Alto Longá (PI), as políticas públicas destinadas para tentar sanar o problema e o papel destas professoras, que não possuíam uma formação específica para a docência, frente a isto.

Enquanto o segundo, por sua vez, discorre sobre a formação de professores na segunda metade do século XIX na província do Ceará, tendo por objetivo compreender as transformações que se fizeram presente no desenvolvimento do mestre-escola e as repercussões na formação de um novo ideal de docente para o ensino primário.

O último trata acerca da produção de Hortênsia Hurpia de Hollanda relacionada à educação em saúde e à disciplina Programas de Saúde, analisando a obra produzida por esta, através da parceria entre o Ministério da Educação e Cultura e o Ministério da Saúde, para docentes e discentes no ensino primário.

Assim, os três artigos destacados discutem e analisam questões distintas no tocante à História da Formação de Professores, seja o caso de professoras que se tornavam docentes durante o exercício do ofício, e, sem formação institucional ou formal, caso das professoras leigas no interior do Piauí, ou mesmo nas transformações da formação docente para o ensino do primeiro grau no Ceará provincial, bem como a análise da produção de materiais e ensino interdisciplinares entre a educação e a saúde e suas repercussões no ensino primário.

Da mesma forma que a formação de professores teve percursos plurais reconfigurando-se de acordo com o tempo, o espaço e as experiências dos sujeitos, as instituições escolares, especialmente no Brasil, também tiveram singularidades e tornaram objetos de estudo relevantes no âmbito da História da Educação.

As primeiras instituições escolares a surgir no território que veio a se tornar o Brasil foram os colégios dos jesuítas. Ao tempo que a Companhia de Jesus se instalava e consolidava o seu escopo de atuação na América Portuguesa, especialmente na missão de evangelização, foram fundando diversos colégios em várias partes do império luso-americano (CALAINHO, 2005).

A educação ofertada neste momento pela Companhia de Jesus e os colégios fundados por estes tinha dois focos distintos: a instrução das elites e a catequização dos povos nativo-americanos, tendo um currículo diferenciado para ambos, excluindo-se outros grupos sociais, privilegiando “[…] uma educação voltada para a formação da elite dirigente” (RIBEIRO, 1993, p. 16).

A partir da segunda metade do século XVIII, com a Reforma Pombalina, mas especialmente no decorrer do século XIX, o cenário das instituições escolares transformou-se na América Portuguesa, e, posteriormente, no Brasil Imperial.

De acordo com Schwarcz (2005) no início do período oitocentista com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil (1808), tem-se o surgimento das primeiras escolas cirúrgicas no Rio de Janeiro e Bahia que, nas décadas seguintes, tornam-se as primeiras faculdades de medicina do Brasil. De modo análogo é no período oitocentista que são fundadas as primeiras faculdades de Direito no Brasil e que se assiste a fundação das Escolas Normais e dos Liceus, responsáveis pelo ensino secundário. Assim,

[…] após a Independência, em 1824, é outorgada a primeira Constituição brasileira, que em seu art. 179, inciso XXXII previa a “instrução primária gratuita a todos os cidadãos”, embora na prática não tenha se concretizado totalmente. Em relação à educação secundária, esta Constituição não demonstrou nenhum compromisso, continuando assim, as aulas avulsas (BANDEIRA, 2007, p. 52).

Segundo Bandeira (2007), então, a criação de Liceus torna-se uma ação empregada por alguns Presidentes de Província que tinham por objetivo reduzir a precariedade do ensino público nestas localidades. Não obstante isto, a autora também destaca a existência de instituições escolares particulares em algumas regiões, bem como a criação do Colégio Pedro II (1837) por parte do governo imperial para servir de modelo e parâmetro às instituições de ensino secundário nas demais províncias.

No século XX, por sua vez, estas instituições continuam a transformar-se, bem como a própria política do Estado quanto ao ensino em suas diferentes modalidades. É neste contexto novecentista que assistimos o surgimento das primeiras universidades no país (FÁVERO, 2006), bem como de agências governamentais de fomento à educação e a pesquisa, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Deste modo, sobre questões referentes à instituições escolares versam os artigos “As primeiras instituições escolares e a expansão urbana no Itararé” de autoria de Cláudia Cristina da Silva Fontineles e Mariane Vieira da Silva; “A consolidação da pesquisa como política educacional: a atuação da Capes entre as décadas de 1960-90” escrito por José Antônio Gabriel Neto e Luís Távora Furtado Ribeiro (UFC); “Gênese histórica da educação social: da relação com a pobreza” de Maria Escolástica de Moura Santos.

Assim, a pesquisa realizada por Cláudia Cristina da Silva Fontineles e Mariane Vieira da Silva busca compreender os impactos que as primeiras escolas surgidas no bairro Itararé em Teresina (PI) no final dos anos 1970 tiveram em seu desenvolvimento urbano, bem como na formação escolar dos primeiros moradores. José Antônio Gabriel Neto e Luís Távora Furtado Ribeiro, por sua vez, contemplam este dossiê analisando a atuação da CAPES na expansão da pós-graduação brasileira entre os anos de 1960 e 1990. Por fim, Maria Escolástica de Moura Santos, propõe analisar o surgimento da Educação Social enfatizando questões relativas à pobreza, inclusão e exclusão de sujeitos marginalizados.

Já em relação à História da educação do ensino primário e do ensino secundário o dossiê em questão é contemplado pelos artigos “Ordenar o local para compor o todo: a instrução primária enquanto parte do projeto de nacionalização e disciplinarização da sociedade oitocentista, Bahia séc. XIX” escrito por Antonio Barbosa Lisboa; “Histórias da Educação da Infância Rural Piauiense nos Tempos da Palmatória (1930-1960)” assinado por Roberto Kennedy Gomes Franco; “Das aulas régias ao ensino médio: História da constituição à consolidação do ensino secundário piauiense (século XIX ao século XXI)” de autoria de Marcoelis Pessoa de Carvalho Moura e Maria da Glória Carvalho Moura; “A expansão do Ensino Secundário no Piauí: Uma escola propedêutica ou para o trabalho?” de Romildo de Castro Araújo.

Com relação ao ensino primário a pesquisa realizada por Antonio Barbosa Lisboa busca compreender a instrução primária enquanto uma estratégia de disciplinarização empregada pela província da Bahia no século XIX, especificamente das elites perante os grupos menos abastados. O artigo de Roberto Kennedy Gomes Franco, por sua vez, tem como enfoque a transformação do ensino primário no interior do Piauí entre os anos de 1930 e 1960, especificamente na região de Esperantina (PI).

Quanto ao ensino secundário a produção de Marcoelis Pessoa de Carvalho Moura e Maria da Glória Carvalho Moura propõe a construção de uma narrativa que verse sobre a trajetória histórica do ensino secundário no Piauí do século XIX ao XXI, discorrendo sobre o liceu, a expansão do ensino secundário no século XX a partir de iniciativas privadas até a expansão do ensino público no século XXI consolidando-o enquanto um direito social. O texto de Romildo de Castro Araújo, por sua vez, possuindo um foco mais específico, analisa especificamente a expansão deste ensino entre os anos de 1940 e 1960 no Piauí e a dicotomia entre uma escola voltada para o ingresso no ensino superior e outra para o mercado de trabalho.

Percebe-se, então, a pluralidade de possibilidades que se descortinam no horizonte das produções e pesquisas em História da Educação, seja a partir das temáticas de gênero, especificamente questões voltadas para o feminino, debruçando-se sobre as análises das instituições escolares, ou, escrutinando sobre níveis específicos de ensino, tal como as discussões sobre a história do ensino secundário e primário, ou, ainda sobre o próprio ofício docente ao abordar a história da formação de professores.

No entanto, é preciso destacar que o trabalho do historiador não se configura é um mero trabalho imaginativo, não se trata de uma criação que nasce sem um referencial teórico ou fontes históricas. Para a escrita da História há elementos fundamentais e imprescindíveis, necessário para a produção da narrativa: as fontes históricas.

Deste modo, no contexto da historiografia contemporânea entendemos fontes históricas, basicamente, enquanto qualquer vestígio ou elemento produzido pelos seres humanos ao longo das diferentes temporalidades e espacialidades, isto é, compreendemos que no paradigma atual a História passou a se preocupar, analisar e estudar toda ação humana (BURKE, 1992). Assim, o interesse pela História da Educação

[…] passou pela discussão a respeito de fontes escritas, sonoras, iconográficas, pictóricas, audiovisuais, arquitetônicas, mobiliárias, dentre outras consideradas peças essenciais para se esclarecer as circunstâncias concretas dos fenômenos ocorridos em determinadas épocas e sociedades (MELO, 2010, p. 13).

A discussão sobre fontes históricas para a produção da História da Educação se faz presente neste dossiê a partir de dois artigos responsáveis por encerrar este primeiro volume. “Possibilidades para uma História da Educação pelos arquivos da EEM Mons. José Augusto da Silva – Camocim-CE (1976-2020)” escrito por Anandrey Cunha e “A presença de periódicos pedagógicos nas pesquisas de História da educação matemática” de autoria de Jonathan Machado Domingues e Janine Marques da Costa Gregorio.

Por conseguinte, o artigo de Anandrey Cunha teve por objetivo refletir sobre os acervos escolares enquanto fontes para as pesquisas em História da Educação utilizando para tanto os arquivos da Escola Monsenhor José Augusto da Silva localizada em Camocim (CE). No caso de Jonathan Machado Domingues e Janine Marques da Costa, estes propõem-se a fazer uma reflexão sobre a História da educação matemática a partir de periódicos pedagógicos disponíveis em repositório de conteúdo digital da Universidade Federal de Santa Catarina.

Percebemos quão ampla, diversificada e plural a História da Educação pode ser, cabendo ao historiador as reflexões teóricas e metodológicos adequadas, além de atender às especificidades das temáticas e os objetos de estudos na elaboração do processo de reflexão e produção de pesquisas e narrativas historiográficas sobre os diferentes contextos educacionais que atravessaram os sujeitos ao longo do tempo e do espaço.

Os trabalhos reunidos neste Dossiê buscam iluminar estas questões dentro do campo da História da Educação, indicando, ainda, novas possibilidades para ampliação de conhecimentos e discussões.

Convidamos, então, todos e todas para a apreciação e leitura deste volume que ora apresentamos.

Referências

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Disponível: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3957253/mod_resource/content/1/Teses%20sobre%20o%20conceito%20de%20hist%C3%B3ria%20%281%29.pdf

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Samara Mendes Araújo Silva

Alcebíades Costa Filho

Marcus Pierre de Carvalho Baptista


SILVA, Samara Mendes Araújo; COSTA FILHO, Alcebíades; BAPTISTA, Marcus Pierre de Carvalho. Apresentação. Vozes, Pretérito & Devir. Teresina, v.12, n.1, p.3-12, 2021. Acessar publicação original [IF].

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Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (II) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

[Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE – II) ]. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.2, 2020. Acessar dossiê [DR]

Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE I) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

No dia 12 de fevereiro de 2020, enquanto estávamos às vésperas da publicação deste Dossiê, intitulado Sociedade Cultura e Trabalho: diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural, completou quinze anos do assassinato da Ir. Dorothy Stang, em Anapu, na Prelazia do Xingu, no Pará, em 12 fevereiro de 2005, morta com seis tiros em uma emboscada por contrariar interesses de grupos poderosos empenhados na devastação da floresta amazônica e expulsão das populações tradicionais. Dorothy, natural de Dayton, Estado de Ohio, Estados Unidos, no dia 07 de junho de 1931, teve sua trajetória pastoral e social associada aos direitos ambientais e às causas dos trabalhadores rurais nos confins da Amazônia. Trabalhadores rurais migrantes, especialmente do Nordeste, em condições de trabalho escravo, povos tradicionais e indígenas, enfrentam um contexto de exploração e poder do latifúndio na Amazônia. Dados do IBGE (2006) apontam o Brasil como um dos países que possuem estruturas fundiárias mais concentradas no mundo, a maioria sob o controle hegemônico do agronegócio nacional. Por sua vez, os conflitos no campo e luta pela terra avançam e se perpetuam pelos confins do Brasil com aumento do número de mortes, expulsões, torturas e ameaças, compilados e divulgados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. O assassinato da Ir. Dorothy endossa o cenário de violência e assassinatos de lideranças rurais.

A concentração fundiária que impende o acesso à terra por milhares de trabalhadores rurais como o avanço da grande fronteira livre, mantém famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais aprisionadas à condições históricas de exploração na terra e vulneráveis à migração para o trabalho forçado / escravo, prática contínua transmitida a gerações sucessivas. Nesse sentido, tomamos para o debates sobre o Mundo Rural a percepção de suas fronteiras fluídas, para além da sua compreensão política uma fronteira de muitas e diferentes coisas, como enumera José de Sousa Martins: “fronteira de civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, sobretudo, fronteiras do humano” (2014, p.11).

Diante desse quadro, e atentos que a problemática entorno da terra, trabalhadores e fronteiras deve ser pensada desde diferentes ângulos, sociológicos, antropológicos, culturais, econômicos e históricos, provocamos a realização de um Colóquio com posterior produção de Dossiê homônimo, no sentido de elaborar reflexões sobre a questão, repensar os modos de vida e trabalho no Mundo Rural como também estimular o desenvolvimento de ações voltadas para esse campo. Este dossiê é resultado do esforço dos pesquisadores das áreas de História, Ciências Sociais e Pedagogia, reunidos em torno das atividades do Núcleo de Documentação e Estudos em História, Sociedade e Trabalho – NEHST da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

Os artigos selecionados para o Dossiê e Seção de Artigos Livres, foram apresentados em comunicações orais do Colóquio no qual foram reunidos pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento provenientes de diferentes IES, da região Nordeste do país. Os autores / as entrecruzam diferentes formas de lidar com a pesquisa, desvelam fronteiras fluidas entre as disciplinas e apresentam possibilidades de análise das vidas de sujeitos históricos específicos: migrantes, trabalhadores, rurais e urbanos, escravizados e indígenas em contextos e temporalidades diversos.

No artigo intitulado Entre bons patrões e trabalhadores obedientes? Terra, trabalho e resistências em Miguel Alves / Piauí. (1950-1990), Marcelo Aleff de Oliveira Vieira e Eurípedes Antônio Funes, analisam as relações sociais estabelecidas entre trabalhadores rurais e proprietários de fazendas de Miguel Alves. Teresina, município situado na região Meio Norte piauiense, cenário de múltiplas disputas e tensões no campo.

Em A seca de 1888 / 1889 e seus efeitos na província do Piauí representada no periódico A Imprensa, Marcus Pierre de Carvalho Baptista, Francisco de Assis de Sousa Nascimento e Elisabeth Mary de Carvalho Baptista, a partir de pesquisa bibliográfica e documental hemerográfica, por meio do periódico A Imprensa, evidenciam elementos impostos no contexto da seca à população da província: morte do gado, das plantações, aumento de preço de alimentos e, notadamente, a migração de pessoas de províncias próximas, acarretando outros problemas.

Helane Karoline Tavares Gomes em Etnicidade e mobilização indígena: estratégias de reivindicação e demarcação das áreas indígenas no Estado do Piauí (2000-2018), analisa as estratégias utilizadas no processo de reivindicação ao acesso à terra pelos povos indígenas do Piauí entre 2000 a 2018. O estudo sobre as mobilizações sociais indígenas associadas à construção das etnicidades e reconhecimento da história desses sujeitos inaugura uma nova página da história indígena do Estado.

Em Migrações Ceará- Piauí (1940-1970): Elucidando algumas razões para migrar à luz de narrativas orais, Lia Monielli Feitosa Costa apresenta estudo acerca dos movimentos migratórios do Ceará para o Piauí, no período de 1940-1970, tendo como veículo de ideias e aportes teóricos o testemunho oral de trabalhadores campesinos. Segundo a autora, o deslocamento de trabalhadores cearenses pode ser entendido através do estudo da formação das tendências dos fluxos migratórios, cujas redes de sociabilidade foram delineadas com lastro na década de 1930, período no qual projetos pessoais e coletivos sofreram influência a partir de experiências de migração em direção ao Piauí, que persistiram ao longo das décadas seguintes.

No artigo, A seca de 1979 através do cotidiano dos trabalhadores de Bocaína, Picos- PI (1979-1996) as autoras, Cristiana Costa da Rocha e Milena de Araújo Leite analisam a partir da documentação relacionada ao projeto de construção da Barragem de Bocaína e das narrativas orais, situações que evidenciem as relações de trabalho estabelecidas no contexto dessa obra considerando os conflitos, salários, carga horária, condições de trabalho, e os equipamentos utilizados por esses trabalhadores.

Em A Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí (1858-1860): política, burocracia e mediação de conflitos, Cássio de Sousa Borges apresenta a atuação da Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí, entre os anos de 1858 e 1860. Mobilizada sua criação pelo Decreto Imperial nº 1318 de 30 de janeiro 1854, que regulamentou a execução da Lei de Terras de 1850, a criação desta repartição pública, com sede em Teresina, foi a primeira experiência de gestão fundiária das terras do Piauí após o fim do sistema colonial de sesmarias.

Em “Era liberto e hoje privativamente é captivo”: Ação de liberdade na cidade de Teresina em 1860, Talyta Marjorie Lira Sousa Nepomuceno estuda as demandas judiciais acerca dos processos de liberdade, demonstrando a relação conflitante entre os senhores e escravizados e a interferência do Estado no processo de negociação. A autora toma como fontes para o estudo os registros das cartas de alforria nos Livros de Notas e Ofícios do Cartório de 1º Ofício de Notas da cidade de Teresina; os relatórios de Presidente de Província; e uma ação de liberdade registrada na Secretária de Segurança Pública da Província do Piauí em 1860.

Em O Vínculo com a Terra e as Diferentes Categorias de Trabalhadores Rurais Livres no Piauí Oitocentista, Ivana Campelo Cabral, dialoga sobre sociedade rural no Piauí oitocentista marcada pela presença de sujeitos diferenciados em decorrência das funções que desempenhavam e a posição jurídico-social que ocupavam. Assim, a autora apresenta e caracteriza cada uma das categorias, expondo suas semelhanças, diferenciações e as atividades desenvolvidas por cada uma destas.

No artigo intitulado Pensamento ecológico de Gilberto Freyre na obra nordeste sob o olhar da história ambiental, Daniela Fontenele Rocha e Francisco Gleison da Costa Monteiro analisam como Gilberto Freyre na obra Nordeste, publicada em 1937 pela editora José Olympio discute temáticas semelhantes à História ambiental, e suas contribuições para estruturação desse campo de saber constituído na década de 1970. Para tanto, os autores levaram em consideração a análise do contexto de produção da obra e do conhecimento que proporcionou a escrita do autor. Tais proposições os induziram a buscar indícios para mapear a formação de Freyre e as articulações travadas, com autores e correntes, no âmbito de suas influências na produção textual e a ensaiar o pensar ecológico como ponto nodal de sua composição textual.

Alcebíades Costa Filho, Francisco Rairan dos Santos Vilanova e Salania Maria Barbosa Melo, no artigo intitulado O cultivo de alimentos em áreas do leste do Maranhão: Um olhar para o município de Matões, refletem sobre a cultura de gêneros alimentícios que se instalou nos municípios do leste maranhense no século XVIII, correlacionada com a pecuária, atividade econômica considerada pela historiografia como de fundamental importância na ocupação do território.

No artigo (Re)Configurações das Imagens do Sertão no Cinema Brasileiro, José Luís de Oliveira e Silva no sentido de pensar a construção imagética do sertão no cinema brasileiro, propõe uma reflexão mais ampla sobre a relação entre o fazer historiográfico e os usos de narrativas ficcionais, não para hierarquizar ou opor uma à outra, mas como forma de perceber os modos como a ficção extrapola os aspectos da temporalidade vivida, habilitando-se a materializar, de forma imaginativa, os possíveis não realizados da história.

Em O movimento dos trabalhadores sem teto e a luta pelo direito à cidade em Recife, Igor de Meneses Silva, Jennyfer Annemberg Burlamaqui das Neve e Jully Gardemberg Burlamaqui das Neves abordam luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Recife, tendo como objetivo analisar as dificuldades encontradas e as ações estratégicas que podem ser adotadas pelo movimento na luta pelo reconhecimento do direito à moradia digna na capital de Pernambuco.

Em Reforma Trabalhista, precarização do trabalho e imperativos do capital, André Conceição de Sousa e Patrícia Soares de Andrade analisam alguns pontos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467 / 17) no que diz respeito a flexibilização do trabalho. Segundo os autores a reforma trabalhista ampliou as possibilidades de flexibilização do trabalho, seja através da terceirização, trabalho em regime parcial ou mesmo intermitente, buscando atender a interesses de instituições internacionais e nacionais, respondendo também aos imperativos da acumulação de capital.

Yasminn Escórcio Meneses da Silva e Marcelo de Sousa Neto no artigo intitulado Sob o Signo das Águas e do Esquecimento: trabalho feminino e modernização dos espaços sob olhar das lavadeiras de roupas (Teresina, década de 1970) utilizam a História Oral para compreender a atividade das lavadeiras de roupas na cidade de Teresina na década de 1970, para tanto consideram o constante aumento de mulheres nas margens dos rios na execução da tarefa, como parte dos resultados da intensa migração que se tornou frequente nos anos que sucederam o chamado período do “milagre econômico” dos governos militares, ampliando o número de pessoas sem renda e sem perspectivas nas capitais brasileiras em busca de melhoria de vida.

Na Seção Especial do Dossiê, Maurício Fernandes faz uma abordagem filosófica no artigo intitulado Tecnologia e Ruralidade: Considerações a partir da Tese da Colonização de Jürgen Habermas. O autor discute a problemática do avanço tecnológico no campo tendo como recorte norteador a teoria comunicativa de Jürgen Habermas, e dentro desta, mais precisamente, a tese da colonização. Nesse sentido, analisa o conceito de colonização utilizado por Habermas, que fornece elementos enriquecedores para uma compreensão do atual quadro de desenvolvimento do campo, bem como, uma compreensão dos problemas que envolvem os usos da tecnologia no âmbito do campo.

A edição está dividida em duas partes, além do Dossiê na seção de Artigos Livres os autores analisam fenômenos históricos, sociais, políticos e culturais da história e cultura regional, a partir de múltiplos objetos; ainda assim, aponta perspectivas que se desenrolam no tempo presente e tal é a complexidade que as envolvem que nos contentamos em ser Ciência e não fazer exercícios de natureza profética.

Antonio Alexandre Isídio Cardoso – UFMA

Cristiana Costa da Rocha – UESPI

José da Cruz Bispo de Miranda – UESPI

Robson Carlos da Silva – UESPI

Salania Maria Barbosa Melo – UESPI / UEMA

Teresina, maio de 2020


CARDOSO, Antonio Alexandre Isídio; ROCHA, Cristiana Costa da; MIRANDA, José da Cruz Bispo de; SILVA, Robson Carlos da; MELO, Salania Maria Barbosa. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa / Vozes Pretérito & Devir / 2019

Ao elaborarmos a proposta deste dossiê sobre História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa tivemos a intenção de fomentar a reflexão em torno de estudos recentes relacionados ao campo da história militar fossem eles voltados para a análise de eventos bélicos, os chamados temas tradicionais da história militar, e seus desdobramentos sociais, fossem eles voltados para a atuação de grupos, instituições e eventos militares em tempos de paz. O leitor da presente edição da revista Vozes, Pretério & Devir se deparará, portanto, com um conjunto de trabalhos que se debruça com maior empenho sobre a preparação da sociedade para a guerra, o papel das forças armadas na organização cotidiana da sociedade brasileira, a construção de mitologias e legitimidades em torno da atuação política de militares, o papel normatizador da instituição sobre a população, como também a problematização da escrita existente sobre essas temáticas. A multiplicidade de enfoques oferece ao leitor o afastamento em relação aos campos de batalha, o que permite perceber estes enquanto apenas um dos palcos de atuação dos militares e de seus projetos para a sociedade. Os artigos arrolados apresentam contextos e relações sociais diversos, pondo em suspeição imagens simplistas e heroicizantes. Trata-se da efetivação do dever estruturante da História enquanto ciência: questionar as certezas herdadas do passado.

É interessante perceber que todos os trabalhos apresentados se alicerçam em episódios transcorridos no Brasil, tradicionalmente rotulado enquanto um país pacífico e que não se envolveu em guerras de forma significante. Na contracorrente deste lugar comum, o dossiê mostra o amadurecimento da História Militar em nosso país, fomentado a partir da década de 1990, devido ao distanciamento do período ditatorial (1964-1985) e à expansão das pós-graduações nas universidades brasileiras. Ressalte-se que no regime militar o espaço acadêmico não teve interesse (ou liberdade) em discutir as Forças Armadas e os poucos estudos voltaram-se para a pesquisa do envolvimento militar na política, desconsiderando outras análises sobre a instituição (CASTRO; IZECKSOHN; KRAAY, 2004, p. 13). A profissionalização dos arquivos militares, com o ingresso nesses espaços de historiadores e arquivistas de formação, a progressiva abertura de acervos produzidos ou relacionados ao meio castrense, bem como a crescente profissionalização dos pesquisadores através dos cursos de pós-graduação proporcionaram o crescimento dos estudos nesta área (FIGUEIREDO, 2015, p.12-14).

O estudo dos militares e sua relação com aspectos da vida social como a política, a cultura e a sociedade, em suas várias temporalidades, é fundamental para a compreensão da trajetória histórica dos povos, especialmente na América Latina, onde os militares ou se apresentam historicamente como força democrática, de acordo com tese de Nelson Werneck Sodré (CUNHA, 2010, p. 07-17), ou como força conservadora e até reacionária. Sendo assim, o uso de novos temas, fontes e abordagens na produção da História Militar articulada à expansão dessa área de estudo no universo acadêmico vem contribuindo de forma relevante para a interpretação do papel dos militares nos movimentos históricos, tanto em seus avanços quanto em seus retrocessos, assim como a influência sofridas por eles do mundo social.

Dessa forma, levando em consideração a relevância do tema na atualidade e a necessidade de se compreender as relações que se estabeleceram ao longo do processo histórico entre Militares, política e sociedade, a Revista de História da Universidade Estadual do Piauí torna público o dossiê História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa, composto por oito artigos.

Os dois artigos que abrem o dossiê afastam-se do teatro de guerra, mas apresentam outras formas de encenar o poder, qual seja a construção de legitimidades. Ronaldo Zatta e Ismael Antônio Vannini abordam as comemorações e a ritualização nacionalista durante o período ditatorial civil-militar. Ao dirigirem sua atenção para o município paranaense de Francisco Beltrão em 1980 nos propiciam compreender como as autoridades locais buscaram alinhar-se aos símbolos e à pedagogia militarista apresentada em celebrações do sete de setembro. Os esforços em cumprir determinações militares terminaram por adequar associações civis e estudantes em nível escolar à disciplina determinada pelos presidentes-generais.

Bárbara Tikami de Lima, por sua vez, investe em balanço da História Militar e a da Arte. Para tanto, explora as trajetórias dos pintores das obras que imortalizaram a participação do exército e marinha do Brasil na guerra do Paraguai. Telas como Batalha do Avahy e Batalha Naval do Riachuelo são frequentemente evocadas na liturgia militar, enquanto símbolos do denodo e sacrifício realizados em nome da pátria. O argumento da autora aposta na indissociação entre a experiências dos artistas e a dos militares na elaboração da imagética iconográfica.

Os dois artigos seguintes examinam a importância que as guerras civis tiveram no país. Gustavo Figueira Andrade explora a associação entre duas experiências diferentes. A Vozes Pretérito & Devir Ano VI, Vol. X Nº I (2019) Apresentação ISSN: 2317-1979 6 primeira é a da guerra civil em si, neste caso a transcorrida entre 1893 e 1895 no Rio Grande do Sul. A segunda é a da mobilização de efetivos ao longo do país e seu deslocamento para frentes muito diversas das que originalmente serviam os soldados. Valendo-se das memórias de um praça cearense recém-chegado ao território sulista, Andrade nos oferece tanto a análise sobre as condições de vida de um soldado na jovem república brasileira quanto a perspectiva de estranhamento de um oriundo de parte muito diversa da mesma. Vivência castrense e civil se misturam, apontando as limitações da homogeneização do treinamento militar.

Determinado a recapitular o desenvolvimento do tenentismo, Amílcar Guidolim Vitor passa em revista as ações que deram origem a esta categoria. A alternância entre a narrativa e a análise da repercussão das manifestações de jovens oficiais em jornais da época aponta para o sofisma que é afirmar que no Brasil os combates militares estiveram ausentes. De fato, nas mobilizações dos “tenentes” foram recorrentes as marchas forçadas e o confronto com outras unidades do exército ou de polícias militares estaduais. A guerra brasileira teve uma manifestação endêmica e interna.

O artigo de Johny Santana de Araújo foca na ação do exército enquanto transformador dos cidadãos brasileiros, um objetivo praticado com particular recorrência na primeira república. Ao verificar a implantação do 25º batalhão de caçadores em Teresina, o professor nos apresenta o quanto a promoção de atividades de entretenimento e de sociabilidade foram utilizadas para oferecer uma imagem positiva do exército e, por conseguinte do Estado brasileiro. No Piauí, estado no qual as Forças Armadas e o poder central tinham presença pouco expressiva, fazia-se necessário não apenas atuar, mas também ganhar corações e mentes da população. Para tanto, lançava-se mão do soft power como meio de adesão.

Mas o que será de um exército sem um inimigo? Wilson de Oliveira Neto nos mostra que a definição de um antagonista não era óbvia, obrigando a uma pedagogia política para apontar aos cidadãos quem eram os opositores da pátria. No caso da II Guerra Mundial a imprensa, articulada com a propaganda estado-unidense foi fundamental para transformar os alemães, outrora aliados, no inimigo nazista que deveria ser combatido. Novamente, coloca-se em jogo a legitimidade das ações militares e sua relevância política no cotidiano.

Lucas Mateus Vieira de Godoy Stringuetti, por sua vez, discute como carreiras militares se desdobraram em carreiras políticas, valendo-se para tanto das biografias elogiosas ao brigadeiro Eduardo Gomes. Tendo as biografias surgido no embalo das discussões para apontar o candidato da UDN à presidência da república em 1945, eram menos estudos desinteressados do que peças de propaganda. Nesse sentido, tratavam não apenas de relatar as proezas militares do brigadeiro, mas construir a figura de um líder nacional.

Fechando o dossiê, Marcelo Cardoso examina as escritas acadêmica e institucional produzidas sobre a Polícia Militar Brasileira e Piauiense entre os anos de 1975 e 2010. O autor analisa os distanciamentos e aproximações existentes entre essas narrativas levando em consideração o lugar social de produção e os procedimentos metodológicos utilizados. A partir desse debate, Cardoso apresenta através de seu percurso acadêmico uma proposta para a história acadêmica da Polícia Militar no Piauí.

Além do material do dossiê o leitor conta com a seção de Artigos Livres, que totaliza seis trabalhos autorais. O primeiro deles realiza uma transição entre o militarismo do dossiê e as demais contribuições, ao explorar a utilização de corsários pelo movimento revolucionário e emancipador de Buenos Aires no início do século XIX. Eduardo Sartoretto analisa a participação de marinheiros e oficiais que vendiam seus serviços a favor da revolução, mas também visando a própria sobrevivência. Valendo-se de um diálogo sólido com a historiografia internacional, percebe como a definição da soberania da nação nascente foi atravessada por questões internacionais que se evidenciavam na ação corsária.

Erick Matheus Bezerra Mendonça Rodrigues retorna ao século XVI para averiguar o quanto a obtenção de informações e sua transformação em conhecimento era fundamental para a monarquia hispânica manter sua dominação sobre territórios ultramarinos. Conhecer para conquistar era uma prática recorrente no mundo moderno e os espanhóis fomentaram o conhecimento científico pautados pelo uso imediato que poderiam lhe dar.

Rodrigo de Morais Guerra também se ocupa de analisar a ação sobre o espaço, mas seu esforço se desenvolve no sentido de uma reflexão teórica em torno de como diferentes historiadores pensaram esta categoria. Procurando distanciar-se de uma perspectiva na qual o espaço seria tão somente o palco da ação humana o autor enfrenta o desafio de contrastar nomes díspares como Koselleck, Foucault e Benedict Anderson, entre outros.

As políticas públicas são objeto em dois artigos distintos. Werbeth Serejo Belo se ocupa do sistema de proteção social em Portugal, no início do século XX. Joseanne Zingleara Soares Marinho tem por recortes o Piauí entre 1930 e 1945, estudando a saúde maternoinfantil. Em ambos os casos há uma preocupação com grupos muitas vezes excluídos da história, embora as categorias de análise sejam diferentes: o trabalho e a divisão social para o primeiro, o gênero para a segunda.

Finalmente, Elaine Ignácio e Erasmo Marcio Falcão nos oferecem um trabalho sobre educação patrimonial, o que permite a sempre salutar aproximação com a antropologia. Seu alvo é a importância das práticas culturais populares, incluindo as elaborações que fazem da sua memória social e consequentemente do seu pertencimento ao espaço social.

Para encerrar o volume, a resenha de Pedro Pio Fontineles Filho sobre a coletânea Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, retoma em alguma medida a História Militar proposta no dossiê, da mesma maneira que nos permite revisitar e repensar a experiência brasileira no conflito. Ao dedicar-se a uma fração do Brasil, o livro nos convida a conhecer histórias que foram por muito tempo ofuscadas pela narrativa centralista do centro-sul. O que o leitor encontra no presente volume, seja em artigos articulados pelo dossiê temático, seja em contribuições livres, é a necessidade de concatenarmos múltiplos pontos de vista para a compreensão dos fenômenos sociais do presente e do passado, sempre complexos e desafiadores.

Com votos de uma boa leitura,

Referências

CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vítor; KRAAY. Da história militar à “nova” história militar. In: Nova história militar brasileira. Rio de janeiro: Editora FGV, 2004. p. 11-42.

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RODRIGUES, Fernando da Silva; FERRAZ, Francisco; PINTO, Surama Conde Sá (orgs.). Introdução. In: História militar: novos caminhos e novas abordagens. Jundiaí / SP: Paco Editorial, 2015. p. 11-17.

Adriano Comissoli – Professor Doutor. (Docente Permanente do PPGH / UFSM)

Clarice Helena Santiago Lira – Mestra (Professora da UESPI / Doutoranda do PPGH / UFSM)


COMISSOLI, Adriano; LIRA, Clarice Helena Santiago. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.10, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História e criminalidade / Vozes Pretérito & Devir / 2019

As narrativas de crimes há muito exercem uma atração ambígua, um misto de temor e fascínio, entre leitores. Não casualmente, as histórias policiais contribuíram decisivamente, ao longo do século XIX, para a popularização da literatura e do jornalismo, da “cultura do impresso” que é, para historiadores do período como Jean-Yves Mollier, a primeira manifestação de uma cultura de massas que se aprofundaria nas décadas subsequentes, na virada para e ao longo do século XX.

O interesse literário demorou para alcançar a historiografia profissional e acadêmica. À exceção de alguns trabalhos hoje já referências praticamente obrigatórias [1], é a partir principalmente da década de 1970 que o tema começa a chamar a atenção de historiadoras e historiadores. Sob o impacto, entre outros, da história social inglesa e em especial das pesquisas de E. P. Thompson [2], e da publicação de “Vigiar e punir”, do filósofo francês Michel Foucault [3], uma história e uma historiografia do crime, em suas muitas vertentes e variações, se consolidaria nos anos seguintes.

Desde muito cedo articulando os objetos, problemas e fontes específicos do campo aos interesses e aportes teóricos mais amplos da história social, as novas pesquisas pretenderam oferecer mais que uma história das instituições jurídico-policiais ou uma simples variação da história do Direito. Assim, buscou-se fazer uma história das prisões, mas também dos prisioneiros; da polícia, mas igualmente dos policiais e do policiamento; dos discursos e instituições penais, mas em suas múltiplas e contraditórias interações com a sociedade. Enfim, fazia-se uma história do crime, mas sem descuidar de escrever a história da criminalidade e dos criminosos.

A partir dos anos de 1990 desenvolve-se o que podemos chamar de uma história cultural do crime, em grande medida um alargamento das possibilidades abertas pela historiografia de corte mais social. Ao reivindicar a noção de cultura, ou seja, a de uma história das práticas e representações, os historiadores culturais do crime pretenderam, no dizer de Dominique Kalifa, usar o “cultural como instrumento, uma entrada para fazer história social”. [4] O conceito de cultura é utilizado nas suas acepções antropológica e histórica: se as sociedades humanas são culturais, um entendimento da sua dinâmica não pode prescindir de pensá-la imersa em redes complexas de relações. Ainda que os fenômenos e construtos culturais muitas vezes pautem ou expressem escolhas e condutas individuais, eles só podem ser apreendidos e compreendidos se flagrados em seu caráter social e histórico. Trata-se, portanto, de pensar a cultura como uma teia de significados, muitas vezes conflitantes, construída pelas sociedades humanas no tempo, que significam, organizam e autorizam a vida social por meio de regras, normas, práticas e valores.

Não inteiramente inédita, portanto, por outro lado tampouco mera continuidade da história social, a história cultural do crime acrescenta a possibilidade de pensá-lo não apenas socialmente, mas a partir das representações que dele são produzidas em diferentes suportes e linguagens. Se fenômeno cultural, o crime e sua percepção podem ser apreendidos também naqueles discursos que escapam à esfera estritamente jurídica e penal. Trata-se, portanto, de pensá-lo como uma construção cultural, apreensível por discursos os mais diversos. A articulação de diferentes fontes permite, entre outras coisas, acompanhar as maneiras como figuras, nomes, imagens, lugares foram mapeados, identificados e organizados, contribuindo para a construção de um imaginário do crime e, principalmente na experiência da modernidade, de um crescente sentimento de insegurança.

A partir desses novos aportes teóricos, a historiografia mais recente tem se mostrado sensível à necessária e profícua articulação entre discursos, saberes, estratégias e instituições de poder (governos, prisões, polícia, criminologia, etc…), sem descuidar das descontinuidades entre as formulações discursivas e institucionais e sua efetiva, e não raro precária, efetivação nas experiências e práticas cotidianas. Além disso, tem se pluralizado o olhar sobre o crime, a criminalidade e o criminoso, não apenas fazendo ver as mudanças ocorridas no tempo, mas igualmente como, em uma mesma temporalidade, podem-se encontrar diferentes formas de percepção e representação daqueles fenômenos. Tal pluralidade só se tornou possível com a produção de novas fontes que permitem olhar o crime e suas representações em discursos e narrativas tão distintos como os fait divers, o romance policial e o cinema. Mas também em relatórios e estatísticas policiais, processos criminais ou cartas e diários de prisioneiros, fontes de caráter mais “oficial” que, lidas a contrapelo, permitem perceber as muitas contradições das instituições e seus agentes e, mesmo, flagrar aspectos do cotidiano dos grupos e indivíduos considerados criminosos.

Tal como em outras historiografias, também a brasileira trilhou um caminho relativamente longo e diverso até a consolidação, entre nós, de uma história e de uma historiografia do crime. Acompanhando um movimento semelhante ao de outros países da América Latina, no Brasil alguns dos primeiros trabalhos a utilizarem fontes criminais visavam descortinar aspectos do cotidiano dos trabalhadores pobres, imersos em conflitos que ultrapassavam as relações puramente econômicas. O fenômeno criminal tinha importância secundária em pesquisas onde se buscava conhecer a experiência de constituição da classe e da cultura operárias, especialmente na chamada Primeira República.[5] Hoje, já é possível falar de um campo de pesquisa enfim consolidado. Consolidação expressa em agendas compartilhadas; revisões historiográficas que destacam linhas e tendências; inúmeras publicações autorais e coletivas; trocas contínuas em eventos regionais e nacionais que reúnem historiadoras e historiadores do crime e do delito; além da inserção de brasileiras e brasileiros no circuito internacional, principalmente o latino americano.

O dossiê desse número da revista “Vozes, Pretérito e Devir”, portanto, é resultado de um percurso relativamente longo e, ao mesmo tempo, indicativo também da expansão e consolidação das pesquisas em história do crime e do delito no Brasil. O conjunto de artigos apresentados aqui, contemplam não apenas temas, problemas e fontes diversos, mas recortes teóricos e aportes conceituais que reafirmam as possibilidades abertas pelo campo. Não menos importante, ao tratarem da temática do crime, do delito e, em uma perspectiva mais ampla, da violência, em um corte mais regional, apontam para outra característica fundamental à temática: chamar a atenção às singularidades de espacialidades locais ao abordar experiências histórias que tenham o crime a violência como objetos.

No artigo que abre o dossiê, “A pobreza transformada em crime: o combate às práticas subalternas no Código de Posturas da cidade Parnaíba, Piauí (1899)”, Alexandre Wellington dos Santos Silva mostra como a implementação do Código de Posturas municipal, parte do processo de modernização urbana de Parnaíba, impactou principalmente a vida e o cotidiano das populações mais pobres da cidade. Apontadas como uma espécie de entrave ao “processo civilizatório” em curso, e do qual o novo Código era peça central, as chamadas “práticas subalternas” foram perseguidas e criminalizadas pelas elites locais, que pretendiam seu assujeitamento à nova legislação.

Munido das possibilidades teórico-metodológicas (e políticas) sugeridas pela “história social da pobreza”, o autor nos mostra, no entanto, que o intento das elites não se realizou plenamente. Antes pelo contrário, as populações pobres – “prostitutas, mendigos, vendedores ambulantes e ladrões [que] dividiam espaço com ‘trabalhadores do rio’ (…) e operários” – mesmo em constante vigilância e controle, buscaram construir estratégias, se não de resistência (tomada aqui a expressão em seu sentido mais restrito), mas de sobrevivência de suas práticas e saberes. O artigo de Alexandre Silva tem, entre outros, o mérito de nos lembrar que entre a lei e a realidade com a qual ela se choca e que pretende normatizar há, sempre, ruídos, e é principalmente a eles que a sensibilidade do historiador deve estar atenta.

Um breve excerto de sua tese de doutorado, o artigo “O médico e os monstros: a atuação de José Cândido Ferraz em meio aos conflitos políticos e aos incêndios criminosos em Teresina na década de 1940”, de Francisco Chagas O. Atanásio, nos desloca do litoral piauiense para a capital, Teresina. Somos apresentados aos conflitos políticos locais, perpassados por atos criminosos – mais especificamente, uma série de incêndios no centro e na periferia da cidade – e a ação repressiva da polícia local na procura de “bodes expiatórios” que servissem à sanha persecutória do governo, mas, igualmente, para acalmar os ânimos exaltados da chamada opinião pública.

Nesse contexto instável e conturbado, emerge a figura de Cândido Ferraz, um jovem médico descendente das elites locais e voz autorizada na oposição ao governo intervencionista de Leônidas Melo e seu chefe de Polícia, Evilásio Vilanova. Fazendo uso de farta documentação, que inclui, além da historiografia regional, romances e a imprensa periódica do período, Francisco Atanásio nos mostra como, na Teresina dos anos de 1940, a “era Vargas”, política e violência se entrelaçavam. Uma violência instrumentalizada, o que o autor também deixa claro, a partir de um corte classista: simbólica, quando se tratava de utilizá-la contra inimigos políticos pertencentes às elites. Física e repressiva, como mostram os relatos de tortura que Atanásio apresenta em seu texto, quando o “inimigo” a ser combatido pertencia às classes e grupos subalternizados.

A partir da repercussão, principalmente na imprensa do Rio Grande do Norte, da morte de Jararaca, Francisco Linhares Fonteles Neto e Antonio Robson de Oliveira Alvez tecem, em “O bandido Jararaca, ‘mais perverso que Lampião’: as narrativas jornalísticas sobre sua prisão e morte”, uma leitura sobre a circulação dos saberes e discursos acerca do criminoso no Brasil e, mais especificamente, no Nordeste dos anos de 1920. Integrante do bando de Lampião que, em maio de 1927, teve frustrada sua tentativa de atacar Mossoró, à época a maior cidade do Oeste potiguar, Jararaca caiu ferido e feito prisioneiro das autoridades locais.

Sua morte, ocorrida em junho do mesmo ano durante sua transferência para Natal, foi cercada de mistério e imersa em silêncios repletos de significados. Temia-se que um assassinato, mesmo que cometido pelas autoridades e tendo por vítima um famoso e temido cangaceiro, pudesse macular, de alguma forma, a festejada vitória dos mossoroenses na resistência a Lampião e seu bando. Ao longo do texto, e mapeando as muitas narrativas sobre os acontecimentos daquelas semanas, Fonteles e Alves exploram os muitos pontos de vista expressos pela imprensa regional: do temor inicial da população, nos dias que antecedem a investida do cangaço, aos usos das referências teóricas da criminologia lombrosiana na tentativa de, discursivamente, dar uma face e um sentido à violência criminosa de Jararaca, apresentada como expressão de uma degenerescência irredutível.

Articulando referenciais teóricas das ciências sociais, do pensamento foucaultiano e de uma história do tempo presente, o artigo “Juventude em perigo, criminalidade e cidadania negada”, de Marcondes Brito da Costa, apresenta resultados de uma pesquisa realizada durante os anos de 2009 e 2010, com grupos de jovens de comunidades periféricas de Teresina. O foco recai sobre os desdobramentos do tráfico de drogas nas trajetórias dos jovens pesquisados, na tentativa de compreender como as relações sociais são construídas em meio a um cotidiano atravessado por diferentes formas de violência – além da dos traficantes, também a da polícia. O principal mérito do artigo de Marcondes Brito é, sem perder de vista as especificidades locais, apreendidas em uma cuidadosa e sensível pesquisa de campo, dar ao problema do tráfico nas comunidades de Teresina uma dimensão que ultrapassa o território geográfico mais estrito.

O texto mostra que a “lógica” que movimenta o tráfico e recruta grupos inteiros de jovens, não pode ser explicada apenas localmente, porque inserida em teias de significados, em relações econômicas e políticas mais amplas e complexas. Igualmente, os discursos e políticas repressivas de combate ao tráfico, além dos muitos estigmas produzidos sobre a juventude que dele participa em diferentes níveis hierárquicos, não se diferem substancialmente em Teresina daqueles praticados em outras capitais e centros urbanos brasileiros. A produção de um inimigo a ser combatido e, se necessário, eliminado, fruto da “associação ideológica entre pobreza e criminalidade”, é apenas um dos resultados de uma cidadania cada vez mais precária e incompleta – “em frangalhos”, nas palavras do autor. E é de uma amarga ironia que uma das razões a explicar a escolha pelo tráfico como condição de subsistência seja, justamente, vislumbrar nele a possibilidade de exercer uma cidadania que, nas sociedades capitalistas, está cada vez mais associada à capacidade de consumo.

No artigo que encerra o dossiê – e também o único a abordar outra espacialidade que não o Nordeste –, “A ‘Operação mata-mendigos’ e o jornal Última Hora (Rio de Janeiro, 1961-1969)”, Mariana Dias Antonio analisa, a partir das páginas do jornal carioca, uma série de execuções de moradores de rua pela polícia do Rio de Janeiro no início da década de 1960. Fenômeno midiático à época dos acontecimentos, o caso acabou por se tornar assunto periférico nos anos subsequentes, não raro subordinado a narrativas que o inscreviam como parte menor de eventos considerados maiores e mais complexos. Além disso, a autora identifica uma série de lacunas e inconsistências em torno ao caso nas muitas fontes de sua pesquisa.

Um dos propósitos do artigo é, justamente, tentar responder algumas das contradições e suprir parte das lacunas encontradas. Para tanto, Mariana Dias mapeia, além do Última Hora, fonte privilegiada do trabalho, o inquérito parlamentar, os julgamentos e condenações dos agentes implicados. A ampla bibliografia sobre o assunto tampouco escapa a análise da autora, que nela destaca, como já dito, as contradições, lacunas e inconsistências para, em um esforço em que aproxima, compara e cruza as muitas narrativas produzidas sobre a operação – as reportagens da imprensa; a literatura; e os documentos oficiais, principalmente parlamentares – tentar preencher parte dos lapsos encontrados.

Fora do dossiê, outros seixs artigos completam esse volume da “Vozes, Pretérito e Devir”. Em “A freguesia da Cidade do Natal: um território eclesiástico na América Portuguesa”, Thiago do Nascimento Torres de Paula analisa o processo de criação e desenvolvimento da freguesia – territórios eclesiásticos que remontam à antiguidade – na Cidade do Natal, num período que abrangem os séculos XVII e XVIII e se estende até inícios do dezenove. O segundo artigo, “A Aids entre suas relações de estigma e solidariedade em Teresina-PI”, de Maria Zilda Bezarra Gonzaga, avança até os anos de 1980 e 1990, para analisar os muitos estigmas produzidos sobre Aids na capital piauiense, bem como as redes de solidariedade forjadas para o acolhimento e atendimento dos soropositivos.

No trabalho seguinte, “As festas cívicas em Campo Maior-PI durante a Ditadura Militar”, Caio Vinícius Silva Teixeira estuda os significados das manifestações cívicas realizadas durante o período ditatorial, onde valores como “civismo”, “patriotismo” e “nacionalismo” eram acionados como forma de legitimação da própria ditadura. Já Cristina Cunha de Araújo, em “Veredas e caminhos: Fátima e Jóckey Clube (1960-1980)”, analisa o processo de formação dos dois bairros de Teresina destacando as ações dos agentes responsáveis pela modelação do espaço urbano das duas localidades. Em sequência, o artigo de José Eduardo Oliveira Nascimento, “A escrita acadêmica sobre o diabo: o mal ao longo dos séculos”, onde o autor, a partir de uma cuidadosa revisão bibliográfica, analisa as representações do diabo e do mal na literatura ocidental ao longo dos séculos. Encerra esse volume com o artigo “O delegado militar no interior da província de São Paulo, no fim do Império”, de autoria de André Rosemberg. Nele, o autor aborda o lugar e papel social que envolvia a figura do delegado militar na província de São Paulo. Através de uma série de relatos e episódios atinentes ao fim do século XIX, o autor procura demonstrar como o delegado militar revestia-se como um mediador dos conflitos e tensões emergentes das correlações de forças instauradas por várias frentes como o próprio ramo militarizado, burocratizado, profissionalizado e ostensivo, representado pelo Corpo Policial Permanente (doravante CPP), e a hierarquia civil, cujos expoentes eram o chefe de polícia, os delegados e subdelegados; representantes do poder judiciário e das elites agrárias respaldas por sua influência local

Enfim, ficam aqui registrados os agradecimentos a todos que contribuíram direta e indiretamente para mais uma edição deste periódico, assim também como ressaltamos o convite a apreciação do mesmo pela comunidade acadêmica e o público interessado.

Boa leitura!

Notas

1. Entre outros, vale mencionar o trabalho seminal do historiador francês Louis Chevalier, “Classes laborieuses et classes dangereuses à Paris, pendant la première moitié du XIXe siècle”, publicado originalmente em 1958, pelas Éditions Plon. No Brasil, a historiografia do crime tem uma dívida com o livro pioneiro de Maria Sylvia de Carvalho Franco, “Homens livres na Ordem Escravocrata”, cuja primeira edição é de 1969.

2. HAY, Douglas; LINEBAUGH, Peter; THOMPSON, E. P. et al. Albion’s fatal tree: crime and society in eighteenth-century England. London: Allen Lane, 1975.

3. FOUCAULT, Michel. Surveiller et punir. Naissance de la prison. Paris: Éditions Gallimard, 1975.

4. KALIFA, Dominique. História, crime e cultura de massa. Topoi, v. 13, n. 25, jul. / dez. 2012, p. 185-192.

5. Em meio a um conjunto de pesquisas que margeavam a história do crime, merece destaque o trabalho do historiador carioca Marcos Bretas, ainda hoje nossa principal referência e que, distintamente a seus contemporâneos de geração, trouxe o tema para o centro de suas preocupações em trabalhos como “A guerra das ruas” e “Ordem na cidade”, duas obras que deram contribuição decisiva à história do crime no Brasil.

Clóvis Gruner

Francisco C. O. Atanásio

Curitiba, julho de 2019


ATANÁSIO, Francisco C. O.; GRUNER, Clóvis. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.9, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História – Ensino / Vozes Pretérito & Devir / 2018

O século XX trouxe grandes questionamentos e reformulações para a ciência histórica que a afetaram não somente do ponte de vista de sua maturação epistemológica, a História em si, mas também seus modos de socialização. Desta forma, percebemos que o ensino de história passou a constituir um campo rico em discussões teóricas, filosóficas, metodológicas, éticas e estéticas (KARNAL, 2007). O fazer pedagógico, assim como o próprio conhecimento historiográfico é entendido como uma prática social, exercida em sala de aula, suscetível a mudanças no tempo e no espaço. Isto posto, verificamos a importância de uma crítica sobre as formas como foram sendo construídas, as práticas e representações em torno do ensino de história, e como elas se relacionam com as demandas contemporâneas de formação da cidadania (GOMES, 2015).

Entretanto, na contramão dos avanços nas produções intelectuais relacionadas ao ensino de História, percebemos que muitas das inovações proporcionadas pelas novas abordagens historiográficas estão longe de fazerem parte do cotidiano das salas de aula do ensino básico. Alguns procedimentos adotados pelos professores chegam mesmo a contradizer aquilo que vem sendo discutido nas universidades, no que se refere às últimas décadas. Outro ponto a ser considerado é o desinteresse dos alunos pela disciplina de História, os quais, em sua maioria, ao não perceber uma aplicação prática, no plano quotidiano, para tal disciplina e por isso mesmo não sabe pra que serviria a História (MORAES, 2006).

Portanto, precisamos tratar com muita complexidade as questões relacionadas à escolha do que deve ser ensinado na disciplina de história: como devemos proceder em relação à seleção de conteúdos? Quais podem ser mais atraentes e garantir uma formação adequada? Além disso, precisamos também estar atentos para a utilização de diferentes linguagens e abordagens na sala de aula. De acordo com Ribeiro (20013, p. 1):

No que se refere ao ensino de história, é importante observar que a construção do currículo não pode se limitar a um enfoque meramente disciplinar, pois, estudar o passado significa fazer referência às múltiplas experiências dos seres humanos no tempo, que são, antes de tudo, permeadas por um conjunto de conhecimentos e aspectos que não podem ser reduzidos a um recorte disciplinar.

Todo este quadro se torna ainda mais complexo diante das questões colocadas pela lei nº 13.415 / 17 que instituiu a Reforma do Ensino Médio. Entre as mudanças estabelecidas destacamos que a disciplina de História deixa de ser obrigatória e passa a ser eletiva. Embora ainda não seja possível dimensionar com precisão os prejuízos advindos desta não obrigatoriedade da disciplina e da consequente não oferta da mesma em muitas escolas públicas é necessário nos prepararmos para o que está por vir.

Também contribui para a problemática do ensino em nossa sociedade o projeto de lei 867 / 2015, apresentado à Câmara dos Deputados, e o projeto de lei 193 / 2016, apresentado ao Senado. Figura entre as propostas destes projetos a inclusão, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o chamado “Programa Escola Sem Partido”.

Atrelado a outras propostas polêmicas para a Educação, o Escola Sem Partido opera na desconstrução das ideias de democracia e justiça social; as ideologias propostas por ele têm sido construídas ao longo de uma década, por seus protagonistas, na grande mídia e, com isso, tem se consolidado um discurso de invalidação do conhecimento científico e de perseguição a perspectivas históricas e políticas distintas. A tentativa de inviabilizar, ao mesmo tempo, a produção e a socialização de conhecimento para uma educação antirracista e o objetivo de minar toda e qualquer possibilidade dessa discussão é, mais uma vez, uma tentativa de silenciamento e de perseguição, colocada pelo Escola Sem Partido, por via da judicialização da ação docente, dos poucos profissionais que operam para a reflexão sobre as injustiças sociais de modo a desvelar a história oficial para ouvir seus agentes silenciados. (FREITAS; BALDAN, 2017, p. 3-4)

Foi pensando nos desafios que o ensino de História vem enfrentando no mundo contemporâneo que resolvemos dedicar o dossiê da presente edição da Revista de História da Uespi: “Vozes, Pretério e Devir”, à discussão deste assunto. Abrimos nosso dossiê com uma reflexão em torno dos limites que o fator tempo tem colocado, historicamente, à atuação dos professores no exercício de suas funções e na constituição de suas identidades profissionais. Na sequência apresentamos um artigo que analisa as orientações teórico-metodológicas voltadas para o ensino de história presentes na revista “Escola Secundária” que circulou no Brasil entre os anos de 1957 e 1963. Também contamos com uma análise sobre a constituição do ensino em escolas primárias no Brasil Republicano que nos é apresentada através da autobiografia de Paschoal Lemme.

Continuando nosso dossiê temos uma análise sobre o uso das TDICs no ensino de história e de como as mesmas podem auxiliar professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem. Outro artigo visa compartilhar experiências de transposição didática de pesquisas ligadas à temática da migração. Em sequencia, é possível apreciar uma abordagem voltada a “história e imagem” relacionando a representação do negro em quadros do século XIX, esta questão se torna ponto de partida para pensar a relevância do ensino de História África e Cultura afro-brasileira no ensino básico. Finalizando o dossiê contamos com um artigo que se propõe a analisar as políticas voltadas para a formação continuada dos professores de História.

Dos das produções textuais que constitui o dossiê temático, também contamos na composição desta edição, a publicação de artigos livres, os quais trazem os mais variados temas, como por exemplo, a mercantilização da terra no Brasil colonial, passando pelas problematização das artes de cura, da escravidão e das representações escatológicas no sertão do Piauí. Por fim, o conteúdo da mesma se da por findado ao expor um resumo expandido de monografia que trata do ciberativismo e o jogo político do Brasil contemporâneo.

Referências

FREITAS, Nivaldo Alexandre de; BALDAN, Merilin. Dossiê Escola Sem Partido e formação humana. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Janeiro – Junho de 2017 Vol.14 Ano XIV nº 1 ISSN: 1807-6971

GOMES, Gustavo Manoel da Silva. Historiografia e ensino de História para a descolonização do conceito de cultura afro-brasileira: articulando ciência, ensino, cultura e política. Bananeiras-PB: Revista Lugares de Educação [RLE], Bananeiras-PB, v. 5, n. 10, p. 93-111, Jan-Jul., 2015 ISSN 2237-1451.

KARNAL, Leandro. (org.) História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2007.

MORAES, Airton de. Historiografia e ensino de história: algumas reflexões sobre o ensino fundamental. Londrina-PR: História & Ensino, v. 12, p. 9-34 ago. 2006.

RIBEIRO, Jonatas Roque. História e ensino de História: perspectivas e abordagens. Educação em Foco, Edição nº: 07, Mês / Ano: 09 / 2013, Páginas: 1-7

Marta Rochelly Ribeiro Gondinho – Doutora

Felipe da Cunha Lopes – Mestre


GONDINHO, Marta Rochelly Ribeiro; LOPES, Felipe da Cunha. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.8, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e Diversidade / Vozes Pretérito & Devir / 2017

A chamada feita a investigadores interessados em compor o Dossiê História, Gênero e Diversidade – integrante da sétima edição da Revista de História da Universidade Estadual do Piauí, “Vozes, Pretérito e Devir” – resultou no trabalho que ora apresentamos. Diante de uma abrangente gama de possiblidades analíticas, pudemos fazer a seleção aqui apresentada e conseguimos cobrir regiões diferentes, momentos sócio históricos plurais e elaborações diversas e academicamente sofisticadas.

Hodiernamente, as discussões sobre gênero e diversidade assim como a intersecção entre estas duas categorias ainda se constituem numa miríade de possibilidades no campo da história. Advogamos que os estudos sobre gênero devem incluir o pensar de mulheres e homens nas mais diversas interações, relações matrizes e etnias, bem como em suas masculinidades e feminilidades, assim também nas instâncias intervalares da homossexualidade, transsexualidade, dentre outros lugares e orientações possíveis de serem ocupados.

Os estudos sobre as relações de gênero na imprensa escrita e a representação de suas imagens e apropriações estão analisados nos textos: Lindas, bonitas, gentis e graciosas nos divertimentos, práticas corporais e esportivas (Uberlândia e Uberaba – MG, 1918-1943) de Igor Maciel da Silva; Lugar Santo: A mulher, a sacerdotisa do lar sob ótica do Jornal Cruzeiro em Caxias Maranhão (1950) de Jakson dos Santos Ribeiro e Representações sociais de homens provedores nas páginas da revista veja (década de 1970) de Douglas Josiel Voks. Reunidos, estes trabalhos cobrem mais de meio século de alegorias simbólicas sobre tais imagens.

O discurso de propriedade sobre o corpo seja pela ótica religiosa, seja como objetificação que a torna vulnerável e vítima de várias violências pode ser cotejado nos textos O discurso religioso católico sobre o aborto e a biologização da vida social de Luiz Augusto Mugnai Vieira Júnior e Violência contra a mulher: questionamentos frente ao silenciamento em cidades de pequeno porte, de Érika Oliveira Amorim e Maria Beatriz Nader, ao lado da Educação no / do Corpo: Negro e Feminino de Joanna de Ângelis Lima Robert e Eliane Almeida de Souza e Cruz.

A construção dos conhecimentos realizados por mulheres negras ativistas voltadas para a Educação e a sociedade podem ser academicamente apreciados no textos. Memória histórica da pedagogia multirracial no Rio de Janeiro na década de 1980: O protagonismo de Maria José Lopes da Silva de Ivan Costa Lima e o outro intitulado Interseccionalidade e Desigualdades Raciais e de Gênero na Produção de Conhecimento entre as Mulheres Negras, de Sônia Beatriz dos Santos.

Já o trabalho de Lívia Maria Silva Alves e Manoel Ricardo Arraes Filho: A representação política feminina na Assembleia Legislativa Piauiense (1998-2014) nos brinda com um reflexivo questionando sobre a efetividade da Lei de Cotas, sobretudo no quer tange a participação feminina na política piauiense após a Lei de Cotas. Suas reflexões têm como ponto de partida a luta sufragista na sua intensidade e continuidade, na busca por igualdade em todas as esferas da sociedade, inclusive no espaço público.

Por fim as Professoras Joselina da Silva e Maria Simone Euclides com o texto: Histórias de vida e superação: semelhanças e ambiguidades nos caminhos profissionais de docentes negras, nos agracia com a análise reflexiva das histórias de vida de professoras negras e os processos de superação e rupturas que estas passam ao ingressarem no ensino superior e suas nuances. Elas realizaram um total de nove entrevistas com professoras negras das instituições de ensino superior: Universidade Federal do Ceará, Universidade Estadual do Ceará, Universidade Regional do Cariri e Universidade da Integração Internacional e da Lusofonia Afro-Brasileira, e o resultado desse trabalho, aqui está para o nosso aprendizado.

Além das produções que compõem o atual dossiê temático, também contamos com produções de notáveis relevâncias, presentes na seção de artigos livres, como é o caso dos artigos Parnaíba Historiografada, de Antonia Valtéria Melo Alvarenga, e Os “guardiões da História Oficial”, de Ana Priscila de Sousa Sá, estudos que consequentemente analisam parte da historiografia local e nacional. Os estudos relacionados ao espaço citadino, suas transformações, os elementos de pertencimento e ressignificações se encontram presentes nos textos História, cidade e memória, Pauliana Maria de Jesus, e Lápides do século XIX, Jéssica Gadelha Morais. A seção é encerrada com o texto sobre o “Estudo sobre o bemestar / mal-estar docente na perspectiva dos professores de História da educação básica”, de Gabriela Alves Monteiro.

Por fim, ainda cotamos, nesta edição, com a publicação do resumo expandido da monografia de Elizeide Miranda de Oliveira, intitulada: Saberes Culturais: um olhar sobre as mudanças e permanências da cultura imaterial de São Raimundo Nonato – Piauí (2004-2014) e na seção de publicação de fontes temos “O testamento de Dona Maria Gonsalvez de Novoa, Capitania do Rio Grande do Norte, 1788”, uma exposição textual do historiador Thiago do Nascimento Torres de Paula.

Agradecemos penhoradamente os envios de relevantes trabalhos, bem como a leitura atenta e analítica de todos(as).

Iraneide Soares da Silva – Professora Doutora (UESPI).

Joselina da Silva – Professora Doutora (UFRRJ).


SILVA, Iraneide Soares da; SILVA, Joselina da. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.7, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História, África & Africanidades / Vozes Pretérito & Devir / 2016

O dossiê “História, África e Africanidades” está bastante convidativo à leitura, com textos escritos por pesquisadores brasileiros e um cubano. De um modo geral, estão centrados no campo da história social e refletem sobre as experiências cotidianas, condições de vida e atividades de trabalhadores negros escravizados no século XIX com expressivas reflexões sobre África e as africanidades no Brasil, nas Américas e Caribe. Textos esses, calcados nos diálogos com a historiografia mais recente, onde a história, a partir de sua aproximação com áreas como a antropologia e a sociologia, passa a compor um movimento de superação das dicotomias no campo da história do trabalho e dos trabalhadores.

Dessa forma, os sujeitos imersos nas trajetórias vida, nas relações cotidianas e práticas socioculturais, em suas mais diversas possibilidades, evidenciam as redes de sociabilidade, a partir das suas experiências, quer seja em suas instâncias individuais ou coletivas e como sujeitos históricos ativos. Em “Violência e resistência: o cotidiano da mulher escrava no Piauí Oitocentista”; a partir da leitura de processos crimes, a autora Francisca Raquel da Costa trata das denúncias de violência feitas por uma mulher negra escravizada, como também as fugas de trabalhadores negros contra o regime brutal e desumano do escravismo. Outro texto que segue essa linha é o de Iraneide Soares Silva e Célia Rocha Calvo: A Quem Pertence a Cidade? Experiências de negros / as nos espaços urbanos da cidade de São Luís / MA Oitocentista. Ao seguir os caminhos da experiência a partir das memórias deixadas por trabalhadores e trabalhadoras negras num espaço urbano do século XIX, as ações de resistência e luta pela liberdade, desvelam a cidade negra de São Luís. Ana Priscila de Sousa Sá analisa as medidas propostas por Francisco Adolfo de Varnhagen em seu Memorial Orgânico (1849 / 1850), visando a extinção do tráfico de escravos e queda de braço dos governos envolvidos e beneficiados pelo mesmo em meados do século XIX.

Contemplando a temática África e Africanidades, temos o artigo de José Francisco dos Santos, o qual aborda parte da historiografia relacionada à metodologia em História da África, em especifico a História Oral e a Tradição Oral, considerando suas contradições e possibilidades. Sobre as diversidades religiosas, temos “Agô: o campo de pesquisa em uma história oral de candomblecistas”, de Leandro Seawright Alonso e Aline Baliberdin, autores que desenvolvem, pelos itinerários da história oral, um estudo em diálogo com a antropologia a respeito do candomblé e experiências vividas por seus praticantes, valorizando sobretudo as memórias coletivas, não se limitando a identidade religiosa. Márcio Douglas de Carvalho e Silva, por sua vez, nos presenteia com o texto: “Irmandades religiosas e devoção a santos negros no Brasil escravocrata”. Nesse trabalho de pesquisa, ele verifica como se deu o processo de instrução catequética dos negros africanos e afro-brasileiros no Brasil escravocrata, os métodos utilizados pela igreja católica, assim como a importância das irmandades religiosas para o trabalho de aproximação do negro à religião cristã, com enfoque na devoção a São Benedito. Já o historiador Igor Maciel da Silva apresenta “Em nome das deusas pretas: a festa das divindades femininas no Candomblé de uma casa-de-santo em Contagem (Minas Gerais, Brasil)”, um texto também importante neste dossiê, por nos permitir substantivas reflexões sobre a festa que acontece na cidade de Contagem de Minas / MG, dedicada às divindades femininas do Candomblé de uma casa-de-santo de nação Angola.

As africanidades e as múltiplas linguagens e memórias das “Áfricas” também estão presentes neste dossiê, especialmente nos textos de Carmélio Ferreira da Silva, com: “A contribuição da cultura afrodescendente para o samba como parte da identidade musical brasileira”; Antônio Marcos dos Santos Cajé, com: “Contos afro-brasileiros de Mestre Didi: ensinando história e cultura”; Andreia Sousa da Silva com o artigo: ”Linguagem e Africanidades: a contribuição de termos linguísticos africanos na construção histórica do vocábulo brasileiro”; Cristiane Mare da Silva com: “Na encruzilhada entre história e literatura: biografias de Nelson Mandela” e Elio Ferreira com “O Bumba-Meu-Boi do Piauí: poesia afro-brasileira, cantigas, gênese, memórias e narrativas de fundação do Boi de Né Preto de Floriano Piauí”.

Esses artigos, assim como todos listados até então são de grande valia para o nosso dossiê, sobretudo por suscitar possibilidades de investigação e aprofundamento no que tange às temáticas de Áfricas e de brasilidades. Em todos, é possível deparar-se com o trajeto de homens e mulheres negras nas mais diversas condições vida: jurídicas, civil, resistindo, se fazendo presentes, marcando a história do Brasil em todas as linhas. Por fim, e não menos importantes, temos os textos do cubano, Pedro Alexander Cubas Hernandez: “A propósito da discussão sobre como aplicar a Lei no. 10.639 / 03 no Brasil: As experiências vivenciadas por um intelectual cubano (2007-2010)” que que trata de uma experiência com a aplicação da Lei Federal 10.639 / 03, na cidade de Criciúma / SC, numa análise comparativa Brasil / Cuba, bem como as possibilidades reflexivas como o imaginário social sobre a África que se aprende a partir da mídia massiva. Ou seja, a implementação dos artigos 26A e 79B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, os quais institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo da educação básica. Elcimar Simão Martinse e Elisangela André da Silva segue esta nesta linha reflexiva em pensar as relações Brasil / África com o artigo: “A UNILAB e os desafios da integração internacional: uma reflexão sobre África e Africanidades na formação de professores”.

Além das variedades e riquezas temáticas ofertadas através do dossiê temático desta edição, ainda contamos com a contribuições de Idelmar Gomes Cavalcante Júnior, com o artigo “Impertinência em cena: A fragmentação do teatro pernambucano nas décadas de 1960 e 1970”, no qual se discute as transformações políticas e socioculturais no Brasil e nordeste tendo como ponto de perspectiva a modernização do teatro pernambucano, emergente nos anos sessenta. Na seção especial temos a publicação do “Auto de manifestação popular e aclamação da República Federal Brazileira na Vila de São Raymundo Nonato”, fonte inédita divulgada pela jovem pesquisadora Nayanne Magna Ribeiro Viana. Fechando esta edição, ainda contamos com a resenha feita pelo historiador Carlos Eduardo Zlatic da obra: “Do pacto e seus rompimentos: os Castros Galegos e a condição de traidor na Guerra dos Cem Anos” de autoria da historiadora medievalista Fátima Regina Fernandes.

Assim encontra-se a sexta edição da Revista Vozes Pretérito & Devir, a qual nos traz, a partir de uma temática contemporânea e necessária para compreendermos os mundos que vivemos, ricas narrativas, com muitas histórias e memórias de homens e mulheres negras. E com isso, as possibilidades de estudos e pesquisas mais aprofundadas sobre História, África e Africanidades em suas diversidades, promovendo diálogos reflexivos com os mais variados campos do conhecimento. Mais uma vez, convidamos todos e todas à leitura!

Iraneide Soares da Silva – Professora Doutora (UESPI).


SILVA, Iraneide Soares da. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.6, n.1, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho e Movimentos Sociais no Brasil / Vozes Pretérito & Devir / 2015

Os artigos que compõem o dossiê “Trabalho e Movimentos Sociais no Brasil” foram escritos por pesquisadores de diversas regiões do país – Nordeste, Sudeste e Sul. De um modo geral, estão centrados no campo da história social e refletem sobre as experiências cotidianas, condições de vida e trabalho de escravos no século XIX e trabalhadores livres no século XX, no meio rural e urbano. As ações dos trabalhadores são percebidas para além das relações de trabalho e dos movimentos organizados, buscando uma leitura que escapa à tradicional dicotomia que por muito tempo impregnou a historiografia brasileira. Nesse sentido, os autores estabelecem diálogos com a historiografia mais recente em que a história social do trabalho, a partir de sua aproximação com a antropologia e novamente com a sociologia, passou a integrar um movimento de superação das dicotomias no campo da história do trabalho. De outro modo, nesses Mundos do Trabalho são evidenciadas as redes de sociabilidade, como as experiências individuais e coletivas de sujeitos simples e suas atuações em processos históricos específicos, colocando-os no centro dos acontecimentos.

Em “O suicídio de Felisberto: a fazenda São Fernando entre elites e escravos (Vassouras – 1850–1888)”, Fábio Pereira de Carvalho procura demonstrar a construção da elite escravista de Vassouras, no período 1850 a 1888, através do estudo de uma fazenda em particular: São Fernando. Nesse sentido, o autor enveredou pela vida em comunidade de seus escravos, e em específico, do suicídio do escravo doméstico Felisberto. O seu enforcamento abre brechas para verificar como a construção da comunidade escrava, vista de forma não homogenia, implicou em uma lógica de prestígio e desprestígio que também estava relacionado com o trabalho realizado por determinado escravo.

Lia Monnielli Feitosa Costa, autora de “O mesquinho pão das mil e uma dificuldades: imigrantes, abastecimento e tensões políticas no discurso do jornal piauiense ‘A Época’ (1878)”, analisa tal periódico em suas edições do ano de 1878, relacionando a vinda de imigrantes do Ceará para o Estado do Piauí e o gerenciamento do abastecimento de carne e grãos, realizado pelo governo da época.

Em “Sobreviver e se organizar: o movimento contra a carestia e a formação da classe trabalhadora no Rio de Janeiro”, Kaio César Goulart Alves analisa as manifestações públicas contra a carestia, conduzidas pelos trabalhadores urbanos do Rio de Janeiro no ano de 1913. Segundo o autor, as campanhas contra a carestia mobilizaram trabalhadores urbanos do centro e dos subúrbios, qualificados e não qualificados. Os comícios públicos de protesto foram o método de ação privilegiado. Diante disso, Kaio traça um estudo sobre as manifestações dos trabalhadores nas ruas da cidade, em lutas pela sobrevivência, mas também pela formação de novos sindicatos, e pela conquista de direitos sociais.

Em “A trajetória do Centro Social de Monte Grave – Milhã / CE (1973 a 2000) ”, de Antonia Natália de Lima e Telma Bessa Sales, realiza-se um análise a respeito da conjuntura de fundação do Centro Social de Monte Grave (CSMG). A Associação foi constituída na década de 1970 na localidade de Monte Grave (Milhã / CE) e atuou no âmbito da saúde, educação e outros serviços sociais. A partir do uso de fontes orais a autora destaca o envolvimento dos sujeitos na organização da instituição e no estabelecimento das atividades da mesma.

Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa é autor de “Na luta por direitos: As ligas Camponesas e a resistência aos grandes proprietários no Piauí (Campo Maior e Teresina, 1962- 1964)”. Ele analisa ações de resistência dos lavradores no processo de constituição das ligas Camponesas no Piauí e evidencia uma resistência ampliada dos camponeses e a existência de uma rede de solidariedade entre os lavradores. O dossiê temático é fechado com o artigo: “O Primeiro de Maio nos jornais anarquistas A Plebe e A Lanterna (1932-1935)”, de André Rodrigues, nele são abordados os sentidos e significados produzidos em torno dia do trabalhador a partir dos jornais na primeira metade dos anos 30, no Brasil.

A edição é complementada por dois artigos, uma entrevista e uma resenha. Ana Crhistina Vanali é autora de “Agnes Heller e Michel de Certeau: propostas de análise sobre a vida cotidiana. ” e “O Poeta do Riso e da Dor: A relação entre música e história na obra de Sérgio Sampaio (1970-1980) ” de Fabrício Nunes Mendes Brito. O livro “Le ‘nouveau’ Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours” de autoria de Marine Le Pen, resenhado por Guilherme Ignácio Franco de Andrade e uma entrevista realizada com Paulo Pinheiro Machado.

Este volume traz à tona discursos e narrativas sobre as ações de sujeitos simples negligenciados pela historiografia tradicional. De um modo geral, os trabalhos aqui reunidos expressam várias possibilidades de estudos sobre os mundos do trabalho no Brasil a partir de uma perspectiva “dos de baixo”, dialogando com as diversas áreas do conhecimento.

Cristiana Costa da Rocha – Professora Doutora (UESPI)

Telma Bessa Sales – Professora Doutora (UVA)


ROCHA, Cristiana Costa da; SALES, Telma Bessa. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.4, n.1, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, Literatura e Historiografia / Vozes Pretérito & Devir / 2014

No quadro acima do pintor francês Henri Matisse, denominado “Mulher Lendo”, vê-se uma mulher sentada de costas para o olhar curioso do seu observador. À sua frente, vestígios de um tempo esquecido, mas iluminado pela luz que parte de uma tímida luminária, permitindo ver a existência de um pequeno lugar excedido por um móvel que guarda sob sua superfície alguns objetos (quadros, vasos, objetos decorativos).

O pequeno móvel encontra-se ligeiramente aberto, dando mostras da existência de alguns papeis, provavelmente o lugar onde a mulher abriga o livro que lê de maneira silenciosa e indiferente à presença do seu observador.

A cena retratada pela imaginação e pelos pinceis de Matisse faz parte do acervo sensível do imaginário sobre leitores e leituras, desde o tempo que a Literatura se avizinha ao gosto humano de criar outras dimensões ficcionais; de abrir novas expectativas temporais e desenhar outras virtualidades ligadas ao espaço, aos sonhos, às necessidades e expectativas.

A leitora de Matisse representa o nosso desejo inconsciente de escapar do tempo comum, do tempo calendário e tornar-se andarilho no tempo da leitura. O tempo da leitura é o tempo do agora que presentifica o texto. Ele dissolve o passado, dando a esse novo formato, possibilidade e historicidade, pois o tempo se renova a partir do olhar de cada leitor(a) e de cada flâneur.

Não olhamos as coisas e as pessoas da mesma forma, mas sob nossa perspectiva. Nosso olhar é de perspectiva, referencial e moldado pela nossa experiência de leitores. É a nossa experiência que atualiza sujeitos, objetos, problemas, que nos chegam desfocados do passado. É o presente que amplia as formas do passado. Não somos presidiários do passado. Aquilo que nos chega amorfo, empoeirado, desgastado pelo tempo é atualizado pela leitura, pelo tempo sempre inebriante do presente. Somente o presente atualiza o passado. No presente de cada passado existe uma leitora de Matisse atualizando o tempo, os sentidos e as passagens.

Em nosso Dossiê, Intelectuais, Historiografia e Literatura, existem várias passagens atualizadas pela artimanha dos nossos leitores privilegiados: os autores e autoras. Há passagens com relação ao Arquivo de si: as implicações entre testemunho, escrita literária e escrita de si, escrito por Ana Cristina Meneses de Sousa; Sociabilidade intelectual na imprensa natalense na Primeira República (1889-1930), de Maiara Juliana Gonçalves da Silva; O que há de impessoal em arquivos pessoais: considerações a partir de uma experiência de pesquisa na França de Rafael Faraco Benthien; Poema erguido na rua: usos e sensibilidades de uma Teresina em dois tempos (57 / 77) de Renata Flávia de Oliveira Sousa;A cronologia das bestas e o cumprimento das profecias: o conhecimento histórico nas obras pentamonarquistas de William Aspinwall (1653-1657), de Verônica Calsoni Lima; Roberto Piva, periferia-rebelde e estética da existência: subjetividades urbanas desviantes e manifestos literários no Brasil (1958-1967), de Reginaldo Sousa Chaves; Sobre a cultura política de esquerda na França e suas reconfigurações na revista Socialisme ou Barbarie (1946-1968) de Guilherme Bianchi Moreira; Homens de cultura na Baixa Idade Média ocidental: aspectos da formação erudita de Eliane Santana Veríssimo; Carlos Eduardo Zlatic; Oswald de Andrade e a experiências de modernidade em São Paulo: identidade, sociabilidade e política, de Marcio Luiz Carreri; Luiz Costa Lima: afinidades e linha de força de uma obra de Raphael Guilherme de Carvalho; Representações da Nação: a apresentação de Alceu Amoroso Lima no álbum fotográfico Brésil de Rafael Luis dos Santos Dall’olio. Além dos textos de Ronaldo Zatta, em tributo a Helenice R. da Silva e André Feixo que discute a série de documentos históricos editados sobre a direção de José Honório Rodrigues quando este esteve à frente da biblioteca nacional.

Os artigos favorecem pensar outras virtualidades sobre a relação história e literatura, como: A cidade e a música popular: Teresina e os espaços de prática musical nos anos 1980, de Hermano Carvalho Medeiros; Euclides da Cunha, Rodolfo Teófilo e o debate sobre a migração cearense para a Amazônia, de Bruno de Brito Damasceno; Instituto do Museu Jaguaribano: discurso e cidade, de Alex da Silva Farias.

Além dos artigos, a nossa 3º edição conta ainda com uma homenagem à professora Helenice Rodrigues da Silva, ex-conselheira da revista, falecida ano passado, grande estudiosa da história intelectual, e uma resenha sobre Reflexões sobre a escrita e o sentido da História na Muqaddimah de IbnKhaldun, publicado em 2012 por, Elaine Cristina Senko, analisada pelas pesquisadores Ana Luiza Mendes, Bel Drabik.

Todos esses escritos desalojam a leitura, abrem novas virtualidades e passagens no tempo. As configurações elaboradas por nossos autores e autoras provocam por parte de nós, seus leitores, novas refigurações, ou seja, a transformação das nossas experiências vividas sob o efeito da narração.

A partir da remodelação de nossas experiências de leitor reconstruímos historicamente o passado baseados nos rastros deixados pela ausência desse. É a partir da ficcionalidade de nossa leitura que transformamos a nossa experiência temporal.

Nesse sentido fica o convite para os nossos leitores virtuais e atemporais refigurarem seu mundo de forma diferente, a partir da apreciação de nossos escritos; pois a leitura é uma atividade de recepção e de reapropriação transformadora dos nossos sentidos e percepções.

Somos todos como um quadro de Matisse, pintados pelo tempo, refigurados pelos novos sentidos que damos ao mundo. Assim como a leitora de Matisse, também subtraímos do tempo suas inquietações, pois ele passa, mas cabe a nós preenchê-lo de sentidos, remodelarmos seus rastros e permitirmos que o passado seja uma tela sempre pronta para novas refigurações e atualizações.

Boa leitura!!!

Ana Cristina Meneses de Sousa


SOUSA, Ana Cristina Meneses de. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.3, n.1, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História da saúde e das doenças / Vozes Pretérito & Devir / 2013

A revista de História “Vozes, Pretérito e Devir”, vinculada à Universidade Estadual do Piauí, chega à sua segunda edição trazendo o dossiê temático História da Saúde e das Doenças, tema esse que vem ganhando terreno nas investidas de historiadores de diferentes vertentes teórico-metodológicas.

Para refletirmos sobre a produção historiográfica nessa área, destacamos o caso do clássico livro “As doenças tem história”, organizado por Jacques Le Goff [1], publicado no Brasil em 1985. Como nos sugere o título da publicação, a tese central dos diferentes artigos que compõem o livro é que a história das doenças seria a história das práticas e sentidos que os homens atribuem a elas. Nesse sentido, as doenças são problematizadas menos em sua possível essência biológica, como incursão natural, e mais em função dos significados que os homens produzem historicamente em torno das mesmas, na maneira como as sociedades se organizam e / ou desorganizam em função delas ao longo do tempo.

A obra organizada por Le Goff é especialmente importante para nossa apresentação, pois, embora não seja a precursora no assunto, nos fornece uma excelente amostra da produção historiográfica nessa temática, a qual pode ser pensada em duas tendências matriciais. A primeira encara a doença como um fato social capaz de promover rearticulações e rupturas em determinados mecanismos através dos quais as diferentes sociedades se regem. Na segunda, é como artefato cultural que esse objeto de estudo – a doença – se encontra problematizado: ela passa a ser encarada como uma construção histórica. Nesta perspectiva, há uma preocupação maior com suas representações, com os discursos que informam o que é a doença, quais seus sintomas e formas de tratamento.

No Brasil esse campo de pesquisa começou a se desenvolver na década de 1980 e de lá pra cá temos trabalhos vinculados às duas tendências acima explicitadas. Contamos com como exemplos de significativa expressividade os trabalhos de Jurandir Freire Costa [2], mais ligados às abordagens culturais, e os de Sidney Chalhoub [3], de uma vertente mais social. Também não podemos deixar de ressaltar as três edições organizadas por Dilene Raimundo Nascimento intituladas “Uma História Brasileira das Doenças” [4], que, atualmente, nos proporcionam o contato com as mais diversas pesquisas em todo o Brasil.

Inspirados por tais tendências, apresentamos nesta edição, artigos que oferecem abordagens temáticas em amplas pluralidades, desde discussões sobre o HIV / AIDS – a partir da perspectiva do materialismo histórico – no nordeste brasileiro, como também abordando a citada doença enquanto uma “construção” imagético-discursiva. Contamos também com produções que falam sobre as epidemias, os saberes médicos, as políticas públicas para tramento materno-infantis, aborto, intelectuais que produziram saberes em torno das doenças, entre outras questões.

Na seção dos artigos livres ressoam diferentes vozes que problematizam desde o discurso legal e sua constituição histórica no estado piauense até as crônicas sobre o carnaval. Das desordens dos vice-reinados ao “desbunde” da década de 1970. Também não foi deixada de lado a questão dos retirantes e escravizados da seca do final do século XIX no nordeste. Portanto, diferentes pretéritos são postos em análise.

Na seção dedicada às resenhas são apresentadas, a partir de uma descrição minuciosa, duas obras. A primeira delas de autoria do medico psiquiatra, e uma das principais referências do movimento antimanicomial no Brasil, Edmar Oliveira. No livro “A incrível história de Von Meduna e a filha do sol do Equador”, o autor escreve sobre a história das instituições psiquiátricas e das medidas de tratamento das doenças mentais no Piauí. A segunda obra analisada trata-se de uma série de artigos reunidos e publicados sobre o título: “História e Historiografia: exercícios críticos”, do consagrado escritor Jacques Revel. Nela, o autor desenvolve uma abordagem sobre as concepções teóricas, os intelectuais e as propriedades epistemológicas que permearam o campo da historiografia no século XX.

Finalizamos essa edição com uma importante seção que abre espaço para a divulgação do resumo expandido de duas monografias de graduados em História, as quais versam sobre a construção da memória em torno da Batalha do Jenipapo, no Piauí, e dos catadores de caranguejo no litoral do nordeste, numa abordagem nitidamente influenciada pela antropologia.

Aproveitamos a ocasião para agradecer a todos os envolvidos direta e indiretamente com a publicação desta edição, em especial à professora Drª. Dilene Raimundo do Nascimento que gentilmente fez a divulgação da chamada para os artigos do dossiê temático e nos brindou com um artigo de sua autoria.

À todos desejamos uma proveitosa leitura.

Notas

1. LE GOFF, Jacques (org). As Doenças tem história. Lisboa: Terramar, 1985.

2. COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

3. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia das Letras, 1996.

4. NASCIMENTO, Dilene Raimundo do, et al. Uma história brasileira das doenças. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006.

Felipe da Cunha Lopes


LOPES, Felipe da Cunha. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.2, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Escritos sobre a história do Piauí – pesquisas e abordagens contemporâneas / Vozes Pretérito & Devir / 2013

Vozes: fenômeno plural e mimético que ecoa como um sopro no ouvido, trazendo o susto, a dúvida, a indagação. Um resoar inquietante que nos leva a re-pensar o fazer. Por outro lado, as vozes também podem surgir como facho de luz lançado por um farol distante em meio à escuridão do mar longínquo e soturno, ou se apresentar como um brilho resplandecente que ilumina o caminho pelo qual iremos trilhar em nossa incursão intelectual com empenho e avidez, assim como faz o ogro faminto em busca de sua caça [1].

Pretérito: estilhaço da dádiva de Chronos: o tempo. Dimensão onde se situa o que já se foi, o que se pode sondar, o cogito, e o que jamais se saberá. Caverna incógnita, gélida e sombria, na qual dormitam espectros de outrora, que, desdenhosamente, despertam para nos assombrar no presente [2]. Mas é nesta extensão / redução de tempo que montamos o ‘‘maquinário’’, tecemos e desmanchamos utopias. É nesta dimensão irregular, onde se edifica a morada do historiador, sua oficina ou seu tear [3].

Devir: metamorfose incessante que subtrai o regular, o estável, aquilo que era, que se dizia “certo”. Força que traciona as engrenagens das curvas das horas e dissipa a natureza torpe da inércia no tempo. A mesma força que escava caminhos para outras possibilidades, remodelando e diluindo as certezas, pois, nos campos e canteiros da história [4], se lança dúvida a quem se diz deter a verdade e presta-se tributo àquele que sempre se encontra à sua procura, num incessante ato de perscrutar o “vir a ser”.

Vozes, Pretérito e Devir três elementos que se apresentam forjados pela áurea da subjetividade, categorias com as quais o historiador se depara como entidades inerentes ao seu oficio. Por tal fato, pareceu-nos sugestivo fazer desta tríade o nome que chancela a primeira revista eletrônica de história filiada à Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Por meio deste periódico, de operacionalidade semestral, almejamos dar feição a um veículo interativo que venha oportunizar a possibilidade de divulgação e aferir visibilidade às produções acadêmicas e suas implicações com a realidade social. Nosso público alvo está centrado em professores, estudantes e demais pesquisadores de áreas das ciências humanas que tenham interesse em pesquisar e / ou publicar produções de seus respectivos estudos e trabalhos no campo da história local, regional ou (inter)nacional.

Os artigos presentes no corpo desta edição inaugural são resultados de estudos e pesquisas históricas nas mais variadas perspectivas. Todavia, ao tempo em que se propõem enquanto contribuições que constituirão a feitura deste exemplar, suas relevâncias vão para além de escritos que estabelecem o conhecimento sobre uma determinada abordagem historiográfica, pois eles também estarão territorializando a abertura de um novo espaço de interação intelectual. Um domínio voltado à produção do saber histórico em diálogo com suas propriedades epistemológicas e com outras áreas do conhecimento.

Em sua composição, a revista se encontra dividida por seções. Através das mesmas, procuramos contemplar as seguintes proposições de análise: dossiê temático, artigos, seção especial, resenha e monografias: resumos expandidos. Elegemos “Escritos sobre a história do Piauí – pesquisas e abordagens contemporâneas” como proposta inicial de discussão temática. A partir deste dossiê, iremos nos deparar com as mais diversas pesquisas e discussões incorporadas a distintos objetos de estudos situados na dimensão local. A seção de artigos se oferece como espaço para a publicação de temáticas livres, ampliando assim a inclusão de discussões concernentes ao conteúdo proposto para composição deste periódico.

Ainda contamos com uma seção especial, que estará aberta a produções que possam adicionar materiais de relevância para a reflexão do pensamento na história. A ela também irá se destinar outros trabalhos, como traduções, publicação de fontes, entrevistas, e artigos de outras áreas que possam subsidiar um diálogo com a história. A seção de resenhas será dedicada à análise e comentários de obras contemporâneas e de relevância para os estudos históricos. A última seção é dedicada a resumos expandidos de trabalhos monográficos, por meio desta seção objetivamos abrir espaço para que os estudantes recém-graduados possam divulgar o resultado de suas pesquisas acadêmicas.

Muito do que confrontamos ao itinerar pelas edificações desta revista, é fruto do apoio e trabalho coletivos. Por esse fato, aproveitamos tal momento para ressaltar a inestimável colaboração daqueles que se propuseram a contribuir com opiniões, avaliações e diálogos acerca das diretrizes pelas quais poderíamos trilhar através deste periódico. Assim sendo, agradecemos aos professores que aceitaram prontamente o convite para compor os conselhos editorial e consultivo. Também gostaríamos de agradecer a todos aqueles que contribuíram direta e indiretamente para a efetivação deste projeto, em especial, citamos o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Piauí – FAPEPI – pela liberação do espaço on-line para armazenar o conteúdo digital, à Pro- Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis – PREX / UESPI – pelo apoio institucional neste empreendimento.

Do mesmo modo, agradecemos às pessoas de Gustavo Lima, pelo fundamental auxílio na configuração do espaço on-line, Jairon James, pelo auxílio no desenvolvimento da logomarca e layout da revista, Domingos Cavalcante Carvalho Jr., pela catalogação e encaminhamento de registro do periódico junto à biblioteca nacional. Agradecemos também a Dennison de Oliveira, pelas conversas iniciais e sugestões para a estrutura composicional da revista, e à Méri Frotscher – eterna gratidão – pelas consultas, orientações, e inspiração do modelo de trabalho que aqui foi impresso (muito deste projeto se deve a você).

Por fim, fica o convite à toda comunidade acadêmica, e geral, para apreciar nossa edição inaugural. Esperamos que esta seja a primeira de muitas edições a serem produzidas no exercício de elaboração do conhecimento histórico. Encerramos esta apresentação colocando em tela a simplória e clássica indagação de Michel de Certeau, a qual nos remete à meditação sobre o papel do historiador em seu exercício intelectual. Afinal, “o que fabrica o historiador quando ‘faz história’?” [5].

Notas

1. BLOCH, Marc. Apologia da História, ou o Ofício do Historiador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2002.

2. ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

3. ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. O Tecelão dos Tempos: o historiador como artesão das temporalidades. Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº19, Rio de Janeiro, 2009.

4. BOUTIER, Jean & JULIA, Dominique (orgs). Passados recompostos: campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.

5. CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

Francisco Chagas O. Atanásio

02 de Janeiro de 2013.


ATANÁSIO, Francisco Chagas O. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.1, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Vozes Pretérito & Devir | UESPI | 2013

Vozes Preterito História e Educação

Vozes, Pretérito & Devir (Teresina, 2013-) – Revista Eletrônica de História filiada à Universidade Estadual do Piauí – alimenta a pretensão de se evidenciar enquanto uma ferramenta de divulgação das pesquisas vinculadas à abordagem histórica. Propõe-se fazer deste, um espaço de diálogo intelectual relacionado aos estudos acadêmicos imanentes no campo historiográfico.

Através deste periódico, almejamos dar feitura a um veículo interativo que venha oportunizar a possibilidade de divulgação e aferir visibilidade às produções intelectuais e suas implicações com a realidade social.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2317 1979

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