História e gênero: representações e simbolismos / História e Cultura / 2018

No presente dossiê reunimos textos que discutem e analisam as formas de representação narrativa dos sujeitos em seus contextos e campos sociais. Essas representações de si para e dos outros construídas em relação à memória coletiva se apropriam de suportes imagéticos como fotografias, facebooks, instagran, fotologs e outros. Entretanto, para além das auto representações, precisamos pensar que os sujeitos também se constroem a partir de objetos materiais que projetam imagens, narrativas e representações de gênero, como livros didáticos, manuais didáticos, folhetos, cartilhas, assim como exposições de arte, fotografia, história e moda. Isso porque os papeis de gênero em suas mais diversas representações, através de múltiplas identidades e das muitas faces produzidas para situações em contextos sociais diferenciados se utilizam do símbolo iconográfico e narrativo.

Sendo assim, no presente dossiê reunimos pesquisas que venham alicerçaram suas análises nos mais diversos suportes imagéticos, narrativos e que dialogam com e expõe representações de gênero em relação às memórias coletivas. Nessa direção, essa organização se voltou à estudos sobre narrativas centradas nas representações de gênero e em como estas estão dotadas de um poder simbólico. Esse é o resultado do movimento da realidade, e que de forma integrada concebe o espaço, e os elementos que ali habitam (Bourdieu, 2007:8 / 9). Essa relação nem sempre é muito clara no mundo social, pois pode parecer conflituosa a um olhar externo, mas para quem a vive, ela tem as suas justificativas para tal aceitação. O reconhecimento desse poder simbólico só é concebível quando da identificação dos símbolos, pois são eles que constroem a relação de significação entre dominante e dominado. A representação do indivíduo ou do grupo está em como se mostra o símbolo e é essa medida do poder simbólico.

Durante os séculos XIX e XX, o fato do poder patriarcal assombrar a sociedade, criou um poder simbólico, chamado de dominação. Essa sensação de estar dominado é o que Pierre Bourdieu (2007:8) enfatiza como um poder invisível que sustenta uma discussão na relação entre os gêneros polarizando o que pode e o que não pode ser feito partindo de conceitos enraizados socialmente.

Entretanto, o simbólico das relações de gênero circundam os caminhos da memória coletiva. Nessa perspectiva, Paul Ricoeur (2007), afirmou que o lugar da lembrança pertence a uma dimensão objetal, ou seja, ao nível das análises da retenção e da reprodução. A lembrança colocaria as coisas do passado e por isso, segundo Ricoeur, “O ‘lembrado’ apóia-se então no ‘representado’”.[3] Esse representado viria em forma de imagens e assim daria suporte para um tipo de “lembrança-imagem”.

Na mesma direção, Henri Bergson, propôs uma dupla concepção de “lembrança pura” e “lembrança-imagem”. A primeira seria a “memória que revê”, espontânea, imediata e perfeita, enquanto a segunda, a “memória que repete”, que se atualiza e tende a viver numa imagem. A lembrança pura, para Bergson, tenderia a passagem para a “lembrança-imagem”, porque “essencialmente virtual, o passado só pode ser apreendido por nós como passado quando seguimos e adotamos o movimento pelo qual ele desabrocha em imagens presentes, que emergem das trevas para a claridade”.[4] Conforme proposto por Bergson nessa citação, as lembranças assumiriam na memória formas imagéticas. As imagens simplesmente não teriam o poder de incitar a memória do passado, isso somente seria possível a partir de sua busca no passado.

Dessa forma, o conhecimento do passado registrado pela memória seria, portanto, nas palavras de Marc Bloch, uma coisa em progresso, “que ininterruptamente se transforma e se aperfeiçoa”.[5] Sua transformação e aperfeiçoamento ocorreriam pelas inúmeras formas de registro e análise desse conhecimento: a história, a literatura, as imagens e o cinema entre tantos outros meios.

Como resultado, o dossiê apresenta artigos que abordam a temática a partir da análise de obras literárias, como por exemplo, um estudo ambientado principalmente nos anos 40, nos apresenta a vida de Madame Colette, em Ribeira, um bairro na cidade de Natal do Rio Grande do Norte. Como também da representação da mulher nas obras de arte de uma escultora latino-americana. Além de trazer à tona uma discussão muito pertinente a respeito da ausência das mulheres – através do apagamento de suas trajetórias – na construção do cânone literário brasileiro no século XIX, o que permitiu que muitas mulheres escritoras permanecessem no anonimato por muito tempo. Esta ausência de entendimento do papel feminino está presente também no artigo que estuda a forma de registro nas práticas musicais da Igreja Católica Romana e, também a dimensão da participação feminina nas práticas musicais em outras esferas.

Buscando compreender o processo de rupturas e permanências que envolveu as representações do feminino trazemos artigos que tratam dessa temática a partir da análise de manuais femininos. Em outro artigo, o dossiê contempla o estudo e análise, sobre a relação entre o feminismo branco e o feminismo negro no Brasil, tendo a trajetória intelectual e a militância de Lélia Gonzalez, como um ícone sobre a temática no Brasil, apresentamos um estudo acerca das trajetórias das mulheres na militância contra a ditadura militar no Brasil.

Dentro das discussões contemporâneas, o dossiê traz a reflexão acerca das transformações da travestilidade e da compreensão de pessoas designadas como intersexo / transgênero, através de estudos biográficos: a autobiografia de Herculine Barbin, e, também a construção de si através do relato biográfico de Renata.

Finalmente, temos a investigação sobre o impacto e seus resultados simbólicos no que se trata da ação do sexo masculino diante da escolha da profissionalização no Magistério, e as adversidades desse processo.

Notas

3. RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP. Editora da UNICAMP, 2007, p. 64.

4. BERGSON Apud RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP. Editora da UNICAMP, 2007, p. 68.

5. BLOCH, Marc. Introdução à História. Lisboa: Editora Europa-América, 1987, p. 55.

Gianne Zanella Atallah – Doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP / ICH-UFPEL / RS -2018). Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP / ICH-UFPEL / RS – 2011). Especialista em Patrimônio Cultural: Conservação de Artefatos (ILA-UFPEL / RS-1997). Graduada em História – Licenciatura Plena (FURG / RS-1993). Dirigente do Núcleo de Patrimônio Municipal (Fototeca Municipal Ricardo Giovannini e Pinacoteca Municipal Matteo Tonietti). Docente em História da Rede Municipal – SMED / Prefeitura Municipal do Rio Grande / RS. E-mail: [email protected]

Júlia Silveira Matos – Pós-doutoranda em Educação UFPEL. Professora de História da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, coordenadora do Laboratório Independente de pesquisa em Ensino de Ciências Humanas – LABEC, formada em História Licenciatura pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2002), possui especialização em Teologia com habilitação para Ensino Religioso, mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005) e doutorado pelo Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2008). E-mail: [email protected]


ATALLAH, Gianne Zanella; Matos, Júlia Silveira. Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 7, n. 1, jan. / jul., 2018. Acessar publicação original [DR]

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