Morte, Gênero e Sexualidade/Revista M./2023 

Persistir no exercício da pesquisa não é uma tarefa fácil em lugar algum, face todas as demandas de produtividade e os recorrentes impedimentos que enfrentamos em termos de falta de tempo e estrutura, quanto mais em um cenário negacionista como o que nos é familiar, em que tão frequentemente as análises teóricas da cultura e das relações sociais são descartadas como luxo, futilidade ou até mesmo excentricidade acadêmica, como percebemos nos últimos governos brasileiros após o golpe de 2016. Todavia, o desafio se torna sensivelmente maior quando o objeto de pesquisa é percebido como tabu pela maior parte da sociedade – este é, sem sombra de dúvidas, tanto o caso da morte quanto o das reações de gênero, temas comumente tidos como ímãs de controvérsias, questões acerca das quais o melhor (segundo uma parcela conservadora da sociedade) seria “silenciar”. Leia Mais

Mulheres, gênero, feminismos: a reescrita da história a partir do Sul global/ Temporalidades/2022

Em 2008, Joan Scott redigiu um ensaio introdutório para um conjunto de textos originalmente apresentados em um fórum promovido pela American Historical Review para marcar os 20 anos de publicação de seu influente artigo Gênero: uma categoria útil de análise histórica. 1 Sob um título que poderia ser traduzido como Perguntas não respondidas, a conhecida historiadora estadunidense se voltou para a própria trajetória e avaliou o impacto que suas teorizações sobre o gênero e a diferença sexual haviam tido ao longo dessas duas décadas – em um caso raro, diga-se de passagem, de reflexão teórica feita no âmbito da história disciplinar que foi “exportada” para outros setores das humanidades. Scott abriu o balanço crítico dos destinos de seu trabalho mais conhecido com uma expressão de descontentamento perante o fato de que, em 1986, quando submeteu ao mesmo periódico o artigo então celebrado, ela fora obrigada a alterar seu título. A autora queria que o texto se apresentasse ao público não com uma afirmação contundente, mas com um questionamento sobre a utilidade do conceito de gênero – um questionamento cuja resposta não poderia e não deveria ser conhecida de antemão. A revista alegou, porém, que não permitia o emprego de pontos de interrogação nos títulos, e o artigo terminou publicado despido de parte de sua força retórica (SCOTT, 2008, p. 1422), sob uma designação em certa medida contraditória com seus propósitos. Leia Mais

Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais | Das Amazônias | 2022

Detalhe de cartaza do X Ser Negra Semana de Reflexoes sobre Negritude Genero e Raca dos Institutos Federais
Detalhe de cartaza do “X Ser Negra – Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais”

Primeiramente, é um prazer sermos responsáveis pela apresentação desse dossiê. Mas o fundamental nesta apresentação são as pesquisas para as quais ela pretende abrir caminhos. É interessante que neste conjunto de pesquisas constatamos a relação entre cultura, conhecimento, poder e a centralidade, em especial, da água e dos diferentes papéis das assimetrias sociais, de modo a revelar importantes compromissos sociais.

Esse dossiê é composto a partir de trabalhos inicialmente apresentados no X Ser Negra – Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais, realizado entre 23 e 26 de novembro de 2021, um Congresso altamente científico e democrático que permite a interação entre os mais diferentes sujeitos sociais em um espaço de reciprocidades múltiplas. Foi organizado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) e totalmente online devido aos efeitos da pandemia de Covid-19. Leia Mais

Historia de mujeres, Género y Feminismos: Mujeres haciendo historias desde el sur de Chile/Revista de Historia/2022

Gracias a los cambios epistemológicos del último cuarto del siglo XX se ha podido cuestionar la omnipresencia del sujeto universal y la causalidad racional, dando paso a la diversidad y la resignificación de las experiencias de mujeres y hombres. La mirada sesgada y que producía la invisibilidad analítica de las mujeres al interior de las ciencias sociales tienen como referente el androcentrismo que se comprende según la filósofa española Celia Amorós como una “mirada que se fija en lo masculino y desde lo masculino para observar la realidad. Este se relaciona no solo con el hecho que los investigadores o pensadores sean hombres, sino que además pone en evidencia que se trata de hombres y mujeres adiestrados en disciplinas que explican la realidad bajo modelos masculinos”1. Todo lo cual ha permeado el discurso histórico que por siglos ha considerado legítima la invisibilidad de las mujeres, y de esta manera reivindicar los saberes y protagonismos de la mitad de la humanidad. Leia Mais

História e Gênero | Revista Historiar | 2021

Jose Serapiao posa com orgulho ao lado dos filhos e netos nascidos e criados na zona Norte de Teresina bairro Poti Velho Foto Elias FontineleO Dia
José Serapião posa com orgulho ao lado dos filhos e netos nascidos e criados na zona Norte de Teresina (bairro Poti Velho) | Foto: Elias Fontinele/O Dia

[…] porque gênero é a lente de percepção através do qual, nós ensinamos os significados de macho/fêmea, masculino/feminino. Uma “análise se gênero” constitui nosso compromisso crítico com estes significados e nossa tentativa de revelar suas contradições e instabilidades [e] como [elas] se manifestam nas vidas daqueles que estudamos (SCOTT, 2012, p. 332).

A chamada pública para a composição do dossiê História e Gênero da Revista HISTORIAR teve como propósito principal reunir exemplos da diversidade e da potencialidade dos estudos que analisam as relações de gênero na ciência histórica. Dar a conhecer uma amplitude de temas, conceitos, categorias, diálogos teóricos e metodológicos, críticas e reflexões que envolvem essa juntura, segue sendo um esforço fundamental para reforçar a importância do gênero na compreensão das sociedades e na busca por justiça social no tempo presente; especialmente em um contexto em que o conceito é amplamente mobilizado em discursos políticos e sociais que visam inscrevê-lo e estigmatizá-lo como terminologia indesejável, negativa, perniciosa, tornando-o elemento central de estratégias de “pânico moral”. Leia Mais

Matar a la madre. Infanticidios/honor y género en la provincia de Buenos Aires 1882- 1921 | Sol Calandria

El infanticidio como figura delictiva compone la lista de crímenes que por inefable y aberrante resulta complejo de abordar para las ciencias sociales y los estudios sobre la justicia. ¿Cómo contar, entonces, las historias de esas mujeres que fueron protagonistas de actos semejantes? y sobre todo ¿Cómo desnudar lo aún más aberrante, que es el contexto que las abandonó a su suerte, a una maternidad no sólo no deseada sino impracticable en la ilegitimidad y la pobreza? Leia Mais

Gênero em perspectiva multidisciplinar | Albuquerque | 2021

Drag Queens de Nova York
Drag Queens de Nova York | Foto: Leland Bobbe

Muito prazer, eu sou a nova Eva

Filha das travas, obra das trevas

Não comi do fruto do que é bom e do que é mal

Mas dichavei suas folhas e fumei a sua erva

Muito prazer, a nova Eva

(Eu quebrei a costela de Adão)

— Linn da Quebrada, quem soul eu.

Nesta edição de albuquerque: revista de história almejamos organizar um debate sobre gênero que trouxesse múltiplos olhares para pensar relações sociais, políticas e culturais a partir da categoria gênero como análise. Partindo disso, convidamos autoras e autores de diversas áreas do conhecimento para escrever sobre temas contemporâneos que privilegiasse a interdisciplinaridade na tessitura de seus artigos, evidenciando o caráter em trânsito de pensar relações de gênero descentrando olhares apenas para o foco feminino cisgênero. Leia Mais

Moralidades: norma e transgressão no Brasil contemporâneo | Aedos | 2021

A proposta deste dossiê surgiu do desejo de reunirmos reflexões em torno de práticas, discursos e políticas morais elaboradas no Brasil ao longo do período republicano. Nos últimos anos, o tema das moralidades tem pautado o debate público brasileiro e dividido opiniões. Por um lado, testemunhamos o recrudescimento de discursos que visam denunciar uma alegada ameaça ao que seriam os valores tradicionais brasileiros. Por outro, observamos um movimento de reação em amplos setores da sociedade, que veem em tais discursos um arremesso contra os direitos civis. 4

Apesar das particularidades do momento atual, essa é uma questão que se faz latente em diversos períodos da nossa história, como testemunham inúmeros trabalhos já consagrados que, a partir de diferentes perspectivas, se debruçaram sobre o tema das normas e transgressões morais. Referências importantes são, por exemplo, o trabalho de Jurandir Freire Costa (2004) e o de José Leopoldo Ferreira Antunes (1999), que analisam a intervenção médico-higienista na instituição familiar e nos hábitos sociais brasileiros entre os séculos XIX e XX. No que diz respeito às normas e transgressões sexuais e de gênero, são imprescindíveis os trabalhos de Sueann Caulfield (2000) e Martha Abreu Esteves (1989) que, a partir de discursos médicos, jurídicos, políticos e eclesiásticos, discutem os usos e sentidos da honra sexual e suas intersecções com raça e classe no Brasil durante a primeira metade do século XX. Igualmente importantes nesse sentido são os trabalhos de Margareth Rago (1985; 1991) e Beatriz Kushnir (1996), que investigam códigos sexuais e de gênero em torno das práticas de prostituição feminina em capitais brasileiras entre os séculos XIX e XX, assim como a pesquisa pioneira de Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2003), que analisa a construção social e histórica da virilidade nordestina. 5 Leia Mais

Arte e Política: raça, gênero e nacionalidades | Faces de Clio | 2021

É com enorme satisfação que apresentamos a edição número treze da Revista Faces de Clio com o dossiê “Arte e Política: raça, gênero e nacionalidades”, contando com 12 artigos ligados à temática do dossiê e 5 artigos livres. Temos a proposta, nesta edição, de apresentar discussões que contribuam nas pesquisas e reflexões acerca da complexa e estreita relação da arte com a política. Novamente apresentamos pesquisas que se detém sobre os mais diferentes suportes, desde o videogame, a ópera e a literatura, passando pela performance, pela dança, arquitetura e pintura. No presente dossiê reunimos artigos ligados à temática da raça, do gênero e das nacionalidades, pensados todos, claro, através e, a partir, da arte!

Este é o terceiro volume da Revista Faces de Clio publicado durante a pandemia do coronavírus e gostaríamos de agradecer à equipe da Faces de Clio por todo empenho em continuar com as atividades da revista diante de um cenário desolador da pandemia e do desmonte da pesquisa e da ciência no Brasil. É na resistência que encontramos formas de continuar sobrevivendo e lutando por um país mais justo e igualitário. Agradecemos também aos pareceristas que contribuíram com a revista e nos ajudaram a manter a qualidade de nossa publicação. Leia Mais

Tecnopolíticas de gênero | Cadernos Pagu | 2020

As relações entre tecnologias, gênero e ativismos contemporâneos constituem o tema central que guiou a organização do dossiê Tecnopolíticas de Gênero. Os artigos propõem desdobrar as associações entre técnicas, artefatos, tecnologias, informação, corpos e gênero. Inspiradas por uma noção aberta de técnica e de tecnologia, que incorpora e expande sua acepção restrita às tecnologias de informação e comunicação (TICs), propomos discussões que levam em conta as ações técnicas e agenciamentos de corpos, linguagens, coisas e artefatos em conexão com as diversas redes que os constituem, e as questões de gênero que emergem com esses processos.

Interessa-nos pensar e explicitar esses processos em sua dimensão tecnopolítica, seguindo a intuição de Donna Haraway (1991) ao propor o ciborgue como um mito-ficção política possível para um feminismo “de esquerda” no contexto da “informática da dominação”. Nesse sentido, importam as formas como máquinas e organismos se articulam na constituição das redes de poder, informação e comunicação. Leia Mais

História e Gênero na América Latina: problemas, possibilidades e desafios interpretativos (séculos XIX e XX) | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2021

Nos últimos anos, a América Latina foi atravessada por uma nova “onda” feminista que reanimou tanto antigas pautas do movimento como experiências novas. Em 2015, teve início a marcha Ni una a Menos, coordenada pelo coletivo feminista argentino de mesmo nome, trazendo para a cena pública as denúncias sobre as várias faces da violência de gênero, entre elas o feminicídio. Dois anos depois, as feministas convocaram uma greve geral com um programa que visava denunciar a precarização das relações de trabalho, a falta de reconhecimento das tarefas domésticas e do cuidado materno, as longas jornadas de trabalho, o desemprego e o crescente endividamento. Toda essa efervescência foi marcada por iniciativas legislativas e intervenções que ocuparam espaços públicos, constituindo uma experiência massiva e heterogênea que conectou as ruas com a academia e os centros de pesquisa. Tais ações resultaram em uma série de protestos e marchas que se estenderam por cidades do Brasil, Chile, México, Peru e Uruguai. Em 2018, acompanhamos os pañuelos verdes, utilizados pelas ativistas argentinas em uma clara referência às Madres de Mayo, que se tornaram símbolo da luta pelos direitos reprodutivos na América Latina. No Chile, em outubro de 2019, irrompeu uma série de ações organizadas por diferentes movimentos sociais, como estudantes, idosos, trabalhadores, etc., contra as ações do presidente Sebastián Piñera, expondo, ainda, os efeitos do neoliberalismo no país. Adotado durante o regime militar de Augusto Pinochet, o modelo econômico diminuiu a responsabilidade do Estado em assuntos essenciais como saúde, educação, saúde e previdência social. As mulheres foram peças fundamentais nas ações ocorridas no país e, em novembro, organizaram a performance “Un violador en tu camino”, que incluía canção com letra que denuncia a conivência de vários setores da sociedade, sobretudo do Estado, para com a perpetuação da violência sexual contra as mulheres. A performance ecoou em vários países da América Latina, Europa e Ásia e diversas mulheres foram às ruas, com vendas nos olhos, denunciar a violência de gênero em seus países3 . Leia Mais

A virada de gênero na historiografia brasileira: pesquisas, temáticas e debates | Revista Territórios & Fronteiras | 2021

Trinta e um anos se passaram desde a tradução, no Brasil, de Gênero: uma categoria útil de análise histórica, artigo da historiadora americana Joan Scott e obra decisiva para os estudos sobre gênero e sexualidades na historiografia brasileira. De lá para cá, graças também a abertura de mais programas de pós-graduação em História e nascimento de revistas acadêmicas da área de História, a categoria gênero germinou, fincou raízes e formou campos decisivos que têm nos ajudado a esclarecer questões sensíveis do passado e apontar para a construção de mundos possíveis.

Em 2011, no artigo Relações de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea, Joana Maria Pedro refletia sobre esses efeitos sinalizando como eles enriqueceram a historiografia. De fato, se considerarmos, por exemplo, os Simpósios temáticos dos dois últimos encontros da ANPUH veremos o destaque para estudos que tematizam as relações de gênero, inclusive nas duas últimas edições tivemos simpósios sobre História LGBTQIA+. Leia Mais

Arqueologia, Patrimônio e Gênero: provocações feministas | Revista Arqueologia Pública | 2021

O contexto atual tem sido marcado por retrocessos nas políticas públicas voltadas ao setor educacional, cultural e patrimonial, por manifestações reacionárias frente aos debates sobre identidades de gênero e diversidade sexual e pelo escancaramento do racismo que caracteriza, historicamente, a sociedade brasileira e tantas outras. Tal conjuntura traz, portanto, desafios específicos para pesquisadoras/es e profissionais do campo da Arqueologia e do Patrimônio. Não por acaso, exemplos mundo afora têm evidenciado tensões e descontentamentos vinculados a essas áreas. Insurgências contra monumentos masculinistas e que representam figuras responsáveis pela colonização e escravização de povos indígenas e africanos têm provocado debates acerca da retirada dos mesmos, evidenciando a luta pelo patrimônio e pelo direito à memória.

Este número da Revista de Arqueologia Pública reúne reflexões que, de diferentes formas, demonstram o papel da crítica feminista e dos debates em torno da historicidade das identidades de gênero no campo da Arqueologia, do patrimônio cultural e da memória, bem como refletem a multiplicação de abordagens, inspiradas sobretudo pelas discussões feitas por feministas negras, lésbicas e trans, em diálogo com os marxismos, os estudos culturais, pós-coloniais e decoloniais. Em decorrência disso, variáveis como raça, classe, sexualidade, geração, dentre outras, aparecem como eixos incontornáveis, analisados de forma interseccional ao gênero. Leia Mais

O Vestir e o Despir na História | Veredas da História | 2020

Em 2020, o contexto pandêmico transformou radicalmente nossa forma de relacionamento com os outros e nos condicionou a utilizar cotidianamente acessórios corporais antes usados de modo esporádico, tais como luvas, máscaras faciais, álcool em gel, face shield, entre outros. O uso destes objetos, ainda que instituídos de forma obrigatória para acessar determinados locais, dada a conjuntura sanitária, nos fez (re)pensar sua função social no espaço global. É interessante indicar que há um século, por volta de 1918 a 1920, a gripe espanhola também condicionou grande parte da população mundial às novas formas de se relacionar com os demais, bem como impôs acessórios com a finalidade de proteção contra a doença que foram absorvidos pelos movimentos da Moda, tornando-se tendências momentâneas.

Para além destes objetos pandêmicos e de suas apropriações, também podemos refletir os movimentos da Moda neste e em outros séculos, e os usos de certas indumentárias e acessórios por parte de indivíduos que, em micro ou macro escala, provocaram manifestações das mais diversas. Leia Mais

Gênero, Interseccionalidade e Subjetividade | Outras Fronteiras | 2020

A proposta do presente dossiê surgiu a partir da evidenciação do impacto nacional e global da pandemia de Covid 19. Com a crise sanitária e as subsequentes instabilidades nos âmbitos econômico, político, médico, social e humano, nunca esteve tão proeminente a biopolítica e a necropolítica. Nos meses de março e abril de 2020, nos países europeus, e agora em 2021 também no Brasil, diante de hospitais precarizados e abarrotados vimos @s profissionais da saúde confrontad@s com a “Escolha de Thanatus ou Tânato”, isto é, com a necessidade de estabelecer critérios para determinar quem viveria e quem morreria, entre o “fazer viver e o deixar morrer”. Com o aval e um – grande – empurrãozinho, claro, dos Estados e sua política neoliberal. Essa situação extrema demonstra a rejeição e o abandono que isola determinados segmentos da sociedade, notadamente os velhos e os moribundos, escolhidos entre aquel@s deixad@s para morrer e, assim, mais uma vez, separad@s da comunidade dos vivos. Segundo Nobert Elias (2001), “a morte é um problema dos vivos”. O sociólogo alemão demarca assim a desimportância ocidental do velho e dos doentes crônicos, do moribundo, em uma sociedade que valoriza a juventude consumista e superficial. Podemos chamar de “velhofobia” ou simplesmente compreender que “a humanidade não deu certo”, conforme carta de suicídio do ator octogenário Flavio Migliacco, que tirou a própria vida em 4 de maio de 2020. Em território nacional, vivenciamos um colapso, um estado de crise, quase, um Estado de Exceção. O abandono e a desorganização deliberada por parte dos poderes públicos ao lidar com a pandemia implica no testemunho, atônito e às vezes passivo, de centenas de milhares de pessoas morrendo sem cuidados adequados, com a falta de recursos básicos, como oxigênio ou leitos em UTI. Familiares e profissionais da saúde acompanham cotidianamente a morte de milhares de brasileir@s afogad@s em terra firme, buscando inutilmente um suspiro, o último fôlego para viver. Angustiante. Leia Mais

História das Mulheres, Gênero e Interseccionalidades / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2020

Concebemos esse dossiê em função da surpresa que tivemos com a imensa quantidade de textos que recebemos para a chamada “Ensino de História, História das Mulheres e Desigualdades Sociais”, publicada em setembro de 2020. Desse modo, selecionamos alguns trabalhos que não demonstravam alinhamento com todas as categorias da proposta inicial, mas ainda assim representavam enorme contribuição historiográfica. Esse conjunto de textos evidencia a diversidade de temas, abordagens e categorias que fazem parte dos campos da História das Mulheres e dos Estudos de Gênero.

São trabalhos que, em todas as suas diferenças, celebram na historiografia a pluralidade de narrativas, sujeitas e sujeitos, mostram aspectos das lutas feministas que se desvelam em cotidianos, trabalhos, escritas, rezas e partituras de piano, reunindo e inspirando forças motrizes para pesquisas futuras. Falamos de celebração enquanto afirmação, positivação realizada pela construção da compreensão de alteridades que extrapolam os espaços textuais e inundam discursividades e práticas cotidianas.

As leitoras e leitores encontrarão ainda neste dossiê outro traço de diversidade: ele consiste numa seleção de escritas de autoras e autores de diferentes regiões do país, os quais instigam reflexões sobre contextos históricos inscritos em temporalidades distintas. As condições de gênero em diálogo com as interseccionalidades de classe, etnia, idade, dentre tantas outras, investigadas nas pesquisas aqui apresentadas, narram resistências e feminismos que emergem na e da vida prática.

Estes textos representam o compromisso da organização desse dossiê com a diversidade da produção em História das Mulheres e Estudos de Gênero, com vistas à transformação social promovida pelo conhecimento histórico, produção essa formada por relações e posições políticas presentes na pesquisa, na escrita e no ensino da história.

Dividimos então, com imensa alegria e legítimo orgulho, o prazer dessas leituras, que evidenciam, pela pesquisa e escrita da história, lutas passadas, assim como batalhas travadas no tempo presente. Tempo que nos tem imposto desafios e adversidades, que tem nos lembrado o quão recentes são as conquistas e compreensões que questionam os determinismos de gênero, e, também por isso, são alvos de frequentes questionamentos e ataques. Deixamos, além do convite à leitura, o chamado à luta, esta que, como demonstra cada texto aqui presente, foi e é o caminho para a conquista e a consolidação de direitos que promovam a ampliação de uma cidadania plena.

Kênia Érica Gusmão Medeiros – Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2019). Mestre em História pela Universidade de Brasília – UnB – (2011). Graduada em História pela Universidade Estadual de Goiás – UEG- (2008). Atualmente docente do quadro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).

Gilmária Salviano Ramos – Doutorado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2015), com período sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (2013). Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande (2006). Professora Visitante do Departamento de História da Universidade Federal de Viçosa / MG.

Paula Faustino Sampaio – Graduada em Licenciatura em Historia pela Universidade Federal de Campina Grande (2006) e mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Atualmente, é Professora Assistente II da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis e cursa doutorado em História pelo PPGH / Universidade Federal da Grande Dourados.


MEDEIROS, Kênia Érica Gusmão; RAMOS, Gilmária Salviano; SAMPAIO, Paula Faustino. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 14, n. 28, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e História / Estudos Históricos / 2020

O presente dossiê temático sobre gênero e história oferece uma cartografia do estado atual do campo dos estudos de gênero e do feminismo ibero-americano. Para tanto, adota uma estratégia multidisciplinar, incorporando as contribuições da história cultural e social das mulheres e das relações de gênero, mas também da sociologia, da antropologia e dos estudos culturais em relação com o gênero, a sexualidade e o feminismo. Além disso, o dossiê tem uma perspectiva transnacional, incorporando pesquisadoras sobre gênero e feminismo baseadas em diversas regiões da Argentina, do Brasil, do Uruguai, dos Estados Unidos e da Espanha, que dão conta da particularidade dos estudos de gênero e da história das mulheres em cada país e região. Esse amplo panorama de pesquisas acadêmicas sobre o gênero e o feminismo na atualidade pretendeu incluir o trabalho tanto de pesquisadoras e professoras pioneiras e fundadoras do campo acadêmico dos estudos de gênero como daquelas gerações mais jovens. Repensar a história social e cultural do gênero e dos feminismos resulta central no momento presente, de profunda crise do capitalismo global, no qual o mundo se divide e se debate entre a mobilização e o caos dado pela falta de políticas públicas para enfrentar uma crise de saúde global sem precedentes. O feminismo, que já vinha enfrentando o retrocesso causado pelo ascenso em nível global de uma direita ultraconservadora, misógina e xenófoba, e suas políticas neoliberais e autoritárias, fazendo uso das ferramentas políticas marcadas pelo ativismo midiático, recrudesce sua luta e mobilização por direitos humanos fundamentais e por igualdade social, saúde, salário mínimo, serviços básicos, como abastecimento de água, informação, trabalho, educação, moradia e meio ambiente em um momento de emergência global.

O crescimento exponencial dos estudos acadêmicos sobre o gênero e o feminismo nas últimas décadas tem apresentado desafios específicos no mundo ibero-americano, com a expansão dos programas de pós-graduação e disciplinas específicas da área. O primeiro deles é a articulação, já presente em décadas passadas, mas que tem adotado modalidades renovadas e uma interpenetração cada vez mais aprofundada, entre teoria e prática feminista, estudos acadêmicos e movimentos sociais, de modo tal que se, por um lado, as pesquisas têm-se dedicado a teorizar de modos inéditos as greves internacionalistas, as mobilizações dos feminismos indígenas, negros e decoloniais na América Latina e no Caribe, por outro os movimentos sociais têm utilizado as análises e teorizações dos feminismos latino-americanos, revelando assim a intensa reflexividade que articula o âmbito acadêmico e os movimentos sociais em nível local, regional e transnacional. Nesse sentido reflexivo deve ser lida a retomada do termo feminismo, eclipsado em anos anteriores pela categoria, mais lábil e fluida, de estudos de gênero e sexualidade, como símbolo da repolitização do campo e da nova centralidade que o ativismo ocupa no estudo acadêmico.

O segundo desafio é a superação de oposições estanques entre políticas de classe e políticas da identidade, de forma tal que revele os nexos entre modalidades do trabalho pago e não pago e categorias como raça, etnicidade, nacionalidade, gênero e sexualidade, como apontaram Nancy Fraser (2003) e Nancy Fraser et al. (2019). Não é possível desconstruir o essencialismo das políticas da identidade sem reconhecer que os diferentes eixos de subordinação se combinam de modos que afetam interesses de classe e categorias como raça, etnicidade, nacionalidade, gênero e sexualidade simultaneamente, gerando marginalização, exclusão e pobreza, simbólica e material.

O terceiro desafio diz respeito ao modo pelo qual, na América Latina e no Caribe, os feminismos indígenas e negros, o feminismo decolonial, assim como os estudos da interseccionalidade, nascidos nos Estados Unidos, têm desconstruído a universalidade da noção de mulher e denunciado o compromisso histórico do feminismo, inclusive aquele feito na América Latina, com o imperialismo, o racismo e o etnocentrismo, articulando raça, etnia, classe, sexualidade e localização geopolítica. No Brasil, o pensamento feminista negro foi pioneiro em assinalar a natureza interconectada de raça, classe e gênero, recuperando a experiência das mulheres negras e indígenas e analisando práticas de opressão baseadas em hierarquias de gênero e raça (Carneiro, 2019). Sueli Carneiro (2019) ressaltou a especificidade de um feminismo negro latino-americano antirracista e a importância de uma perspectiva internacionalista que aponte para as relações entre globalização, neoliberalismo e feminização da pobreza, abrindo a possibilidade de alianças com outros países da América Latina e do Caribe.[1] O pensamento feminista brasileiro também foi pioneiro do chamado feminismo decolonial, por meio da categoria de amefricanidade, de Lélia González (1988), a qual implica a experiência e a particularidade cultural de todos os países com heranças africana e indígena nas Américas (González, 1988). O projeto feminista decolonial vem apontando para a imbricação de dominação geopolítica, sexismo, racismo e capitalismo, pela articulação com os estudos pós-coloniais e decoloniais. Esses propõem um feminismo descentrado, excêntrico, desde as margens, capaz de pensar as mulheres do chamado Terceiro Mundo fora de uma visão etnocêntrica, exótica e reificada, assinalando os limites e as estratégias das políticas da identidade e apontando para a diversidade de experiências e formas de vida (Curiel Pichardo, 2009). Central nesse projeto é a revisão dos pressupostos epistemológicos da produção de conhecimento feminista que atribui um papel hierarquicamente superior às referências de teóricas e de conceitos europeus e norte-americanos, com a premissa de que o pensamento feminista elaborado nas regiões periféricas seria capaz de desconstruir a dependência intelectual da Europa e dos Estados Unidos (Curiel Pichardo, 2009). Voltando ao primeiro ponto, poderíamos dizer que as autoras recentes revelam a articulação não dicotômica entre a participação nos movimentos sociais, como espaços do ativismo, da voz e do reconhecimento, e a produção intelectual, dado que elas são fundadoras e produtoras de conhecimento e discurso, educadoras, pesquisadoras, professoras e estudantes.

Uma reflexão que deve ser feita de modo consciente e cada vez mais urgente nos estudos de gênero e feminismo na academia e nas diversas áreas da educação refere-se aos modos pelos quais, com o gênero como emblema, articulados com a ideologia da suposta meritocracia, sobrevivem práticas de exclusão e precarização de professoras, bolsistas, estagiárias, estudantes, em sua maioria mulheres de menor renda, gays, pessoas trans, mulheres e homens de cor, indígenas, sujeitos migrantes. O feminismo na academia não pode ser indiferente ante as práticas de exclusão e precarização do trabalho material e intelectual no interior das instituições educativas. Ao contrário, deve estar cada vez mais articulado com a luta pelo reconhecimento desses trabalhadores da educação, a valorização de suas produções intelectuais e do conhecimento por eles produzido, toda vez que ele quer contribuir para uma comunidade acadêmica mais democrática e justa.

O dossiê é constituído de três partes principais. A primeira parte apresenta um simpósio ou entrevista coletiva feita a um grupo de figuras centrais, referências teóricas, vozes pioneiras e inovadoras nos estudos de gênero e feminismo na América Latina, provindas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e dos Estados Unidos, na qual elas refletem sobre o presente e o futuro do campo.

A segunda parte conta com três colaborações especiais e traz três autoras brasileiras e uma argentina baseada nos Estados Unidos. São elas: Aparecida Fonseca Moraes, professora associada do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quem analisa as práticas discursivas da ativista Gabriela Leite no marco do processo de construção das prostitutas como sujeitos políticos no Brasil do século XX por meio da perspectiva da sociologia do indivíduo; Mariela Méndez, professora associada no Departamento de Latin American, Latino and Iberian Studies e de Women, Gender and Sexuality Studies da University of Richmond, cujo trabalho reflete sobre o novo ativismo feminista a partir de uma intervenção do movimento social Ni Una Menos na Argentina, utilizando a noção de performance coletiva. Por seu lado, Silvia Fávero Arend, professora do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e Chirley Beatriz da Silva Vieira, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UDESC, escrevem um trabalho que analisa relações de classe e gênero nas ações de assistência social direcionadas às populações infanto-juvenis no Asilo de Órfãs São Vicente de Paulo, em Santa Catarina.

A terceira parte é composta de seis artigos selecionados entre um elevado número de artigos recebidos, após o processo de avaliação cega por pares. Trata-se de professoras, pesquisadoras, pós-doutorandas e doutorandas de universidades e instituições de pesquisa e educação da Argentina, da Espanha e do Brasil. O trabalho em coautoria de Gabriela de Lima Grecco (Departamento de Historia Contemporánea, Universidad Autónoma de Madrid) e Sara Martín Gutiérrez (Programa de Posdoctorado en Ciencias Humanas y Sociales de la Facultad de Filosofía y Letras — FFyL-CONICET) explora a censura literária no regime franquista, assim como as ações de resistência do coletivo de escritoras. Adriana Cristina Lopes Setemy (Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais — PPHPBC — da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas — CPDOC / FGV) parte de uma perspectiva de gênero para refletir sobre a violência de Estado e a violação de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Marina Vieira de Carvalho (Departamento de História da Universidade Federal do Acre — UFAC) analisa a autoria feminina em periódicos pornô-eróticos do Rio de Janeiro do início do século XX como criação de uma sensibilidade erótica moderna. María Soledad González (doutoranda em História pela Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires — UNCPBA / CONICET) faz uso de ferramentas dos estudos de gênero para analisar a trajetória de Victoria Ocampo como gerente artística e cultural que articula o público e o privado na Argentina da década de 1920. Eliza Teixeira Toledo (Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz — COC-Fiocruz) e Allister Teixeira Dias (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) analisam casos de “crimes passionais” com o objetivo de contribuir para a historicização da violência de gênero no Rio de Janeiro na década de 1930, apontando para a reificação e a naturalização da violência contra as mulheres. Finalmente, Verônica Toste Daflon (Universidade Federal Fluminense — UFF) e Luna Ribeiro Campos (Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca — CEFET-RJ) exploram as contribuições de duas pioneiras da sociologia, Flora Tristan e Harriet Martineau. Vai o agradecimento, a propósito, às dezenas de pareceristas ad hoc que contribuíram voluntariamente com sua expertise para a composição final deste número.

Nota

1. Com foco no feminismo negro estado-unidense, a teoria interseccional afirmou que as diferentes formas de dominação e subordinação de classe, raça, gênero, sexualidade e nação se inter-relacionam, construindo sistemas específicos de poder articulados, matrizes de dominação, estruturas distintivas com múltiplos níveis que funcionam de modos paralelos e interligados (Hill Collins, 1993; Andersen; Hill Collins, 2016). A proposta é transcender as barreiras que separam as diferentes formas de opressão, superando um pensamento dicotômico que hierarquiza os modos da opressão, e assinalar sua justaposição de acordo com padrões estruturais (Hill Collins, 1993; Andersen; Hill Collins, 2016).

Referências

ANDERSEN, M. L.; HILL COLLINS, P. Race, Class & Gender: An Anthology. 9. ed. Boston: Cengage Learning, 2016.

CARNEIRO, S. Enegrecer o feminismo. A situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: ASHOKA EMPREENDIMENTOS SOCIAIS; TAKANO CIDADANIA (Org.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003. p. 49-58.

CURIEL PICHARDO, R. Y. O. Descolonizando el Feminismo: una perspectiva desde América Latina y el Caribe. In: COLOQUIO LATINOAMERICANO SOBRE PRAXIS Y PENSAMIENTO FEMINISTA, 1., 2009, Buenos Aires. Anais […]. Buenos Aires, 2009.

GONZÁLEZ, L. A categoria político-cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92-93, p. 69-82, 1988.

HILL COLLINS, P. Toward a New Vision: Race, Class and Gender as Categories of Analysis and Connection. Race, Sex & Class, v. 1, n. 1, p. 25-45, 1993.

FRASER, N. Social justice in the age of identity politics: Redistribution, recognition and participation. In: FRASER, N.; HONNETH, A. Redistribution or recognition: a political-philosophical exchange. Nova York: Verso, 2003.

FRASER, N.; ARRUZZA, C.; BHATTACHARYA, T. Feminism for the 99 Percent: a manifesto. Nova York: Verso, 2019.

Alejandra Josiowicz – Editora convidada. Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV. Pesquisadora do Instituto Interdisciplinario de Estudios de Género, da Facultad de Filosofía y Letras, da Universidade de Buenos Aires (IIEGE- FFyL- UBA), do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) e pós-doutoranda no Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-3525-1833


JOSIOWICZ, Alejandra. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.33, n.70, maio / ago.2020. Acessar publicação original [DR]

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História e Gênero | Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade | 2019

Os artigos que compõem o Dossiê “História e Gênero” da Revista Cordis, n. 22 – publicação do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – têm como temática a questão de gênero, com artigos concebidos a partir de pressupostos teórico-metodológicos de diversos matizes. Nesta perspectiva, este número propõe a discussão que gênero é um conceito que aborda os múltiplos femininos e masculinos, sem práticas etnocêntricas.

O primeiro artigo, o segundo artigo e o terceiro artigos do Dossiê História e Gênero abordam mulheres em estratégias de luta e preservação da vida. O primeiro artigo, denominado “Descolonizando Currículo: educação antirracista com Carolina Maria de Jesus”, de Veruschka de Sales Azevedo, discute os desafios e o desenvolvimento das principais leis responsáveis pela descolonização no currículo no Brasil; leis que foram se desenvolvendo ao longo dos anos oitenta do século XX e início do século XXI, que se referem aos direitos e desafios presentes no campo educacional, a partir da obrigatoriedade do ensino de História da África e das culturas afro-brasileiras na escola. O texto apresenta um relato de prática descolonizadora com o livro “Quarto de Despejo” de Carolina Maria de Jesus, na escola pública de São Paulo. Leia Mais

Mulheres e Gênero na Historiografia Capixaba | Revista do Arquivo Público do Estado do Espirito Santo | 2020

O presente dossiê é fruto de reflexões que vêm ocorrendo há quase duas décadas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), notadamente a partir da criação do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência (LEG). A institucionalização desse campo de estudos, em especial com pesquisas sobre mulheres, tem contribuído para promover na historiografia capixaba novas perspectivas e novos objetos. Este é um movimento de renovação devedor de muitas fontes. Está atrelado tanto a mudanças de paradigmas nas Ciências Humanas, quanto a uma tradição capixaba de memória e história que começou a ser repensada a partir da publicação de obras pioneiras, como A mulher na História do Espírito Santo, de Maria Stella de Novaes.

Escrito nos idos dos anos 1950, mas publicado somente em fins da década de 1990, a obra de Novaes pode ser lida em diálogo com uma vertente mais testemunhal e memorialística, mas que indica uma busca de espaço pouco discutida até então sobre a urgente necessidade de se narrar as experiências marginalizadas de mulheres. De lá para cá, a historiografia produzida no Espírito Santo vem trilhando um longo caminho, no esforço por consolidar os estudos sobre mulheres e relações de gênero. Nesse ponto, uma crítica é pertinente, pois se houve avanços incontestáveis de abordagem e método, ainda estamos longe de ter uma extensa produção acadêmica pautada nas temáticas de gênero, com pesquisas que privilegiem o enfoque regional. Leia Mais

Gênero e Religiosidades: resistências e modos de vida / Revista Brasileira de História das Religiões / 2020

A chamada temática “Gênero e Religiosidades: resistências e modos de vida” foi proposta com a intenção de congregar trabalhos atentos a práticas e experiências diversas de vida religiosa a partir das categorias gênero e resistência. Consideramos que a pertinência da proposição se fundamenta no exercício de pensar as múltiplas dimensões que conformam nosso Tempo Presente, particularmente no que diz respeito às tensões, imposições e reinvenções quanto às questões de gênero, categoria central para analisar práticas e experiências religiosas.

Articuladas as noções de classe e etnia, as questões de gênero, segundo sugere Ana Maria Bidegain (1996), são úteis não apenas para a escrita da história das religiões, mas igualmente, para possibilitar a compreensão de uma omissão a respeito das mulheres (e, acrescentamos, de outras identificações de gênero) nas religiões em todas as suas formas de estruturação e / ou institucionalização de relações de poder. Conformadoras das maneiras através das quais nos reconhecemos e identificamos, as questões de gênero são abordadas aqui tanto como categoria de análise, quanto como campo multidisciplinar. É interessante notar, neste sentido, uma certa ambivalência do campo religioso que, se muitas vezes se constitui como espaço conservador e, por vezes, repressor, em outros momentos abre linhas de fuga e emerge como espaço de possibilidades para práticas subversivas, apropriações criativas e interpretações insurgentes.

Pensando nisso, esse volume reúne artigos consagrados a refletir sobre religiosidades como lugar / discurso / prática de vida e resistência no que se refere à igualdade de gênero no Brasil e no mundo. Gênero, como categoria histórica e viva, segue em elaboração e afirma-se, hoje, como conjunto de perguntas conforme sugere Joan Scott (2013), o que fica evidente nos textos que integram essa coletânea. Tal multiplicidade encontra-se representada nos textos que compõe a chamada temática no que diz respeito às vinculações religiosas, sujeitos e espaços dos quais tratam e, igualmente, aos métodos e campos nos quais se amparam.

A outra categoria articuladora destes textos, ainda que tenha lugar e forma menos evidentes, é resistência. Pensá-la como categoria significa percebê-la enquanto prática de vida, ainda que não seja textualizada enquanto tal nas fontes de pesquisa. A resistência, esta categoria fluida e fugidia, emerge – conforme observaremos a seguir – nos espaços de ação menos prováveis, de textos a terreiros, como forma de transformar realidades, como sugere bell hooks (2013).

Patricia Folgeman, inicia a chamada temática com discussões em que amplia as relações entre gênero e religiosidades no artigo intitulado “Travestis migrantes, arte y religiosidad en la cultura queer de Buenos Aires” e possibilita pensar formas de vida que reivindicam espaços e visibilidades através de manifestações artísticas das mais variadas. A autora trata de representações religiosas, tradições culturais e refrações ocasionadas por práticas migratórias de cunho geográfico e social. Tais movimentos do mundo “trava” portenho são observados através da arte contemporânea e, assim, os textos, músicas, imagens e performances permitem-nos acessar pervivências, mudanças e rupturas.

Na sequência, “Prostituição e religiões afro-brasileiras em Portugal: gênero e discursos pós-coloniais”, de Joana Bahia, trata das possíveis relações entre o exercício da prostituição e as religiões afro-brasileiras em Portugal. A autora analisa, a partir de diálogos veementes entre história e antropologia, o modo como a imagem da pomba-gira emerge, em relatos, como metáfora sexual e, simultaneamente, religiosa. No artigo a perspectiva decolonial afirma-se em suas nuances históricas generificadas.

“Duelo de Absoluto e Relativos: Os evangélicos, a heteronormatividade e o pós-tradicional”, de José Sena Silveira, encerra este dossiê discutindo a relação entre grupos evangélicos, a heterossexualidade e o pós-tradicional, a partir de um debate teórico e de uma revisão de literatura. O artigo debruça-se, entre outras coisas, sobre uma discussão em torno do papel do binarismo masculino e feminino na construção da heterossexualidade normativa, elemento central para a manutenção do modelo tradicional de família e insinua o medo que questões de gênero / sexualidade sejam tratados fora da moral religiosa.

O volume apresenta-se marcado por uma pluralidade de abordagens, as quais denotam a amplitude dos campos em questão. As relações entre religiosidade, gênero e resistências expressam-se, assim, das mais diversas maneiras em distintas artes de ler, fazer e, fundamentalmente, ser. Além dos textos presentes no dossiê, a revista apresenta ainda artigos livres os quais atestam a amplitude do campo de estudos da História das Religiões e Religiosidades. A edição contém ainda artigos livres e resenha.

Referências

BIDEGAIN, Ana Maria. Mulheres: autonomia e controle religioso na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1996.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Editora WMF Mantis Fontes, 2013.

SCOTT, Joan. Entrevista com Joan Scott realizada por Fernanda Lemos. Revista Mandrágora, São Paulo, v. 19, n. 19, p. 161-164, jan. / dez. 2013.

Caroline Jaques Cubas1 – Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina. Atua no Programa de Pós-Graduação em História e Mestrado Profissional em Ensino de História na mesma Universidade. Graduada em História pela Univali, possui doutorado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, com um estágio realizado na Université de Rennes 2. Foi uma das vencedoras do Prêmio Memórias Reveladas de 2015, promovido pelo Arquivo Nacional. Pesquisadora dos grupos de pesquisa “Ensino de História, memória e culturas” (CNPQ / UDESC) e Memória e Identidade (CNPQ / UDESC). E-mail [email protected] Orcid: https: / / orcid.org / 0000-0001-5411-6824

Cintia Lima Crescêncio2 – Professora do curso de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas. Graduada em História na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestre e Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura, na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). É coordenadora do grupo de pesquisa História, Mulheres e Feminismos – HIMUFE. E-mail: [email protected] Orcid: https: / / orcid.org / 0000-0002-2992-9417


CUBAS, Caroline Jaques; CRESCÊNCIO, Cintia Lima. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.12, n.36, jan. / abr. 2020. Acessar publicação original [DR]

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Poder e gênero nas relações políticas / Caminhos da História / 2020

A década de 2010 se encerra com o crescimento dos populismos de direita, e o forte caráter extremista é um aspecto saliente. A perseguição a valores progressistas, ou mesmo pautas que dialoguem com os Direitos Humanos, pressiona pela necessidade de uso do conceito de política de forma permanente, atuante, militante, engajada, mantendo a coerência e a seriedade. É entender que o fazer História (como quem escreve e como quem faz) é inevitavelmente permeado por ideologias, e a neutralidade é a utopia dos tolos, ou daqueles que camuflam as posições já tomadas – geralmente do lado hegemônico.

Assim, a política não deve ser vista como terreno restrito aos assuntos institucionais, ou elitistas, pois esse é masculina, eurocêntrica, falocêntrica, remetendo a um histórico de dominação colonial e imperialista e, por isso, obsoleta. Porém, embora decadentes, as estruturas dominantes não falecem em silêncio, mas reagem com violência que é típica dos grupos em hemorragia de poder. Assim, política e poder devem fugir das esferas restritamente partidárias e factuais. Uma vez tributária da sociologia, psicologia, direito público, psicanálise, linguística, matemática, informática, como afirma René Remond (1997, p. 29), a História Política tem a obrigação de se fazer plural, compreendendo os fenômenos ações coletivos como organizações extra-partidárias e movimentos sociais, sem esquecer das ações subjetivas e identitárias que marcam a pós-modernidade.

Por outro lado, não se deve ignorar que o aparato repressivo estatal existe, e continua vigorosamente utilizado como instrumento normatizador e regulador sendo, portanto, nas palavras de Mbembe, um mecanismo de instrumentalização da vida humana e destruição (literal e metafórica) de corpos humanos e populações que não se encaixam (MBEMBE, 2018, p. 10-11). O nacionalismo oficial se torna imperativo na contemporaneidade, torna o grupo hegemônico o modelo inalcançado do retrato esperado para o país. Revelador, portanto, do descompasso entre o país legal e o país real na fala do ex-ministro da Educação Weintraub, na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020: “Esse país não é… odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré…”. Implicitamente se reforçou ali a imagem de um povo existente apenas de forma ideal, avessa à materialidade e a existência física e concreta de populações marginalizadas, excluídas, despidas de direitos básicos e fundamentais. Na ótica apresentada pelo ex-ministro, as minorias devem se incorporar, perdendo a identidade que lhes são definidoras ou, inevitavelmente, serão exterminadas. Dominação e / ou extermínio são as únicas escolhas permitidas àqueles externos às instâncias de decisão política em um Estado repressivo e tomado por grupos de elite despidos de representação popular.

Tal discurso afeta grupos distintos que tem como divisor comum tão somente o ícone da exclusão e da indiferença: mulheres, gays e trans; índios, retirantes, posseiros. Na lógica estreita e dicotômica dos integrantes de um Estado excludente, para somente assim construir a nação ideal, tal diversidade e pluralidade, típica das democracias saudáveis, estão desamparadas, exiladas dentro do próprio país, por não serem aceitas e incluídas ao que se espera ser “um povo nesse país”.

O dossiê “Poder e Gênero nas relações políticas” repercute as distorções e desproporcionalidades nos arranjos de poder, forçando grupos não-hegemônicos a elaborarem mecanismos e estratégias alternativos de atuação e manifestação não apenas de presença, mas de existência política e física. Tal preocupação é uma regularidade na revista Caminhos da História, conforme podemos visualizar em seus números anteriores, por exemplo, através das aproximações políticas entre América Latina e China no contexto da Guerra Fria (como no artigo de Maria Strabucchi, 2016) ou nos debates sobre intolerância e preconceito através da visão de intelectuais brasileiros da década de 1930 (Costa Filho, 2017).

Com o intuito de manifestar e repercutir esse objetivo, o atual dossiê sublinha temáticas sensíveis com relação às manifestações de poder. A decolonialidade como estratégia para romper com o modelo tradicional de historiografia, é uma das abordagens trabalhadas por Ana Paula Jardim Afonso. Em seu artigo se ressalta a importância de se combater a historiografia eurocêntrica que legitima o discurso e a narrativa do colonizador, e assim, se eleva em importância o papel das ações políticas decorrentes do “terrorismo de gênero”.

Carlos António Aguirre Rojas retoma o conceito de economia moral de E. P. Thompson, inicialmente lançado em A Formação da Classe Operária Inglesa. Nesta obra, o autor inglês buscava evidenciar a maneira de reagir às transformações impostas pela modernização e pelo capitalismo, através da associação entre tradição, identidade e as novidades que eram inseridas ao cotidiano do operariado em vias de formação. De maneira original Aguirre Rojas busca o emprego do conceito na América Latina, seja através do Movimento dos Sem Terra (MST) no Brasil, com os indígenas neozapatistas mexicanos na Marcha del Color de la Tierra em 2001, ou pelos bloqueios e a paralização em diversas cidades estratégicas da Bolívia.

De maneira correlata, está o artigo “Um debate sobre a atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no campo entre os anos de 1948 e 1964”, de Rafael Sandrin. Neste, há a análise das formas de atuação do partido de Luiz Carlos Prestes contra a violência do latifúndio durante o período democrático anterior ao Golpe Militar. Através do periódico “Terra Livre”, Sandrim percebe o esforço por mobilizar os trabalhadores agrários em torno de direitos já garantidos ao operariado, como, por exemplo, o acesso ao décimo terceiro salário. Deste modo, é abordado dentro do recorte de 1948 a 1964, temática sensível e contemporânea, ainda não resolvida no século XXI no Brasil.

A desigualdade de renda e das formas de subsistência tornam a violência meio de reação, e o crime como elemento marcante da institucionalização dos desníveis de acesso aos direitos, políticas públicas e acesso a renda. Em locais onde o Estado se manifesta de maneira negligente e atribui suas responsabilidades a iniciativa particular, há o espaço para a disputa do poder, conquistado por aquele que tem maiores recursos e potencial de manifestação da força e da violência em suas mais variadas configurações. Deste modo, Rejane Meirelles Amaral Rodrigues apresenta a trajetória do fazendeiro sertanejo marcado por essas disputas em “Literatura e banditismo social: Antônio Dó retratado por Saul Martins e Petrônio Braz”.

Por fim, Yôkissya Coelho e Monalisa Pavonne Oliveira fazem o rastreamento familiar e trajetória política de mulheres na política. Dentro da metodologia prosopográfica, o artigo “O perfil social de mulheres eleitas em Roraima (2014–2016)” se vincula a História do Tempo Presente. Portanto, tem como proposta detectar a possibilidade de ascensão social das mulheres na e pela política institucional em diferentes colorações políticas. No entanto, é ressaltada a participação das teias familiares no processo de criação do capital político para lançamento de campanhas eleitorais. Dentro dessa dinâmica familiar, o poder político se mantém limitado a determinados grupos.

Deste modo, encerramos o dossiê ancorado na atuação política em seus mais diferentes cenários e configurações. A proposta dos artigos, por mais diversas que possam parecer, tem como elemento unitário o anseio por manifestar o descontentamento através do registro, análise e investigação das desigualdades e suas marcas em seus diversos níveis sociais e econômicos, sendo manifestos desde a luta por terra, até no esforço por reconhecimento identitário subjetivo. Torcemos, que diante da conjuntura pessimista, possamos despertar o otimismo na ação e superação do conservadorismo, do reacionarismo e do proto-fascismo que germina em terreno fértil.

Referências

COSTA FILHO, Cícero João. ‘Raízes raciais’ do Projeto integralista (nacional) de Gustavo Barroso: o preconceito, a intolerância e o racismo para com a figura do judeu no Brasil da década 1930. Revista Caminhos de História, v.22, nº2, jul / dez, 2017, PPGH, Unimontes.

MBEMBE, Achile. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n1 edições, 2018.

MONTT STRABUCCHI, Maria. Writing about China’ Latin American Travelogues during the Cold War: Bernardo Kordon’s ‘600 millones y uno’ (1958), and Luis Oyarzún’s ‘Diario de Oriente, Unión Soviética, China e India’ (1960). Revista Caminhos da História, vol. 21, no. 1, jan / jun., p. 93–124, 2016, PPGH, Unimontes.

REMOND, René. Uma história presente. In. REMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / Fundação Getulio Vargas, 1997.

Felipe Azevedo Cazetta – Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor de História Moderna e Contemporânea da Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected] ORCID: http: / / orcid.org / 0000-0002-2110-7531


CAZETTA, Felipe Azevedo. Apresentação. Caminhos da História, Montes Claros, v. 25, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Formação docente, Gênero e Sexualidade na (e para a) Formação Docente / Formação Docente / 2020.

A Revista Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores (RBPFP) – é uma publicação do Grupo de Trabalho Formação de Professores (GT8), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) publicada em parceria da Autêntica Editora. Esta publicação refere-se ao segundo quadrimestre de 2020 – número 24, do volume 12 maio – agosto de 2020.

Este segundo número de 2020 apresenta uma discussão inédita nas páginas da RBPFP – trata-se do dossiê com um tema palpitante abrindo um debate sobre os temas de Gênero e Sexualidade na/para a Formação Docente. Organizado por duas pesquisadoras de renome internacional nos seus respectivos campos de estudos. Margareth Diniz (no campo da Psicanálise e Educação) nossa colega do GT8 e a Dra Ana Guil da Universidade de Sevilla (pesquisadora no campo dos Estudos de Gênero).

Os artigos referentes ao Dossiê que abrem este número conta com a colaboração de colegas da América Latina e Europa e serão apresentados oportunamente no artigo introdutório que contextualizam as temáticas (Gênero e Sexualidade) no campo da Formação Docente da autoria das pesquisadoras convidadas para coordenar o referido Dossiê.

Chamamos a atenção do leitor para este número porque ele traz para dentro do campo de pesquisa sobre a formação do professor, temas com pouca densidade nossos debates e nas pesquisas, os quais vêm recebendo ecos na área mãe – a Educação.

Não se pode dizer que está totalmente ausente, a exemplo disso que se pode indicar esforços aqui e ali da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. A questão de gênero na formação docente foi registrada em um importante livro produzido pelo grupo de Estudos da Faculdade de Educação da USP “Docência, memória e gênero” (1997), do qual participaram as professoras Denice Catani, Belmira Bueno e Cynthia Souza, que se constituiu em material de um mini curso oferecido pelo GT 08 responsável pela RBPFP.

Uma das temáticas entra pela segunda vez em pauta da RBPFP, a primeira veio com esforço da mesma pesquisadora que assina este dossiê, no vol.3, n4 de 2011. Que informava: A profusão de estudos sobre as bases do processo de feminização do magistério, suas implicações na representação social sobre essa categoria e em sua desvalorização no mercado das profissões, assim como as análises sobre a origem social e as discussões em torno do empobrecimento do/a professor/a, têm sido mais consideradas nas propostas oficiais destinadas a formar docentes.

Embora esses aspectos sejam extremamente relevantes, é necessário pensar a formação de professores/as considerando também as diferentes formas pelas quais homens, mulheres, negros, brancos, índios, heterossexuais, homossexuais e indivíduos formados em tradições religiosas diversas experenciam o mundo. Além desses fatores, sua experiência de vida e o modo como se integram e participam da sociedade têm profundas implicações nas formas de ser e agir dos/ as docentes, portanto não se pode desconsiderar as influências dos ambientes socioculturais em que circulam, os bens culturais a que tiveram e têm acesso, enfim, o capital cultural que podem mobilizar no exercício da docência (Diniz, el.al. 2011, p.17).

É importante considerar que ao falar de gênero estamos nos referindo à feminilidades e a masculinidades (sempre no plural) de acordo com Louro (2006) e a potencialidade do conceito talvez resida exatamente nesta noção, a de que se trata de uma construção cultural contínua, sempre inconclusa e relacional, atualmente bastante usual, permitindo-nos avançar das análises binaristas e polarizadoras entre homens e mulheres, buscando interrogar análises das pesquisas no campo da formação docente que, por vezes, reiteram posições hierarquizadoras, cuja polaridade masculina sai em vantagem.

Outro ponto que o dossiê destaca e a busca de inserção dessas categorias conceptuais tais como gênero e sexualidade, tendo em vista sua vertente relacional, pois, estas categorias de forma geral no campo da educação, e, em especial no campo da formação docente, ainda percebemos um ausência destes temas no campo, conforme demonstram as autoras em seu artigo de introdução ao dossiê. Em fim, esperamos que este dossiê, seja para o campo da pesquisa sobre a Formação de Professores (as) um tema provocador e quiçá, desperte jovens pesquisadores para estas temáticas.

Este número conta também com quatro artigos da demanda de submissão geral. Dois internacionais que vem da comunidade acadêmica de Língua Portuguesa. O primeiro da lavra de três colegas da Universidade de Aveiro em Portugal – Jane Machado, Ana Isabel Andrade e Rui Neves que trazem para o debate “Os planos curriculares de cursos em supervisão: um contributo para uma epistemologia da prática” e o segundo dos colegas das universidades de Licurgo e Rovuna em Moçambique. África, Geraldo Deixa e Rosalino Chicote que abordam sobre a formação inicial dos professores no artigo intitulado “A influência da indução de professores principiantes na qualidade de ensino no 1º grau do Ensino Básico em Moçambique”.

Na sequência se publica dois artigos nacionais também de demanda geral: um da região sul, de Suelen A.

Felicetti e Irinéa de Lourdes Batista, colegas de Universidade Estadual de Londrina (UEL), sobre a formação de professores para a educação inclusiva de alunos com deficiências. Um artigo de revisão na literatura. E por último, contamos com um artigo de professoras da Universidade Federal do Ceará sobre a “Docência na educação infantil: Diálogo entre Filosofia e Pscicomotricidade relacional” da lavra das professoras Rosalina R.A Morais; Silvana M.S.Morais e Ana M.M.C Frota.

Esperamos que este número que ora apresentamos da Formação Docente –Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, seja relevante para o debate no campo, e possibilite a reflexão para os investigadores que atuam pesquisando sobre a Formação de Professores na América Latina.

Agradecemos atenção do leitor e o convidamos à leitura.

Referências

DINIZ, Margareth. A formação e a condição docente num contexto de complexidade e diversidade. In. Revista Brasileira de Pesquisa sobre a Formação de Professores. Belo Horizonte, v. 03, n. 04, p. 13-22, jan./jul. 2011.

REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃODE PROFESSORES. volume 3., n.4. Belo Horizonte, 2011.

CATANI. D.B.; BUENO, B.O.; SOUSA, C.P.; SOUZA, MCCC. Docência, Memória e Gênero. Estudos sobre a formação. São Paulo. Ed. Escrituras, 1997.

José Rubens Lima Jardilino – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil.


JARDINLINO, José Rubens lima. Apresentação. Formação Docente. Belo Horizonte, v. 12, n. 24, p. 9-12, mai./ago. 2020. Acessar publicação original [IF]

História e gênero | Em Perspectiva | 2020

A revista Em Perspectiva em seu vol. 6 n. 1, abre espaço para pensar a história a partir de um olhar de gênero. A categoria, surgida no âmbito dos estudos feministas, e apropriada por diversas áreas do conhecimento, tornou-se objeto de disputa política nos últimos anos, em vários países, incluindo o Brasil. Os embates ocorrem como reações ao avanço na conquista de direitos pelas mulheres, homossexuais e pessoas transgênero e chegaram ao cotidiano de escolas, meios de comunicação, parlamentos e tribunais.

Mas para além da polêmica e da apropriação da categoria pelos movimentos sociais e partidos políticos, de que forma o gênero impactou os estudos históricos? Ou colocando de outra forma, quais as possibilidades que ela ainda potencializa para a pesquisa e escrita da história? Para pensar um pouco nesse tema, resgato um texto fundamental e fundante para a introdução da perspectiva em nossa disciplina no Brasil: O gênero como categoria útil para a análise histórica, da historiadora norte-americana Joan Scott, traduzido e publicado nos anos 1990. Leia Mais

Prisões em etnografias: perspectivas de gênero | Cadernos Pagu | 2019

Nos últimos anos, um número significativo de coletâneas e dossiês sobre etnografias em prisões foram publicadas (Bandyopadhyay et alii, 2013; Drake; Earle, 2013; Jewkes, 2013, Martin et alii, 2014; Ugelvik, 2014; Drake et alii, 2015; Godoi; Mallart, 2017; Frois, 2017). Essas publicações resultam de trabalhos desenvolvidos desde diversos campos disciplinares – psicologia, sociologia, criminologia, antropologia, entre outros – e fornecem inúmeros apontamentos e ideias voltadas para o desenvolvimento analítico sobre os desafios e possibilidades de produzir pesquisas no campo prisional, tendo a etnografia como prática privilegiada no trabalho de campo (Peirano, 2014). Este dossiê é tributário das contribuições desenvolvidas pelas publicações sobre etnografias e prisões, mas por meio dos artigos aqui elencados, propomos adensar as análises ao destacar a centralidade das relações e tecnologias de gênero no trabalho de campo elaborado desde as fronteiras entre dentro e fora das prisões.

Se, dezessete anos atrás, Loïc Wacquant (2002) se perguntava sobre a ausência de pesquisas sobre prisões na era do encarceramento em massa, atualmente há uma infinidade de estudos antropológicos voltados para o campo prisional e/ou para a experiência de encarceramento. Embora os antropólogos estejam cada vez mais engajados na pesquisa prisional, pouco se escreve sobre questões epistemológicas, éticas e metodológicas específicas dos compromissos antropológicos com esse campo específico (Rhodes, 2013). Este dossiê procura abordar essa importante lacuna na literatura, olhando para além da etnografia como prática de pesquisa e propondo refletir sobre os desafios e possibilidades de realização dos estudos antropológicos situados nos e sobre os estabelecimentos prisionais. Leia Mais

Relações entre crime e gênero: um balanço | História (Unesp) | 2019

O presente dossiê reúne artigos que discutem crime e gênero em diferentes perspectivas, espaços e temporalidades. Recentemente, estudos que buscam problematizar as questões de gênero nas pesquisas históricas com fontes criminais têm ganhado destaque, significando a retomada de trabalhos que foram pioneiros na década de 80 do século XX. A importância de análises sobre os delitos femininos no cotidiano dos grupos populares, os papéis femininos, a constituição das masculinidades e o controle por parte das instituições estatais foram temas que ganharam destaque em pesquisas que hoje são consideradas referências sobre crime e gênero.

Nesse sentido, um dos primeiros trabalhos que pensou a relação entre tais temas através das fontes criminais foi o de Martha de Abreu Esteves (1989), Meninas Perdidas. Este estudo, bastante inovador na utilização das fontes criminais, analisa os padrões normatizadores da conduta sexual sugeridos por juristas e médicos, bem como os valores e normas presentes no cotidiano das relações amorosas dos grupos populares no Rio de Janeiro do início do século XX. Além do citado livro, destacam-se também, no campo da história e antropologia, os estudos de Raquel Soihet, Sidney Chalhoub, Magali Gouveia Engel, Sueann Caulfield e Marisa Corrêa. Todos eles já indicavam para a participação das mulheres nas ocorrências criminais, centrando a análise nas situações de controle da sexualidade, uma vez que apareciam com mais frequência em fontes desta natureza. Soihet (1989), no clássico Condição feminina e formas de violência, aborda as mulheres pobres e a questão da ordem urbana nas primeiras décadas da República. Com uma proposta inovadora para a época, a autora buscou analisar os aspectos variados do cotidiano das mulheres trabalhadoras, prostitutas, homossexuais e criminosas, questionando os estereótipos e apontando novas dimensões do comportamento das mesmas. Para além de apenas apresentar as vítimas enquanto objeto de controle e dominação, Soihet aponta para o exercício de poder feminino, suas perspectivas e resistências cotidianas, colocando em xeque os conhecimentos “científicos” sobre as mulheres e “desmitificando” representações universais acerca da passividade, docilidade, dependência e a natureza maternal das mesmas. Leia Mais

História e gênero: novos debates / História e Cultura / 2019

Neste segundo dossiê sobre História e Gênero, reunimos pesquisas que discutem e analisam referenciais teóricos aplicados a estudos de caso, que denotam os anseios contemporâneos debruçados sobre as perspectivas de como o gênero transcende no cotidiano. Assim como no primeiro dossiê, as formas de representação narrativa dos sujeitos em seus contextos e campos sociais demonstram uma extensão de cada pensamento do indivíduo e de como ele intenciona ser compreendido dentro desses contextos. Nessa perspectiva, esse dossiê busca através da reunião de textos de especialistas perceber como temas gênero e História são desvelados e ressignificados por seus agentes sociais.

Assim cada pesquisa proposta, enaltece o propósito da ciência no do Brasil e no mundo, pois fortalece caminhos para o entendimento de gênero, não como uma categoria definitiva, mas que carece de estudos constantes, dentro de referenciais e conceitos tidos como definitivos.

Portanto, o dossiê apresenta artigos diversos que dialogam entre si por articularem debates sobre História e gênero. O primeiro artigo do dossiê traz a novela O exílio do tempo, da venezuelana Ana Teresa Torres, como tema. Essa novela apresenta a lembrança e a memória de uma saga familiar onde as vozes enunciativas são as mulheres e a sua vida privada dentro do lar, que transcorrem numa passagem de tempo durante o século XX, em uma sociedade masculina e uma relação de poder imposta.

Compreender o discurso da mídia empresarial na construção da mulher executiva na contemporaneidade, fez do segundo artigo do dossiê, uma proposta de discussão e sobre a liderança da mulher, o artigo debruçou-se em duas reportagens da revista empresarial HSM Management, o estudo aponta a relação competitiva entre o homem, a mulher, os novos papeis que se apresentam tendo como referencial análise do discurso em Michel Foucault.

Entender a contribuição que os impressos tiveram para a trajetória do comportamento feminino destacou o artigo evidenciando, a forma de ação das mulheres durante as décadas de 1920 e 1930 em Belo Horizonte, Minas Gerais. Tais publicações denotaram a normatização de comportamento para o feminino que não só eram estabelecidas, mas também como eram reconhecidas socialmente.

No artigo seguinte, podemos conhecer parte das relações estabelecidas entre as mulheres açorianas e seus descendentes na Vila Carrão em São Paulo, tendo como metodologia a história oral, o estudo apontou a importância e a sua ressignificação na gastronomia, nas festas, na religiosidade, nas atividades lúdico-recreativas da Casa dos Açores, e a importância de salvaguardar as tradições.

A película Boi Neon, destacada em outro artigo, tem por objetivo refletir as masculinidades no contexto nordestino destacando a principal contribuição de João Silvério Trevisan sobre a crise do masculino – (re)pensar performatividades criadas sobre o corpo masculino e a relação histórica entre “novos” padrões e a construção histórica das relações de gênero discutida, aqui, pela produção de Durval Muniz de Albuquerque Júnior sobre a “invenção” da virilidade do nordestino em torno de arquétipos violentos e rurais.

O sexto artigo apresenta as representações criadas por Francisco Brennand tanto no desenho quanto na pintura, e assinala todo o campo simbólico que se comunica dentro desses contextos que estão os gêneros e as sexualidades. Enquanto isso, outro artigo de nosso dossiê traz à cena a análise da tragédia, tendo o Teatro, uma das principais expressões artísticas e culturais na cidade grega de Atenas. Medeia escrita pelo poeta Eurípides que apresenta uma personagem feminina que se distancia do ideário comportamental desejado para uma mulher na época desafia propostas de ensino, no âmbito escolar a compreender a realidade multifacetada do gênero.

No Rio Grande do Sul, seis processos-crime da fronteira durante a Primeira República (1889-1930) em que mulheres agrediram outras mulheres, seus amásios, ex-amásios e policiais, desafiam ao nosso entendimento, as formas de manifestação feminina, entendidas como “adequadas” ou não, e principalmente o valor do papel social da mulher diante do homem, e a relação de poder estabelecida por uma sociedade patriarcal.

Novas tecnologias, novas relações, apegadas ainda a valores masculinizados, assim o artigo discute as disputas entre homens e mulheres, a divisão sexual no trabalho e tem como pano de fundo o filme Boi Neon. Ao encontro dessa discussão, outro artigo discutirá a importância do Iluminismo, e como esse movimento mudou a forma de pensar sobre antigos valores, que delimitavam os espaços de aprendizagem, culturais e a atuação feminina nesses espaços. E em contrapartida a esses dois artigos, entre o contemporâneo e a modernidade, observamos um panorama da presença das mulheres de classe média em seus espaços domésticos e sua interação com o espaço urbano de São Paulo em meados do século XX, momento em que a independência está na ocupação dos espaços urbanos, e isso não só como entretenimento mas como formação profissional e acadêmica.

Por fim, teremos um artigo que discute a violência na Paraíba, os raptos consentidos, datados entre as décadas de 1920 e 1940, onde foram analisados os cordéis, processos-crimes e música do mesmo período, reforçam a discussão da violência de gênero como um assunto ainda contemporâneo, e apesar de se consentido, ele demonstra a relação de poder e domínio, não de um indivíduo pelo outro, mas de valores sociais e familiares sobre o indivíduo. Cabe ressaltar, que os raptos consentidos ocorriam em outros lugares fora da Paraíba.

Gianne Zanella Atallah – Doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP / ICH-UFPEL / RS -2018). Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP / ICH-UFPEL / RS – 2011). Especialista em Patrimônio Cultural: Conservação de Artefatos (ILA-UFPEL / RS-1997). Graduada em História – Licenciatura Plena (FURG / RS-1993). Dirigente do Núcleo de Patrimônio – SECULT / Prefeitura Municipal de Rio Grande / RS (Fototeca Municipal Ricardo Giovannini e Pinacoteca Municipal Matteo Tonietti). Docente em História da Rede Municipal – SMED / Prefeitura Municipal do Rio Grande / RS. E-mail: [email protected]

Júlia Silveira Matos – Pós-doutoranda em Educação UFPEL. Professora de História da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, coordenadora do Laboratório Independente de pesquisa em Ensino de Ciências Humanas – LABEC, formada em História Licenciatura pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2002), possui especialização em Teologia com habilitação para Ensino Religioso, mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005) e doutorado pelo Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2008). E-mail: [email protected]


ATALLAH, Gianne Zanella; MATOS, Júlia Silveira. Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 8, n. 2, ago-nov, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, diversidades, interseccionalidades: perspectivas de análise na pesquisa histórica / Ofícios de Clio / 2019

A ascensão de movimentos e pautas conservadoras ao redor do mundo – e, de modo mais específico, intenso e preocupante, no Brasil –, impõe-nos uma série de novos desafios, tais como o enfrentamento de discursos e práticas que buscam deslegitimar os movimentos feministas. A produção e disseminação deliberadas de equívocos, por parte desses movimentos, em torno de conceitos elaborados e já estabelecidos no âmbito dos espaços acadêmicos, sob o argumento de combate a uma suposta “ideologia de gênero”, vêm causando enorme desserviço ao projeto de construção de uma sociedade mais justa e baseada na equidade de gênero. O uso dessa expressão, aliás, demostra desconhecimento sobre temas que integram uma cultura pautada no sexismo, machismo e lgbtfobia, os quais são, historicamente, objetos de sérios e profundos debates teóricos de feministas de diversos países no campo dos estudos de gênero.

As lutas feministas e a produção de saberes em torno das questões de gênero, fundamentais para a redução das diferenças que separam homens e mulheres, para a promoção de uma sociedade mais inclusiva e menos intolerante, veem-se ameaçadas por práticas sistemáticas de dissolução de políticas públicas de gênero, pela redução de verbas para as universidades, pelos cortes de bolsas de pesquisa – especialmente para a área das ciências humanas –, pelo questionamento acerca da seriedade e validade das pesquisas, dentre outras formas de deslegitimação do conhecimento. Por isso, é salutar recordar que os avanços conquistados pelas minorias, sejam étnico / raciais, de classe ou de gênero, foram resultado de lutas travadas no passado e que, de forma alguma, estão assegurados. A história está repleta de exemplos de como tais avanços são intercalados por tentativas de retrocesso, muitas vezes alcançados parcial ou totalmente.

A reivindicação por direitos sociais está na raiz do feminismo. No campo acadêmico, sua trajetória também é marcada pela constituição de espaço e visibilidade para as pesquisas nas mais diversas áreas de investigação. Na historiografia, essa observação pode ser melhor compreendida por meio dos estudos de Bonnie Smith (2003). A autora, ao questionar sobre a construção do sujeito masculino como universal, tanto na história como no concernente ao prestígio na escrita acadêmica, tece reflexões que “[…] ajudam a explicar como passamos a exaltar o historiador homem e a menosprezar ou até mesmo suprimir a obra histórica das mulheres” (SMITH, 2003, p. 156).

Não nos compete, para esta apresentação, fazer um levantamento bibliográfico sobre os estudos históricos que versam sobre a história das mulheres, o(s) feminismo(s) e / ou o gênero. Mas é importante destacarmos algumas pesquisas que influenciaram profundamente o campo acadêmico e possuem estreitas relações com as reivindicações de pautas de movimentos sociais de sua época. Michelle Perrot, em “Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros”, de 1988, e mais tarde com “As mulheres ou os silêncios da história” (2005), abriu espaço para investigações que buscaram perceber e valorizar as trajetórias de mulheres na história. Além de inovações teóricas, metodológicas, uso de fontes históricas e levantamentos de novos problemas, as inquietações contribuíram para revisitar e questionar pesquisas já consagradas na área.

Ainda na década de 1980, momento de efervescência dos movimentos identitários, e sob influência do pensamento de Michel de Foucault, Joan Scott sistematizou o conceito de gênero como categoria analítica, definindo-o como “[…] um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e […] uma forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86).

Na década de 1990, com a contribuição dos movimentos LGBT, os estudos de gênero tiveram novas influências. A filósofa Judith Butler apresentou uma série de questionamentos / problemas, que serviram tanto para problematizar o caráter de uma essência feminina na mulher enquanto sexo biológico, como para desenvolver, a partir daí, sua teoria da performatividade, através da qual pode demonstrar a produção generificada dos corpos. Nessa investigação, a autora interrogou se “[…] ser mulher constituiria um ‘fato natural’ ou uma performance cultural, ou seria a ‘naturalidade’ constituída mediante atos performativos discursivamente compelidos, que produzem o corpo no interior das categorias de sexo e por meio delas?” (BUTLER, 2003, p. 8-9). Em outras palavras, a filósofa salientou que a relação sexo / gênero não é direta, tampouco compulsória. Sua contribuição teórica, portanto, abriu espaço para o entendimento das diversas identidades de gênero. Logo, as categorizações homem e mulher foram questionadas por contribuir para a universalização dos sujeitos.

Por outro lado, o gênero como categoria única de análise também foi questionado, sobretudo por feministas afroamericanas, as quais se percebiam excluídas desse monolítico denominado “mulher”, denunciando que este incluía somente mulheres brancas e de classe média. Dessa forma, teóricas com Kimberlé Crenshaw (2004), bell hooks (2019), Audre Lorde (1984), Angela Davis (2016) dentre outras, contribuíram para a formulação da noção de interseccionalidade. Por meio dessa ampliação de ferramentas metodológicas, a análise pautada nos estudos de gênero dispõe de uma observação que busca perceber os cruzamentos junto a outras categorias de análise como raça, etnia, classe, idade, geração, sexualidade, religião, nacionalidade, dentre outras.

No Brasil, os estudos de Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro, por exemplo, já interrogavam sobre esses cruzamentos ao pensarem as relações de gênero desde a perspectiva racial. Para Gonzalez (2016, p. 410), “A maioria dos textos, apesar de tratarem das relações de dominação sexual, social e econômica a que a mulher está submetida […], não atenta para o fato da opressão racial”. Carneiro (2003) também destaca a importância de se pensar o racismo e seus impactos nas relações de gênero como eixo articulador do feminismo negro, sobretudo em sociedades multirraciais, pluriculturais e racistas como são as latino-americanas, por ser esse um elemento determinante na própria hierarquia de gênero.

Parte dessas questões também integram as discussões de pesquisadoras brasileiras. Segundo Rachel Soihet e Joana Maria Pedro (2007), tanto as reinvindicações advindas do movimento feminista como das observações da produção acadêmica, interrogaram sobre a generalização provocada mediante a percepção em torno do gênero como binário. Para essas autoras, outras questões atravessam as relações sociais e influenciam diretamente na construção e relações de gênero.

Mulheres negras, índias, mestiças, pobres, trabalhadoras, muitas delas feministas, reivindicaram uma ‘diferença’–dentro da diferença. Ou seja, a categoria ‘mulher’, que constituía uma identidade diferenciada da de ‘homem’, não era suficiente para explicá-las. Elas não consideravam que as reivindicações as incluíam (SOIHET; PEDRO, 2007, p. 287).

Em pesquisa mais recente, Carla Akotirene (2018, p. 14) observa que a análise interseccional deve “[…] dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado”, os quais influenciam diretamente na constituição das relações sociais. Ou seja, diante das relações sociais excludentes, essas três categorias não devem ser pensadas sozinhas, pois atuam de maneira relacional.1 A autora destaca também a importância de tomar a proposta interseccional com atenção, para que não seja feita uma soma de hierarquias, pois a interseccionalidade visa perceber como as diferentes categorias sociais se cruzam e contribuem para as configurações sociais. Ressalta, ainda, que essa reflexão não deve pautar-se apenas em perceber as exclusões, pois, nesse cruzamento, torna-se possível perceber as inclusões e pertencimentos proporcionados pelos marcadores sociais.

Em vez de somar identidades, analisa-se quais condições estruturais atravessam corpos, quais posicionamentos reorientam significados subjetivos desses corpos, por serem experiências modeladas por e durante a interação das estruturas, repetidas vezes colonialistas, estabilizadas pela matriz de opressão, sob forma de identidade (AKOTIRENE, 2018, p. 39).

Nesse sentido, a Revista Discente Ofícios de Clio junta-se a outros atores sociais no esforço de dar visibilidade a conhecimentos produzidos por discentes de graduação e pós-graduação, através de pesquisas de caráter teórico e prático, em torno de diversos temas relacionados com as questões de gênero e diversidade sexual, com perspectivas variadas. Diante da proposta de trazer novas contribuições para a historiografia e as áreas afins, o dossiê “Gênero, diversidades, interseccionalidades: perspectivas de análise na pesquisa histórica” reuniu artigos que buscam problematizar as questões de gênero nos mais diversos contextos históricos.

No primeiro deles, “A História das Mulheres: Uma Questão Política No Brasil”, Eduarda C. de Castro Alves, Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, historiciza a inserção dos estudos sobre mulheres no âmbito acadêmico como um processo de disputa política. Para tanto, retoma os conceitos de feminismo e gênero, os quais são resultantes de diversas lutas, reivindicações e embates políticos de mulheres que extrapolaram para o debate acadêmico e pautaram novos campos de investigação histórica e, ao longo das décadas, foram transformando o fazer histórico, tornando-o mais plural e menos centrado na produção do conhecimento dos homens por eles próprios. Alves nos instiga, ainda, a pensar nos impactos dessas produções para além do universo acadêmico, com resultados que podem interferir na vida das mulheres, inclusive das subalternizadas, como é o caso daquelas em situação de prostituição.

Em “‘Reparar o Erro Através do Casamento’: Honra, Moral e Sexualidade em um Trâmite Judicial”, Alécio Gonçalves da Silva, Graduado em História pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, utiliza processos judiciais da década de 1980 como fontes históricas para realizar um estudo de caso da cidade de Cáceres, no estado do Mato Grosso. O autor observa como distintos discursos cruzam-se para controlar os corpos, a sexualidade, disciplinar as práticas cotidianas e os desejos. Nessa construção discursiva sustentada por relações de poder, Silva destaca como o patriarcalismo foi utilizado ao longo do século XX para sustentar discursos morais para a realização de uniões conjugais e serviram como forma de regular a sexualidade.

Caroline Rios Costa, em “A força da mulher argentina: resistência e luta política nas Madres de Plaza de Mayo e no grupo #NiUnaMenos”, apresenta uma significativa reflexão do protagonismo das mulheres em dois contextos diferentes na Argentina. O Madres de Plaza de Mayo ficou conhecido pela busca dos / as filhos / as desaparecidos / as durante a ditadura. As mães reunidas na praça não só questionaram sobre o paradeiro de seus / as filhos / as como promoveram importantes discussões contrárias à ditadura e outras violências sofridas pelas mulheres. Já o grupo #NiUnaMenos desenvolveu-se como forma de insatisfação e protesto contra as violências contra as mulheres, destacando-se ainda busca pela descriminalização do aborto. Com a diferença temporal de quase 40 anos, Costa destaca características de ambos os grupos e suas similaridades na reivindicação por uma sociedade mais justa e democrática.

No artigo “Processos de invisibilização das mulheres na atividade pesqueira nas legislações brasileiras entre 1846-1990”, Beatriz Lourenço Mendes, Mestranda em Direito e Justiça Social pelo Programa de Pós-Graduação em Direito – FURG, Gabriel Ferreira da Silva, Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – FURG, Felipe Nóbrega Ferreira, Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – FURG, destacam diversos aspectos da atividade pesqueira, como os saberes tradicionais, as mudanças provocadas pelo desenvolvimento científico, a criação de legislações e órgãos responsáveis pela fiscalização e a regulamentação da mesma. Os / as autores / as identificam o silenciamento acerca da participação das mulheres nas atividades de pesca, sobretudo por parte do Estado, ressaltando que, embora elas tenham enfrentado os problemas decorrentes da invisibilização, tal fato não as impediu de participar ativamente dessa função.

Em “Mulheres do Povo e Espaço Público na Revolução Francesa: Uma Análise Através de Imagens”, Amanda de Queirós Cruz, graduanda em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF, sob a perspectiva da história das mulheres, revisita a produção acerca da Revolução Francesa explorando fontes imagéticas produzidas durante o período revolucionário e, através delas, reflete acerca da participação ativa das mulheres durante a revolução. Seja por meio de protestos nas ruas ou organizações, as mulheres foram protagonistas na busca por melhores condições sociais. A autora observa que em protestos de grande público e “atravessando a fronteira para o lado que não lhes era permitido, simplesmente ao realizarem o ato físico de saírem da soleira da porta de seus lares e irem para a rua”, foram responsáveis pela movimentação da revolução.

Jaqueline Silva de Macedo, Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, utiliza a produção literária como fonte histórica para direcionar sua investigação acerca das narrativas construídas sobre a Fortuna, divindade grega e romana, em “A Fortuna no Roman de Fauvel e sua relação com a tradição literária e religiosa da Civitate Dei e da Consolatio philosophiae na Idade Média”. Buscando perceber as aproximações e distanciamentos nas narrativas empregadas, Macedo seleciona as obras Roman de Fauvel, Civitate Dei, de Agostinho e Consoloatio philosiphae de Boécio. Nessa interlocução, a autora observa como essas obras literárias contribuíram para a construção do imaginário cristão e das interpretações sobre Fortuna, e como as características da feminilidade foram reforçadas por meio de discursos pautados sobre a vontade divina.

Por fim, Miller Goulart Ferreira, Graduado em História Licenciatura pela Universidade de Brasília – UNB, através do artigo “História da homossexualidade ligada à transmissão de HIV / AIDS e abordagem na escola pelo filme Filadélfia de Jonathan Demme (1993)” procura problematizar a homofobia, sugerindo a utilização deste filme como suporte pedagógico para fomentar o debate acerca de questões relacionadas aos direitos civis e ao enfrentamento de violências contra homossexuais. Ferreira, além de indicar o uso de recursos audiovisuais na sala de aula, estabelece algumas considerações acerca do movimento gay no Brasil e Estados Unidos e da participação desses na conquista de direitos.

Nosso objetivo, nesse dossiê, foi reunir artigos que dialogassem com a pluralidade de experiências e / ou representações de gênero, feminismos, masculinidades e diversidades – enfocando relações de poder, de violência ou de resistência – em perspectiva histórica ou interdisciplinar, utilizando fontes orais, impressas, literárias, imagéticas ou audiovisuais de modo a contribuir para a promoção do debate qualificado acerca das relações de gênero, com o propósito de garantir avanços duramente conquistados e ampliar as perspectivas das mulheres na luta por uma sociedade mais equânime, menos violenta e com mais respeito às diferenças.

Uma boa leitura a todes!

Nota

1. Para Akotirene, cisheteropatriarcado é a noção conceitual que compreende a relação do patriarcado e as expectativas de gênero construídas em torno de um corpo pautado nas diferenças biológicas binárias, que, junto às imposições, diante da identidade estética de pessoas cisgêneras como desejadas, exclui as pessoas que escapam a esse padrão (AKOTIRENE, 2018).

Referências

AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte (MG): Letramento: Justificando, 2018.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CARNEIRO, Aparecida Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (Org.). Pensamento Feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.

CRENSHAW, Kimberlé. A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. VV. AA. Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem, 2004.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. S. Paulo: Boitempo, 2016.

GONZALEZ, Lélia. A mulher negra na sociedade brasileira: uma abordagem políticoeconômica. In: RODRIGUES, Carla; BORGES, Luciana; RAMOS, Tania R. O. (Org.). Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Funarte, 2016. p. 399-416.

HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.

LORDE, Audre. Age, Race, Class and Sex: Women Redefining Difference. In: LORDE, Audre. Sister Outsider: Essays and Speeches. Freedom, CA: Crossing Press, 1984.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Trad. Viviane Ribeiro. São Paulo: Edusc, 2005.

SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul. / dez. 1995, pp. 71-99.

SMITH, Bonnie G. Gênero e História: homens, mulheres e a prática histórica. Ed. EDUSC: São Paulo, 2003.

SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A Emergência da Pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27 nº 54, 2007.p. 287.

Joelma Ferreira dos Santos – Doutoranda pelo PPGH / UDESC – Florianópolis-SC. E-mail: [email protected]

Jorge Luiz Zaluski – Doutorando pelo PPGH / UDESC – Florianópolis-SC. E-mail: [email protected]


SANTOS, Joelma Ferreira dos; ZALUSKI, Jorge Luiz. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v. 4, n. 7, jul./dez., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, Democracia e Direitos Humanos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2019

O presente dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos, edição Número 33 da Fronteiras: Revista Catarinense de História, foi construído a partir dos debates realizados no XVII Encontro Estadual de História, realizado entre os dias 21 e 24 de agosto de 2018, na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em Joinville, Santa Catarina. As problemáticas colocadas nesse encontro nortearam a reflexão acerca dos desafios e possibilidade envolvendo as pesquisas e práticas relacionadas as questões de gênero articuladas à democracia e aos direitos humanos.

Estamos vivenciando, no Brasil, movimentos ultraconservadores que desqualificam e demonizam o feminismo e o gênero, palavras tidas como proibidas, e que tem brutalizado corações e mentes. Ambas, se tem gerado discussões acaloradas, é porque estão no âmbito do político. Projetos inconstitucionais, que aviltam a democracia e os direitos humanos, são apresentados com intuito de eliminar o gênero como categoria de análise nas relações sociais e culturais, bem com destruir políticas públicas arduamente conquistadas e caras a emancipação dos sujeitos históricos. Neste sentido, este dossiê visa refletir e aprofundar pesquisas e debates que abordem o gênero, com enfoque nos direitos humanos, cidadania, emancipação, liberdade, educação, feminismos, preconceitos e violências, promovendo o conhecimento para mudanças de práticas discriminatórias, reconhecendo as mulheres de diferentes gerações, raça, etnia, gênero, orientação sexual como sujeitos de direitos.

O Dossiê é formado sete artigos e duas resenhas. O primeiro artigo, intitulado A televisão como campo de memória e representação social: Documento Especial: Televisão Verdade (1989 – 1995) de Lucas Braga Rangel Villela, procura problematizar as disputas pela memória e de representação a respeito da realidade brasileira após Ditadura Civil-militar. O autor discute, através programa telejornalístico “Documento Especial: Televisão Verdade” da emissora de televisão Rede Manchete, o papel da televisão como instrumento de representação social e de construção de memória coletiva no Brasil no período da redemocratização.

No artigo Mulherio na Constituinte (1985-1987), Cintia Lima Crescêncio e Renata Cavazzana da Silva analisam como o jornal Mulherio (1981-1988) pautou em suas páginas a campanha do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres no período de debates sobre a Constituinte, especificamente nos anos entre 1985-1987. O jornal procurou atuar na tentativa de garantir os direitos e a cidadania das mulheres em meio as disputas políticas e das limitações dos movimentos sociais com o Estado.

O artigo intitulado A luta pela expansão da democracia em Pernambuco nos anos de 1930: o movimento feminista como protagonista, escrito por Emelly Sueny Fekete Facundes e Alcileide Cabral do Nascimento, analisa a atuação da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF) na luta pela expansão dos ideais democráticos de igualdade civil, direito ao trabalho e a educação para mulheres na década de 1930. Através de periódicos recifenses que circulavam na época e de relatórios de atividades da FPPF enviado à sua matriz, no Rio de Janeiro, as autoras procuram compreender a importância do movimento feminista na conquista de direitos sociais e na luta pela consolidação da democracia no Brasil.

Em Saúde sexual e saúde reprodutiva no cárcere: uma discussão necessária para garantia de direitos das mulheres privadas de liberdade, Camila Azevedo dos Reis e Luciana Patrícia Zucco, a partir de uma perspectiva interseccional, abordam o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade no Presídio Feminino de Florianópolis, a partir dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Procurando dar destaque às narrativas das mulheres e profissionais da Instituição o trabalho evidencia como as mulheres presas são tratadas, as violações aos seus direitos e as lutas por condições dignas que atendam as especificidades destas sujeitas.

Já Neide Cardoso de Moura, no artigo intitulado Da educação do campo ao PNLD / campo: do anúncio educacional a denúncia social, apresenta os resultados relativos à pesquisa realizada no ano de 2016, intitulada “Análise das imagens de livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático para a educação do campo, na perspectiva de gênero”. O artigo procura reconhecer os avanços relativos à educação no campo sem deixar de ressaltar os desafios que ainda se colocam para as políticas e os programas educacionais que orientam os rumos da educação brasileira.

No artigo Debates e disputas sobre a legalização do aborto no Brasil: a laicidade na corda bamba, Emilly Joyce Oliveira Lopes Silva e Luciana Patrícia Zucco analisam o processo de legalização do aborto no Brasil a partir da categoria laicidade, com dados coletados na audiência pública do Supremo Tribunal Federal acerca da ADPF442. As autoras partem da discussão sobre aborto e laicidade, analisam os argumentos da audiência pública já citada e discutem as possibilidades da categoria de laicidade para o avanço dos debates sobre a descriminalização do aborto no Brasil.

Por fim, tratando de memórias sobre a primeira fase de escolarização, o artigo Ensino Primário e infância, de Elaine Prochnow Pires, versa sobre memórias de ginasianas do Alto Vale do Itajaí – Santa Catarina, acerca de seu percurso escolar no ensino primário nos tempos dos exames de admissão ao ginásio. Através de entrevistas, a autora evidencia práticas da vida escolar num tempo em que aos alunos e as alunas era aplicada uma prova para prosseguirem seus estudos ginasiais, seleção obrigatória entre os anos de 1931 a 1971. São narrativas que trazem elementos para análise, destacando-se a frequência dos elementos de sentido e a forma como isso reverberou nas narrativas orais e escrita dos sujeitos da pesquisa.

Na Seção Resenha dois trabalhos compõem esta edição. O primeiro é de Isadora Muniz Vieira apresentando o livro do historiador François Hartog, Crer em História, lançado em 2017 no Brasil pela Editora Autêntica. E o segundo trabalho é de Diego José Baccin, tratando do livro Tierras, leyes, história: estudios sobre “La gran obra de la propiedad”, da pesquisadora Rosa Congost. Este livro foi publicado em 2007, pela editora Crítica, em Barcelona, e se encontra em língua espanhola, ainda sem tradução para o português.

No momento em que se fecha este Dossiê, é orquestrado por parte de quem governa o Brasil um acintoso movimento de destruição das conquistas que levaram décadas para se concretizarem, como vários direitos das mulheres, das populações indígenas, quilombolas, populações LGBTI+; bem como a retiradas de direitos trabalhistas e previdenciários. Além desses infortúnios, que recaem sobre as populações mais pobres, violentando-as e negando sua cidadania, os ataques ao ensino público com o contingenciamento de verbas para seu funcionamento são crimes contra o direito dos jovens de terem um futuro menos árduo. A educação pública é direito constitucional garantida na Constituição Cidadã, como o é o direito das crianças e jovens de aprender a refletir e a posicionar-se como sujeito neste mundo e suas relações, reflexões que advém das disciplinas das Ciências Humanas, tão vilipendiadas atualmente. A destruição da pesquisa evidencia retrocessos nunca vistos; a destruição do ambiente é criminosa, dentre outros ataques à democracia, são fatores que contribuem para eliminar o Brasil dentre os países confiáveis para investimentos. Lastimável. As violências contra as mulheres, especialmente as negras, indígenas e pobres, tem-se se exacerbado como práticas de abusos e feminicídios – a liberação do porte de armas trará mais tragédias, e as mulheres são, e serão, as principais vítimas. Não desistiremos das lutas de salvar vidas que importam.

Marlene de Fáveri

Fernanda Arno

Organizadoras do Dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos


FÁVERI, Marlene de; ARNO, Fernanda. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.33, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, Gênero, Sertanidades  | SÆCULUM – Revista de História | 2019

Pretendemos, com este breve balanço apresentado na forma de ensaio, dar conta de apresentar um campo que começa a se consolidar, agregando pesquisas e trabalhos acadêmicos em torno da temática gênero e sertões. Mapeado inicialmente por esforços isolados e pontuais, o campo passa pela formação de uma rede que começa a atuar em conjunto, ganhando aos poucos espaço e reconhecimento, abrindo territórios intelectuais próprios. Entre competências científicas e afetos, as trocas e os compartilhamentos estão na base dessa proposta de pensar sertanidades com perspectivas outras, que buscam ir além da leitura e interpretação dos clássicos e da visibilidade dos “cabra-machos” e coronéis. Os sertões que aparecem são narrados na ótica das mulheres, das práticas sociais invisíveis, dos sujeitos antes considerados impossíveis, deslocados, seja nos termos de existências e vivências socialmente localizadas, mas, mais ainda, na visibilidade de suas histórias, trajetórias e memórias.

Se buscarmos nos embrenhar nos sertões da teoria, iremos perceber a necessidade da aproximação com outras noções que demarquem uma ausência ou um afastamento de uma historiografia preponderante, de mainstream, protagonizada por universidades localizadas em eixos historicamente privilegiados, como as regiões sudeste e sul do Brasil. Leia Mais

Gênero na idade média / Brathair / 2019

A categoria Gênero, instrumento teórico que busca visibilizar, explicar e entender as diferenças atribuídas aos corpos sexuados, já tem uma história bastante concreta e profícua em meio às ciências humanas. Pelo menos desde a década de 1960, estudiosas e estudiosos das sociedades vêm lançando luz sobre os fenômenos de dominação, exclusão, marginalização, sobretudo, do que se considera como feminino. Embora, historicamente, o olhar sobre gênero tenha se iniciado a partir do viés do feminino e do feminismo, é quase consenso atualmente que essa categoria epistemológica não se limita apenas a esse âmbito da existência. Gênero, a partir da perspectiva scottiana, é uma forma primária de organização das relações de poder que se alicerça nas diferenças biológicas.

Entre os medievalistas, a categoria Gênero tem tido reverberação, no mais das vezes, positiva, no sentido de ter conquistado espaço de legitimidade nas pesquisas voltadas para as sociedades medievais. Ainda que os próprios medievais não se percebessem a partir dessa categoria, sua aplicação ao estudo da santidade, das rainhas, da literatura, das diferenças sociais, propiciam um conhecimento cada vez mais profundo e matizado da complexa cultura medieval.

Como é próprio do conhecimento cientificamente construído, bem como – necessário que se diga no contexto em que vivemos -, muito salutar, as percepções sobre Gênero não são unívocas. Isso fica patente neste dossiê da revista Brathair, que reúne artigos que adotam perspectivas variadas acerca tanto do que se pode entender por gênero, quanto em seus objetos de reflexão. Essa variedade demonstra a vasta riqueza que a categoria permite, e a indiscutível marca que os Estudos de Gênero vêm deixando na academia brasileira.

O primeiro artigo, As mulheres na Vita Sancti Aemiliani e na Legenda Beati Petri Gundisalvi: um estudo de comparação diacrônica, das professoras Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (PEM-UFRJ) e Leila Rodrigues da Silva (PEM-UFRJ), busca perscrutar o papel das personagens femininas em duas hagiografias medievais ibéricas, separadas em seu contexto de produção por cinco séculos. Ao lançar mão das propostas de Paul Veyne a respeito da análise histórica diacrônica, as autoras conferem sólida base para a reflexão, que se fortalece ainda pelo cuidadoso elencar de elementos a serem analisados, bem como por considerar os contextos específicos de composição das narrativas.

Carolina Gual da Silva (FAPESP-Unicamp) contribui com o artigo Experiência feminina e relações de poder nos romans do século XII. Aqui a pesquisadora se dedica a expor e discutir uma historiografia representativa do que tem sido, nas últimas décadas, as reflexões dedicadas aos estudos de gênero e à História das Mulheres, particularmente no que diz respeito às relações de poder. Percebendo, a partir desse levantamento, problemas sobretudo metodológicos nas obras analisadas, debruça-se então sobre alguns romans do século XII, de autoria de Chrétien de Troyes, Thomas e Béroul, na intenção de lançar um novo olhar sobre documentação literária que possibilite um alargamento de visão sobre os agires e pensares das mulheres medievais.

A Querelle des femmes e a política sexual na Idade Média, escrito pela professora Cláudia Costa Brochado (UnB), como já aponta o título, debate a relação entre a Querelle des femmes e a política sexual na Idade Média, apresentando as principais teorias sobre esta e sua vinculação à Revolução Aristotélica. A autora evidencia as mudanças, ao longo do período medieval, das percepções a respeito da condição (subalterna) das mulheres e faz uso do conceito de genealogia para dar conta da forma como se constrói, naquelas sociedades, as identidades sexuais que informam a política sexual medieval.

O dossiê conta também com a contribuição de Danielle Oliveira Mércuri (UNIFESP), no artigo Da arte de fazer-se virtuosa: regimentos de princesas (Castela, século XV). Tem como objetivo analisar as indicações de governo dirigidas à Rainha Isabel, pelos clérigos Martín de Córdoba, Íñigo de Mendoza e Hernando de Talavera. Nos textos pesquisados, a autora explicita as percepções próprias daquela sociedade quanto às mulheres, em específico as mulheres da nobreza. Em alguns casos, nos textos voltados à rainha Isabel, apontam-se as dubiedades do papel feminino em posição de poder.

As imagens e as leis: diálogos entre discursos normativos e iconográficos medievais no Decretum de Graciano, da lavra de Guilherme Antunes Júnior (PPGHCUFRJ), parte do conceito de gênero para analisar duas miniaturas contidas no Decretum de Graciano, reunião de textos normativos compilados no século XI. O autor entende que o Decretum pauta a chamada “Querela das investiduras” e suas implicações nas hierarquias eclesiais, mas dá margem, igualmente, para que outros aspectos sejam percebidos. E é o que faz, ao relacionar o código jurídico às relações de gênero nas disputas e discursos de poder.

Margarida Garcez Ventura (Universidade de Lisboa / Academia Portuguesa de História), autora do artigo Breves notas sobre Dona Beatriz da Silva e Isabel, a Católica: duas mulheres em Projectos De Santidade e de reforma da Igreja na Hispânia Quatrocentista (1424-1492), partindo da ideia de que a transcendência divina é historicamente construída, discute o percurso de vida de Beatriz da Silva, fundadora da Ordem da Imaculada Conceição. De Portugal à corte castelhana e a Toledo, Ventura demonstra como a espiritualidade da religiosa se institucionaliza no encontro com os projetos reformistas de Isabel, a Católica.

O artigo Mulher não devia ter regimento: rainhas regentes, rainhas depostas (Portugal, séc. XIV-XV), da professora Miriam Coser (UNIRIO), se dedica a investigar o discurso sobre a fraqueza feminina veiculado pelas crônicas da Casa de Avis. O foco de suas considerações são duas rainhas regentes, ambas depostas, Leonor Teles e Leonor de Aragão. A autora defende, valendo-se do conceito de queenship, que o exercício de poder das rainhas constituía uma espécie de ofício, praticado legitimamente e caracterizado por atribuições que não eram tão só protocolares.

Narrativas mitológicas e o papel da mulher na constituição da nobreza portuguesa através do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, de Neila Matias de Souza (IFMA), situa a tradição literária da crença em mulheres-serpente, para daí analisar a personagem Dama do Pé de Cabra, iniciadora da linhagem dos Haros. A autora investiga os significados sociais e políticos da narrativa que apresenta a Dama, percebendo seu papel de propiciadora de legitimidade e abundância para aquela família nobre.

Renato Rodrigues da Silva (UNIFESP), em Mulheres e poder na aristocracia da Nortúmbria Anglossaxã: ausência ou invisibilidade?, compara textos escritos e achados arqueológicos para averiguar se a ausência de personagens femininas nos textos de época reflete uma pouca participação das mulheres no poder aristocrático, ou se esta escassez é indício de uma invisibilização da participação feminina. Para tanto, o autor se fundamenta em abalizada discussão historiográfica para, então, partir para dois estudos de caso.

O último artigo do dossiê, Apontamentos sobre virilidade e inteligibilidade de gêneros na proposta de identidade cristã de Agostinho de Hipona na Primeira Idade Média, de Wendell dos Reis Veloso (CEDERJ), promove uma reflexão teórica fundamentada nas ideias, principalmente, de Judith Butler, aplicada a alguns tratados agostinianos. Dá a ver, em suas ponderações, algo que geralmente fica invisível na historiografia: as possibilidades outras de relação com as realidades, neste caso, as realidades sexuais, em especial os valores a elas atribuídos.

A edição conta ainda com dois artigos de tema livre. Ricardo Boone Wotckoski (UNIFRAN / Claretiano) discute no texto O além e a visão de mundo medieval: o inferno da Visão de Thurkill, o percurso ao inferno do camponês Thurkill, em um relato visionário composto no século XIII. Seguindo a perspectiva teórica de Bakthin, o inferno é analisado pelo articulista como um ambiente carnavalizado, uma encenação popular, na qual as categorias desfavorecidas da sociedade se regozijam com o sofrimento dos ricos, graças à possibilidade de inversão nesse espaço. Nesta concepção bakthiniana, o riso é uma resposta à dor e ao sofrimento no ambiente infernal, bem como, os papéis sociais se invertem.

O professor André de Sena (UFPE) desenvolve o tema da melancolia em A melancolia erótica no auto camoniano El-rei Seleuco. O articulista analisa este sentimento com base principalmente nas teorias do estudioso francês Jacques Ferrand, autor de Traité de l’essence et guérison de l’amour, ou De la mélancolie érotique (1610). Segundo de Sena, o príncipe melancólico em virtude do amor é um dos traços do teatro barroco e renascentista. O artigo analisa elementos da melancolia amorosa e compara o sentimento do rei Seleuco no auto camoniano com a figura de Hamlet, o qual utilizaria a melancolia “fingida” como forma de vingança.

Fechando o dossiê Gênero e a edição 2019.2 da Brathair, temos a resenha elaborada por Juliana Salgado Raffaeli (CEDERJ), O medievo ocidental a partir de conceitos como gênero, santidade e memória em diferentes abordagens teóricas e metodológicas, sobre a rica coletânea, dirigida por Andréia Frazão da Silva Construções de Gênero, Santidade e Memória no Ocidente Medieval (2018). Como deixa claro Raffaeli, evocando a variedade de temas e problemas propostos pelos autores da obra, os estudos de gênero parecem ter deixado o lugar secundário, complementar, que por anos marcaram o campo, e passam, na atualidade, a ser vistos como mais uma possibilidade de compreensão das realidades passadas e presentes.

Carolina Coelho Fortes – (PPGH / UFF). Docente do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense [email protected]


FORTES, Carolina Coelho. Editorial. Brathair, São Luís, v.19, n.2, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, Poder e Espaço / Revista Espacialidades / 2018

As reflexões sobre gênero possuem ligação histórica íntima com o movimento Feminista. De acordo com a historiadora Joana Maria Pedro, o processo de construção da categoria de gênero acompanha a luta por direitos civis e humanos, tendo assumido novas dimensões na conjuntura social da segunda onda do movimento feminista (1960-1980), quando tal conceito emergiu nos estudos na área das humanidades, a partir dos anos 1980.

A noção de gênero foi então sendo desnaturalizada, passando a ser compreendida como um conjunto de normas que orientam as ações dos sujeitos no tempo e nos espaços – processo para o qual contribuíram diversos autores, como Judith Butler, Linda Nicholson e Joan Scott. Os padrões que orientam os comportamentos, inclusive os relativos à noção de gênero, estão situados no tecido das relações sociais e de poder. O mesmo acontece na produção e apropriação dos espaços. Deste modo, nossa proposta com o dossiê Gênero, Poder e Espaço é debater como as categorias de gênero e poder se interseccionam na produção do espaço (quer o espaço material, onde se enquadram categorias como o urbano e rural, a fronteira, o território, o público e o privado, quer o espaço simbólico, onde se encontram o espaço imaginado ou sonhado, as representações artísticas, entre outros). Dentro dessa temática recebemos artigos com temporalidade diversa que articulam a categoria de gênero a outros conceitos, tecendo assim novas narrativas e lançando novos olhares para seus objetos dentro de suas respectivas pesquisas históricas.

Agradecemos imensamente aos membros do Conselho Consultivo que com muita generosidade, celeridade e, acima de tudo, competência, contribuíram com pareceres sérios e consistentes que garantiram a qualidade do presente dossiê “Gênero, poder e espaço”, o qual passamos agora a apresentar.

Abrimos o dossiê com o artigo Operárias da companhia fiação e tecidos pelotense e suas táticas de gênero (1944- 1954) de Eduarda Borges da Silva, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde através dos processos da Justiça do Trabalho de Pelotas, salvaguardados no Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), observou-se pleitos de operárias da Companhia Fiação e Tecidos Pelotense, entre 1944-1954, utilizando dos conceitos de ideologia da domesticidade e táticas de gênero, a autora buscou descrever e compreender os dissídios em que o dilema da dupla jornada da trabalhadora (divisão entre a fábrica e o lar), ocorreu e porque estas mulheres operárias, mães, esposas, donas-de-casa apropriaram-se ou aceitaram a imagem de “mulheres sacrifícios”.

Em seguida, temos o artigo intitulado “Pensar pela pena que desliza, falar pela boca que se fecha”: Emília Dantas ribas como a primeira romancista dos campos gerais (paraná, 1949) de Caroline Aparecida Guebert, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Neste trabalho a autora propõe uma reflexão sobre a trajetória e parte da obra escrita de Emília Dantas Ribas (1907-1978), que atuou como professora, oradora de rádio e escritora entre as cidades de Ponta Grossa e de Curitiba, no Paraná articulando história, literatura e os estudos de gênero.

O terceiro artigo de nosso dossiê temático é de autoria de Giovanna Carrozzino Werneck, Mestra em Letras pelo IFES / Vitória, que com o trabalho Mulheres e charges políticas: a subversão pelo humor nos espaços públicos busca analisar e dar visibilidade a mulheres que produzem (ou produziram) charges políticas no Brasil, discutindo aspectos relativos aos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres e aos estudos de gênero.

O próximo artigo intitulado Venha, venha o voto feminino: embates travados na imprensa periódica oitocentista no Rio de Janeiro de Cristiane Ribeiro Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, é proposto uma análise da discussão sobre o voto feminino travado no Império do Brasil, circulando nos impressos diários da corte a partir da segunda metade do século XIX, atentando para uma perspectiva das relações de gênero e de poder imbricados nos jornais.

Em seguida com o artigo A cozinha das mulheres: de espaço de domesticação ao de empoderamento a partir de saberes e fazeres culinários as autoras Jamile Wayne Ferreira – graduada em Gastronomia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Lara Steigleder Wayne – graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre analisam a partir da relação com a cozinha de mulheres acolhidas em uma Ocupação em Porto Alegre / RS, o poder e o conhecimento cotidiano das guardiãs de uma cozinha minusculizada pela geração da gourmetização, já que o espaço de comando das cozinhas está normalmente relacionado à construção de gênero, onde as práticas relativas ao ato de cozinhar são ora invisíveis, no caso da cozinha doméstica, ora superestimada, no caso da “alta gastronomia”.

O próximo artigo intitulado Gênero e prisão: os impactos do sistema prisional sobre a desigualdade social e invisibilidade da mulher encarcerada no estado de Alagoas as autoras Bruna Araújo de Melo Ferreira e Ialy Virgínia de Melo Baia, graduandas em psicologia pelo Centro Universitário Tiradentes de Alagoas, analisam o sistema prisional de uma maneira histórica, compreendendo a mulher como vítima da violência e da desigualdade de gênero dentro desse espaço, visto que a prisão muitas vezes culminando no processo de invisibilidade do indivíduo, acaba potencializando essa invisibilidade na mulher, uma vez que esta já vivencia essa realidade socialmente, enfatizando os casos das mulheres que estão em regime fechado no Sistema Penitenciário Feminino Santa Luzia, localizado em Maceió.

Finalizando o dossiê temático, temos o artigo Vozes de mulheres: género e cidadania em Angola de autoria de Willi Cardoso Domingos, Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, que analisa as implicações sociais da discriminação de género no exercício da cidadania e participação das mulheres em Angola, onde um diálogo entre a sociedade civil e as instituições do Estado, é fundamental, para dinamizar e ampliar a capacidade de exercício da cidadania e participação das mulheres, bem como para a desconstrução da discriminação das mulheres.

Abrindo a sessão livre do nosso dossiê temos o artigo “Ressonâncias no processo de demolição do palácio Monroe”, de autoria do doutorando em Ciências Jurídicas Políticas Daniel Levy Alvarenga (UAL). No artigo o autor discute questões acerca do patrimônio material e sua dimensão imaterial dentro de uma sociedade. Tomando como objeto de analise a demolição do palácio Monroe, busca-se apresentar como ocorreu a demolição e sua respectiva repercussão dentro do âmbito social.

Em seguida temos o artigo intitulado “Do ideal ao real: a construção de uma representação na obra literária a lenda do cavaleiro sem cabeça (1820)” escrito por Samuel Nogueiza Mazza, mestrando em história pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O autor discute no presente artigo a obra de Washington Irving, A lenda do cavaleiro sem cabeça, sob a perspectiva da teoria da representação de Roger Chartier, traçando assim um paralelo entre os personagens da obra e o contexto histórico vivido por Irvring.

Seguindo, temos o artigo de Rannyelle Rocha Teixeira, mestra em história pela Universidade do Porto. Seu artigo intitula-se “ O sentido da colonização portuguesa: a relação entre colonos nativos africanos no boletim geral das colônias (1933 – 1945)” e busca refletir acerca das aproximações e afastamentos nas relações entre colonizados e colonizadores nas colônias portuguesas na África.

As bandeiras no Estado Novo: o conceito de biodemocracia em A marcha para oeste de Cassiano Ricardo é o nome do próximo artigo da sessão livre. Escrito por Ana Paula Rodrigues, doutoranda em história pela universidade federal do Mato Grosso (UFMT), o texto tem por objetivo discutir o conceito de biodemocracia que é exposto por Cassiano Ricardo.

Fechando a sessão livre, trazemos o artigo de Thiago do Nascimento Torres de Paula, doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), que tem como título “Do enjeitado a ouvidor: a trajetória do tenente Joaquim Lino Rangel na freguesia da cidade do Natal, 1760 – 1839”. O objetivo do autor é o de apresentar a trajetória do Tenente Joaquim Lino Rangel.

Ainda compõe neste volume a resenha da obra da obra de Graeme Wood ” A Guerra do fim dos tempos: o Estado Islâmico e o mundo que ele quer” (Cia das Letras, 2017) feita por Katty Cristina Lima Sá, Mestranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC / UFRJ).

No volume 13 da Revista Espacialidades, temos também a entrevista com a professora doutora Márcia Santana Tavares professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares Mulheres, Gênero e Feminismo – PPGNEIM / UFBA; pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM; membro do Observatório pela Aplicação da Lei Maria da Penha – OBSERVE / NEIM / UFBA, que nos falou sobre violência de gênero, a da Lei Maria da Penha e sua relação com o número de denúncias dos casos de violência contra mulher, direitos da mulher e a relação as questões de gênero, relações de poder e espaço na nossa sociedade.

Para finalizar o primeiro dossiê de 2018 a Revista Espacialidades, conta com o corpo documental de fontes históricas em uma de suas sessões. Essas fontes foram catalogadas pelo Programa de Educação Tutorial em História da Universidade Federal do Ceará, tendo como objetivo mapear documentos ligados à compra e venda de escravos no Ceará ao longo do século XIX, entre os anos de 1843 a 1879. O Projeto, intitulado Fundo Documental e Guia de Fontes para a História da Escravidão no Ceará, foi realizado pelos bolsistas do Programa e teve início em 2007, com o mapeamento do corpo documental e catalogação dos mesmos, no qual resultou em fichas / resumo e sistematização desses documentos, concluída em 2012. O projeto catalogou cerca de 12 livros, que se encontram em sua versão original, no Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC). É com imenso prazer, e desde já agradecemos ao Programa de Educação Tutorial pela confiança, em especial à Kênia Rios, atual tutora do PET História, à Viviane Nunes e Tayná Moreira, bolsista e egressa, respectivamente, que tiveram salutar importância para esta parceria, que a Revista Espacialidades apresenta aos seus leitores, parte destas fichas / resumos deste primoroso acervo, que possibilita o fomento da pesquisa histórica, dando saber à sociedade deste vil período que macula nossa história.

O editor-chefe e a Equipe editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma boa leitura!

Editor-chefe: Magno Francisco de Jesus Santos

Equipe editorial:

Arthur Fernandes da Costa Duarte – (mestrando do PPGH / UFRN)

Emanoel Jardel Alves Oliveira – (mestrando do PPGH / UFRN)

Jessica Martins Guedes de Souza – (mestranda do PPGH / UFRN)

Lucicleide da Silva Araújo – (mestranda do PPGH / UFRN)

Maria Luiza Rocha Barbalho – (mestranda do PPGH / UFRN)

Matheus Breno Pinto da Câmara – (mestrando do PPGH / UFRN)

Ristephany Kelly da Silva Leite – (mestranda do PPGH / UFRN)

Thaís da Silva Tenório – (mestranda do PPGH / UFRN)


SANTOS, Magno Francisco de Jesus et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.13, n. 01, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, Poder e Espaço / Revista Espacialidades / 2018

As reflexões sobre gênero possuem ligação histórica íntima com o movimento Feminista. De acordo com a historiadora Joana Maria Pedro, o processo de construção da categoria de gênero acompanha a luta por direitos civis e humanos, tendo assumido novas dimensões na conjuntura social da segunda onda do movimento feminista (1960-1980), quando tal conceito emergiu nos estudos na área das humanidades, a partir dos anos 1980.

A noção de gênero foi então sendo desnaturalizada, passando a ser compreendida como um conjunto de normas que orientam as ações dos sujeitos no tempo e nos espaços – processo para o qual contribuíram diversos autores, como Judith Butler, Linda Nicholson e Joan Scott. Os padrões que orientam os comportamentos, inclusive os relativos à noção de gênero, estão situados no tecido das relações sociais e de poder. O mesmo acontece na produção e apropriação dos espaços. Deste modo, nossa proposta com o dossiê Gênero, Poder e Espaço é debater como as categorias de gênero e poder se interseccionam na produção do espaço (quer o espaço material, onde se enquadram categorias como o urbano e rural, a fronteira, o território, o público e o privado, quer o espaço simbólico, onde se encontram o espaço imaginado ou sonhado, as representações artísticas, entre outros). Dentro dessa temática recebemos artigos com temporalidade diversa que articulam a categoria de gênero a outros conceitos, tecendo assim novas narrativas e lançando novos olhares para seus objetos dentro de suas respectivas pesquisas históricas.

Agradecemos imensamente aos membros do Conselho Consultivo que com muita generosidade, celeridade e, acima de tudo, competência, contribuíram com pareceres sérios e consistentes que garantiram a qualidade do presente dossiê “Gênero, poder e espaço”, o qual passamos agora a apresentar.

Abrimos o dossiê com o artigo Operárias da companhia fiação e tecidos pelotense e suas táticas de gênero (1944- 1954) de Eduarda Borges da Silva, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde através dos processos da Justiça do Trabalho de Pelotas, salvaguardados no Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), observou-se pleitos de operárias da Companhia Fiação e Tecidos Pelotense, entre 1944-1954, utilizando dos conceitos de ideologia da domesticidade e táticas de gênero, a autora buscou descrever e compreender os dissídios em que o dilema da dupla jornada da trabalhadora (divisão entre a fábrica e o lar), ocorreu e porque estas mulheres operárias, mães, esposas, donas-de-casa apropriaram-se ou aceitaram a imagem de “mulheres sacrifícios”.

Em seguida, temos o artigo intitulado “Pensar pela pena que desliza, falar pela boca que se fecha”: Emília Dantas ribas como a primeira romancista dos campos gerais (paraná, 1949) de Caroline Aparecida Guebert, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Neste trabalho a autora propõe uma reflexão sobre a trajetória e parte da obra escrita de Emília Dantas Ribas (1907-1978), que atuou como professora, oradora de rádio e escritora entre as cidades de Ponta Grossa e de Curitiba, no Paraná articulando história, literatura e os estudos de gênero.

O terceiro artigo de nosso dossiê temático é de autoria de Giovanna Carrozzino Werneck, Mestra em Letras pelo IFES / Vitória, que com o trabalho Mulheres e charges políticas: a subversão pelo humor nos espaços públicos busca analisar e dar visibilidade a mulheres que produzem (ou produziram) charges políticas no Brasil, discutindo aspectos relativos aos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres e aos estudos de gênero.

O próximo artigo intitulado Venha, venha o voto feminino: embates travados na imprensa periódica oitocentista no Rio de Janeiro de Cristiane Ribeiro Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, é proposto uma análise da discussão sobre o voto feminino travado no Império do Brasil, circulando nos impressos diários da corte a partir da segunda metade do século XIX, atentando para uma perspectiva das relações de gênero e de poder imbricados nos jornais.

Em seguida com o artigo A cozinha das mulheres: de espaço de domesticação ao de empoderamento a partir de saberes e fazeres culinários as autoras Jamile Wayne Ferreira – graduada em Gastronomia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Lara Steigleder Wayne – graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre analisam a partir da relação com a cozinha de mulheres acolhidas em uma Ocupação em Porto Alegre / RS, o poder e o conhecimento cotidiano das guardiãs de uma cozinha minusculizada pela geração da gourmetização, já que o espaço de comando das cozinhas está normalmente relacionado à construção de gênero, onde as práticas relativas ao ato de cozinhar são ora invisíveis, no caso da cozinha doméstica, ora superestimada, no caso da “alta gastronomia”.

O próximo artigo intitulado Gênero e prisão: os impactos do sistema prisional sobre a desigualdade social e invisibilidade da mulher encarcerada no estado de Alagoas as autoras Bruna Araújo de Melo Ferreira e Ialy Virgínia de Melo Baia, graduandas em psicologia pelo Centro Universitário Tiradentes de Alagoas, analisam o sistema prisional de uma maneira histórica, compreendendo a mulher como vítima da violência e da desigualdade de gênero dentro desse espaço, visto que a prisão muitas vezes culminando no processo de invisibilidade do indivíduo, acaba potencializando essa invisibilidade na mulher, uma vez que esta já vivencia essa realidade socialmente, enfatizando os casos das mulheres que estão em regime fechado no Sistema Penitenciário Feminino Santa Luzia, localizado em Maceió.

Finalizando o dossiê temático, temos o artigo Vozes de mulheres: género e cidadania em Angola de autoria de Willi Cardoso Domingos, Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, que analisa as implicações sociais da discriminação de género no exercício da cidadania e participação das mulheres em Angola, onde um diálogo entre a sociedade civil e as instituições do Estado, é fundamental, para dinamizar e ampliar a capacidade de exercício da cidadania e participação das mulheres, bem como para a desconstrução da discriminação das mulheres.

Abrindo a sessão livre do nosso dossiê temos o artigo “Ressonâncias no processo de demolição do palácio Monroe”, de autoria do doutorando em Ciências Jurídicas Políticas Daniel Levy Alvarenga (UAL). No artigo o autor discute questões acerca do patrimônio material e sua dimensão imaterial dentro de uma sociedade. Tomando como objeto de analise a demolição do palácio Monroe, busca-se apresentar como ocorreu a demolição e sua respectiva repercussão dentro do âmbito social.

Em seguida temos o artigo intitulado “Do ideal ao real: a construção de uma representação na obra literária a lenda do cavaleiro sem cabeça (1820)” escrito por Samuel Nogueiza Mazza, mestrando em história pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O autor discute no presente artigo a obra de Washington Irving, A lenda do cavaleiro sem cabeça, sob a perspectiva da teoria da representação de Roger Chartier, traçando assim um paralelo entre os personagens da obra e o contexto histórico vivido por Irvring.

Seguindo, temos o artigo de Rannyelle Rocha Teixeira, mestra em história pela Universidade do Porto. Seu artigo intitula-se “ O sentido da colonização portuguesa: a relação entre colonos nativos africanos no boletim geral das colônias (1933 – 1945)” e busca refletir acerca das aproximações e afastamentos nas relações entre colonizados e colonizadores nas colônias portuguesas na África.

As bandeiras no Estado Novo: o conceito de biodemocracia em A marcha para oeste de Cassiano Ricardo é o nome do próximo artigo da sessão livre. Escrito por Ana Paula Rodrigues, doutoranda em história pela universidade federal do Mato Grosso (UFMT), o texto tem por objetivo discutir o conceito de biodemocracia que é exposto por Cassiano Ricardo.

Fechando a sessão livre, trazemos o artigo de Thiago do Nascimento Torres de Paula, doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), que tem como título “Do enjeitado a ouvidor: a trajetória do tenente Joaquim Lino Rangel na freguesia da cidade do Natal, 1760 – 1839”. O objetivo do autor é o de apresentar a trajetória do Tenente Joaquim Lino Rangel.

Ainda compõe neste volume a resenha da obra da obra de Graeme Wood ” A Guerra do fim dos tempos: o Estado Islâmico e o mundo que ele quer” (Cia das Letras, 2017) feita por Katty Cristina Lima Sá, Mestranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC / UFRJ).

No volume 13 da Revista Espacialidades, temos também a entrevista com a professora doutora Márcia Santana Tavares professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares Mulheres, Gênero e Feminismo – PPGNEIM / UFBA; pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM; membro do Observatório pela Aplicação da Lei Maria da Penha – OBSERVE / NEIM / UFBA, que nos falou sobre violência de gênero, a da Lei Maria da Penha e sua relação com o número de denúncias dos casos de violência contra mulher, direitos da mulher e a relação as questões de gênero, relações de poder e espaço na nossa sociedade.

Para finalizar o primeiro dossiê de 2018 a Revista Espacialidades, conta com o corpo documental de fontes históricas em uma de suas sessões. Essas fontes foram catalogadas pelo Programa de Educação Tutorial em História da Universidade Federal do Ceará, tendo como objetivo mapear documentos ligados à compra e venda de escravos no Ceará ao longo do século XIX, entre os anos de 1843 a 1879. O Projeto, intitulado Fundo Documental e Guia de Fontes para a História da Escravidão no Ceará, foi realizado pelos bolsistas do Programa e teve início em 2007, com o mapeamento do corpo documental e catalogação dos mesmos, no qual resultou em fichas / resumo e sistematização desses documentos, concluída em 2012. O projeto catalogou cerca de 12 livros, que se encontram em sua versão original, no Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC). É com imenso prazer, e desde já agradecemos ao Programa de Educação Tutorial pela confiança, em especial à Kênia Rios, atual tutora do PET História, à Viviane Nunes e Tayná Moreira, bolsista e egressa, respectivamente, que tiveram salutar importância para esta parceria, que a Revista Espacialidades apresenta aos seus leitores, parte destas fichas / resumos deste primoroso acervo, que possibilita o fomento da pesquisa histórica, dando saber à sociedade deste vil período que macula nossa história.

O editor-chefe e a Equipe editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma boa leitura!

Editor-chefe: Magno Francisco de Jesus Santos

Equipe editorial:

Arthur Fernandes da Costa Duarte – (mestrando do PPGH / UFRN)

Emanoel Jardel Alves Oliveira – (mestrando do PPGH / UFRN)

Jessica Martins Guedes de Souza – (mestranda do PPGH / UFRN)

Lucicleide da Silva Araújo – (mestranda do PPGH / UFRN)

Maria Luiza Rocha Barbalho – (mestranda do PPGH / UFRN)

Matheus Breno Pinto da Câmara – (mestrando do PPGH / UFRN)

Ristephany Kelly da Silva Leite – (mestranda do PPGH / UFRN)

Thaís da Silva Tenório – (mestranda do PPGH / UFRN)


SANTOS, Magno Francisco de Jesus et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.13, n. 01, 2018. Acessar publicação original [DR]

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História e gênero: representações e simbolismos / História e Cultura / 2018

No presente dossiê reunimos textos que discutem e analisam as formas de representação narrativa dos sujeitos em seus contextos e campos sociais. Essas representações de si para e dos outros construídas em relação à memória coletiva se apropriam de suportes imagéticos como fotografias, facebooks, instagran, fotologs e outros. Entretanto, para além das auto representações, precisamos pensar que os sujeitos também se constroem a partir de objetos materiais que projetam imagens, narrativas e representações de gênero, como livros didáticos, manuais didáticos, folhetos, cartilhas, assim como exposições de arte, fotografia, história e moda. Isso porque os papeis de gênero em suas mais diversas representações, através de múltiplas identidades e das muitas faces produzidas para situações em contextos sociais diferenciados se utilizam do símbolo iconográfico e narrativo.

Sendo assim, no presente dossiê reunimos pesquisas que venham alicerçaram suas análises nos mais diversos suportes imagéticos, narrativos e que dialogam com e expõe representações de gênero em relação às memórias coletivas. Nessa direção, essa organização se voltou à estudos sobre narrativas centradas nas representações de gênero e em como estas estão dotadas de um poder simbólico. Esse é o resultado do movimento da realidade, e que de forma integrada concebe o espaço, e os elementos que ali habitam (Bourdieu, 2007:8 / 9). Essa relação nem sempre é muito clara no mundo social, pois pode parecer conflituosa a um olhar externo, mas para quem a vive, ela tem as suas justificativas para tal aceitação. O reconhecimento desse poder simbólico só é concebível quando da identificação dos símbolos, pois são eles que constroem a relação de significação entre dominante e dominado. A representação do indivíduo ou do grupo está em como se mostra o símbolo e é essa medida do poder simbólico.

Durante os séculos XIX e XX, o fato do poder patriarcal assombrar a sociedade, criou um poder simbólico, chamado de dominação. Essa sensação de estar dominado é o que Pierre Bourdieu (2007:8) enfatiza como um poder invisível que sustenta uma discussão na relação entre os gêneros polarizando o que pode e o que não pode ser feito partindo de conceitos enraizados socialmente.

Entretanto, o simbólico das relações de gênero circundam os caminhos da memória coletiva. Nessa perspectiva, Paul Ricoeur (2007), afirmou que o lugar da lembrança pertence a uma dimensão objetal, ou seja, ao nível das análises da retenção e da reprodução. A lembrança colocaria as coisas do passado e por isso, segundo Ricoeur, “O ‘lembrado’ apóia-se então no ‘representado’”.[3] Esse representado viria em forma de imagens e assim daria suporte para um tipo de “lembrança-imagem”.

Na mesma direção, Henri Bergson, propôs uma dupla concepção de “lembrança pura” e “lembrança-imagem”. A primeira seria a “memória que revê”, espontânea, imediata e perfeita, enquanto a segunda, a “memória que repete”, que se atualiza e tende a viver numa imagem. A lembrança pura, para Bergson, tenderia a passagem para a “lembrança-imagem”, porque “essencialmente virtual, o passado só pode ser apreendido por nós como passado quando seguimos e adotamos o movimento pelo qual ele desabrocha em imagens presentes, que emergem das trevas para a claridade”.[4] Conforme proposto por Bergson nessa citação, as lembranças assumiriam na memória formas imagéticas. As imagens simplesmente não teriam o poder de incitar a memória do passado, isso somente seria possível a partir de sua busca no passado.

Dessa forma, o conhecimento do passado registrado pela memória seria, portanto, nas palavras de Marc Bloch, uma coisa em progresso, “que ininterruptamente se transforma e se aperfeiçoa”.[5] Sua transformação e aperfeiçoamento ocorreriam pelas inúmeras formas de registro e análise desse conhecimento: a história, a literatura, as imagens e o cinema entre tantos outros meios.

Como resultado, o dossiê apresenta artigos que abordam a temática a partir da análise de obras literárias, como por exemplo, um estudo ambientado principalmente nos anos 40, nos apresenta a vida de Madame Colette, em Ribeira, um bairro na cidade de Natal do Rio Grande do Norte. Como também da representação da mulher nas obras de arte de uma escultora latino-americana. Além de trazer à tona uma discussão muito pertinente a respeito da ausência das mulheres – através do apagamento de suas trajetórias – na construção do cânone literário brasileiro no século XIX, o que permitiu que muitas mulheres escritoras permanecessem no anonimato por muito tempo. Esta ausência de entendimento do papel feminino está presente também no artigo que estuda a forma de registro nas práticas musicais da Igreja Católica Romana e, também a dimensão da participação feminina nas práticas musicais em outras esferas.

Buscando compreender o processo de rupturas e permanências que envolveu as representações do feminino trazemos artigos que tratam dessa temática a partir da análise de manuais femininos. Em outro artigo, o dossiê contempla o estudo e análise, sobre a relação entre o feminismo branco e o feminismo negro no Brasil, tendo a trajetória intelectual e a militância de Lélia Gonzalez, como um ícone sobre a temática no Brasil, apresentamos um estudo acerca das trajetórias das mulheres na militância contra a ditadura militar no Brasil.

Dentro das discussões contemporâneas, o dossiê traz a reflexão acerca das transformações da travestilidade e da compreensão de pessoas designadas como intersexo / transgênero, através de estudos biográficos: a autobiografia de Herculine Barbin, e, também a construção de si através do relato biográfico de Renata.

Finalmente, temos a investigação sobre o impacto e seus resultados simbólicos no que se trata da ação do sexo masculino diante da escolha da profissionalização no Magistério, e as adversidades desse processo.

Notas

3. RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP. Editora da UNICAMP, 2007, p. 64.

4. BERGSON Apud RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP. Editora da UNICAMP, 2007, p. 68.

5. BLOCH, Marc. Introdução à História. Lisboa: Editora Europa-América, 1987, p. 55.

Gianne Zanella Atallah – Doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP / ICH-UFPEL / RS -2018). Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP / ICH-UFPEL / RS – 2011). Especialista em Patrimônio Cultural: Conservação de Artefatos (ILA-UFPEL / RS-1997). Graduada em História – Licenciatura Plena (FURG / RS-1993). Dirigente do Núcleo de Patrimônio Municipal (Fototeca Municipal Ricardo Giovannini e Pinacoteca Municipal Matteo Tonietti). Docente em História da Rede Municipal – SMED / Prefeitura Municipal do Rio Grande / RS. E-mail: [email protected]

Júlia Silveira Matos – Pós-doutoranda em Educação UFPEL. Professora de História da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, coordenadora do Laboratório Independente de pesquisa em Ensino de Ciências Humanas – LABEC, formada em História Licenciatura pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2002), possui especialização em Teologia com habilitação para Ensino Religioso, mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005) e doutorado pelo Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2008). E-mail: [email protected]


ATALLAH, Gianne Zanella; Matos, Júlia Silveira. Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 7, n. 1, jan. / jul., 2018. Acessar publicação original [DR]

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História, cinema e gênero: interseções nas telas / História Revista / 2018

Trabalhos de História-Cinema têm se avolumado no Brasil nas duas últimas décadas. Historiadores / as tomam o artefato audiovisual como fonte e objeto para analisar a representação do passado, os usos do passado, os lugares de memória, as encenações dos eventos e das trajetórias de personagens históricos nas telas.

Se, hoje, já é possível cartografar o campo de estudos nessa chave, no país, que compreende simpósios específicos e em eventos acadêmicos de abrangência nacional e internacional, além de teses e dissertações – produzidas em diferentes departamentos acadêmicos brasileiros – e outras publicações especializadas, os estudos de História-Cinema que se voltam mais detidamente para as questões de Gênero e sexualidade, que também reúnem certa produção, apesar de esparsa, têm adquirido corpo somente na última década.

A publicação deste dossiê, “História, cinema e gênero: interseções nas telas”, pela História Revista colabora para o preenchimento da lacuna historiográfica sobre a temática. Reúne artigos de pesquisadores (as) brasileiros (as) das áreas da História e da Comunicação que vem debruçando-se sobre artefatos audiovisuais, a fim de esquadrinhar suas possibilidades de análises, especialmente sobre as questões de gênero e sexualidade.

Do conjunto de textos, aqui reunidos, destaca-se a tendência de lançar luz sobre a produção cinematográfica de mulheres, de países como Estados Unidos, Cuba e Brasil. Outros dois artigos dedicam-se à análise de filmes, especificamente estadounidenses.

Os artigos sobre as cineastas e seus filmes dialogam com certa perspectiva da teoria feminista do cinema que, desde o final dos anos 1960, busca recuperar do esquecimento, quando não do ostracismo – produzidos por um campo marcadamente masculino que reproduziu (e ainda reproduz) valores retrógrados de inferiorização e exclusão das mulheres – cineastas e mostrar a relevância de suas cinematografias.

Neste dossiê, a designação autoria feminina no cinema não é aplicada diretamente, sendo que os textos apenas a tangenciam ao problematizarem a invisibilidade das mulheres em tal campo e ao analisarem suas obras fílmicas. Isso aproxima os textos da própria crítica feminista que, em diálogo com as teorias gerais sobre autoria, já alertou para a armadilha desse tipo de nomenclatura que pode remeter à ideia de naturalização do feminino, isto é, reiterar o escopo do determinismo biológico, que embasa a compreensão de que as diferenças entre homens e mulheres residem em certa essência biológica, seja genital, seja hormonal – desconsiderando, pois, que a definição de gênero resulta de construção social e, como tal, cultural e histórica, implicando, invariavelmente, relações de poder.

Faz-se necessário salientar, no entanto, que os estudos feministas também reconhecem que tal denominação reforça um aspecto político importante frente à ausência de uma expressão que dê conta de traduzir a questão que ela engendra, qual seja: o lugar assimétrico decorrente de relações desiguais de poder no campo da produção simbólico-cultural, que impingiram certa invisibilidade às mulheres cineastas e aos seus filmes.

Voltando aos textos. O artigo de Sandra Machado problematiza a História do cinema, concentrando seu olhar nos Estados Unidos e na Europa, para trazer ao público brasileiro a trajetória invisibilizada da cineasta Alice Guy-Blaché (1873-1968), que pode ser considerada, segundo a autora, uma das fundadoras “do cinema de ficção”. Ainda neste artigo é possível entrar em contato com as inovações técnicas, de estilo e com as temáticas abordadas por cineastas europeias como Leni Riefenstahl (1902-2003), Agnès Varda e Marguerite Duras (1914-1996). Em diálogo com as teorias feministas do cinema, Machado retoma as obras dessas realizadoras e de outras para observar como elas ousaram, inclusive ao estamparem nas telas o protagonismo de personagens femininas, sendo que, em alguns filmes, abriram espaço para a representação daquelas mulheres consideradas socialmente marginais, como, por exemplo, as lésbicas.

Ana Veiga, por sua vez, brinda os(as) leitores(as) com um artigo sobre a cineasta cubana negra Sara Gómez (1942-1974). Além de apresentar a diretora, a historiadora aborda como esta cineasta, inserida no denominado Novos Cinemas Latino-Americanos, mais especificamente no “Cinema Imperfeito” cubano, ligado à Revolução de 1959 e vinculado aos ideais socialistas, desenvolveu em seu filme, De cierta manera, lançado em 1974, a relação entre revolução e relações de gênero.

Outro artigo, de minha autoria, procura recuperar a trajetória da cineasta brasileira Vera de Figueiredo, que, em seu primeiro longa-metragem, de ficção, Feminino Plural (1976), não apenas rompeu com o cinema clássico, aproximando-se da tendência modernista e da experimentação, como apresenta certa leitura sobre a ditadura civil-militar em curso, estabelecendo diálogo com a historiografia do Brasil relativa ao período.

Já o artigo de Júlio Cesar Lobo volta-se para a análise fílmica de Retratos de guerra (1989) e Hemingway & Martha (2013), observando mais especificamente a representação da profissão de repórter-fotográfico de guerra exercida por personagem feminina. O texto, ao se concentrar na construção das protagonistas dos referidos filmes, suscita a discussão sobre as relações de gênero no jornalismo e em contexto de guerra, o que configura um tema atual e pouco discutido pelo público brasileiro.

Fechando o dossiê, o artigo de Miguel Sousa Neto e Aguinaldo Gomes aborda o filme Shortbus, de John Cameron Mitchell (2006). Os autores dirigem suas análises para o tema da corporeidade e, desse modo, analisam os afetos e desejos dos personagens, em meio ao contexto de globalização e de “amores líquidos” – ambientado no filme e no qual ele fora realizado.

Os (as) leitores(as) encontrarão, pois, um dossiê robusto sobre cinema e gênero, cujos artigos, mesmo quando não circunscrevem seus objetos diretamente à História, destacando aspectos próprios da disciplina, não prescindem de rigorosa contextualização sobre o período em que as / os cineastas realizaram seus filmes ou os ambientaram.

À coordenação da História Revista, aos (as) autores (as) participantes deste dossiê e aos (às) diferentes pareceristas e colaboradores (as) só me resta render sinceros agradecimentos, o que o público leitor(a), certamente, poderá reiterar.

Alcilene Cavalcante de Oliveira (UFG)

Organizadora


OLIVEIRA, Alcilene Cavalcante de. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 23, n. 1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

Gênero do Mundo Antigo: contribuições para um debate / Hélade / 2018

Desnaturalização da diferença e combate à intolerânica

Os estudos de gênero têm início na década de 1960 na Europa e nos Estados Unidos como resultado do impacto dos movimentos libertários que questionavam os valores dominantes e lutavam pelo respeito às minorias. Contudo, embora utilizado por outras áreas do conhecimento, como a Psicologia, a emergência do gênero como conceito pertinentemente empregado nas pesquisas em História se dará apenas a partir dos anos 1980. Até então, faltava ao gênero a credibilidade necessária entre os historiadores. Tal descrédito era justificado pela acusação feita ao conceito de que o mesmo não seria operacional. Será a historiadora e feminista norte-americana Joan Scott que fará, a nosso ver, a devida e decisiva defesa do gênero diante de seus pares. Em artigo publicado em 1986, Gender: a useful category of historical analysis, Scott defendia a operacionalidade do gênero, definindo-o como modo primeiro de significar as relações de poder, rejeição ao determinismo biológico, defesa do caráter essencialmente social das distinções constituídas sobre o sexo e da dimensão relacional entre homens e mulheres.

A partir desta definição tecida por Joan Scott, ainda hoje amplamente empregada, o uso do gênero pela História ganha impulso. Inicialmente “associado e utilizado principalmente pelas historiadoras das mulheres” (CUCHET, 2007, p. 18), atualmente o conceito é adotado seja pela ‘História das Mulheres’, pela ‘História de Gênero’ ou pelo Men’s Studies. Empregado em todas as temporalidades da pesquisa histórica e muito utilizado por esta e outras disciplinas, o conceito de gênero conquistou o seu lugar e a legitimidade na academia. Não só na academia, mas também nas mídias sociais e nos programas implantados por instituições e governos. No entanto, apesar disso e das conquistas obtidas pelo movimento feminista, as desigualdades de gênero ainda persistem. Tais desigualdades podem ser observadas na violência a qual as mulheres estão submetidas justamente pela condição de serem mulheres. A vulnerabilidade em que se encontram pode ser verificada no levantamento recente feito pela Thomson Reuters Foundation. Os cerca de 550 especialistas em temas femininos que colaboraram com a pesquisa apontaram os 10 paísesmembros da Organização das Nações Unidas (ONU) mais perigosos para as mulheres.[2] Dentre eles, para a surpresa de muitos, figura na décima posição os Estados Unidos: tradicional defensor das liberdades democráticas e dos direitos humanos. Quanto ao Brasil, ainda que esteja ausente desta lista, o país – segundo reportagem da Revista Exame3 – tem a quinta maior taxa de feminicídios do mundo.

Para desnaturalizar a violência contra a mulher, as demais discriminações a que estão submetidas, bem como a violência e segregação motivada pela identidade de gênero manifesta pelos indivíduos, é necessário que os debates em torno do conceito estejam presentes no ambiente escolar e acadêmico. Só através da educação, ou seja, da conscientização acerca das desigualdades existentes na sociedade – dentre elas, as de gênero – e da compreensão do modo pelo qual são constituídas, será possível formar cidadãos mais empáticos e respeitosos às diferenças. Entretanto, a inclusão das discussões sobre o gênero na sala de aula tem suscitado reações conservadoras de parte da sociedade brasileira que, ao interpretar de modo equivocado o intuito destes debates, acabam por considerá-los promulgadores de uma pretensa ‘ideologia de gênero’. Para este segmento da sociedade, as reflexões em torno do conceito nas escolas, nas universidades e nas mídias teriam o objetivo de influenciar, sobretudo, crianças e jovens. E, ao influenciá-los, os levar a adotar um gênero diferente daquele a eles atribuído no nascimento em decorrência do sexo biológico. Tal inferência explica as manifestações ocorridas em 2017 contra a presença da filósofa Judith Butler no Brasil. No entanto, tal interpretação é equivocada.

O que o debate em torno do conceito propõe é a desnaturalização da diferença e o combate à intolerância. Por meio do entendimento de que as diferenças sociais entre homens e mulheres não são inatas, mas fruto da interpretação que uma determinada sociedade faz do masculino e do feminino, o gênero permite desconstruir a visão tradicional de que a mulher é ‘naturalmente’ propensa aos serviços domésticos, à submissão ao homem e à manifestação de determinadas habilidades. Do mesmo modo, o gênero permite desmistificar a percepção do homem como não dado às emoções, voltado para as atividades externas à casa e portador de um comportamento caracterizado invariavelmente pela virilidade. Além disso, o gênero e mais especificamente a teoria da performatividade de gênero de Judith Butler (2015) – que em nenhum momento professa a inexistência da diferença entre os sexos – chama a atenção para o fato de que há pessoas que não conseguem se adequar às expectativas que a sociedade atribui ao gênero que lhes confere. Tal impossibilidade de adequação e a segregação dela decorrente geram sofrimento e, não raro, violências físicas que podem se tornar letais. A compreensão da existência de pessoas que estão impossibilitadas de se adequar as expectativas de gênero da sociedade visa, portanto, suscitar o respeito e minar a intolerância e violência desferida contra esses indivíduos. O gênero é, assim, um importante conceito que visa permitir uma existência com mais respeito à diferença e, por conseguinte, que estimula a vivência das liberdades democráticas.

Os artigos que compõem esse dossiê partem da perspectiva de gênero ao abordar o papel desempenhado pelas mulheres nas sociedades antigas, a forma como as tratam os livros didáticos que contemplam a História Antiga, a construção dos papéis de gênero na documentação, assim como os desvios aos ideais de comportamento feminino e masculino vigentes na Antiguidade. Tais textos, consequentemente, nos permitem observar semelhanças e diferenças no modo como construímos e definimos os papeis de feminino / masculino e a forma como as sociedades da Antiguidade o fizeram. As diferenças que este exercício de comparação ressalta permitem exemplificar e compreender a definição do gênero como o modo como uma determinada sociedade interpreta as diferenças baseadas no sexo. Esta definição nos leva a compreender que os comportamentos tidos como tipicamente femininos ou masculinos não são os mesmos em todos os lugares e em todas as temporalidades, contribuindo assim para a reafirmação do compromisso que a teoria de gênero professa: desnaturalizar a diferença e combater a intolerância.

Notas

2. Segundo reportagem do Estadão, dentre os quesitos de periculosidade que foram considerados pela pesquisa se encontram a vulnerabilidade à violência sexual e não sexual, assim como na área da saúde e da economia. Disponível em https: / / internacional.estadao.com.br / noticias / geral pesquisa-revela-os-10-paises-mais-perigosos-para-as-mulheres,70002370639 . Acesso em 26 / 08 / 2018 às 14h00.

3. Disponível em https: / / exame.abril.com.br / brasil / taxa-de-feminicidios-no-brasil-e-a-quintamaior-do-mundo /  . Acesso em 28 / 08 / 2018 às 16h00.

Referências

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

SCOTT, Joan. ‘Gênero: uma categoria útil para análise histórica’. S.O.S. Recife: 1991.

SEBILLOTTE CUCHET, Violaine. ‘Les antiquistes et le genre’. In: SEBILLOTTE CUCHET, Violaine; ERNOULT, Nathalie (orgs.). Problèmes du genre en Grèce Ancienne. Paris: Publications de la Sorbonne, 2007.

Talita Nunes Silva Gonçalves – Doutora em História Social pelo PPGH-UFF e pesquisadora vinculada ao NEREIDA-UFF. E-mail: [email protected]


GONÇALVES, Talita Nunes Silva. Editorial. Hélade. Rio de Janeiro, v.,4, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Corpo, gênero e sexualidade no Caribe / Revista Brasileira do Caribe / 2017

Corpo – gênero – sexualidade no Caribe / Revista Brasileira do Caribe / 2017

O corpo é a expressão material e biológica da existência humana. Mas haveria um corpo material preexistente à experiência cultural? Na tradição ocidental há muito tempo cristalizou-se a ideia essencialista de um binarismo corpo/alma, corpo/espírito, corpo/mente, natureza/cultura. Entretanto, é impossível pensar o ser humano separado da cultura. Nesse sentido, o corpo não pode ser separado da cultura, em uma preexistência, como algo já dado em que se inscreve a experiência social e cultural. Portanto, o corpo é um produto histórico e cultural, e também produtor de cultura, status, identidades e sexualidades.

Se admitirmos que o corpo seja produto e produtor de identidades, então as identidades de gênero são mesmo performances sociais contínuas, nem verdadeiras ou falsas, nem reais ou aparentes, nem originais ou derivadas. Por conseguinte, as sexualidades também constituem disposições, representações e práticas voltadas para a experiência do desejo que contribuem na formação das identidades de gênero e de outra ordem. Por outro lado, a sexualidade também pode ser vista como um dispositivo normativo para controle da dissipação das energias, para o estabelecimento de normas e valores, enfim, para o controle e a docilidade dos corpos.

O trinômio corpo, gênero e sexualidade como produto e produtor das experiências culturais, históricas, políticas e sociais, tem produzido relações de poder em que o masculinismo e a heterossexualidade aparecem como hegemônicos e naturalizados, muitas vezes, marginalizando, excluindo, perseguindo e silenciando outras formas identidárias de gênero e de sexualidade.

Por essas razões, foi organizado para este número da Revista Brasileira do Caribe, um dossiê intitulado “Corpo, gênero e sexualidade no Caribe”, com o objetivo de debater as experiências históricas, artísticas, políticas e sociais dessas três categorias no Caribe. Como corpo, gênero e sexualidade se articulam no Caribe para formar identidades, relações de poder, desejo? O dossiê se inicia com o artigo “El amor en tiempos de Sidentidades: eros y thanatos en las “autohistorias” de Pedro Lemebel y Reinaldo Arenas” de Massimiliano Carta. Nesse artigo, Carta analisa como a obra de Reinaldo Arenas e Pedro Lemebel, no contexto sanitarista da pandemia da AIDS, nos EUA do final do século passado. O texto aborda a questão do amor, da morte, das identidades latino-americanas e LGBTQI (Lésbica, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queers e Intersexuais) na formação de identidades, mais especificamente as sidentidades proposta por Llamas.

O segundo artigo, “La metáfora de la libertad: el discurso del cuerpo en la literatura de Zoé Valdés” de Brigida Pastor trata de uma análise do romance La nada cotidiana da escritora cubana exilada em Paris, Zoé Valdés. Pastor aborda em seu artigo o uso da linguagem do corpo utilizada pela escritora Zoé Valdés como instrumento e “estratégia feminina/feminista” de resistência da mulher a qualquer forma de repressão.

O terceiro artigo, “Big Bang o el uso de los cuerpos en la poesía de Severo Sarduy”, de Denise León, trata da obra Big Bang de Severo Sarduy, que explora em sua poesia a divulgação científica, restos literários em uma linguagem minimalista, bem como o papel dos corpos no universo do desejo erótico e sua ambígua trajetória, onde o importante é ter algo ou alguém a quem desejar. São corpos que, nas palavras de León, se quebram sem limites e se abrem em infinita expansão.

No artigo “Corpo e negritude no discurso do rap cubano e do rap brasileiro: diálogos (d)e resistência”, Yanelys Abreu Babi analisa, por meio da análise de discurso de Pêcheux, como as condições de produção, formação ideológica e formação discursiva são usadas na construção de sentidos em torno do corpo negro. Para tanto, o artigo analisa seis letras de rap, compostas por rappers negros de Havana e São Paulo no período entre 2000-2012.

O artigo de Clara Heibron trata da representação da mulher Mokaná. A autora reúne na sua análise uma documentação variada constituída por crônicas, imagens do artesanato local que evidencia o constituir feminino na comunidade Mokaná, especialmente, da mulher mohana, a mulher guerreira.

A seção Outros Artigos abre-se com o artigo “Legal and Extra-Legal Measures of Labor Exploitation: Work, Workers and Socio-Racial Control in Spanish Colonial Puerto Rico, c. 1500-1850” de Jorge Chinea. O artigo analisa e debate a conexão entre trabalho, regimes de trabalho e o desenvolvimento da colônia espanhola de Porto Rico de 1500 até a metade do século XIX, em que os exploradores buscaram extrair o máximo de trabalho da população alvo ao mínimo custo possível para reduzir despesas operacionais e maximizar os lucros em seus empreendimentos de mineração, criação de gado e agricultura, bem como controlar essa população.

O artigo “Convenios laborales de las personas de origen africano y afrodescendientes en el valle de Toluca, siglos XVI y XVII”, de Georgina Flores, Maria Guadalupe Zárate Barrios e Brenda Jaqueline Montes de Oca, também trata da temática do trabalho. Com base na documentação histórica do Arquivo Geral de Notarías do Estado do México as autoras debatem parte da história laboral de homens e mulheres africanos e afrodescendentes que habitaram o vale de Toluca durante o período colonial. O artigo apresenta a forma na qual os escravos alcançaram a liberdade, as atividades realizadas, as relações sociais e econômicas entre os grupos étnicos, os contratos laborais pactuados entre indivíduos de diferentes qualidades etc.

Por sua vez, no seu artigo, “A Revolução Cubana e o perfil ideológico do Movimento 26 de Julho”, Rafael Saddi analisa o perfil ideológico do Movimento 26 de Julho na luta contra a ditadura de Fulgêncio Batista e algumas de suas consequências para a Revolução Cubana após a tomada do poder.

Fechando a seção de outros artigos, “Bob Marley: memórias, narrativas e paradoxos de um mito polissêmico”, de Danilo Rabelo, debate por meio da biografia de Marley as várias representações e discursos elaborados sobre Bob Marley durante sua vida e após a sua morte, estabelecendo significados, apropriações, estratégias políticas e interesses em jogo, bem como as contradições e paradoxos da sociedade jamaicana quanto ao uso das imagens elaboradas sobre o cantor.

Por último, a resenha sobre a obra de Elzbieta Sklodowska “Invento, luego resisto: El Período Especial en Cuba como experiencia y metáfora (1990-2015)” de Marcos Antonio da Silva. O autor nos convida a ler essa importante obra sobre a História do tempo presente em Cuba e as grandes mudanças do fim de século após o desaparecimento do campo socialista e os reflexos dessas transformações no cenário social e cultural da ilha caribenha.

Na oportunidade, agradecemos aos autores e autoras que contribuíram para a publicação deste fascículo e desejamos aos nossos leitores e leitoras uma ótima e proveitosa leitura.

Danilo Rabelo Isabel Ibarra


RABELO, Danilo; IBARRA, Isabel. Corpo, gênero e sexualidade no Caribe. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.18, n.35, jul./dez. 2017. Acessar publicação original. [IF].

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Ensino, gênero e diversidade / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2017

Pesquisas recentes no campo da História da Educação e História do Ensino de História indicam que a escola é um espaço político. Tal característica, ainda que não seja exclusiva do tempo presente, tem sido objeto de disputas bastante acirradas. Práticas docentes, conteúdos ministrados e mesmo a função de uma formação cidadã emergem como passíveis de questionamentos e judicialização por parte de setores conservadores da sociedade, inclusive por meio de projetos de lei apresentados por iniciativas como “Escola sem Partido”, que visam, entre outras questões, o cerceamento da autonomia docente e a retirada de referências à identidade de gênero, diversidade e orientação sexual dos Planos Estaduais e Municipais de Educação. Nesse sentido, O número 29 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, traz o Dossiê – Ensino, Gênero e Diversidade: embates contemporâneos, cujo objetivo é promover espaço para os debates contemporâneos a respeito das questões políticas, de gênero, sexualidade e das relações étnico-raciais em suas diferentes possibilidades de articulação com o espaço escolar.

Em Ditadura militar e relações de gênero: problematizando o ensino de História por meio das ideias históricas de estudantes do Ensino Médio, Elaine Prochnow Pires e Cristiani Bereta da Silva analisam as ideias históricas de jovens estudantes do ensino médio de uma escola estadual de Santa Catarina a respeito dos conteúdos sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985) com o objetivo de discutir as representações das mulheres e das relações de gênero no ensino de história do Brasil. As autoras propõem uma sequência didática que problematiza as narrativas construídas pelos(as) estudantes sobre o tema, visando refinar sensibilidades e desenvolver olhares mais críticos sobre questões de gênero, feminismos e história das mulheres.

Vanderlei Machado e Carla Simone Rodeghero apresentam Os Livros didáticos e a História da participação das mulheres no Movimento Estudantil, artigo no qual analisam a maneira como onze livros didáticos de história (distribuídos pelo PNLEM / 2008) abordam, por meio de textos e imagens, a participação feminina no movimento estudantil brasileiro entre os anos de 1964 e 1968. Para os autores, o número de pesquisas que abordam participação feminina no movimento estudantil no Brasil cresce, no entanto, referências veiculadas nos livros didáticos ainda são poucas.

Em Da teoria à prática: gênero, saberes docentes e desafios contemporâneos, Cintia Lima Crescêncio discute as contradições de nosso tempo presente marcado, por um lado, pelo fortalecimento dos estudos de gênero e consequente conquista de espaços no campo do ensino, especialmente por meio da formação de professores e, por outro, pela ascensão de projetos de lei com características conservadoras, inspirados em programas como o Escola sem Partido.

Ana Maria Marques, por intermédio da análise de duas telas históricas de Moacyr Freitas, apresenta debates referentes às questões de gênero e étnico-raciais em Havia uma Rosa e uma Vitória na representação pictórica da História de Mato Grosso. A autora propõe a desconstrução de violências, dentre as quais as de gênero, ao analisar as duas únicas telas do acervo do autor em questão que trazem mulheres como protagonistas.

Ainda alinhado a proposta deste dossiê, apresentamos a tradução do artigo “Não ensinamos mais a história da França na escola!” Mas ensinamos o que então?, de Henry Rousso. Neste, o autor posiciona-se diante de uma querela ocorrida na primavera francesa de 2015 a respeito de novos programas de História que deveriam nortear o ensino escolar da disciplina. Tal texto possibilita-nos pensar acerca de questões como as potencialidades do ensino de história e, consequentemente, de seus diversos usos políticos.

Na seção Artigos, Thiago Reisdorfer, em Uni-la: O processo de construção de uma universidade intercultural para a integração latino-americana, assume a instituição universitária e suas diferentes dimensões como objeto de pesquisa e analisa a formação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, percebendo-a pelo viés da integração intercultural.

Daniela Queiroz Campos, em Garotas de papel: a arte gráfica e os traços de Alceu Penna trata da produção gráfica de Alceu Penna. Através da análise meticulosa de colunas e daquilo que as caracteriza – diagramação, cores, imagens, traços, qualidade de impressão – apresenta um panorama sobre a arte gráfica brasileira no século XX e problematiza elementos concernentes ao reconhecimento e / ou possibilidade de enquadramento de Penna como designer.

O artigo Transformações urbanas na cidade de Florianópolis (1989-2011): a derrubada do Bar do Chico no bairro Campeche, de Carolina do Amarante e Luciana Rossato, discute as mudanças na cidade de Florianópolis, desde a década de 1980, a partir da análise dos discursos veiculados nos jornais. Para as autoras, os textos jornalísticos promovem e defendem a necessidade de preservar a identidade e a cultura açoriana, ao mesmo tempo em que a cidade e seus bairros costeiros como, por exemplo, o Campeche, passam por transformações devido ao crescimento populacional decorrente do desenvolvimento do turismo. O caso do Bar do Chico, construído na década de 1980 e demolido vinte anos depois, torna-se exemplificativo para a análise em questão.

Karla Simone Willemann Schütz, em “Uma incursão estranha”: a história oral na UFSC e as entrevistas de Simão Willemann (década de 1970), examina aspectos da criação e da trajetória do Laboratório de História Oral da Universidade Federal de Santa Catarina e mapeia alguns dos pressupostos que orientaram seu estabelecimento. Para tanto, parte de um estudo realizado sobre as pesquisas desenvolvidas pelo historiador catarinense Simão Willemann durante a década de 1970, em diálogo com publicações brasileiras sobre história oral, editadas no país entre as décadas de 1970 e 1990.

Na seção Resenhas, Natan Alves David realiza uma análise de Um país impresso: História do Tempo Presente e revistas semanais no Brasil, publicação de 2014 organizada por Silvia Maria Favero Arend. Ana Terra de Leon resenha Vigiar e Medicar: estratégias de medicalização da infância, livro organizado por Sandra Caponi, Marua Fernanda Vásquez-Valencia e Marta Verdi, publicado em 2016.

Agradecemos a todas e a todos que colaboraram com este número. Boa leitura!

Caroline Jaques Cubas

Joana Vieira Borges

Organizadoras


CUBAS, Caroline Jaques; BORGES, Joana Vieira. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.29, 2017. Acessar dossiê [DR]

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Gênero, mulheres e imagem: diálogos interdisciplinares (II) / Domínios da Imagem / 2017

Os estudos de gênero têm impulsionado pesquisas de múltiplas áreas. Um meio de compreender os sentidos e as relações complexas entre diversas formas de interação humana, gênero se refere, conforme postulado por Joan Scott, às construções históricas, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres. Percepções, gestos, sentimentos, pensamentos, hábitos e as maneiras de perceber a si e aos demais oferecem suporte para uma compreensão acurada acerca das relações de gênero. Nesse sentido, ganha relevância a aproximação dos estudos de gênero e a cultura visual, uma vez que as imagens desempenham um papel primordial na contemporaneidade por tocar os imaginários sociais e contribuir para a construção das visões de mundo dos indivíduos. As reflexões que possibilitam, permitem problematizar a constituição e distribuição de poder e prestígio nas sociedades.

O Dossiê II que ora apresentamos, mostra a convergência de interesses e preocupações de um conjunto de investigadoras (es), advindos de diferentes campos disciplinares, na tentativa de contemplar uma pluralidade de abordagens tendo como foco gênero, mulheres e imagem. Por isso, uma vez mais, agradecemos a generosa colaboração de todas (os).

Na continuidade das reflexões, esperamos que os resultados das inúmeras perspectivas abertas – criativas e instigantes -, contribuam para desconstruir os papéis, os lugares ocupados, como também por focalizar as funções das mulheres e dos homens ao longo da história e possa favorecer a continuidade dos debates e suas repercussões nas práticas sociais.

Neste segundo volume do dossiê, iniciamos com o artigo de Mariana de Paula Cintra. Tendo como foco o surgimento das crônicas de modas na imprensa do Rio de Janeiro oitocentista e tomando como fonte o jornal Correio das Modas, a autora discute a circulação de periódicos escritos por homens e dedicados às mulheres, no Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século XIX. Ao indagar sobre o intento dos editores, as temáticas eleitas e para quais mulheres propunha-se o jornal, em seu artigo O nascimento da moda feminina na imprensa carioca oitocentista, a autora reflete sobre a contribuição desse periódico para o surgimento da imprensa nacional e o universo complexo – e ainda pouco explorado – da produção de jornais femininos no século XIX. Ao tomar como referência a história da imprensa periódica feminina carioca apresenta-nos em que medida os meios de comunicação fizeram parte do cotidiano das mulheres, influenciando seus comportamentos, ditando regras e forjando novos papéis sociais.

A partir de uma coleção costumbrista que tematizou mulheres, produzida na década de 70 do século XIX na Espanha, Edméia Ribeiro problematiza a produção visual e as relações de gênero que caracterizam a coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas. Argumenta a autora que a simbologia feminina ali presente configura-se em uma construção exclusivamente masculina, uma vez que toda a produção, desde a concepção até a execução final foi feita por homens. Dessa forma, poderemos perceber em Representar mulheres: produção visual e relações de gênero numa coleção costumbrista espanhola no final do século XIX que tanto as litografias como os textos monográficos que formam a coleção, reforçam e reverberam concepções idealizadas de mulheres no oitocentos.

A representação de mulheres no muralismo, nas décadas de 1930 e 40 na capital da Argentina, é o tema que encontraremos no artigo Detrás de escena: mujeres en los murales de Buenos Aires (1933-1946), de Cecilia Belej. Analisando fragmentos de pinturas murais realizadas em edifícios públicos e privados, percebe imagens que naturalizam papeis de gênero, nas quais a mulher figura como ícone de maternidade e complemento do homem, disseminando e/ou referendando valores tradicionais. Partindo do princípio que tais imagens possuem um propósito político, social e cultural, a autora busca compreender o que tais relatos visuais buscavam transmitir naquele momento histórico.

Em Iconografias sarcásticas na imprensa feminista brasileira: Mulherio e Chanacomchana (1981-1985), Júlia Glaciela da Silva Oliveira fez uso, em suas análises, de charges, cartuns e outras formas de humor gráfico publicados em periódicos feministas da segunda metade do século XX, mais especificamente aqueles publicados na década de 1980. Em Mulherio, a autora apresenta-nos como essa categoria de imprensa procurou, a partir da ironia e do humor, desconstruir papéis de gênero e problematizar as desigualdades naturalizadas. Ao analisar Chanacomchana, percebe que o humor ácido foi utilizado nesse periódico como método para empreender críticas direcionadas ao feminismo que, ao negar a homossexualidade, realçava a heterossexualidade reforçando a opressão às mulheres lésbicas.

Maria Júlia Zarpelão Hernandes e Mara Rúbia Sant’Anna, em A disseminação de padrões femininos através dos anúncios da Lugolina e da Juventude Alexandre na “Fon-Fon!- 1910, utilizam para as reflexões que trazem neste artigo dois anúncios de produtos de beleza destinados ao público feminino, veiculados em uma revista carioca do começo do século XX. As análises empreendidas demonstram como a publicidade, baseada no discurso da modernidade, também difundiu, reforçou e relacionou “padrões de beleza, saúde e felicidade” para as mulheres, propondo um novo modelo de feminilidade – jovem, atraente e bela – estimulando nas consumidoras o desejo de uma aparência moderna, sem, contudo, desvincular-se dos papeis de mãe e esposa, socialmente estabelecidos.

Em Representações das mulheres palestinas na perspectiva do jornalista estadunidense Joe Sacco durante a Primeira Intifada (1992-1996), José Rodolfo Vieira analisa personificações imagéticas de mulheres presentes no livro Palestine que trata das “as memórias de palestinos que estiveram direta ou indiretamente em alguma situação de conflito com as Forças de Defesa de Israel” O autor deste artigo apresenta-nos reflexões acerca de mulheres palestinas em viagem aos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza durante a Primeira Intifada Palestina, em 1987, a partir dos estereótipos femininos construídos nesta obra, como o da mulher mutilada e vítima da opressão muçulmana e também aquelas que caminham rumo à modernização, na busca por reinterpretar as relações de poder entre homens e mulheres.

Por fim, esperamos que este segundo volume contribua com estudos e pesquisas que utilizam a imagem como fonte e/ou objeto no campo da História das Mulheres, assim como aquelas que tomam as relações de gênero como categoria de análise.

Edméia Ribeiro – Doutora em História. Pesquisadora na área de História da América, mulheres e gênero. Docente do Curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]

Maria Cristina Cavaleiro – Doutora em Educação. Pesquisadora na área de educação, gênero e diversidade sexual. Docente adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) / Campus Cornélio Procópio. E-mail: [email protected]


RIBEIRO, Edméia; CAVALEIRO, Maria Cristina. Apresentação. Domínios da imagem, v. 11, n. 21, jul/dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Corpo, gênero e sexualidade | Outras Fronteiras | 2017

Neste dossiê nossa proposta foi estabelecer uma ampla reflexão acerca do diálogo da história e as demais ciências, buscando dar visibilidade a uma temática que por muitas vezes foi negligenciada dos estudos acadêmicos: o corpo, a sexualidade e gênero. Busca-se, nesse sentido, uma discussão problematizadora das múltiplas relações que em nossa sociedade estabelecemos com o corpo, com a sexualidade e com o gênero, ora libertadora, ora excludente, às vezes anunciadoras de outras formas de existência e por muitas vezes assujeitadas a formas inauditas de violência física e simbólica.

Em, História do corpo2 , obra coletiva organizada por Georges Vigarelo, Alain Corbin e de Jean Jacques Courtine já vislumbrava estudos sobre a historicidade de problemas referentes às formas de controle e domesticação do corpo, às relações dissimétricas de poder que constrói assujeitamentos, às formas de sensibilidade para as quais o corpo é educado, para a percepção de que normas e preceitos sexuais são culturalmente construídos, o que, por fim, lançava luz questões políticas sobre as formas de coações e de luta pela conquista da posse do corpo, dos desejos, dos prazeres etc., o que curiosamente nos lança a olhar atentamente para nós mesmos, para uma relação de si consigo mesmo, pois a parte mais material de nossa existência que é o corpo, é a menos percebida. Leia Mais

Feminismos, gênero e relações internacionais | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2017

Nosso feminismo é vivencial.

A cada onze minutos uma mulher é estuprada no Brasil (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2016). Muitas sofrem “estupro corretivo” por sentirem desejo sexual por outras mulheres. A cada dia, acontecem sete feminicídios (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015). Dois terços deles tiram a vida de mulheres negras. O número de homicídios de mulheres brancas diminuiu quase 10% entre 2003 e 2013 (idem).

Valdecir Nascimento. Sônia Guajajara. Nilce de Souza Magalhães. Carolina Maria de Jesus. Clarice Lispector. Ochy Curiel. Angela Davis. Sampat Pal Devi. Amelia Mary Earhart. Shahla Sherkat. Simone de Beauvoir. Maria Galindo. Betty Davis. Chimamanda Ngozi Adichie. Virginia Wolf. Leila Khaled. Dandara dos Santos1. O feminismo é nossa resposta aos constantes massacres, abusos e distorções que acometem nossas sociedades. Mas, o que posso eu2 – mulher branca, trabalhadora, acadêmica, de classe média, bissexual, com filhx, falante da língua do colonizador – escrever sobre uma realidade de opressões da qual percebo apenas os fragmentos? Leia Mais

História e gênero / Oficina do Historiador / 2017

Gênero como campo de pesquisa histórica

O estudo de gênero como categoria analítica oferece aos estudos históricos novas perspectivas de análise. A emergência de novos objetos e fontes da História Social da Cultura possibilitou a incorporação dos debates acerca das questões de gênero no interior do campo historiográfico. Soma-se a isso, a própria mobilização de grupos socialmente marginalizados na busca de seus direitos civis e do reconhecimento diante de suas diferenças de gênero. A explosão de movimentos sociais no final dos anos de 1980 para além da rígida categoria de “classe” favoreceu o aparecimento de múltiplas identidades e a construção de novas bandeiras de luta no interior das sociedades pós-modernas. A categoria gênero é entendida aqui a partir de uma perspectiva interdisciplinar, que caracteriza a História-Ciência desde o surgimento da escola dos Annales, mas também incorporando a multiplicidade de sujeitos coletivos que integram o debate. Como diria uma das mais importantes historiadoras sobre o assunto, Joan Scott, o gênero tem dois significados inter-relacionados “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” (SCOTT, 1986, p. 86) [1], assim como, também é definido pela historiadora como “uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1986, p. 86). O gênero, neste sentido, é estritamente ligado as relações de poder e as relações sociais dispostas em sociedade.

As lacunas da representação da diversidade nos espaços de disputa de poder em regimes democráticos, por exemplo, indicam um perfil próprio de indivíduos que ocupam esses espaços. Dentro das democracias liberais, em sua maioria, esse papel é reservado para indivíduos masculinos. A dificuldade enfrentada no campo político por pessoas à margem desse processo é fundamental para a compreensão de sua baixa presença nos cargos do governo. A desigualdade de gênero revela a impossibilidade de concretização de políticas públicas realmente democráticas e com forte característica de pluralidade.

Deste modo, a produção do dossiê está vinculada com a apreensão quanto aos rumos da política brasileira, marcada pelo afastamento da primeira mulher eleita presidenta do país e pelos inúmeros retrocessos de conquistas obtidas pelos movimentos sociais, sobretudo a recente retirada pelo Ministério da Educação (MEC) do documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dos termos como “gênero” e “orientação sexual”.

Em síntese, o gênero na história proporciona a incorporação da crítica de sujeitos históricos marginalizados nas dinâmicas sociais, culturais e políticas dentro da produção historiográfica. Este é justamente a razão de ser do dossiê História e Gênero organizado pela Equipe Editorial da Revista Oficina do Historiador. Reunindo diversos artigos sobre a temática, com o intuito da ampliação do campo da história utilizando o gênero como um dispositivo de análise nas pesquisas históricas contemporâneas.

Em “Sobre penteados e cabelos africanos: visões eurocêntricas nas páginas da Eu sei tudo (1917-1929)”, Ana Carolina Carvalho Guimarães foca a sua pesquisa na análise de textos e imagens relativa às mulheres africanas, publicadas na Revista Eu Sei Tudo entre os anos de 1971 e 1929. Buscando analisar a partir dos periódicos da revista sua difusão de representações e estereótipos da cultura e das mulheres africanas.

Por sua vez, Antonio Alves Bezerra em “Reflexões acerca do cotidiano de mulheres trabalhadoras rurais “boias frias” na cultura canavieira do interior paulista”, apresenta um artigo fundado em história oral sobre as experiências de lutas vivenciadas por mulheres trabalhadoras rurais que atuaram na cultura canavieira no Oeste paulista no início do século XXI.

No artigo “Antônio, Bento e Domingos: paternidade na elite farroupilha (1835-1845)”, Carla Adriana da Silva Barbosa situa a figura paterna como representante da segurança corporal e simbólica das famílias da elite farroupilha no contexto histórico, de 1835 a 1845, período marcado por guerras e pela soberania da figura masculina.

Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik, no artigo “História de vida e profissional da historiadora brasileira Laura de Melo e Souza: intersecções entre memória e biografia”, analisa a vida da historiadora Laura de Melo e Souza revelando detalhes de sua trajetória de vida e profissional.

Em “Mulheres, investigação de paternidade e justiça: cotidiano e provas (Belém, 1920- 1940)”, Ipojucan Dias Campos analisa mulheres e seus filhos adultos no início do século XX, na cidade de Belém, e seus esforços jurídicos para provar a paternidade de seus filhos. Seu cotidiano marcado por lutas de mulheres e suas famílias percebidas como “espúrias” pela sociedade.

Kety Carla De March, no artigo “Corpos subjugados: estupro como problemática histórica” discorre sua pesquisa na análise de processos criminais de estupro instaurados na comarca de Curitiba, Estado do Paraná, ao longo da década de 1950, analisando os discursos sobre a violência sexual e sua relação sobre os padrões de masculinidade e feminilidade no contexto histórico estabelecido.

A entrevista concedida pela Professora Doutora Claudia Schemes à Revista Oficina do Historiador, publicada nessa edição, é fundamental para a proposta do dossiê História e Gênero. Seus trabalhos são marcados pelas temáticas de gênero, envelhecimento, identidade e moda. Suas reflexões compreendem a importância dos estudos de gênero no campo historiográfico a partir da importância de uma visão mais ampla para as análises históricas atuais.

Desejamos que esse dossiê permita ampliar o horizonte de produções em torno da temática de gênero dentro do campo da história. Área com vasto campo para o desenvolvimento, o dossiê contribui para novos debates e novas reflexões abrindo espaço para a reunião de novas pesquisas sobre o assunto.

Nota

1. Ver texto completo em SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul. / dez. 1995, pp. 71-99.

Cristiano Enrique de Brum – Doutorando em História do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.

Julia Tainá Monticeli Rocha – Mestranda em História do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.

Henrique Perin – Mestrando em História do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.

Tatyana de Amaral Maia – Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, Pós-Doutorado em História na Universidade do Porto, Doutora em História / UERJ.


BRUM, Cristiano Enrique de; ROCHA, Julia Tainá Monticeli; PERIN, Henrique; MAIA, Tatyana de Amaral. Apresentação. Oficina do Historiador. Porto Alegre, v. 10, n. 1, jan. / jun., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e Diversidade / Vozes Pretérito & Devir / 2017

A chamada feita a investigadores interessados em compor o Dossiê História, Gênero e Diversidade – integrante da sétima edição da Revista de História da Universidade Estadual do Piauí, “Vozes, Pretérito e Devir” – resultou no trabalho que ora apresentamos. Diante de uma abrangente gama de possiblidades analíticas, pudemos fazer a seleção aqui apresentada e conseguimos cobrir regiões diferentes, momentos sócio históricos plurais e elaborações diversas e academicamente sofisticadas.

Hodiernamente, as discussões sobre gênero e diversidade assim como a intersecção entre estas duas categorias ainda se constituem numa miríade de possibilidades no campo da história. Advogamos que os estudos sobre gênero devem incluir o pensar de mulheres e homens nas mais diversas interações, relações matrizes e etnias, bem como em suas masculinidades e feminilidades, assim também nas instâncias intervalares da homossexualidade, transsexualidade, dentre outros lugares e orientações possíveis de serem ocupados.

Os estudos sobre as relações de gênero na imprensa escrita e a representação de suas imagens e apropriações estão analisados nos textos: Lindas, bonitas, gentis e graciosas nos divertimentos, práticas corporais e esportivas (Uberlândia e Uberaba – MG, 1918-1943) de Igor Maciel da Silva; Lugar Santo: A mulher, a sacerdotisa do lar sob ótica do Jornal Cruzeiro em Caxias Maranhão (1950) de Jakson dos Santos Ribeiro e Representações sociais de homens provedores nas páginas da revista veja (década de 1970) de Douglas Josiel Voks. Reunidos, estes trabalhos cobrem mais de meio século de alegorias simbólicas sobre tais imagens.

O discurso de propriedade sobre o corpo seja pela ótica religiosa, seja como objetificação que a torna vulnerável e vítima de várias violências pode ser cotejado nos textos O discurso religioso católico sobre o aborto e a biologização da vida social de Luiz Augusto Mugnai Vieira Júnior e Violência contra a mulher: questionamentos frente ao silenciamento em cidades de pequeno porte, de Érika Oliveira Amorim e Maria Beatriz Nader, ao lado da Educação no / do Corpo: Negro e Feminino de Joanna de Ângelis Lima Robert e Eliane Almeida de Souza e Cruz.

A construção dos conhecimentos realizados por mulheres negras ativistas voltadas para a Educação e a sociedade podem ser academicamente apreciados no textos. Memória histórica da pedagogia multirracial no Rio de Janeiro na década de 1980: O protagonismo de Maria José Lopes da Silva de Ivan Costa Lima e o outro intitulado Interseccionalidade e Desigualdades Raciais e de Gênero na Produção de Conhecimento entre as Mulheres Negras, de Sônia Beatriz dos Santos.

Já o trabalho de Lívia Maria Silva Alves e Manoel Ricardo Arraes Filho: A representação política feminina na Assembleia Legislativa Piauiense (1998-2014) nos brinda com um reflexivo questionando sobre a efetividade da Lei de Cotas, sobretudo no quer tange a participação feminina na política piauiense após a Lei de Cotas. Suas reflexões têm como ponto de partida a luta sufragista na sua intensidade e continuidade, na busca por igualdade em todas as esferas da sociedade, inclusive no espaço público.

Por fim as Professoras Joselina da Silva e Maria Simone Euclides com o texto: Histórias de vida e superação: semelhanças e ambiguidades nos caminhos profissionais de docentes negras, nos agracia com a análise reflexiva das histórias de vida de professoras negras e os processos de superação e rupturas que estas passam ao ingressarem no ensino superior e suas nuances. Elas realizaram um total de nove entrevistas com professoras negras das instituições de ensino superior: Universidade Federal do Ceará, Universidade Estadual do Ceará, Universidade Regional do Cariri e Universidade da Integração Internacional e da Lusofonia Afro-Brasileira, e o resultado desse trabalho, aqui está para o nosso aprendizado.

Além das produções que compõem o atual dossiê temático, também contamos com produções de notáveis relevâncias, presentes na seção de artigos livres, como é o caso dos artigos Parnaíba Historiografada, de Antonia Valtéria Melo Alvarenga, e Os “guardiões da História Oficial”, de Ana Priscila de Sousa Sá, estudos que consequentemente analisam parte da historiografia local e nacional. Os estudos relacionados ao espaço citadino, suas transformações, os elementos de pertencimento e ressignificações se encontram presentes nos textos História, cidade e memória, Pauliana Maria de Jesus, e Lápides do século XIX, Jéssica Gadelha Morais. A seção é encerrada com o texto sobre o “Estudo sobre o bemestar / mal-estar docente na perspectiva dos professores de História da educação básica”, de Gabriela Alves Monteiro.

Por fim, ainda cotamos, nesta edição, com a publicação do resumo expandido da monografia de Elizeide Miranda de Oliveira, intitulada: Saberes Culturais: um olhar sobre as mudanças e permanências da cultura imaterial de São Raimundo Nonato – Piauí (2004-2014) e na seção de publicação de fontes temos “O testamento de Dona Maria Gonsalvez de Novoa, Capitania do Rio Grande do Norte, 1788”, uma exposição textual do historiador Thiago do Nascimento Torres de Paula.

Agradecemos penhoradamente os envios de relevantes trabalhos, bem como a leitura atenta e analítica de todos(as).

Iraneide Soares da Silva – Professora Doutora (UESPI).

Joselina da Silva – Professora Doutora (UFRRJ).


SILVA, Iraneide Soares da; SILVA, Joselina da. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.7, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, mulheres e imagem: diálogos interdisciplinares (I) / Domínios da Imagem / 2017

Os estudos de gênero têm impulsionado pesquisas de múltiplas áreas. Um meio de compreender os sentidos e as relações complexas entre diversas formas de interação humana, gênero se refere, conforme postulado por Joan Scott, às construções históricas, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres. Percepções, gestos, sentimentos, pensamentos, hábitos e as maneiras de perceber a si e aos demais oferecem suporte para uma compreensão acurada acerca das relações de gênero. Nesse sentido, ganha relevância a aproximação dos estudos de gênero e a cultura visual, uma vez que as imagens desempenham um papel primordial na contemporaneidade por tocar os imaginários sociais e contribuir para a construção das visões de mundo dos indivíduos. As reflexões que possibilitam, permitem problematizar a constituição e distribuição de poder e prestígio nas sociedades.

O Dossiê que ora apresentamos, mostra a convergência de interesses e preocupações de um conjunto de investigadoras (es), advindos de diferentes campos disciplinares, na tentativa de contemplar uma pluralidade de abordagens tendo como foco gênero, mulheres e imagem. Por isso, agradecemos a generosa colaboração de todas (os).

Esperamos que os resultados das inúmeras perspectivas abertas – criativas e instigantes -, contribuam para desconstruir os papéis, os lugares ocupados, como também por focalizar as funções das mulheres e dos homens ao longo da história e possa favorecer a continuidade dos debates e suas repercussões nas práticas sociais.

Abrimos este dossiê apresentando o diligente ensaio de Ana Cristina Teodoro da Silva, Gênero como sertão, veredas em construção – filme, minissérie e livro. Em seu texto encontraremos reflexões acerca de papéis de gênero atribuídos a homens e mulheres e suas relações, presentes no livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, publicado em 1956, e nas produções adaptadas desta obra, quais sejam, a minissérie Grande Sertão: Veredas, produzida pela Rede Globo, exibida em 1985 e o filme Grande Sertão, dirigido pelos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira, de 1965. Em sua viagem pelas três narrativas, problematiza semelhanças, diferenças e ressignificações pertinentes às diferentes linguagens e a como cada período e cada mídia puderam configurar a rica trama rosiana.

Lançando mão do movimento de trazer o gênero ao contexto da imagem, em Poéticas de gênero e a transexualidade das fotografias bordadas, Marcela Vasco empreende uma aproximação entre os estudos da transexualidade e a antropologia da imagem. A transexualidade é entendida ao longo de todo o trabalho não como uma performance teatral onde o gênero é encenado, mas como transformações físicas, sexuais, sociais e políticas. Ao trabalhar com imagens tornando mais claro trajetórias de vida e de transição dos(as) interlocutores(as) e também a maneira como a fotografia era interpretada por eles(as), a autora recorre ao uso do bordado como método etnográfico, visando uma abordagem mais particular tanto da transexualidade quanto da imagem, e discute as potencialidades dos “encontros, contornos e emaranhados das linhas que as ligam”.

No artigo de Amaral Palevi Gómez Arévalo, Identidades en disputa: producciones audiovisuales LGBTI en El Salvador, encontraremos análises de produções audiovisuais salvadorenhas que tematizam as representações de identidades lésbicas, gays, bisexuais, trans e intersexuais. O autor preocupase em refletir sobre “los procesos de violencia que se instauran sobre determinados cuerpos por ejercer una sexualidad, identidad y expresión de género diferentes a las que ordena la norma heterossexual”. Para isso trouxe análises de documentários que narram a vida de pessoas que vivem em El Salvador assim como alguns curtas produzidos por diversos canais e organizações que abordam realidades LGBTI. Entre as narrativas e linguagens que analisa também estão as campanhas publicitárias de conscientização e fim da discriminação, e os áudios, como canções, “radio-conto” e publicidades divulgadas por este meio. Trata-se de trabalho que nos permite conhecer e refletir sobre as realidades desses indivíduos, as manifestações de discriminação das pessoas salvadorenhas e as respectivas formas de enfrentar tais questões.

Scripts juvenis delineados em imagens digitais: consumo, relações de gênero e sociabilidades, de Ana Carolina Sampaio Zdradek e Dinah Quesada Beck, nos contempla com debate que se insere no campo dos Estudos Culturais e de Gênero. Recorrendo ao movimento metodológico da etnografia e entendendo a linguagem como processo central nas cenas publicitárias da campanha “Fanta – Leva na boa”, o estudo coloca em tensionamento o modo como se movimentam normas, definições e compreensões a partir da construção de identidades descolada e alto astral produzidas. Resgatando os desdobramentos teórico-conceituais com relação aos scripts de gênero e sexualidade, as autoras analisam a representação de juventude e as sociabilidades que a comunicação digital proporciona na história do presente, ressaltando que a participação ativa de jovens nas redes sociais se mostrou a principal estratégia para efetivação do consumo e, nesse cenário, diferentes roteiros foram construídos para vivências jovens, os quais acionam efeitos de sentido sobre comunicação digital, gênero e relações sociais.

Priscila Miraz de Freitas Grecco, analisa a presença de fotógrafas amadoras brasileiras, durante as décadas de 1940 e 1950. Seu artigo, A presença feminina em fotoclubes no século XX: apontamentos preliminares, historiciza a participação das mulheres nos fotoclubes, especialmente no Foto Cine Clube Bandeirante, atuante na cidade de São Paulo desde 1939, e analisa a produção das mulheres fotoclubistas, suas trajetórias, as condições de produção de projetos pessoais das amadoras e profissionais que buscaram o fotoclube para pensar e produzir a fotografia. Nesse contexto, a autora nota as dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa com as mulheres nos fotoclube, assinalando que a escassez de documentação sobre quem eram essas mulheres contribui para pouco sabermos sobre como era ser sócia de um clube de fotografia nos anos de 1940/1950 no Brasil. Suas análises reiteram a necessidade de trazer à tona a participação das fotógrafas nesse ambiente que se manteve por muito tempo majoritariamente masculino e de romper um silêncio que se relaciona muito mais com as questões de gênero, refletindo no comportamento social restritivo para as mulheres na sociedade como um todo, do que com qualquer questão que envolva o fazer fotográfico.

A relação mulher/fotografia também é o tema que nos apresenta Maria Cristina Pereira em O Revivalismo medieval pelas lentes do gênero: as fotografias de Julia Margaret Cameron para a obra The Idylls of the King e outros poemas de Alfred Tennyson. A partir das fotografias de Cameron, produzidas no século XIX, para compor o livro de poemas de Alfred Tennyson, e também de ilustrações feitas para outras obras desse mesmo poeta, a autora nos mostra em suas análises o pioneirismo de uma mulher na arte da fotografia, com uma estética “pouco convencional” ao apresentar imagens “fora de foco”, assim como a predominância de mulheres para retratar o período medieval como tema das suas produções. Destacando a peculiaridade das fotografias de Cameron, o estudo traz comparações com aquelas produzidas pelo ilustrador francês Gustave Doré, seu contemporâneo.

Também tendo como referencial teórico os Estudos Culturais e de Gênero, o artigo de Luciana Rodrigues de Oliveira e de Joanalira Corpes Magalhães Esse é o Show da Luna: investigando gênero, ensino de ciências e pedagogias culturais, traz como objeto de análise o desenho animado. Ao investigarem as potencialidades pedagógicas do desenho analisado e as falas das crianças participantes acerca do artefato cultural O Show da Luna, as autoras discutem e problematizam os entendimentos sobre o que é ciência, sobre o ser cientista e mulheres na ciência que as crianças têm. No bojo dessa discussão, uma das questões fundamentais debatida é a possibilidade de abordar gênero e ciência desde a Educação Infantil, respondendo às crianças e aos questionamentos presentes em seu cotidiano.

Trazendo questões bastante contemporâneas e efervescentes no campo da política, em Impeachment, perversão e misoginia são apresentadas considerações acerca das representações veiculadas pelas Revistas Veja e Isto É, nos anos de 2015 e 2016, por meio de textos e imagens, referentes ao processo de impeachment de Dilma Roussef, presidente da República do Brasil naquele momento. Muriel Emídio Pessoa Amaral e José Miguel Arias Neto partem do princípio de que a forma como algumas mensagens sobre a presidente foi veiculada configurou-se em montagens perversas, sendo que tais narrativas políticas contribuíram para a midiatização do ódio e da misoginia. Para empreender tais reflexões trabalharam com a definição de discurso de Michel Foucault, de gênero com Joan Scott e o conceito de perversão de Daniel Sibony.

Desejamos boa leitura a todos/as!

Edméia Ribeiro – Doutora em História. Pesquisadora na área de História da América, mulheres e gênero. Docente do Curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]

Maria Cristina Cavaleiro – Doutora em Educação. Pesquisadora na área de educação, gênero e diversidade sexual. Docente adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) / Campus Cornélio Procópio. E-mail: [email protected]


RIBEIRO, Edméia; CAVALEIRO, Maria Cristina. Apresentação. Domínios da imagem, v. 11, n. 20, jan/jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, feminismos e relações de poder / Territórios & Fronteiras / 2017

Organizado a partir dos eixos temáticos gênero, feminismos e relações de poder, o presente dossiê tem como orientação aglutinar e divulgar estudos sobre as questões de gênero articuladas à crítica feminista e aos jogos e relações de poder que informam sua construção e naturalização no cotidiano social. O propósito é integrar e ampliar o contemporâneo – e até mesmo acirrado – debate acerca de nossa localização no mundo como pessoas produzidas no / pelo gênero e, ao mesmo tempo, produtoras dele.

A interseccionalidade do gênero com outras dimensões da vida social como raça, etnia, classe, religião, escolaridade, sexualidade, ocupação, região e geração, foram perspectivas e possibilidades abertas às abordagens dos temas. Além disso, definiu-se intencional abertura para sua inscrição em diferentes recortes espaciais e temporais, no que tange ao Brasil e à América Latina. Acrescente-se, nessa ampliação do espectro temático, a inclusão dos feminismos, suas ações e seu aporte teórico como possíveis lentes e chaves de leitura para se apreender a historicidade da dimensão do gênero nas relações sociais. Afinal, foi justamente a crítica feminista que mostrou que os papéis sociais são construídos, que o próprio discurso da “natureza” dos sexos é um artifício e um exercício de poder. E exatamente por isso nos textos do dossiê é possível envontrar não apenas a interseccionalidade operante, mas também uma diversidade de questões e reflexões em torno dos conceitos de poder, violência, gênero, igualdade / diferença e cidadania.

Nessa direção, abre o dossiê Pós-cidadania feminina, artigo em que Ana Maria Colling exercita a crítica feminista ao fazer uma abordagem histórica do conceito ‘cidadania’. Nele, ela se detém na acepção moderna do conceito, a fim de problematizar os dispositivos universais do liberalismo e da República e também as lutas históricas das mulheres pela conquista de direitos civis, políticos e sociais. Ao interrogar as matrizes discursivas – políticas, jurídicas, morais – que fundamentam aquelas representações sociais, inclusive as do feminino, a autora discute as práticas de silenciamento, violência e exclusão produzidas nas teias de construtos e sentidos articulados na sociedade moderna.

A Ditadura Civil-Militar brasileira é o cenário histórico onde circulam sujeitos-objetos do artigo seguinte, Mulheres que foram à luta: relações de gênero e violência na Ditadura Civil Militar brasileira (1964-1985). Nele, Clerismar Aparecido Longo e Eloísa Pereira Barroso discutem as experiências de mulheres militantes de esquerda que lutaram contra a ditadura civil-militar brasileira de 1964. Baseado em relatos colhidos pela Comissão Nacional da verdade, a partir de memórias subtraídas dos depoimentos, o texto assinala como determinadas relações vivenciadas por essas mulheres com os agentes repressivos nos órgãos do Estado ditatorial estão vincadas pelas demarcações e pela violência de gênero. Trata-se de uma interessante análise de representações do feminino que possibilita conhecer imagens, papéis, valores, normas específicas e parte significativa do imaginário androcêntrico em um passado recente de nossa experiência histórica.

O mesmo espaço e temporalidade, agora tomados através da sintaxe do cinema, como fonte da história, são alvos do artigo de Alcilene Cavalcante Oliveira, A violência de gênero durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) sob as lentes de Ozualdo Candeias. Inspirado na peça de teatro Milagre na Cela (1975), de Jorge Andrade, o longa-metragem de ficção, A Freira e a tortura (1983), mostra a prisão e a tortura de uma freira e a análise proposta no artigo dele se apropria para discutir um tema pouco trabalhado na historiografia brasileira: a violência política e de gênero contra religiosas durante o regime militar no Brasil.

Violência é também tema do artigo seguinte, de Vera Lúcia Puga e Michelle Silva Borges, Violência de Gênero, Justiça Criminal e ressignificações feministas. O ensaio fornece contribuições relevantes acerca dos avanços das práticas feministas, problematizando as incorporações mais ou menos críticas, as negociações e sobretudo as acomodações políticas evidenciadas nas leis, nos discursos da justiça criminal e nas práticas de punição. Em que pese a pressão constante dos movimentos feministas no enfrentamento da questão da violência social marcada pelo gênero, as autoras sugerem que muitas manobras na / da cultura androcêntrica, entre elas a institucionalização do patriarcado e das instâncias cotidianas de poder, exigem a renovação das lutas e a construção dialógica de novos processos de ação e subjetivação das mulheres.

Buscando uma alternativa ou estratégias para enfrentar e superar um cotidiano de violência e desigualdade social, para a autora, Cintia Lima Crescêncio, o humor e o riso produzido por cartunistas mulheres configuram uma maneira singular de ser e estar no mundo. Partindo desse debate, no artigo “Tá rindo de quê?” ou Os limites da teoria Humor Gráfico na Imprensa Feminista do Cone Sul, ela propõe uma reflexão sobre a importância dos discursos feministas e as dificuldades da teoria em explicar o humor gráfico contra-hegemônico produzido por mulheres e publicado em jornais feministas do Brasil, Argentina e Uruguai entre os anos 1970 e 1980.

No esforço de atravessar arenas históricas e historiográficas da violência, agora acerca do Brasil do século XIX, Fabiana Francisca Macena produz uma instigante reflexão a partir da análise de documentos sobre a escravidão no artigo Mulheres cativas nas Minas oitocentistas: experiências de liberdade. Ali, ela destaca crimes perpetrados por cativas da província de Minas Gerais, na segunda metade daquele século, bem como suas articulações e demandas junto à justiça na tentativa de alcançar a liberdade. As fontes, sob essa análise, revelam experiências que sublinham como aquelas cativas, mulheres pobres, negras e pardas, subverteram as imagens da passividade, de simples coadjuvantes ante a violência do cativeiro, e produziram, a partir de suas práticas políticas, efeitos abolicionistas, enfraquecendo a instituição da escravidão.

A questão da violência, da resistência e da exclusão, com base na interseccionalidade de categorias da identidade, reaparece em Bernardina Rich (1872- 1942): uma mulher negra no enfrentamento do racismo em Mato Grosso. O artigo de Ana Maria Marques e Nailza da Costa Barbosa Gomes, construído sobre fontes históricas pouco exploradas, ilumina e redescreve a trajetória de uma mulher negra, cuiabana, para problematizar os marcadores racistas, classistas, sexistas da sociedade mato-grossense do pós-abolição. Através de pesquisa criteriosa, as autoras refletem sobre a experiência da professora em meio às lutas pela emancipação feminina, pelo voto e escolarização das mulheres e às evidências do crescimento quantitativo das mulheres no mercado de trabalho remunerado. Assim, ao retomar criticamente aspectos dessa experiência significativa em relação àquele momento da educação brasileira, repleto de tensões, negociações e conflitos, o artigo desvela o processo da divisão sexual do trabalho docente e das lutas históricas de mulheres, negras e / ou brancas em busca de autonomia, reconhecimento e respeito na / da sociedade brasileira.

O artigo seguinte é um exemplar da crítica feminista sobre a literatura negrobrasileira. Gênero, Feminismo, Poder e Resistência na Contística, artigo de Rubenil da Silva Oliveira, Benedito Ubiratan de Sousa Pinheiro Júnior e Maria do Perpétuo Socorro Galvão Simões, examina a apropriação das categorias conceituais – gênero, feminismo, poder e resistência na contística de autoria negra feminina. Nessa aventura, eles se apropriam dos contos – O tapete voador e Nkala: um relato de bravura, da escritora Cristiane Sobral, que fazem parte do livro O tapete voador (2016), para analisá-los à luz de abordagens teóricas que discutem aquelas categorias, e refletem como tais textos literários abarcam o empoderamento feminino, já que as protagonistas resistem e não se deixam dominar, mesmo que isso lhes custe o emprego ou a vida.

O último artigo do dossiê é Os homens também choram: leituras de masculinidade na arte funerária a partir do caso do pranteador, de Maristela Carneiro. Nele, a autora explora o ato de prantear do homem por meio da abordagem de um exemplar escultórico proveniente da arte funerária paulistana: a obra Lenda Grega, parte do complexo tumular da Família Trevisioli, concebido em 1920 pelo escultor Nicola Rollo (1889-1970) e instalado no Cemitério da Consolação, em São Paulo. Segundo Carneiro, o sentido da morte é tão inescrutável para aqueles que ficam que a dor e o lamento, muitas vezes, são as únicas manifestações possíveis: o pranteador é escolhido como manifestação destes sentimentos. Também chamados pleurants, colocam-se em um lócus particular e transitório, entre a vida e morte. Diante dos túmulos, debruçados em pranteio, estas figuras sinalizam a morte, e tal sensibilidade modelada na arte embaralha e tensiona as representações de masculinidade habituais.

Reunidos no dossiê, embora em pequena amostragem, os artigos são reveladores do amplo espectro de objetos, problemas e abordagens possíveis, que se fazem necessárias, até mesmo urgentes em nossos dias, e exprimem o vigor e a fertilidade analítica da caixa de ferramentas das teorias feministas. Uma característica que deve ser destacada no dossiê é que vários textos aqui apresentados transitam nos caminhos da análise da cultura e da arte, isto é, no campo das representações modeladas na literatura, no cinema e na escultura.

Com efeito, o conjunto apresenta artigos elaborados sob diferentes perspectivas e enfoques, que exibem documentações e estratégias metodológicas próprias, contemplando diferentes temáticas, espacialidades e temporalidades, com um denominador comum: todos têm o gênero, os feminismos e o poder como parâmetros que articulam a narrativa e a (des)construção analítica. Nesta edição, portanto, será possível encontrar histórias de mulheres e de homens figuradas em diferentes escritas, mulheres que lutam, que escrevem, que vivenciam violências, e homens que choram. Também, encontrar questionamentos e críticas aos conceitos, os quais nos permitirão pensar na contribuição destes textos aos estudos de gênero, dos feminismos e das relações de poder.

Esperamos que as / os leitoras / es do dossiê possam desfrutar de tais contribuições e, sobretudo, a partir dessas elaborações, possam discutir, adensar e fomentar o debate que ainda se apresenta relevante e (cada dia mais evidentemente) incontornável para construir uma cultura de igualdade entre os sexos e de respeito às diferenças.

Boa leitura!

Blanca Susana Vega Martínez – Doutora em Humanidades pela Universidad Autónoma de Zacatecas. Professora e pesquisadora na Faculdade de Psicologia e no Instituto de Ciências Educativas da Universidad Autonóma de San Luís Potosí. E-mail: [email protected]

Diva do Couto Gontijo Muniz – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Professora do Departamento de História da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro – Doutora em História pela Universidade de Brasília. Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]


MARTÍNEZ, Blanca Susana Vega; MUNIZ, Diva do Couto Gontijo; CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.10, n.2, dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Raça, Gênero e Violência na História / História.com / 2016

É com satisfação que o Conselho Editorial da Revista Eletrônica Discente História.com apresenta seu novo número com o dossiê temático Raça, Gênero e Violência na História. Esta escolha foi decidida a partir da pertinência dessas temáticas no presente, característica que vem se tornando chave na escolha dos dossiês do nosso periódico.

A evocação que o presente realiza em relação às relações raciais e gênero e aquelas mediadas pela violência – o mais bárbaro dos conflitos – tem respaldo nos episódios que vêm se tornando fatos corriqueiros no cotidiano do Brasil e de vários países do mundo.

Recentemente, no último dia de natal, um caso chocou e comoveu o nosso país, que foi o homicídio de um vendedor ambulante numa estação de metrô, em São Paulo, ao defender dois travestis de agressões causadas por dois homens. Estes espancaram o autônomo até a morte, sendo que o mesmo era negro e os agressores eram brancos.

Este episódio sintetiza o horror que a intolerância tem proporcionado ao círculo civilizado que anseia por uma sociedade em que as diferenças e as desigualdades tenham, no mínimo, um tratamento mais humano e igualitário, onde as violências não sejam justificadas por preconceitos e demais visões mesquinhas em relação ao outro.

O papel das Universidades diante do fenômeno da intolerância é proporcionar debates que procurem estabelecer diretrizes que possibilitem os movimentos sociais terem embasamentos para proporem políticas públicas, sejam elas com o aval do Estado ou por iniciativa comunitária. Sendo assim, a universidade jamais deve se furtar ao seu papel de definidora de conceitos para ações de promoção das igualdades e reparações.

E foi com muito brilhantismo que os autores que colaboraram com suas produções acadêmicas contribuíram para o dossiê supracitado. Textos que podem fomentar debates enriquecedores.

O artigo “Mulheres comunistas na Bahia: contribuições para a fundação da federação de mulheres do Brasil e para o movimento pela paz” de Iracélli da Cruz Alves é uma instigante contribuição ao estudo da História das mulheres nos movimentos comunistas, oferecendo às nossas leituras uma visibilidade até então não destacada do lado feminino dessa história.

Encontra-se também o texto “Ofícios estatais e a heterovitimização das mulheres” de Michelle Silva Borges que aborda de forma original a mulher enquanto sujeito dentro das hierarquias e violações às quais são submetidas na relação com a polícia.

No texto “Representações sociais e mulher trabalhadora: implicações do imaginário social na (re)produção de desigualdades de gênero no mercado de trabalho” de Pablo Luiz Teixeira Gomes de Moraes e Flávio Badaró Cotrim, encontramos um balanço bibliográfico que analisa as representações a qual são sujeitas às mulheres no mercado de trabalho.

O estudo presente em “Discursos repressores recifenses: a questão de gênero e da raça através dos discursos sobre o suicídio durante a década de 1920, na cidade do recife” de Pedro Frederico Falk nos traz o retrato da violência no Recife da década de 1920, destacando as diferenças raciais e de gênero nos discursos médico, religioso, jornalístico e jurista, em especial, quando tratavam da questão do suicídio.

E, por fim, “A participação de mulheres na faculdade livre de direito da Bahia no período 1911-1920” de Vitor Luis Marques dos Santos é uma interessante análise que busca descortinar as condições históricas em que as mulheres que ingressaram nessa instituição de ensino superior conseguiram agir.

Desde já, a equipe editorial também convida a você leitor para apreciar os textos das outras sessões: Artigo Livre e História na Sala de Aula. São textos que abordam outras discussões não contempladas no dossiê temático e que também contribuem para temas historiográficos e de diálogos com as disciplinas afins para que possamos melhor entender o presente e o passado e termos condições de lutar por um futuro.

Boa leitura!

Antônio Cleber da Conceição Lemos – Conselho Editorial. Graduado em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Correio eletrônico: [email protected]


LEMOS, Antônio Cleber da Conceição. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.3, n.6, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História e gênero / Cantareira / 2016

Desde a década de 80 muito tem sido discutido sobre o conceito de gênero. Hoje, cerca de trinta anos após o boom dos estudos de gênero na pesquisa acadêmica, os debates em torno do tema continuam atuais. No Brasil, desde 2014 houve um crescimento acalorado das discussões relativas ao assunto em decorrência da elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), que culminou com a exclusão do termo gênero do referido documento. Exclusão esta que se verificou igualmente nos Planos Municipais de Educação (PME), implementados em 2015. A retirada do termo do PNE e do PME pode ser considerada como uma tendência em considerar o gênero como um dado natural e, portanto, não passível de discussão. Essa tendência pode ser observada no projeto de lei ligado ao movimento ‘Escola Sem Partido’ que tramita no Senado e incorpora como um de seus motes a proibição da discussão de gênero nas escolas. Como reação a este projeto, setores da sociedade brasileira tem-se manifestado sobre a importância da inclusão do debate no ambiente escolar. Isto porque a adequada compreensão do conceito possibilita o convívio com as diferenças e, consequentemente, o combate à discriminação e ao preconceito.

O gênero, ao contrário do que muitos acreditam, não está naturalmente ligado ao sexo biológico. Apesar da confusão comumente feita entre sexo, gênero e orientação sexual, há distinções que precisam ser ressaltadas. A orientação sexual se refere ao tipo de atração do indivíduo, o sexo ao órgão sexual do corpo humano, enquanto o gênero – de acordo com Judith Butler – “não é nem o resultado causal do sexo nem tampouco tão aparentemente fixo quanto o sexo”3, mas culturalmente construído. Para Butler o gênero é uma performance. Segundo esta definição, o gênero não é visto como inerente ao indivíduo, mas como uma imitação repetitiva de determinados comportamentos e atributos de modo a passar a impressão de que são reais. É por meio dessa performance, realizada por hábito ou por imposição, que os indivíduos são levados a acreditar que o gênero é natural4. A crença nesta naturalidade dá lugar muitas vezes a ações discriminatórias e de violência. Não raro aqueles que não se adequam às normas de gênero impostas pela sociedade sofrem represálias que podem chegar à punição física. Deste modo, vemos um exemplo do que Butler denomina de o poder coercitivo do gênero em policiar, isto é, disciplinar as pessoas, sendo a disciplina – de acordo com Michel Foucault – um mecanismo de dominação e controle dos comportamentos desviantes. Isto posto, a percepção de que o gênero é algo produzido e igualmente fluido é importante para evitar a marginalização de indivíduos, assim como para entender – como ressalta Joan Scott – que a ‘suposta’ hierarquia entre os sexos não é inata. Scott apresenta o gênero como definidor primário das relações de poder, expondo os antagonismos sexuais como gerador de tensões permanentes e indica a necessidade de enxergar a hierarquia entre os sexos como algo construído5.

Por conseguinte, devido à atualidade das discussões relativas à questão de gênero e a importância do entendimento do conceito para o respeito às diversidades apresentamos o Dossiê História e Gênero. Os artigos presentes neste volume abordam o gênero nas diferentes temporalidades e temáticas. Waldir Moreira de Sousa Junior analisa a tragédia de Eurípedes, As Bacantes, através do personagem Penteu, pensando identidades de gênero e sexualidade pelo viés da figura masculina. Lisiana Lawson Terra da Silva e Jussemar Weiss Gonçalves mostram como a sociedade ateniense do V séc. a. C. articulava as necessidades do mundo androcêntrico às possibilidades do feminino e como isso era discutido na tragédia. Thiago de Almeida Lourenço Cardoso Pires trata da construção da figura heróica de Enéias na Eneida de Virgílio como um tipo ideal de gênero masculino para a sociedade romana. Ainda com relação à Antiguidade, Érika Vital Pedreira a partir da análise do triplismo presente nas imagens das Deusas-mães da Britânia Romana (séculos I e II d.C.) atesta a formação de práticas de religiosidade híbridas.

No que se refere à Idade Moderna, Juliana Torres Rodrigues Pereira e Marcus Vinícius Reis refletem sobre a relação entre o temor e o reconhecimento social de que eram alvo as mulheres tidas por suas comunidades como feiticeiras na Arquidiocese de Braga, em Portugal, na segunda metade do século XVI, enquanto Kaíque Moreira Léo Lopes aborda temas como lesbianismo e gênero na Bahia do século XVI através de uma querela judicial envolvendo a primeira Visitação do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição portuguesa na Bahia.

Carla Adriana da Silva Barbosa realiza um estudo de famílias da elite no contexto da guerra Farroupilha (1835-1845) através de correspondências trocadas dentro desses núcleos a fim de discutir noções de maternidade e casamento compartilhadas entre seus membros. Raimundo Expedito dos Santos Sousa, por sua vez, investiga formas como a colonização inglesa buscou feminizar os homens irlandeses e como a resistência irlandesa acentuou os aspectos masculinos contra a dominação inglesa. Já Isabelle Cristina da Silva Pires procura analisar as condições do trabalho feminino em fábricas de tecidos no início do século XX, tendo como exemplo um estudo de caso na Companhia de Fiação e Tecidos Aliança, no Rio de Janeiro.

Gilvânia Cândida da Silva e Alcileide Cabral do Nascimento apresentam a liderança da escritora Martha de Hollanda, que recorreu à Rádio Clube de Pernambuco como estratégia da luta pelo direito ao voto em Recife na década de 1930. Sobre o mesmo período, Thiago Pacheco apresenta interessante panorama sobre gênero e espionagem no Estado Novo e na República de 1946 através da ação de mulheres na perspectiva da Polícia Política.

Fernanda Nascimento Crespo inicia as abordagens sobre o gênero no Ensino de História. A autora utiliza as histórias de vida de Laudelina de Campos Mello como um recurso para a construção de conhecimentos relativos à História do Brasil, como meio de superar os entraves a abordagem das questões raciais e de gênero no currículo de história. José Cunha Lima e Isabela Almeida Cunha partem dos Parâmetros Curriculares Nacionais para tocar em questões referentes às relações de gênero e diversidade sexual contemporâneas.

Discutindo a historiografia da ditadura civil militar no Brasil, Tatianne Ellen Cavalcante Silva apresenta um artigo sobre as vivências de mulheres militantes que foram presas políticas durante o período entre 1969-1979, registradas no documentário Vou contar para meus filhos (2011). Dayanny Deyse Leite Rodrigues expõe temas como assistencialismo através da figura da primeira dama Lucia Braga (1983 – 1986), posteriormente deputada federal pelo PFL, pensando esse mesmo assistencialismo enquanto prática e estratégia política.

Denise Machado Cardoso e Ana Patrícia Ferreira Rameiro colheram relatos das trajetórias profissionais de mulheres atuantes nos altos cargos doJudiciário do estado do Pará, bem como as relações de gênero incutidas nesse processo, especialmente aquelas concernentes aos papeis tradicionalmente atribuídos às mulheres, como esposas e mães. O texto de André Pizetta Altoé foca-se no Programa Mulheres Mil: Educação, cidadania e desenvolvimento sustentável e sua implantação dentro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, campus Campos–Guarus, também relacionando a formação e inserção de mulheres no mercado de trabalho.

Gênero e violência são as temáticas retratadas por Michelle Silva Borges, que volta sua atenção para as práticas das mulheres submersas à violência conjugal como o outro termo nas relações de poder, enquanto Aline Beatriz Pereira Silva Coutinho e Suzane Mayer Varela da Silva realizam uma análise de questões como o aborto e os direitos reprodutivos da mulher na atualidade.

A Professora Doutora Cristina Wolff (UFSC) discorre brilhantemente sobre as questões de gênero em nosso país na entrevista concedida para esta edição, em que conta um pouco sobre sua trajetória enquanto pesquisadora ligada aos estudos da área. Versando sobre militância, trabalho e feminismo, a pesquisadora apresenta suas reflexões a partir de questões trabalhistas para entender como o sistema de gênero coloca as mulheres em posições subordinadas, levando em conta os aspectos culturais e do imaginário social da sociedade brasileira. A partir da análise da militância das mulheres nas organizações de esquerda no Brasil e no Cone Sul, Cristina Wolff compreende que militância também é um trabalho de articulação e elaboração política continua, através da negociação e resignifcação de sua posição e relação com homens e grupos de pertencimento sociocultural, político e econômico. A pesquisadora atenta também para a abordagem de aspectos da cultura e da religiosidade nacional, compreendo que mulheres brasileiras têm conquistado um espaço grande em diversos setores, da Academia à sociedade em geral, sempre enfrentando o machismo em suas diversas expressões. Machismo esse que precisa ser encarado não como o contrário de feminismo, mas como um fenômeno social e cultural, a partir de uma cultura e uma ideologia que “naturaliza” a subordinação das mulheres. Por tal, defende a importância sobre os estudos de gênero, apontando para o fato que atualmente as pesquisas tendem a focar as interseccionalidades, pensando o gênero ao lado de outros aspectos das relações sociais, ou esses aspectos em seu conjunto. Outra tendência que a ser considerada atualmente é a importância dos estudos de sexualidades de forma conjunta com os estudos de gênero, compartilhando enfoques teóricos e metodológicos, insights e objetos de pesquisa.

Este dossiê buscou através de várias temáticas ao longo dos séculos fazer um mapeamento heterogêneo sobre as questões relativas ao gênero. Entre ser mulher na Elite Farroupilha, a construção do feminino nas tragédias gregas, a vivência de mulheres desembargadoras no Judiciário do Pará a dificuldade de associar a sexualidade feminina para além de uma saúde reprodutiva, lesbianismo e inquisição na Bahia, a construção da concepção de cidadania envolvendo o feminino e o assistencialismo de primeirasdamas como prática marcante da cultura política brasileira, apresentamos um leque amplo de reflexões sobre a construção das concepções de sexualidade, gênero, sexo, representação social e vivência política de homens e mulheres do Brasil e do mundo.

Desta maneira, convidamos aos nossos leitores para apreciar o trabalho de pesquisadores de diversas áreas e temporalidades sobre esta temática tão importante e atual para se compreender e refletir as relações sociais, em seu esplendor versátil, questionador e inovador como as proposições apresentadas pelos estudos de gênero. Boa leitura!

Notas

  1. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p.26.
  2. Idem.
  3. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. S.O.S. Recife: 1991.

Juliana Magalhães dos Santos – Doutoranda em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Bolsista Capes. E-mail: [email protected]

Talita Nunes Silva – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected]


SANTOS, Juliana Magalhães dos; SILVA, Talita Nunes. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n. 24, jan / jun, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, Raça e Classe / Aedos / 2016

Gostaríamos de abrir esta publicação com uma imagem que consideramos muito significativa: uma foto da autora Carolina Maria de Jesus, em 1960, no lançamento de “Quarto de Despejo”, livro que a tornaria reconhecida como uma das escritoras mais importantes do Brasil. Mulher, negra e pobre, moradora da favela do Canindé, em São Paulo, Carolina de Jesus trabalhava como catadora de lixo e registrava seu cotidiano através da escrita, em diários posteriormente publicados, nos quais podemos ler sobre suas vivências e que nos revelam suas lutas, inspirações e maneiras de ver o mundo. Neste momento em que lembramos os 40 anos do seu falecimento, ocorrido no ano de 1977, os seus escritos, além de oportunizarem o contato com a habilidade e sensibilidade da autora, nos sugerem a possibilidade de perceber as maneiras multifacetadas e complexas pelas quais os sujeitos se compõem e existem no mundo, e colocam a importância de valorizar estas trajetórias e vivências.

Carolina de Jesus nos inspira, portanto, na apresentação do Dossiê Temático Gênero, Raça e Classe, com o qual a Aedos tem a intenção de abordar a complexidade das relações de poder entre as diferentes dimensões que compõem o social e tem implicação na composição de sistemas de opressão e de identidades, e também nas trajetórias dos sujeitos e suas maneiras de vivenciar a realidade, de se colocar nela e também de lutar e resistir às violências que a permeiam. Com essa publicação procuramos contribuir para a análise e compreensão de elementos e fenômenos que concernem à configuração e a interdependência das relações de poder e de formas de elaboração dos sujeitos e das relações sociais. Além disso, pretendemos enfatizar as dimensões políticas desta perspectiva e a posição que ela demarca, relacionadas à valorização das experiências e trajetórias de sujeitos marginalizados socialmente e frequentemente invisibilizados nas análises historiográficas. Compartilhamos da visão de que o conhecimento histórico pode constituir-se, ao mesmo tempo, em espaço e instrumento de luta política, visto que a introdução destes debates e problematizações pode contribuir para o questionamento de saberes supostamente neutros.

É fundamental mencionar que a presença ativa destes sujeitos na proposição destas discussões, na medida em que, com a sua atuação na academia – e também fora dela –, passam a produzir conhecimento a partir das próprias vivências e a problematizar as próprias realidades e opressões, pautando assim debates acadêmicos, historiográficos e políticos mais amplos. Nesse número temos a contribuição de pesquisadores que se identificaram como integrantes de grupos de pesquisa e instituições voltadas para sujeitos marginalizados socialmente, como: Carlos Henrique Lucas Lima que integra o Grupo de Pesquisa Corpus Possíveis, Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade (CuS) e é co-criador e editor-adjunto da primeira revista brasileira dedicada exclusivamente aos Estudos Queer, a Periódicus; Marcio Rodrigo Vale Caetano integrante do Nós do Sul – Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Identidades, Currículos e Culturas; e Néstor Anibal Rodriguez integrante da Cooperativa Mujer Ahora e do Colectivo Ovejas Negras do Uruguai.

Da mesma forma, para essa publicação a integrante da equipe editorial Ana Júlia Pacheco entrevistou Cristiane Mare da Silva. Cristiane é doutoranda em História Social pela PUC / SP, pesquisadora Associada ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UDESC (NEAB / UDESC) e do Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora CECAFRO da PUC / SP, é também fundadoras do “Coletivo Pretas em Desterro” oriundo das articulações do “Comitê impulsor da Marcha de Mulheres Negras de Santa Catarina” onde foi uma das coordenadoras que organizou a presença das mulheres negras catarinenses na nacional “Marcha das Mulheres Negras 2015”. Antes disso, atuou como Secretaria de Mulheres da União de Negros Pela Igualdade (UNEGRO / SC). Como escritora, crítica e poeta, ela mantém em seu blog “Literatura Afrolatina e Diásporas do Atlântico”.

“Instantáneas acerca de la construcción del sujeto del feminismo” de Néstor Anibal Rodriguez, abre o dossiê com uma provocação: qual tem sido o sujeito do feminismo? Essa questão surge quando alguns coletivos de mulheres não se sentem representadas pela tendência feminista hegemônica que é branca, burguesa e heterossexual. Apresenta, a partir dessa questão, a articulação entre raça, classe, gênero e orientação sexual e distingue o sujeito social do político e do epistemológico. Continuamos com o artigo de Carlos Henrique Lucas Lima e Marcio Rodrigo Vale Caetano, que entendem ser um gesto político necessário defender uma historiografia literária “fora do armário”. Os autores afirmam que a homossexualidade foi recluída nos discursos sobre a Nação, mas relegada ao espaço do privado e do “gueto” e, assim, através de comentários de escritos de críticos / as literários / as vinculados / as aos estudos sobre sexualidades e gêneros, buscam problematizar o lugar desta população no ideário da Nação.

Ronaldo Manoel Silva pesquisa o pecado nefando, que atualmente corresponde à conduta homossexual, na primeira visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Brasil (1591-1595). Suas fontes são processos inquisitoriais de homens sentenciados por crime de sodomia e que atestam que apesar da repressão, o sexo entre iguais foi praticado no primeiro século da colonização brasileira. O artigo de Renato Drummond Tapioca Neto e Marcello Moreira analisa a dinâmica social da concessão de dotes e dos casamentos no Brasil entre os anos de 1850 a 1870, a partir do romance “Senhora” (1875) de José de Alencar. Os autores interpretam o matrimonio dos personagens do romance como uma construção de uma analogia da relação estabelecida entre senhor e cativo no regime escravocrata, ferindo a concepção religiosa de sacralidade do casamento.

Três pesquisas sobre “pensamento raciológico”, “racismo científico” e “teorias racialistas” compõem o dossiê, com abordagens, períodos e espaços diversos. Joice Anne Carvalho e Renata Baldin Maciel expõem um panorama geral do pensamento raciológico do século XIX e início do XX trazendo como exemplo as concepções de Manoel Bomfim, intelectual que refutou as teorias raciais de sua época e de alguns eugenistas, em especial Renato Kehl, que reforçou tais percepções, além de problematizar as questões relativas ao gênero nessas teorias. O objeto do estudo de Denis Henrique Fiuza, por sua vez, é justamente Renato Kehl e a implantação do racismo científico no Brasil a partir da obra “Lições de Eugenia”, obra que seria o resultado de mudanças de Kehl em direção a uma eugenia ainda mais radical, informada pelo racismo europeu e pelo determinismo biológico.

“Das teorias racialistas ao genocídio da juventude negra no Brasil contemporâneo: algumas reflexões sobre um país nada cordial” é o provocante título do artigo de Juliana de Almeida Goiz, no qual defende que a população negra foi deixada às margens da sociedade, como consequência do processo de escravização e também do racismo institucional e que tem provocado o genocídio da juventude negra, o qual problematiza. O tempo presente também é o recorte da jornalista Samara Araújo da Silva, que se debruça sobre a série “Sexo e as negas” (Rede Globo), na qual percebe narrativas estereotipadas e sexistas na representação das mulheres negras. Para Samara a mulher negra se mantém vista e apresentada como no período escravocrata a mercê dos desejos sexuais de seus patrões dentro de um hipersexualismo constante.

Nesse número também contamos com seis artigos “livres”. Gabriel José Pochapski e José Adilçon Campigoto são os autores de um desses artigos, no qual articulam igreja, casa e cemitério para analisar a morte entre os descentes ucranianos de uma cidade do Paraná, entre os anos de 1923 e 2012, utilizando como fontes a fotografia e a história oral. Já Patricia da Costa Machado pretende compreender o surgimento e a trajetória da luta por justiça no Uruguai após o fim da ditadura civil militar, principalmente o impacto da Ley de Caducidad, que impediu a realização de julgamentos dos crimes da ditadura. Recuando no tempo e rompendo com o recorte da América Latina, Maicon da Silva Camargo debate a peculiar situação da União Ibérica (1580-1640) através da filosofia política da primeira Idade Moderna e do discurso de Manuel Severim de Faria (1583 – 1655). Por sua vez, uma equipe de historiadores, composta por Nathany Belmaia, Henrique Bresciani, Luiz Manini, Érika Myiamoto, Hilton Oliveira e Thaís Silva, se debruçou sobre a capa do álbum intitulado Powerslave, da banda Iron Maiden, para analisar a produção, o consumo e a apropriação de elementos da cultura do Antigo Egito pela indústria cultural da década de 1980.

O anticomunismo e o antifascismo são os temas dos últimos artigos desse número. Luiz Otavio Monteiro Junior analisa a origem da ideologia anticomunista no seio do Exército Brasileiro durante a Era Vargas, observando a produção intelectual para percorrer a historicidade da ideologia anticomunista dentro do pensamento militar. E Bruno Corrêa de Sá Benevides estuda o antifascismo internacional entre 1919 e 1922 através da propagação e circulação de textos antifascistas, de tendência anarquista, nos jornais militantes e operários brasileiros e a compreensão acerca do conceito de fascismo através da ótica dos militantes anarquistas. Por fim, ainda há a resenha do livro A Polônia e seus emigrados na América Latina (até 1939) de Jerzy Mazurek, publicada pela editora Espaço Acadêmica.

Esperamos que todos e todas aproveitem a leitura!

Micaele Irene Scheer (Editora Chefe)

Marina Gris da Silva (Editora Gerente)


SCHEER, Micaele Irene; SILVA, Marina Gris da. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 8, n. 19, Dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Relações de Poder e Gênero na História / Dimensões / 2016

A revista Dimensões tem a satisfação de apresentar o dossiê Relações de Poder e Gênero na História. Por se tratar de um chamado aos estudos das relações de gênero e sua subjetividade com base nas relações históricas de poder, este dossiê parte da premissa de que os padrões de comportamento dinâmicos vigentes na história têm como base as estratégicas adotadas por homens e mulheres para conviverem e se posicionarem nos espaço das organizações consideradas como de fundamental importância para a sociedade.

Procurando estimular reflexões sobre as questões relacionadas às relações de poder e solidariedade entre homens e mulheres, os treze artigos que compõem o dossiê exploram aspectos significativos da temática em foco. Leia Mais

Gênero e Espaço – I / Urbana / 2015

Espaços e lugares, e nossa relação com estes, são generificados. Uma relação nem sempre evidente que ao mesmo tempo reflete e cria um efeito no modo como gênero e espaço são concebidos.

Esta intrincada relação vem recebendo atenção de pesquisadores (não por acaso, em sua maioria, pesquisadoras) há pelo menos uma década. Da reflexão de Michelle Perrot a respeito do lugar das mulheres na cidade à natureza social do espaço (que inclui, claro, gênero) da geógrafa Doreen Massey, passando por estudos que relacionam espaço e sexualidade, gênero e arquitetura, gênero e espaço doméstico: trata-se de um debate em formulação, que exige dos pesquisadores uma quebra de fronteiras disciplinares entre temas bastante consolidados.

Com isso queremos dizer que os estudos urbanos, bastante consolidados, ganham um interessante desafio quando interpelado pela literatura de gênero, especialmente aquela originada nos debates feministas. E o mesmo se pode dizer para os escritos sobre gênero, em suas múltiplas dimensões, se lembramos que as relações sociais acontecem sempre em algum lugar.

O Dossiê está em dois volumes: V.7, n.2 [11] e V.8, n. 1 [12]. Esperamos que os textos publicados contribuam com esse importante debate proposto no tema do Dossiê

Silvana Rubino – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. E-mail: [email protected]


RUBINO, Silvana. Editorial. Urbana. Campinas, v.7, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e Sexualidade | Temporalidades | 2015

“É que o saber não é feito para compreender, ele é feito para cortar”

Michel Foucault

Não é demais insistir sobre a importância que os estudos do gênero e da sexualidade adquiriram nas últimas décadas, no Brasil e no mundo, nem é demais destacar que o sucesso dos instigantes trabalhos desenvolvidos nas universidades e em diferentes centros de pesquisa e educação respondem, sem dúvida alguma, a necessidades crescentes suscitadas pelas profundas transformações nos modos de vida, na produção das subjetividades, nas formas da sociabilidade e no imaginário cultural, na contemporaneidade.

Em nosso país, em especial, essas mudanças podem ser facilmente constatadas na maneira pela qual as mulheres se autonomizaram em grande parte, conquistaram o espaço público, questionaram a arraigada “ideologia da domesticidade” e o confinamento na esfera familiar e privada, o que também se evidencia na maneira como têm alcançado importantes postos de direção em várias frentes, demostrando enorme capacidade criativa e de gestão. Essas transformações também podem ser percebidas nas próprias definições da masculinidade construídas pelos jovens – e não apenas por eles -, que trazem novos modos de existir masculinamente e reinventam a cultura masculina, e ainda, na visibilidade que os grupos gays, lésbicos, transgêneros, entre outros, com suas demandas e inquietações têm adquirido ao longo das últimas décadas, em sua luta para desfazer oposições binárias que cristalizam identidades sexuais e normatizam o comportamento de todos e todas, enfim, em sua luta para viver sem terem de renunciar a si mesmos. Leia Mais

História, Gênero e Sexualidade: Abordagens Interdisciplinares / História, Histórias / 2015

Apresentação

“História, Gênero e Sexualidade: Abordagens Interdisciplinares” é o título deste dossiê. Nos tempos atuais, constitui-se em grande valentia publicar tal edição. Vivemos em tempos de retrocesso político e social em que falas e atos comprometem o estado democrático de direitos civis. O debate teórico proposto aqui visa reunir pesquisadoras e pesquisadores dos estudos de gênero que discutem questões que envolvem poderes sociais, políticos, econômicos e culturais, suas disputas e efeitos sobre os corpos, as subjetividades, os comportamentos sexuais e as relações de gênero. As diferenças e hierarquias entre o masculino e o feminino, produzidas historicamente através de jogos de significação e de relações de poder, marcam as desigualdades nas relações de gênero e as possibilidades de inserção e interdição dos indivíduos na vida social. Assim, este dossiê busca de maneira interdisciplinar articular pesquisas e reflexões preocupadas com as construções das sexualidades, das masculinidades e das feminilidades na história, a fim de desvelar os seus processos de difusão, construção e funcionamento, e os poderes que atravessam e mantêmessas construções.

O primeiro artigo desse dossiê, de autoriadeNatanael de Freitas Silva (UFRRJ), apresenta reflexões sobre a necessidade de investigarmos, no campo da história, as experiências de masculinidades e suas implicações em uma política de gênero. Desse modo, à luz dos estudos de Richard Miskolci e Albuquerque Júnior, o autor tece algumas considerações sobre o estudo das masculinidades e discute a articulação de uma histórica concepção de masculinidade na elaboração de projetos de poder engendrados em fins doséculoXIX e início do XX.

Já o segundo artigo, de Pollyana Dourado (UFG) e Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UFG), apresenta uma análise das representações do feminino e dos mitos construídos sobre a Amazônia na minissérie “Amazônia –de Galvez a Chico Mendes”.

Ao abordar temas relativos à homossexualidade e à heterossexualidade compulsória, o terceiro artigo, de Elias Veras (UFSC) e Oscar Andreu (Universidad de Barcelona), analisa a invenção do estigma travesti no Brasil, destacando sua construção discursiva na mídia, especialmente em enunciados produzidos em Fortaleza (Ceará),nos anos de 1980. Seus olhares são precisos ao sugerir o quanto as representações dominantes constituídas pelos modelos de masculino e feminino encontram-se fragilizadas com a emergência de imagens e sentidos ancorados na experiência travesti.

do envelhecimento, da memória e das condutas homossexuaisna região do Pantanal de Mato Grosso do Sul, nas cidades de Corumbá e Ladário,nas cercanias da fronteira com a Bolívia.

Ao adentrar nos arquivos da Polícia Militar, Andrea Schactae (UEPG), no sexto artigo, propõe uma reflexão sobre as feminilidades e masculinidades na Polícia Militar do Paraná, através de um estudo de caso de transgressão disciplinar praticado por uma agente da Polícia Feminina e por um oficial da PMPR, em 1979.

No sétimo artigo, Marilia Rodrigues de Oliveira (PUC-RIO) discute “narrativas de crimes” presentes na imprensa carioca da Primeira República, com o objetivo de mostrar como os jornalistas lançavam mão de uma gramática emocional e de uma estética melodramática para criarem diferentes representações de gênero que transgrediam e reiteravam padrões normativos de moralidade até então considerados bem definidos.

Lindsay Jemima Cresto (UTFPR) e Marinês Ribeiro Dos Santos (UTFPR), no oitavo artigo, discutem as representações de gênero na decoração de interioresdomésticos. Analisando um blog de decoração (Homens da Casa) voltado para um público masculino, as autoras observam como os textos eimagensque circulam nesse blog estão carregadosderepresentações de feminilidade e masculinidade que reforçam os estereótipos e desigualdades de gênero em nossa sociedade.

O nono e último artigo do dossiê, de Caetana de Andrade Martins Pereira (UnB), analisa o modo como a feminilidade é construída na revista Jornal das Moças,nos anos 1960, destacando o seu funcionamento como uma “tecnologia de gênero”, heteronormativa e racializada.

Os estudos de gênero adquirem novos contornos frente à insuficiência e às críticas em abordagens discursivas que não consideramas persistências das desigualdades entremulheres e homens,e que tratam a heterossexualidade, assim como a feminilidade e a masculinidade como dados biológicos e naturais. Os estudos de gênero não podem ser vistos apenas como sinônimos de estudos sobre as mulheres. Em volta do termo há o reconhecimento do caráter relacional e de sua constituição histórica, social e cultural, além de instâncias de poder que atribuem valores e características às subjetividades e às relações entre os sexos. Nesse sentido, os estudos feministas trazem importantes contribuições ao abordar o gênero como uma categoria que se relaciona com outros marcadores de diferenças (classe, raça, etnia, religião, idade, nacionalidade, orientação sexual, etc.) na constituição das subjetividades e experiências e, desse modo, buscam problematizar e desnaturalizar as concepções de sexo/gênero fundadas em preceitos universais e essencialistas.

As diferenças são históricas e socialmente forjadas e construídas. Portanto, as sensibilidades, comportamentos, valores, organizações e posicionamentos sociais dos indivíduos são construções. Nesse sentido, gênero, como categoria de análise, pode também contribuir no enriquecimento da historiografia, colocando em debate as verdades, convicções e poderes em torno de discursos e práticas baseados na existência de uma natureza humana imutável que rege as ações e pensamentos de homens e mulheres na história.

Não somos universais. Somos compostos da mesma matéria que as nuvens. Clivados, densos, leves e únicos: somos históricos. Esperamos que as leitorase os leitores desfrutem e se inspirem com esse dossiê.

Goiânia, 06 de agosto de 2015.

Profa. Dra. Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UFG)

ORGANIZADORA

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África: gênero, nação e poder / Outros Tempos / 2015

É com grande satisfação que publicamos o presente volume da Revista Outros Tempos, com o dossiê intitulado África: gênero, nação e poder. Nos últimos anos tem sido perceptível o interesse crescente pelo campo dos chamados Estudos Africanos. Nosso intuito foi agregar pesquisadores do Brasil e de países do continente, cujos trabalhos versam sobre relações de gênero, nação e poder, nas mais diversas perspectivas de análise crítica.

No artigo A formação social do estado-nação e a crítica pós-colonial: o surgimento da história crítica em Moçambique, Milton Correia busca perceber como a academia moçambicana tem respondido às relações dinâmicas entre sociedade, história e política. Em Predadores: quando a literatura narra as relações de poder em Angola, Silvio de Almeida Carvalho Filho, a partir do romance escrito por Pepetela, discute como a literatura estrutura uma crítica sócio-política extremamente perspicaz da sociedade e dos estados angolanos contemporâneos. Carla Santos de Carvalho, no artigo A questão de gênero na agenda pública e política de Cabo Verde, analisa o papel das ONGs comprometidas com a igualdade de gênero e com a luta pela defesa dos direitos das mulheres em um contexto de invisibilidade feminina. Tatiana Raquel Reis Silva, em Mercado de Sucupira: práticas comerciais e cotidiano das rabidantes cabo-verdianas, discorre sobre as práticas comerciais, o cotidiano e as estratégias de lucratividade das rabidantes. Patrícia Godinho Gomes desenvolve uma abordagem preliminar sobre a evolução dos estudos de gênero na Guiné-Bissau em O estado da arte dos estudos de gênero na Guiné-Bissau. Viviane de Oliveira Barbosa examina os princípios da política segregacionista na África do Sul durante o regime do Partido Nacional, no artigo Políticas sociais e legislação no apartheid sul-africano. Antonádia Borges apresenta como mobilidade e circulação de pessoas ultrapassa as barreiras impostas pelo colonialismo em Hospitalidade e antropologia na África do Sul contemporânea.

O presente volume também conta com uma seção de artigos livres: Com zelo, inteligência e limpeza de mãos: Eugênio Freyre de Andrade e as Casas da Moeda na primeira metade do século XVIII, de Irenilda Cavalcanti; Colônia-Quilombo: retirantes cearenses e abolicionismo na Colônia Benevides (Pará 1877-1884), de Edson Holanda Lima Barboza; Espaço de religiosidade e traços da modernidade: memórias de moradores do Pântano do Sul (Florianópolis / SC 1970 – 1980), de Mariane Martins; Uma higiene moral e do corpo: educação moral e cívica, as atividades físicas, esportivas e de lazer durante a ditadura militar, de Reginaldo Cerqueira Sousa e História e Memória: quadro antigo do cemitério ecumênico São Francisco de Paula, de Bruna Frio Costa e Carla Rodrigues Gastaud.

Além dos artigos, ofertamos ao(a) leitor(a) uma entrevista realizada por Michelle Cirne Ilges com a professora Teresa Cruz e Silva, sobre A Agência do Codesria na produção das Ciências Sociais no continente africano. Duas análises de documento – Testemunhos de violência num registro judicial durante a ocupação colonial no norte de Moçambique (Fernanda do Nascimento Thomaz); e Luanda 4 de fevereiro de 1961: o olhar dos Estados Unidos (Fábio Baqueiro Figueiredo) – e uma resenha intitulada Identidades em questão: escravidão, liberdade e pertencimento no mundo atlântico (Daniela Carvalho Cavalheiro) fecham o volume.

Boa Leitura!

Tatiana Raquel Reis Silva

Teresa Cruz e Silva


SILVA, Tatiana Raquel Reis; SILVA, Teresa Cruz e. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 12, n. 19, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, práticas políticas e gênero: História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s) / História Revista / 2014

A introdução dos estudos de gênero no Brasil encontrou campo fértil na história das mulheres, caracterizada como uma produção de saber interdisciplinar, que ganhou consistência nos anos de 1970. As pesquisas envolveram esforços de historiadoras, sociólogas e antropólogas, feministas que tiveram coragem de dar voz às mulheres, retirá-las do apagamento e do silêncio da História, destacando as “vivências comuns, os trabalhos, as lutas, as sobrevivências e as resistências das mulheres no passado” (PEDRO, 2005, p.85). Nesse avanço das lutas sociais e das críticas feministas, tem vazão a controvérsia em torno da história das mulheres, que parecia sinalizar a exaustão da categoria mulher, vista, muitas vezes, como generalizada e universal. Abria-se, então, o campo para os gender studies ou o estudo das relações de gênero, que ganharam relevância nos Estudos Unidos, no início dos anos 1990 (RAGO, 1998, p.89).

A partir disso, abriu-se um campo de pesquisa interdisciplinar que busca compreender como se constituem o masculino e o feminino cultural e historicamente, na perspectiva das relações de gênero. A introdução dessa categoria iluminou a análise ao incorporar à experiência a dimensão da sexualidade e das identidades construídas, contrapondo-se à tendência de se pensar a identidade sexual como algo biologicamente dado (NICOLSON, 2000, p.9).

Dentre as contribuições do conceito de gênero, destacam-se: a rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual; a dimensão relacional entre as mulheres e os homens, indicando que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois sexos poderia existir sem um estudo que os tomasse em separado; a ênfase no caráter social e cultural das distinções baseadas no sexo, que contribuiu para desnaturalizar o discurso biológico; a dimensão das relações de poder que perpassa as assimetrias e hierarquias nas relações entre homens e mulheres (SOIHET e COSTA, 2008, p.43). Como Jane Flax (1991, p.226) afirma, a problematização das relações de gênero consiste no mais importante avanço isolado da e na teoria feminista no final do século XX. Definitivamente, inaugura-se um novo paradigma para compreensão da História.

O presente dossiê representa e confirma a importância e a abundância de pesquisas em torno da temática das relações de Gênero na História. As pesquisas pretendem compreender como as vivências e experiências de mulheres e homens questionaram / conformaram / inventaram a profunda desigualdade nas relações de gêneros, e simultaneamente espaços e lugares públicos e privados interditados e repensados. As construções sociais, históricas e culturais em torno dessa rede simbólica é, muitas vezes, composta de silêncios ratificados em discursos que buscam naturalizar a diferença, significados criados politicamente e necessariamente imprecisos (SCOTT, 2012).

Alcileide Cabral do Nascimento e Alexandre Vieira da Silva Melo fazem uma profícua parceria no artigo “Melindrosas em revista: Gênero e sociabilidades do início do século XX (Recife, 1919-1929) ao analisar o corpo feminino e suas ressignificações através da figura da Melindrosa – personagem instigante e amendrontadora da ordem de gênero – na moderna Recife da Primeira República.

Ana Maria Colling e Losandro Tedeschi abordam as questões sobre “Os Direitos Humanos e as questões de Gênero” analisando a desigualdade de gênero como “uma afronta à igualização proposta pelos Direitos Humanos desde a sua fundação no século XVIII”. Violência, direito à cidadania e espaços conquistados por mulheres ultrapassam assim fronteiras políticas para tentarem realizar um espaço de vivências igualitárias e democráticas, que deveriam ser asseguradas às mulheres, mas as disputas de poder das relações de gênero nos mostram que a história é repleta de conflitos e exceções.

Maria Izilda de Santos Matos nos brindou com o trabalho “Maria Prestes Maia: trajetória, luta política e feminista na qual investiga a importância da esposa do prefeito e urbanista Francisco Prestes Maia em meados do século XX – Maria Prestes Maia, imigrante lusa – nas atividades políticas, sociais, sua atuação na Federação das Mulheres no Brasil e como sua influência pode ter tido relevância para o traçado urbano de São Paulo efetivado pelo “Plano Avenidas”.

No artigo “Mulher, casamento e trabalho: um triângulo que não fecha?” de Maria Beatriz Nader embarcamos para outra cidade brasileira: Vitória e suas transformações nas três últimas décadas do século XX. A participação das mulheres nesse desenfreado processo de implantação de grandes indústrias, aumento populacional e econômico, sofre intensas mudanças, pois o mercado de trabalho rompe, ou pelo menos esgarça a tessitura do bordado tradicional do destino feminino de casamento e família.

Gleidiane de Sousa Ferreira aponta que o debate sobre o feminismo não é apenas nacional, mas internacional. Sua contribuição ao apresentar elementos de atuação política do Mujeres creando, grupo de atuação feminista anarquista boliviano desde 1992, é literalmente um espaço de reflexão sobre o que significa pensar as práticas do feminismo nos dias contemporâneos. Seu artigo “Produzir conhecimento sobre si mesmas: uma reflexão histórica sobre práticas feministas autônomas na Bolívia”, aborda as diversas formas de comunicação estabelecidas por essas mulheres, tendo como ponto de partida a noção de “tomar la palabra”: escrita teórica, rádio independente, o jornal alternativo, arte de rua.

“Tomar la palabra!”. É o que queremos e esperamos. Aproveitem os textos sobre práticas políticas e gênero e que destes surjam outras e tantas mais História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s)!

Referências

FLAX, Jane. Pós-moderno e relações de gênero na teoria feminista. In: BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa (Org.). Pós-modernidade e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p.217-250.

NICOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v.8, n.2, p.9-41, 2000.

SCOTT, JOAN W. Os usos e abusos do gênero. Tradução: Ana Carolina Eiras Coelho Soares. Projeto História, São Paulo, n. 45, pp. 327-351, Dez. 2012.

SOIHET, Rachel e COSTA, Suely Gomes. Interdisciplinaridade: história das mulheres e estudos de gênero. Gragoatá, Niterói, n.25, p.29-49, 2008.

Alcileide Cabral do Nascimento – Professora Doutora em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Coordenadora Nacional do Gt de Gênero ANPUH; Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero / NUPEGE / UFRPE / CNPq.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares – Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em História e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do GT regional de Gênero – Seção Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero / FH-UFG / CNPq.


NASCIMENTO, Alcileide Cabral do; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 3, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, Feminismos e Gênero: diálogos (in)tensos na História / História Revista / 2014

Os estudos de gênero ganham importância na academia, em fóruns de debates, nas agências de fomento à pesquisa e espaço no mercado editorial. A desigualdade de gênero e racial é profundamente questionada, o combate à violência contra as mulheres toma a cena pública, as sexualidades se rebelam e há uma desconfiança no ar a sinalizar que o binarismo (homes x mulher) no qual fomos forjados não responda à complexidade de ser no mundo hodierno. Assim, esse dossiê está em plena sincronia com as questões do presente e aposta numa sociedade melhor ao publicizar as pesquisas que falam das nossas travessias históricas de ser quem somos, onde as fronteiras normativas entre o feminino e o masculino são cada vez mais tênues.

A ideia desse dossiê surgiu em 2012 quando as professoras Alcileide Cabral e Ana Carolina Coelho se articularam para propor um simpósio temático no XXVII Simpósio Nacional de História que aconteceria em Natal, capital do Rio Grande do Norte, em 2013. O Simpósio intitulado “Mulheres, Feminismos e Gênero: diálogos (in)tensos na História” teve por objetivo discutir os significados históricos dos feminismos e da problematização das relações de gênero na virada do século XIX e nas décadas iniciais do século XX, buscando compreender como as mulheres questionaram a profunda desigualdade com os homens, ao mesmo tempo em que construíram possibilidades de inserção nos espaços públicos, redefinindo a dimensão do privado. Neste sentido, convidamos os / as pesquisadores / as a apresentarem seus trabalhos nas múltiplas direções abertas no âmbito dos estudos feministas e da história cultural a partir de fontes diversas como periódicos, revistas, fotografias, narrativas autobiográficas, ficção literária, discutindo a tensa e conflituosa relação entre feminino e o masculino, solo de uma episteme sobre as novas relações de e entre os gêneros e da emergência dos feminismos. Esse Simpósio rendeu bons frutos que agora chega ao público com este dossiê e temos a certeza de que nosso Grupo tem mesmo assumido a questão dos estudos de gênero como uma de nossas preocupações investigativas.

O estudo das relações de gênero abrange pesquisas acadêmicas interdisciplinares que procuram compreender as relações entre os gêneros – masculino e feminino – na cultura e na sociedade humanas. Essa compreensão entende que homens e mulheres estão numa perspectiva relacional e, ao mesmo tempo, são diferentes uns em relação aos / às outros / as e entre si. Considera-se ainda que essas relações são construídas historicamente, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres (SCOTT, 1991).

Esses esforços investigativos desde o último quartel do século XX, passaram a contar com a criação do Grupo de Trabalho de Gênero (Gt de Gênero Nacional) vinculado à Associação Nacional do Professores de História (ANPUH) em 25 de julho de 2001. Esse foi o ano da institucionalização dos Grupos de Trabalho vinculados à Associação, durante o XXI Simpósio Nacional da ANPUH, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Buscando fortalecer a pesquisa, o ensino e a extensão, O Gt de Gênero definiu como objetivos consolidar um espaço de intercâmbio científico-acadêmico sobre estudos de gênero e temas afins, no âmbito da história e das diferentes disciplinas; proporcionar um balanço do alcance de teorias e metodologias geradas pelos estudos de gênero e temas afins e de suas repercussões sobre o conhecimento, com vistas ao aperfeiçoamento do ensino da história em seus diferentes níveis; estimular no espaço universitário iniciativas de ensino, pesquisa e extensão voltadas para perspectivas teóricas e metodológicas abertas pelos estudos de gênero. Desde então, estimulou-se a criação dos Gt’ regionais com idênticos objetivos. Temos hoje nove Gt’s em diferentes regiões do Brasil.

Assim, este dossiê representa uma importante parceria entre o Gt de Gênero Nacional, coordenado por mim, em conjunto com Gt de Gênero de Goiás, sob a coordenação da Profa. Ana Carolina Eiras Coelho Soares [3] e dá concretude a um dos seus objetivos: implementar dossiês / revistas temáticas e publicação de coletâneas articulados com os desejos e problemáticas do presente.

Neste dossiê temos a confirmação da relevância e preocupação com as temáticas de gênero nas discussões intelectuais do Brasil. Pesquisadoras / es de várias regiões do país contribuíram para essa publicação com questões instigantes e demonstrando o aprofundamento e o refinamento das pesquisas sobre Gênero.

Lídia Possas nos brinda com um artigo excelente sobre a trajetória do GT Estudos de Gênero / ANPUH, recompondo através da memória, de documentos e falas, os fatos e acontecimentos deste grupo entre 2001- 2014. Em uma tentativa de pensar essa caminhada, nos damos conta do esforço da consolidação de espaço de um campo que lida justamente com as disputas de poder e as desigualdades na história.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares debate as narrativas visuais e as práticas de gênero nas artes gráficas criadas para a seção “O Menu do meu marido” veiculada pela Revista Feminina entre (1914-1936). No texto, as artes gráficas foram intencionalmente produzidas para criar símbolos e signos associados à modernidade, enquanto a seção ensinava a produzir refeições feitas pela esposa para o marido e seus filhos. As mudanças e contradições das relações de gênero, as práticas de viver, sentir e pensar e as ideias de modernidade, progresso e civilização convivem nas páginas de uma revista que era voltada para o público feminino.

Em “Notas sobre as representações do “feminino” nas páginas da revista Brasil-Oeste” de Eduardo de Melo Salgueiro incursionamos pelas páginas da publicação da revista Brasil-Oeste, mensário que circulou entre o período de 1956 e 1967, pensando nas representações das mulheres e da feminilidade deste periódico nacional que obteve até 1.500.00 exemplares editados.

Ana Maria Marques e Andréia Márcia Zattoni avançam no tempo, para discutir o feminismo e os debates no Centro da Mulher Brasileira (CMB) de 1975 e sua representação nas páginas da revista de informação semanal Veja no mesmo ano. A participação das mulheres e a resistência à ditadura militar são as temáticas que tornam esse artigo interessante, seja pelas contradições presentes nos diferentes órgãos de atuação, seja pela inevitabilidade da discussão da existência e participação de mulheres, inclusive exiladas, em um contexto de ditadura, mesmo que os discursos se apresentem de maneiras bastante diferenciadas.

A revista Veja é também pensado em outro artigo de Silvia Maria Fávero Arend e Douglas Josiel Voks intitulado: Revista Veja, masculinidades e consumo (década de 1970), na qual as masculinidades – categoria conceitual que se refina com as discussões sobre as relações de gênero e o feminismo – aparecem nas páginas da revista na década de 1970 através de uma indústria que vestia e gerava / dialogava com valores / produtos que passavam a representar os homens da classe média dos centros urbanos do país.

O tempo, esse senhor da narrativa do passado, volta para outra discussão feminista fundamental no texto de Elisângela Barbosa Cardoso, intitulado “Sufrágio, educação e trabalho: o feminismo na imprensa em Teresina nas décadas de 1920 e 1930”. O debate em Teresina nos mostra o alcance nacional das discussões feministas no Brasil, o que reforça o título deste dossiê, debates tensos e intensos na História de nosso país. O feminismo, muitas vezes, obliterado por uma narrativa tradicional, luta nas pesquisas atuais para ganhar espaço e visibilidade como fator de importância crucial para as mudanças sociais e das relações de gênero no país.

Acreditamos que esse dossiê veio para reafirmar nossa legitimidade enquanto campo de pesquisa e espaço de trabalho historiográfico. “tomar la palabra!”. Esperamos que todas / os aproveitem os debates e que estes gerem novas palavras, discussões e escritas sobre mulheres e homens que na experiência de suas vidas, criaram padrões, valores e uma lógica de existir cuja dimensão política requer mudanças na perspectiva de um mundo mais igualitário para homens e mulheres.

Nota

3. O GT Goiás é coordenado com a Profª. Dr.ª Eliane Martins de Freitas que não participa desta organização de dossiê em específico, mas é igualmente atuante em outros projetos desenvolvidos em Goiás.

Referências

HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v.24, n.1, p.77-98, 2005.

RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o Gênero. Cadernos Pagu, Campinas / SP, n.11, p.89-98, 1998.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p.71-99, jul. / dez. 1995.

Alcileide Cabral do Nascimento – Professora Doutora em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Coordenadora Nacional do Gt de Gênero ANPUH; Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero / NUPEGE / UFRPE / CNPq.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares – Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em História e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do GT regional de Gênero – Seção Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero / FH-UFG / CNPq.


NASCIMENTO, Alcileide Cabral do; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 2, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e Sexualidade / Em Tempo de Histórias / 2014

Apresentação

Entre nós, cotidianamente, faz-se presentes questões de gênero e sexualidade. Debates acerca dos discursos construídos e instituídos sobre os papeis desempenhados na nossa sociedade a partir das ideias de gênero e sexualidade, estão, cada vez mais, presentes de forma múltipla e diferenciada, e são discutidas, rotineiramente, em jornais, artigos, revistas e demais meios midiáticos, fazendo-se, assim, um tema de amplo debate tanto no meio social quanto acadêmico.

Entre os historiadores, os debates sobre o papel desempenhado pelas relações de gênero expandiram-se e ganharam força mediante a sua abertura para novos objetos e temas de pesquisa, o que se deu a partir das análises interdisciplinares que têm ganhado espaço nas últimas décadas. Compreender e analisar os diversos discursos construídos sobre o gênero e a sexualidade, permite aos pesquisadores observar as experiências históricas sob novos olhares e questionamentos, inserindo, de vez, as questões de gênero, em toda sua complexidade, dentro do métier do historiador atual.

Este novo número da Em Tempo de Histórias apresenta o Dossiê Temático “Gênero e Sexualidade”, o qual tem por objetivo problematizar as relações entre os debates acerca de gênero, sexualidade e historiografia. Busca-se, neste sentido, ampliar os horizontes de análise do historiador, dirigindo o seu olhar para um dos temas mais suscitados na sociedade contemporânea, apreendendo-se, assim, a correlação tão necessária entre estas três áreas do saber. Neste sentido, este Dossiê traz contribuições significativas que apresentam e discutem as imbricações entre questões de gênero e pesquisa histórica, abarcando interesses e temas de pesquisas atuais.

Dentre os artigos que compõem este Dossiê são abordados debates que envolvem as discussões sobre gênero e o discurso literário, a exemplo do artigo de Márcia Medeiros e Tânia Zimmermann, ou ainda, os debates voltados para a questão de gênero, tomando-se por base dados iconográficos, como no artigo de Humberto Araújo. Estão ainda presentes outras discussões, como a análise das práticas sociais e culturais, a partir das questões de gênero, nos movimentos artísticos da década de 1960 no Brasil, conforme apresentada por Andrea Beatriz Wozniak- Giménez, e a interessante relação entre gênero e história oral presente no artigo de Ilsyane do Rocio Kmitta e André Cândido da Silva. É bastante ampla e significativa a multiplicidade de questões presentes em outros artigos deste Dossiê, os quais perpassam o diálogo com a historiografia política, intelectual e cultural em suas diversas questões e possibilidades.

Este novo número apresenta também uma seção livre de artigos. Nesta seção são apresentados trabalhos com temáticas variadas, os quais abrangem diferentes temas de pesquisa e questionamentos. Questões relevantes como as suscitadas nos debates sobre os discursos construídos acerca da independência do Brasil e o ensino de história nas escolas, a título de exemplo, são apresentadas e debatidas no artigo de Joyce Karla Pereira. Portanto, este novo número traz aos leitores uma plêiade de artigos que, em seu conjunto e variedade, busca fomentar e enriquecer os debates historiográficos em voga na Academia nos últimos tempos, colaborando com o desenvolvimento de novos temas de pesquisa na área.

Aproveitamos para agradecer àqueles que contribuíram para este novo número de Em Tempo de Histórias. Desejamos uma boa e instigante leitura!

Diogo D’Angelo de Araujo Roriz

Walkíria Oliveira Silva

Universidade de Brasília

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História e gênero / Mnemosine Revista / 2013

Existem momentos na vida onde a questão de saber, se pode- se pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir (Michel Foucault).

Nos últimos trinta anos, inúmeros foram os estudos e pesquisas relacionados a questões de gênero no Brasil. Os quais propiciaram maior compreensão acerca das interações humanas.

Indubitavelmente, a distribuição de poder entre homens e mulheres é desigual e, frequentemente, sua disputa ocorre de forma violenta. Ou seja, o conceito de gênero pode ser compreendido como uma relação de poder e dominação do homem sobre a mulher. Demonstrando que o papel masculino é consolidado historicamente e reforçado por modelos sociais – como a patriarcal. Essa dinâmica social culminou em relações violentas entre os sexos e demonstra que a submissão das mulheres não é algo espontâneo, mas sim, uma indução no processo de socialização das pessoas.

Associado aos movimentos feministas, os conhecimentos sobre as questões de gênero constroem e reconstroem a categoria em um evolver histórico, expressando como homens e mulheres se organizam socialmente, evidenciando como a parceria entre tais movimentos e a academia, através de diversos laços – lato sensu e stricto sensu, congressos, conferências, cursos entre outros – valida e valoriza as ações políticas empreendidas pelos movimentos, subsidiando-os teoricamente e, como também, em inúmeras situações, concedendo aos mesmos sua infraestrutura, possibilitando a integração entre ambas as instâncias.

Neste sentido, a Revista Ariús, do Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande, representa importante agente difusor de conhecimentos pluralistas, apresentando a diversidade e a contribuição desses para os que militam – na perspectiva acadêmica e política – à frente das questões humanas e sociais.

Neste Dossiê a Revista oferece artigos que contemplam temáticas pertinentes às “Questões de Gênero”, em específico com temáticas referentes à sexualidade, relações de gênero, imprensa escrita, literatura e política pública, cujos autores detêm formação privilegiada, atuantes no âmbito acadêmico, a maioria em espaços públicos, como estudantes e pesquisadores. Em outras palavras, pessoas que se dedicam às temáticas privilegiadas neste Dossiê.

Destarte, este Dossiê apresenta, “A mulher e a política nas revistas Veja e Realidade: anos de 1967, 1994 e 2010”, problematizando a divulgação de pesquisas realizadas pelas supracitadas revistas, sobre a participação das mulheres na militância política brasileira. A autora apresenta um mapa histórico, “(…) da forma como a mídia apresentou a percepção da mulher sobre a política e quais as suas contribuições para a construção de uma visão atual sobre a relação mulher e política e a inserção da mulher nos espaços de poder.” embasada nas informações obtidas e interpretadas no percurso investigativo.

Em instigante estudo, “Imagem, representação e masculinidade: considerações sobre as capas da G magazine” problematiza a produção e reprodução da imagem do corpo viril do homem, suas posições corporais ou expressões faciais, em seu vestuário e os impactos dessas imagens ao público-alvo da revista, ou seja, em específico, aos homossexuais.

Em outra perspectiva, o artigo, “A construção escolar da (in) diferença: a identidade homossexual diante da produção / reprodução do saber / poder sobre a sexualidade no ambiente da escola”, aborda a questão da homossexualidade, discorrendo sobre o papel da escola na formação da sexualidade e a construção da identidade “(…) a partir de uma reflexão em torno dos sistemas simbólicos de representação construídos e disseminados nas práticas pedagógicas desta instituição.”

“As personagens femininas em Lygia Fagundes Telles: encontros e desencontros entre o eu e o mundo / o eu e o outro” discorre sobre “(…) a narrativa da referida escritora, centrando a atenção nos contos Pomba Enamorada ou uma história de amor, O Menino e Natal na Barca, observando as formas de relacionamento das personagens consigo e com outro, a fim de analisar o fenômeno de construção da identidade na modernidade”

“Identidades desviantes: do macro ao microcosmo”, apresenta uma reflexão sobre a necessidade que o ser humano tem em nomear, a partir de uma perspectiva essencialista, as orientações sexuais. O autor desenvolve sua argumentação através dos questionamentos “por que eu sou o que eu sou?” substituindo-o pelo “como eu posso extrair prazer de minha própria existência?”, embasado na teoria de Michel Foucault.

“Mulheres „imorais‟, „arruaceiras‟ e „desordeiras‟: jogos discursivos da imprensa”, apresenta os modos de condutas e comportamentos de mulheres denominadas e / ou classificadas como desviantes, pelo jornal Diário da Borborema. As informações são interpretadas à luz dos estudos de gênero e, como locus, a cidade de Campina Grande / Paraíba, nas décadas de 1960-1970.

Outro interessante artigo refere-se a “A alimentação como um tema político das mulheres”, contextualizando-o através de um viés dos direitos humanos, do direito ao acesso à alimentação, em qualidade e quantidade, defendendo tal condição a partir da instituição de políticas públicas.

Nesse embaralhamento de estudos e pesquisas, em forma de artigos inter e multidisciplinares, convidamos os leitores ao sabor da leitura, com a certeza de estarmos contribuindo com a difusão e o debate sobre as “Questões de Gênero”.

Latif Antonia Cassab


CASSAB, Latif Antonia. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.4, n.2, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Democracias Ameaçadas: ditadura, gênero, e ensino de história / Aedos / 2013

Neste décimo terceiro número da revista AEDOS três peculiaridades merecem atenção desde o início deste editorial; 1- Não apresentamos uma entrevista, algo que ocorreu em todos os números que não centraram-se em apresentação dos anais de eventos; 2- No entanto a falta de entrevista decorre da promoção do primeiro evento organizado pelos editores da revista em consonância com o tema do dossiê temático deste número; 3- Recebemos mais de setenta artigos e resenhas para apreciação dos avaliadores, um recorde nestes treze número de nossa revista.

Nossa felicidade em sermos prestigiados com tantos pesquisadores interessados em publicar na AEDOS nos deixou com um desafio. Decidimos que manteríamos parte destes textos para o número atual e os textos não avaliados então seriam avaliados para o décimo quarto número, que virá no início de 2014.

O dossiê temático intitulado “Democracias Ameaçadas”, inspirado na proximidade dos 50 anos do golpe militar que levou à Ditadura Civil-Militar no Brasil, tinha o intuito de permitir o debate abrangente sobre qualquer situação de exceção em que a democracia se encontrasse ameaçada. Os temas dos diversos artigos submetidos a esta seção estavam centrados nos diversos aspectos de memória e resistência nas ditaduras do Cone Sul. Janaina Vedoin Lopes e Glaucia Vieira Ramos Konrad abrem o dossiê com seu artigo “Arquivos da Repressão e Leis de Acesso à Informação: Os Casos Brasileiro e Argentino na Construção do Direito a Memória e a Verdade”; Carolina Sinhorelli apresenta em seu artigo “Situação crítica: proposições de Frederico Morais nos anos 1960 e 1970“ um debate sobre a arte, a crítica de arte e seus meandros com a Ditadura Civil-Militar brasileira; Patricia da Costa Machado enfatiza o tema da justiça em seu artigo “Transições pactuadas e transições por ruptura: a manutenção do legado autoritário no Brasil e sua influência no processo de justiça transicional”; Mauro Eustáquio Costa Teixeira em seu artigo “A democracia fardada: imaginário político e negação do dissenso durante a transição brasileira (1979-1988)” trata do papel das Forças Armadas na transição à democracia desde a revogação dos Atos Institucionais, e ainda debate a anistia relacionada às violências perpetradas no período; Tiago Francisco Monteiro de certo modo aprofunda o mesmo debate tratando das divisões políticas no cerne das Forças Armadas em “As propostas de defesa da democracia apresentadas pelas facções castrenses do Exército na Nova República do Brasil (1985-89)”; Dayane Guarnieri centra seu trabalho na análise do Jornal do Brasil e as interpretações dadas ao regime de exceção em suas páginas com seu artigo “Ideias políticas em torno das finalidades democráticas do regime de exceção entre (1964-1968) no Jornal do Brasil”; fechando esta ampla seção de dossiê temático Cristina Scheibe Wolff apresenta o tema de gênero e ditadura militar em “Eu só queria embalar meu filho. Gênero e maternidade no discurso dos movimentos de resistência contra as ditaduras no Cone Sul, América do Sul”.

Com estes temas presentes o conselho editorial da AEDOS organizou o evento “Ditadura, Gênero e Ensino de História”. Este é o motivo do título desta edição que traz o tema do dossiê e em seu subtítulo o tema do evento inspirado pelos artigos enviados para o dossiê. O evento ocorreu entre os dias 18, 19 e 20 de Novembro de 2013 contando com mesas compostas de apresentações de artigos e de depoimentos com membros da Comissão da Verdade do estado de São Paulo Rubens Paiva e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. O lançamento do livro “Da Guerrilha à imprensa feminista: a construção do feminismo pós luta armada no Brasil (1975-1980)” abriu tal evento e o pré-lançamento deste número da revista AEDOS, com a divulgação dos artigos aceitos para compor o dossiê temático, e o lançamento do livro “Cone Sul em tempos de Ditadura: Reflexões e debates sobre a História recente” fecharam os debates do evento.

Os artigos para a seção de artigos livres apresentam temas sobre justiça medieval, leituras historiográficas e cinematográficas sobre a Idade Média, imagética assíria, o fórum romano de Augusto, historiografia acerca dos estudos dos movimentos sociais no início do século XX no Rio de Janeiro, estudos sobre reis espartanos embasados em Focault, gênero e História da Arte, História da educação no Brasil, Comunistas Brasileiros e o dia de ação de graças nos EUA. Isto apresenta não apenas a diversidade de temas mas de pesquisadores advindos de diversas partes do país para se encontrarem em um debate acadêmico nas páginas digitais da AEDOS. Esta diversidade de temas dentro da História em nossas páginas exige um contato amplo com doutores de inúmeras instituições para a possibilidade de uma avaliação adequada de cada um destes temas. A Revista AEDOS só tem a agradecer por esta variedade pois seus editores crescem com o contato com os autores e avaliadores e a revista cresce com a qualificação e amplitude de pesquisadores envolvidos nos trabalhos do processo editorial que permitem a publicação deste periódico.

Com este número encerra-se a participação de nossa gestão. Como de praxe um novo concelho editorial se forma dentre os alunos do PPG-Hist da UFRGS para administrar a editoração deste periódico. Desejamos uma ótima gestão para os editores vindouros e para os autores a serem agraciados com a relação avaliador-editor-autor que o processo editorial proporciona.

Conselho editorial

Gestão 2012-2013


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.5, n.13, ago / dez, 2013. Acessar publicação original [DR]

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História e gênero / Historiae / 2012

Dando continuidade ao trabalho de divulgação da produção acadêmico-científica vinculada à ciência histórica, iniciado com a Revista do Departamento de Biblioteconomia e História, ao final dos anos setenta, a Historiæ traz ao público nesta edição o Dossiê “História e Gênero”, abordando variados temas voltados às interrelações e interfaces no que tange às identidades / diversidades entre os gêneros, num amplo espectro espaço-temporal.

Dentre as diversas temáticas trabalhadas no Dossiê se fazem presentes a construção de estereótipos femininos junto à imprensa caricata; a mulher artista e professora a partir de memórias expressas por meio da oralidade; os discursos e as pedagogias de gênero e sexualidade tomando por base o Egito Antigo; o homem e o casamento em meio à elite gaúcha à época da Revolução Farroupilha; a normatização de condutas das mulheres através da imprensa feminina baiana; a atuação feminina na educação de meninas pobres no Rio Grande do Sul do século XX; o feminismo na perspectiva das charges no Brasil do início dos anos setenta; representações, sexualidade e transgressão na óptica de romances oitocentistas; as construções e representações do universo feminino entre as décadas de 1920 e 1940; a criação de imagens da infância em um anuário sul-rio-grandense do final do século XIX; a ação docente segundo as memórias de uma professora gaúcha nos anos 1960; a identidade de gênero de Lisboa como forma de afirmação política da Dinastia de Avis; e as representações de masculinidade e feminilidade sob o prisma da literatura no Brasil dos Oitocentos. Além do Dossiê, houve ainda espaço para um artigo acerca de liberdade e criminalidade em regimes ditatoriais e democráticos durante o período republicano brasileiro.

Ao lançar mais este número, a Historiæ – Revista de História da Universidade Federal do Rio Grande permanece em sua constante faina, que tem perpassado as décadas, de levar aos leitores uma variada gama de enfoques e abordagens expressas através de escritos de natureza histórica.

Francisco das Neves Alves – Presidente do Corpo Editorial


ALVES, Francisco das Neves. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 3, n. 2, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, cultura, identidades: experiências e narrativas / Revista Mosaico / 2012

Gênero, cultura, identidades: experiências e narrativas é título e tema do dossiê que integra o presente volume da Revista Mosaico da PUC Goiás, organizado pelas professoras Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante (PUC Goiás), Maria Zeneide Magalhães Carneiro de Almeida (PUC Goiás) e Diva do Couto Gontijo Muniz (UnB).

Ao contemplar tal temática, a Mosaico traduz uma política editorial sintonizada com a contemporaneidade do campo historiográfico brasileiro, reconhecidamente ampliado no que tange aos seus objetos, suas abordagens, problematizações, perspectivas e fontes.

A perspectiva dos estudos de gênero e a abordagem interdisciplinar informam e aglutinam as reflexões das autoras de diferentes universidades do país, cujos artigos compõem o presente dossiê: “O governo de Rosas em Camila (1984) – filme de Bemberg”, de Alciene Cavalcante (UFF); “Perfis femininos na literatura infantil: uma abordagem histórica e comparativa (1930-1950)”, de Ana Carolina Siqueira Veloso (UERJ) e Marcia Cabral da Silva (UERJ); “A Revista Feminina e suas imagens: narrativas visuais de discursos de gênero”, de Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UERJ); “Gênero, sexualidade e sedução no discurso jurídico”, de Claudia Jesus Maia (Unimontes / MG) e Renata Santos Maia (Unimontes / MG); “Mulheres e política: a participação nos movimentos abolicionistas do século XIX”, de Diva do Couto Gontijo Muniz (UnB) e Fabiana Francisca Macena (UnB); “Santa Casa da Misericórdia na Capital da Corte Imperial: o abandono, a honra e o progresso impressos em corpos de mulheres escravizadas”, de Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro (INHIS / UFU / MG); “Carregadeiras d’água: um ofício silenciado pela modernização em Vila Boa de Goiás”, de Lúcia Ramos de Souza (FACMAIS / GO); e “Uma experiência de História em Clarice Lispector”, de Albertina Vicentini (PUC Goiás).

Na segunda parte deste número da Mosaico, na seção temas livres, dois artigos avulsos: “A imprensa e os usos do passado: o projeto de Armando Salles Oliveira e o grupo político do jornal O Estado de São Paulo (1933-1934)”, de Carolina Soares de Sousa (UnB), e “Representações literárias do sertanejo em “ O Tronco”, de Bernardo Élis, e em “Serra dos Pilões-Jagunços e Tropeiros”, de Moura Lima”, artigo de Daiany Ribeiro Teixeira (UFT) e Marina Haizenreder Ertzogue (UFT).

Convidamos você, leitor, a compartilhar de uma história pensada diferentemente.

Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante

Maria Zeneide Magalhães Carneiro de Almeida

Diva do Couto Gontijo Muniz

As organizadoras


CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa; ALMEIDA, Maria Zeneide Magalhães Carneiro de; MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.5, n.1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e Infância / Tempos históricos / 2012

Em 1999 a Revista Brasileira de História em seu volume 19, número 37, trazia a público o dossiê “Infância e Adolescência”, passados oito anos, em 2007, a referida Revista apresentava o dossiê “História e Gênero”. Lendo tais dossiês, inicialmente, perguntamos: o que eles têm em comum? Pistas à resposta nos são dadas por Joana Maria Pedro e Rachel Soihet3 “ao historicizarem e analisarem a trajetória do campo historiográfico da história das mulheres e das relações de gênero”. Em seu artigo, as autoras evidenciam a pertinência de pesquisas que contribuíram para a legitimação desse espaço historiográfico que por muitos / as na acadêmica, ainda, é entendido como periférico e de caráter secundário em relação a outros campos de estudos, considerados por eles / as mais importantes à História.

Se a história da criança se fez à sombra da dos adultos4 , e se podemos arriscar que o que ela tem em comum com a história das mulheres e das relações de gênero é o lugar periférico em que muitos da academia insistem em mantê-la, não nos equivocamos ao dizer que o que também as une é o despertar do crescente e importante interesse de muitos pesquisadores e pesquisadoras que, através de suas várias pesquisas, múltiplas abordagens e diferentes metodologias, consolidaram os campos da história das mulheres e das relações de gênero e o campo da história da infância. Nos curtos espaços de tempo, entre a organização dos dois Dossiês e entre os dias atuais (1999-2007-2012), muitas pesquisas foram realizadas e publicações feitas acerca das relações de gênero e da história da infância, sendo que o dossiê Gênero e Infância da Tempos Históricos, tem por objetivo contribuir na difusão e divulgação das pesquisas e produções historiográficas nestes campos da História que a nós são tão caros.

Assim, a historiadora portuguesa Helena da Silva, no artigo intitulado “Relações de gênero na enfermagem em Portugal (1886-1955)” 5 , apresenta uma instigante reflexão sobre o processo de feminização da profissão da enfermagem em Portugal a partir dos anos de 1930. Segundo a autora, esta mudança esteve associada à introdução dos modelos britânico e norte-americano onde os profissionais da saúde eram do sexo feminino. Todavia, nas associações e nos sindicatos dos profissionais da enfermagem os homens permaneceram dominando o cenário.

As historiadoras brasileiras Joana Maria Pedro e Gleidiane de Souza Ferreira, no artigo denominado “São Honestas? Defloramentos em Fortaleza nas primeiras décadas do século XX”, através da análise de processos penais, discutem como se dava a construção da representação social da “mulher honesta” no início do século XX na cidade de Fortaleza, especialmente no âmbito dos grupos sociais mais pobres daquela sociedade. O discurso da moral, segundo as autoras, prevalecia sobre os demais.

A historiadora argentina Cecília Rustoyburu, no artigo “Infancia y maternidad en los discursos de la pediatría psicosomática (Buenos Aires, a mediados del siglo XX)”, descreve como paulatinamente o discurso da Pediatria adquiriu uma grande importância na sociedade argentina do início do século XX. A autora foca sua análise na obra do médico Florêncio Escardó que divulgava estes novos saberes científicos através dos meios de comunicação.

A historiadora Olga Brites e historiador Eduardo Silveira Netto Nunes, ambos brasileiros, analisaram como o campo da publicidade em relação à infância foi sendo forjado no Brasil. Os autores no artigo “Infâncias e propagandas em revistas: anos 1920 – 1950” apresentam um panorama das principais características das peças publicitárias publicadas em diferentes periódicos entre 1920 e 1950.

O historiador brasileiro Daniel Alves Boeira, por sua vez, no artigo “O patronato agrícola de Anitápolis (SC): o núcleo colonial, os “menores” e a comunidade (1918- 1930)”, analisa as práticas escolares e laborais vigentes na principal instituição de acolhimento de crianças e jovens pobres e / ou indisciplinados do início do período republicano, o Patronato Agrícola.

A historiadora brasileira Ana Paula Pruner de Siqueira no artigo intitulado “As relações familiares estabelecidas no cativeiro e no pós-abolição em Palmas- PR”, descreve, a partir de registros paroquiais e processos de tutela, as trajetórias familiares de escravos e seus descendentes que habitavam na região de palmas (PR), no século XIX.

As historiadoras brasileiras Anelise Rodrigues Machado de Araujo e Elisangela da Silva Machieski, esboçam uma reflexão sobre a obra “História de Abandono: Infância e Justiça no Brasil (década de 1930)”. Além das discussões relativas a narrativa histórica, as autoras argumentam sobre a importância das reflexões presentes no livro para a compreensão da questão da infância na sociedade brasileira atual.

E Por fim, o historiador Lucas André Berno Kölln ao se debruçar sobre a obra “O Romance Histórico”, do filósofo húngaro György Lukács, reflete acerca do objetivo do autor, qual seja, a relação entre a Literatura e a História, trazendo um importante e sempre atual debate acerca das potencialidades e limitações que se apresentam entre a Literatura e a História, bem como a íntima ligação entre estes dois campos de produção do conhecimento.

Notas

3. SOIHET, Rachel, PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História, Florianópolis, vol. 27, n. 54, 2007.

4. PRIORE, Mary del. História da criança no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 1996, p. 7.

Ivonete Pereira1 – Professora da Graduação e do Programa de Pós-Graduação do Curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

Silvia Maria Fávero Arend2 – Professora do curso de História Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).


AREND, Silvia Maria Fávero; PEREIRA, Ivonete. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.16, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]

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História e Gênero / Locus – Revista de História / 2011

Ao longo dos 17 anos da Revista Locus, numerosos artigos foram publicados. A Revista sempre esteve aberta à diversidade temática e metodológica. Nos últimos números, tem aberto espaço a dossiês e este número é dedicado aos estudos de Gênero. Questão que se tem feito presente em História e nas demais áreas de Ciências Humanas e Sociais. O tema deve ser visto em seu contexto histórico.

Desde fins dos anos 60, tornam-se presentes no Ocidente sinais e percepções de desmoronamento. O mundo sobrevivente à Segunda Guerra Mundial, polarizado em Capitalismo X Comunismo, mostrou fissuras em ambos os lados. Negros norte-americanos, em A Marcha para Washington em 1963, tornaram visíveis as contradições da democracia norte-americana. Jovens atletas negros – Panteras Negras – nas Olimpíadas do México, ergueram os punhos em protesto e denúncia às questões raciais norte-americanas.

Em 1967, o Estado de Israel invadiu terras de Gaza e aumentou seu território na Guerra dos Seis Dias. Desconstruiu todo um olhar sobre o sionismo. Em 1968, Dubeck buscou conciliar, na Checoslováquia, a economia planejada com liberdades democráticas. A União Soviética, através do Pacto de Varsóvia, invadiu aquele país e abafou as tentativas de desestalinização. O episódio, que ficou conhecido como Primavera de Praga, aprofundou o descontentamento com o “Socialismo Real”, nas discussões dos marxistas ocidentais.

Ficou conhecida como Maio de 1968 a série de acontecimentos que se iniciaram nas universidades de Nanterre e Paris: protestos estudantis contra o sistema educacional e o estabelecido. Protestos que se estenderam aos trabalhadores e se alastraram pela Europa e Estados Unidos. Caracterizaram-se os protestos e seus desdobramentos pela ampliação dos conceitos de “política” e de “liberdade”. Eros e a civilização, de Herbert Marcuse, é a radiografia identificadora de liberdades que devem ser buscadas: liberdade dos corpos, dos gêneros e convívio com as diferenças. O movimento hippie, Beatles, protestos contra a Guerra do Vietnã e a reivindicação de feministas assinalam aspectos do questionamento ao estabelecido.

Novas questões foram colocadas para o meio acadêmico e a necessidade de propostas metodológicas para estudá-las. O conceito de “Gênero” surgiu na década de 1970, como categoria de análise social, usado por feministas norte-americanas em busca das diferenças baseadas no sexo. A visibilidade do movimento feminista, no período, foi possível pelas questões que assinalamos anteriormente. Em História, ampliou-se o universo a ser estudado, contudo, como assinalou Hobsbawm:

Mas os aspectos sociais ou societais da essência do homem não podem ser separados de outros aspectos do seu ser, exceto à custa da tautologia ou da extrema banalização. Não podem ser separados, mais que por um momento, dos modos pelos quais os homens obtêm seu sustento e seu ambiente material.[1]

As questões de gênero estão imbricadas nos diversos aspectos que envolvem os contextos sociais e nos quais os indivíduos atuam na História. Recebem e constroem visões de mundo em seus momentos e em lugares que ocupam na sociedade. Os estudos sobre a questão têm revelado que, homens e mulheres vivenciam, de maneiras específicas, seus contextos históricos. Neste dossiê, os estudos debruçam-se em tais vivências.

O dossiê é aberto pelo texto de Alex Silva Monteiro: “Despidas de suas vestes. Torturas e intrigas: o cotidiano das cristãs-novas nos cárceres do Santo Ofício da Inquisição de Portugal, século XVII”, no qual o autor discute a questão de gênero no contexto da Inquisição Portuguesa, abordando as rés, especialmente as cristãs novas, diante dos tribunais inquisitoriais. Através dos processos instaurados, o autor mergulha no cotidiano das acusações, buscando resgatar valores e visões sobre a mulher no século XVII português. Ao mesmo tempo, revela as torturas físicas e psicológicas as quais foram submetidas, algumas delas, em tenra idade.

Ainda no campo da religiosidade, William de Souza Martins, em artigo intitulado: “Representações femininas na obra do padre Manuel Bernardes (1644-1710)”, analisa as representações de gênero encontradas em duas obras de autoria de Manuel Bernardes, um padre português que apresentava as mulheres a partir de uma perspectiva misógina, a +m de persuadir os fiéis em relação a seus princípios. Duas obras do padre serviram de base para a percepção de tais representações: Armas de castidade, de 1699 e Nova Floresta, escrita entre 1706 e 1728.

Deyssy de La Luz García, no trabalho “Las mujeres en el pentecostalismo mexicano. Apuntes para la historia (Las pioneras, 1910-1948),” analisa o papel das mulheres pentecostais no México, na primeira metade do século XX. A partir de fontes orais e escritas, a autora destacou a atuação relevante das mulheres no processo de divulgação e aquisição de novos adeptos para a doutrina pentecostal, em que pese sua pouca participação no âmbito das atividades de direção e gestão de igrejas. O artigo leva em conta, igualmente, os valores por elas compartilhados e as condutas consideradas ideais no gênero feminino.

No presente dossiê, não só a relação entre gênero e religião é levada em conta, mas também a perspectiva da “ciência” em relação à mulher. Este é o objeto central do artigo de Marisa Miranda e Maria Bargas, intitulado “Mujer y maternidad: entre el rol sexual y el deber social (Argentina, 1920-1945)”. As autoras se voltam para o estudo das relações entre eugenia e gênero e entre gênero e sexo, segundo as visões predominantes na Argentina, nas primeiras décadas do século XX. Através da leitura, conclui-se que, dentro de um paradigma eugênico-latino, sexo e gênero eram duas faces de uma mesma moeda, ou seja, predominava uma relação mimética entre os dois temas. Dessa forma, a desigualdade entre homens e mulheres, a subordinação feminina e a heterossexualidade tinham caráter natural e imutável. Qualquer alteração desse paradigma era vista como um atentado às leis da natureza.

Segue-se o artigo de Marina Garone Gravier e Albert López, intitulado “Rastros invisíveis sobre o papel: as impressoras antigas na Espanha e México (Séculos XVI ao XIX)”, no qual se propõe resgatar o papel das mulheres no mercado tipográfico. Começando a abordagem nos primórdios da imprensa, até meados do século XIX, os autores buscam destacar o importante papel desempenhado pelas mulheres no trabalho de impressão de numerosos livros e panKetos (broadsides). Muitas herdaram o negócio de seus falecidos pais ou maridos, levando à frente, com maestria, as atividades. A partir da análise específica da trajetória individual de várias tipógrafas ao longo do período, os autores revelam a importância de tais análises para os estudos de gênero no mundo do trabalho.

Em geral, os estudos de gênero são voltados para a análise do papel da mulher em sua relação com a sociedade. A historiadora Maria Izilda de Matos presta contribuição inovadora ao tratar da masculinidade, no artigo: “Cabelo, barba e bigode: masculinidades, corpos e subjetividades.” Tendo como palco a cidade de São Paulo nas primeiras décadas do século XX, a autora relaciona os ideais de masculinidade presentes nos discursos médicos e nas propagandas dos jornais. Destaca a preocupação com o combate ao alcoolismo e com a manutenção de um corpo jovem e saudável, através da propagação da importância da higiene masculina, sobretudo manifesta através dos cuidados com o cabelo, a barba e o bigode.

Complementam o presente volume dois artigos e uma resenha, recebidos em fluxo contínuo. O ensaio de Clarice Cassab, intitulado: “Contribuição à construção das categorias jovem e juventude: uma introdução”, volta-se para o estudo dessas duas categorias ao longo da história. Partindo do período romano, passando pelo período medieval e confluindo para a modernidade, a autora vai acompanhando as mudanças de concepção acerca do que significava, em cada período, ser jovem. Ressalta-se a atribuição à juventude de desvios e inconsequências, sobretudo quando associada à pobreza.

O artigo de Fábio Chagas, intitulado: “O nacionalismo revolucionário e a resistência à ditadura nos anos 1960 no Brasil”, aborda a resistência contra a ditadura militar brasileira levada a cabo, sobretudo, por militantes nacionalistas e comunistas gaúchos. Fundamentando-se em consistente base empírica, o autor analisa os vínculos entre os dois grupos, destaca a participação de importantes lideranças no planejamento e organização das ações contragolpistas e analisa as opções feitas pela resistência em cada conjuntura.

Por fim, a revista é fechada com uma resenha de Samuel Silva Rodrigues de Oliveira, que apresenta aos leitores o livro organizado por Márcio Piñon de Oliveira e Nelson Fernandes, que resume conclusões de um evento que tratou dos 150 anos da área suburbana da cidade do Rio de Janeiro.

Esperamos que o leitor encontre neste volume subsídios para pesquisas futuras, não só para o tema “gêneros”, objeto privilegiado por este número, como também para os demais volumes da revista.

Nota

1. HOBSBAWM, Eric. “Da História Social à história das sociedades”. In: Sobre História. São Paulo.

Vanda Arantes do Valle – Doutora. Professora do Departamento de História da UFJF Organizadora do Dossiê


VALLE, Vanda Arantes do. Editorial. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.17, n.2, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História, gênero e sexualidade / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2011

O texto do historiógrafo romano Tito Lívio, Ab Urbe Condita, é conhecido por sua extensão e pelo detalhismo de sua narrativa, a qual descreve em minúcias as batalhas lutadas pelos fundadores da cidade de Roma e pelos seus cônsules.

No livro XXXIX, contudo, percebe-se uma mudança de tema. Não que os detalhes tenham diminuídos – eles estão lá, presentes, ajudando a compor o enredo de seu autor. Todavia, sem fugir à sua pretensão de narrar a história pátria, Lívio quase compôs um suspense que prende a atenção do seu leitor até seu desenlace final.

Tito Lívio escrevia sobre a década de 180 AEC, plena fase de expansão militar que levaria a dominação latina a circundar todo o Mediterrâneo, e nos introduz ao contexto daquela sociedade: decaída por causa da ostentação importada. “O luxo das nações estrangeiras penetrou em Roma na esteira do exército da Ásia: foi ele quem introduziu na cidade os leitos adornados de bronze, os tapetes preciosos, os véus e os tecidos delicados” [2]. Junto com os tapetes e tecidos finos, chegaram do Oriente bens imateriais, como novas religiões, uma das quais apresentou ao cônsul seu problema quando bateu em sua porta um rapaz chamado Públio Ebúcio, “filho de um cavaleiro romano, tendo perdido o pai e, em seguida, os tutores, fora educado pela mãe, Durônia, e pelo segundo marido desta, Tito Semprônio Rútilo (…) que desempenhara a tutela de modo a não poder de forma alguma prestar contas, procurava desfazer-se do pupilo ou mantê-lo sob sua dependência por meio de um laço suficientemente forte. A única forma de corrompê-lo seria iniciá-lo nas bacanais” [3].

Em conluio com o marido, a mãe do jovem Ebúcio pediu-lhe que se mantivesse casto por alguns dias, para que pudesse iniciá-lo nos cultos báquicos em resposta a uma promessa feita, levantando suspeitas numa outra personagem, Híspala, “uma cortesã famosa, liberta (…) muito acima do ofício que desempenhara quando escrava e no qual, após sua manumissão, persistira por necessidade” [4]. Esta ex-escrava, vizinha do jovem, era sua amante, teve um acesso histérico quando soube dos planos de Durônia e relatou o que vira, quando jovem, numa dessas cerimônias de iniciação: festins orgiásticos com toda sorte de obscenidades, inclusive o estupro de jovens rapazes, cujos gritos eram abafados pelos sons de instrumentos musicais.

Tivesse o jovem acedido ao desejo materno e participado de tais rituais, estaria desonrado para o resto da vida e não poderia livrar-se da influência do padrasto – não se concebia um cidadão romano que tivesse representado, já adulto, o papel passivo numa relação sexual.

Vários são os primas através dos quais o historiador pode abordar este trecho do Ab Urbe Condita – o econômico (a disputa pelos bens de um herdeiro endinheirado); o jurídico (os direitos de tutelagem, por exemplo, estabelecidos já na Lei das XII Tábuas); da política (o cônsul e seu papel na administração da cidade) ou da cultura (a inserção de práticas helenísticas no contexto romano). A todos estes, porém, podemos acrescentar pelo menos mais um: a história do corpo. Nas palavras de Peter Gay:

“O historiador profissional tem sido sempre um psicólogo (…) ele opera com uma teoria sobre a natureza humana; atribui motivos, estuda paixões, analisa irracionalidades e constrói o seu trabalho a partir da convicção tácita de que os seres humanos exibem algumas características estáveis e discerníveis, alguns modos predizíveis, ou pelo menos decifráveis, de lidar com as suas experiências. (…) No início da década de 40, Marc Bloch assinalou a obrigação do historiador de explorar o que chamou de ‘as necessidades secretas do coração’ dos homens” [5].

O corpo e suas interpretações sociais: eis o campo onde os estudos transdisciplinares vêm inserindo o conhecimento históricos nas últimas décadas. O corpo, “o ausente da linguagem, o local do desejo e da infelicidade (…) e os historiadores, renovando os votos de Michelet, partiram para a pesquisa da própria vida (…), a ‘carne e o sangue da história” [6]

O corpo, e como consequência as relações entre os seres humanos, foi desnaturalizado. Não é um dado inquestionável. É, antes, o local primeiro da escrita da história, pois as percepções de gênero são “desenvolvidas e alimentadas por diversos mecanismos do meio social” [7], e tais locais são, claramente, objeto do olhar historiográfico.

No exemplo liviano que dá início a esse texto, diversos locais de produção da história são inscritos no corpo dos seus personagens, “sede do desejo, ele fundamenta a expressão desse desejo. Toda palavra é desejo, toda palavra vem do corpo” [8]. A mãe que, apaixonada, permite-se agir contra o próprio filho em prol do companheiro; a amante que, mais uma vez movida pelo desejo, revela ao jovem Ebúcio os horrores do culto báquico (e o faz rompendo o voto de silêncio imposto a todos os participantes).

A honra de Ebúcio, e sua manutenção o permitiria assumir em breve a herança legada pelo pai, é o foco central dessa narrativa. Sim, o jovem mantinha relações com uma cortesã; todavia, ressalta Lívio: “a vizinhança ensejara relações (…) que não prejudicavam a reputação do jovem” [9]; o verdadeiro risco residia na perspectiva de representar o papel passivo numa relação homossexual: “terríveis bramidos, ruídos de instrumentos, sons de címbalos e tímpanos afogavam os gritos do pudor ultrajado (…) de início suportaria todas as infâmias e depois as exerceria contra outros” [10]. Tais situações requerem “respostas inovadoras” daquele que a elas se achega para produzir História, e neste sentido “não só o gênero é visto como uma construção cultural, mas também o sexo” [11]. Ou nas palavras de Olwen Hufton, “uma gender history que se interessa pelo processo de definição tanto do masculino como do feminino” [12].

O debate sobre diferentes papeis sociais é questão central, não apenas da academia, mas da sociedade como um todo, e o conhecimento histórico não poderia abster-se de tal debate. Para Jonathan Ned Katz [13], é tema essencial e bastante debatido nas relações humanas, enquanto Michel de Certeau [14], ao abordar o lugar da História e do historiador na sociedade, afirma que não se pode isolar os pensadores do espaço em que vivem; antes, eles devem imiscuir-se no meio social sentir as preocupações e opressões de seu tempo, e produzir trabalhos que representem a sociedade na qual estão inseridos, numa epistemologia da história comprometida com o contexto social que a gerou.

Notas

2. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 6. São Paulo: Paumape, 1990, , p. 284, 285.

3. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 9. São Paulo: Paumape, 1990, p. 287.

4. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 9. São Paulo: Paumape, 1990, p. 288.

5. GAY, Peter. Freud para historiadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 25, 26.

6. REVEL, Jacques; PETER, Jean-Pierre. O Corpo. IN LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. Novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p.141.

7. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 168.

8.REVEL, Jacques; PETER, Jean-Pierre. O Corpo. IN LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. Novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p.145.

9. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 10, p. 288. São Paulo: Paumape, 1990.

10. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 10, p. 289. São Paulo: Paumape, 1990.

11. SILVA, Andreia Cristina Lopes Frazão da. Aproximações historiográficas ao medievo: teorias, métodos e técnicas da História das mulheres e dos estudos de gênero. In ZIERER, Adriana; XIMENDES, Carlos Alberto. História Antiga e Medieval: cultura e ensino. São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 99.

12. HUFTON, Olwen. Mulheres/Homens: uma questão subversiva. In BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. Passados recompostos: campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1998, p. 247.

13. KATZ, Jonathan Ned. A invenção da heterossexualidade. Rio de Janeiro; Ediouro, 1996.

14. CERTEAU, Michel de. A operação histórica. In LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976, p. 17-48.

José Maria Gomes de Souza Neto – Professor de História Antiga de Universidade de Pernambuco.

 


SOUZA NETO, José Maria Gomes de.  A honra de Ebúcio: história, gênero e sexualidade. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.4, n.2, p.6-10, 2011. Acessar publicação original [IF].

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Mulher e Caribe: aproximações à problemática de gênero / Revista Brasileira do Caribe / 2011

O presente número monográfico da Revista Brasileira do Caribe incorpora uma variada e rica coletânea de artigos que oferecem reveladores aspectos sobre o Caribe desde a polêmica perspectiva do gênero. Assim, todos os artigos selecionados se encontram interconectados pelo vínculo de serem portadores de evidentes explorações sobre a temática da noção de gênero como uma concepção metodológica, epistemológica, multidefínivel, porque a realidade que estudam é ontologicamente diversa, e porque os que se aproximam a ela cognoscitivamente também o fazem com olhares diferentes. Empregar um enfoque de gênero significa aproximar-se às realidades sociais comprendendo que as mulheres e os homens não têm somente sexos biológicos, mas também estão dentro dos marcos e padrões construídos em sociedades historicamente concretas, que têm atribuído papéis determinados ao significado de ser homem e ser mulher.

Este fascículo nasce da necessidade de revelar múltiplos olhares inovadores sobre a autenticidade da construção de diferentes identidades sexuais e de gênero nos espaços caribenhos. Dessa forma, propiciamos a colaboração de especialistas de diversos âmbitos dentro das áreas, da Filologia, da História, da Sociologia, dos Estudos Culturais, com a finalidade de pesquisar e encontrar aspectos cruciais de uma organização social que sustenta este tipo de discriminação, oferecendo possíveis alternativas de ação pública para a resolução deste tipo de desigualdade. Daí deriva o valor inquestionável deste coletivo de estudos que reúne um importante grupo de autores de diferentes países e especialistas em diversas disciplinas. Estes pesquisadores oferecem novos e provocadores debates, enfoques e marcos teóricos que revelam valiosas aproximações para a historiografía, estimulando espaços inovadores em vários campos e perspectivas dos estudos caribenhos.

Os artigos se encontram organizados seguindo uma orden disciplinar e cronológica, ainda que esta não seja a única classificação possível. A primeira parte deste número especial, dedicada a Cuba, se inicia com um artigo de María Guadalupe Mercado Méndez no qual aparece uma interesante abordagem sobre o romance El siglo de las luces do escritor cubano Alejo Carpentier. No contexto histórico da Revolução Francesa, o relato centra-se em três jovens órfãos que foram prejudicados pela chegada de um comerciante francês que introduz em Havana os novos conhecimentos da ciência, da técnica e da filosofia. A personagem de Sofia, uma adolescente, revela a surpreendente construção do feminino na História, influenciada por uma forte presença de ideologias machistas.

O segundo artigo de Brígida M. Pastor, oferece uma reveladora interpretação de duas escritoras pioneiras na temática feminina e suas contribuições desde o exílio: María de las Mercedes Santa Cruz y Montalvo, Condesa de Merlín e Gertrudis Gómez de Avellaneda. Pastor expõe como no século XIX a mulher escritora enfrenta o dilema não somente de escrever, mas também de como escrever. Trata-se de um discurso que revela a ansiedade de autoria ou o grande dilema que vive na realidade, e sua necesidade de recorrer a uma série de estratégias com o propósito de construir e dar expressão a suas ideias emancipadoras.

A continuação Verena Berger presenta um estudo sobre a novela gráfica De sangre y ron mi Cuba (2010), do desenhista galego Fran Jaraba, e através de um enfoque histórico – a Guerra de Independência de Cuba (1895-1898)– faz uma revisão do fim do colonialismo espanhol no Caribe. O estudo de Berger aborda como Jaraba integra na sua novela a representação dos gêneros no médio popular que trata da violência da guerra.

Conrad James examina alguns dos assuntos políticos relacionados com a escritura de uma Cuba lésbica. Este estudo estabelece algumas das preocupações essenciais do florescente discurso lésbico forjado internamente e na diáspora, centrando-se na narrativa confessional de Sonia Rivera-Valdés, produzida nos Estados Unidos. James explora admiravelmente, desde as perspectivas das identidades lesbianas múltiplas, tanto o passado colonial de Cuba, como o governo de Castro e a reconstrução cultural dos últimos anos da década de 1990.

Carlos Uxó apresenta em seu artigo uma análise crítica da representação da mulher afro-cubana em cinco romances publicados em Cuba na primeira década do século XXI (Maldita danza de Alexis Díaz-Pimienta, 2002; Las criadas de La Habana de Pedro Pérez Sarduy, 2003; El harén de Oviedo, de Marta Rojas, 2004; Allegro de habaneras de Humberto Arenal, 2004; y Palimpsesto de José Antonio Martínez Coronel, 2008). Uxó convincentemente demonstra até que ponto estas novelas conseguem destacar a subalternidade na mais recente narrativa cubana.

O fascículo estende suas aproximações sobre a temática de gênero às regiões continentais do Caribe. O artigo de Daniel Noemí Voionmaá oferece uma abordagem sobre dois romances que acontecem na Zona do Canal, no Panamá: Canal Zone (1935), do equatoriano Demetrio Aguilera-Malta, e Luna verde (1950) do panamenho Joaquín Beleño. A análise incisiva de Voionmaa apresenta uma realidade marcada pelo cruzamento e transporte de capital, e de corpos excluídos por sua raça e gênero.

O artigo de Omar García Obregón tem sido incluído no dossiê pelas contribuições teóricas que podem ser extendidas ao Caribe. O autor oferece uma iluminadora exploração sobre a arte de narrar da escritora brasileira Nélida Piñón, em seu relato «I Love My Husband». García Obregón leva em consideração os aportes ensaísticos da escritora, para situar a mulher dentro de uma memória ancestral feminina que a autora explora para, através de atos paródicos, ir contra a normatividade de gênero num contexto patriarcal.

Outro artigo da autora Livia Maria Bastos Vivas aborda as problemáticas de gênero e de raça na Ilha Antiga, no contexto de domínio colonial com predomínio da atividade turística e do turismo sexual. O artigo desenvolve a temática a partir de A small place, romance de uma das mais destacadas narradoras do Caribe, Jamaica Kincaid. A autora-protagonista, no romance questiona, desde a segunda pessoa do singular, as práticas sexuais dos turistas homens em uma franca transgressão dos códigos sexuais atribuidos às mulheres.

Dina Comisarenco Mirkin, por sua parte, apresenta uma interessante leitura da obra mural que a artista mexicana Electa Arenal realizou na Cuba pós-revolucionária, nos primeiros anos da década de 1960. Centra-se na análise formal de algumas de suas obras e poemas, demonstrando eloquentemente que existe uma singular iconografia na qual a representação do gênero, a infância e a maternidade foram renomeados de acordo com o conteúdo político próprio do muralismo mexicano e da ideologia personal da artista.

No estudo de Julio Moracén Naranjo se explora a relação de gênero e sociedade em Cuba e Brasil a partir da análise de dois personagens femininos (Maria Antonia e Efigênia) num cenário de referência do teatro negro caribenho. Desde uma perspectiva inovadora se tomam como ponto de partida duas obras emblemáticas do teatro: Sortilégio (1957), do autor brasileiro Abdias do Nascimento e Maria Antonia (1967), do autor cubano Eugenio Hernández Espinosa. No artigo exploram-se os diferentes níveis de construção de identidade feminina numa meta_reelaboração continua de materiais simbólicos que definem culturas caribenhas transculturadas.

Por último, Georgina Flores García e Belén Benhumea Bahena visibilizam a relevante atuação de um grupo de mulheres que não tem sido registradas na história e que não aparecem nos estudos sobre o Caribe mexicano apenas por um problema espacial. Estas duas autoras escolhem um caso de estudo revelador para dar testemunho de mulheres brancas espanholas, negras e indígenas emprendedoras e progressistas no contexto do Vale de Toluca durante os séculos XVII e XVIII.

A história, a literatura e a cultura no contexto do Caribe sempre tiveram que enfrentar-se com uma arraigada tradição machista e com uma constante prática de censura. Por isso, esses discursos oscilaram em relação à liberdade de expressão, entre visões liberais e autoritárias. Durante os últimos cinquenta anos houve um despertar que tem visto nascer novas e revolucionárias expressões artísticas, entre as quais se destacam os discursos históricos, literários e artísticos, como sólidos canais dedicados à denúncia das injustiças, às vivências de construção de uma sociedade nova, surgindo assim um questionamento conflitivo de noções de identidade, gênero, nação e diáspora. Descobrem-se novos discursos transgressores e estratégicos em busca de uma formulação ideológica que gere sociedades mais justas e igualitárias.


PASTOR, Brígida. Mulher e Caribe: aproximações à problemática de gênero / Revista Brasileira do Caribe. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.12, n.23, p.7-10, jul./dez., 2011. Acessar publicação original. [IF].

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Gênero, cidade e cotidiano / Dimensões / 2009

Este número de Dimensões – Revista de História da Ufes é uma edição singular e, portanto, especial. À grande importância desse momento em que mais um número da revista vem a público, soma-se a realização de uma nova edição do evento acadêmico bienal promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, da Universidade Federal do Espírito Santo, o II Simpósio Internacional de História, em parceria com a Université de Paris-Est, cuja temática será Cidade, Cotidiano e Poder, razão pela qual o presente dossiê se intitula Gênero, cidade e cotidiano.

Trata-se de uma edição que é dedicada exclusivamente a um tema predefinido e que reúne em um mesmo conjunto de textos perspectivas de diferentes autores, estudiosos de temáticas que dizem respeito às relações de gênero e ao cotidiano da vida feminina nas cidades. O objetivo básico dessa edição é dar aos leitores uma visão geral de seu conteúdo, que de regra compreende estudos que envolvem as relações urbanas.

Fruto da dedicação e trabalho da equipe de organizadores e editores, que não poupou esforços (e tempo) para a sua elaboração, desde a concepção, passando pela chamada de trabalhos, a seleção e edição, Dimensões ganha, nesta edição, o dossiê Gênero, cidade e cotidiano, que concretiza um projeto elaborado há muito tempo pelo Programa de Pós-Graduação: o de uma publicação especial reunindo pesquisadores vinculados a instituições acadêmicas, governamentais ou não governamentais, que investigam aspectos históricos, culturais, econômicos e políticos da temática “gênero”. Leia Mais

Perspectivas de gênero nos mundos do trabalho | Mundos do Trabalho | 2009

Os artigos reunidos neste dossiê trilham diferentes caminhos frente ao desafio comum de articular perspectivas de gênero num exercício de história social. A categoria analítica de gênero é neles empregada para rever e ampliar os limites do mundo do trabalho e seus sujeitos. As e os protagonistas das histórias contadas nos artigos que se seguem nem sempre cerraram fileiras em partidos políticos ou em sindicatos, e muitos deles não realizaram greves nem motins. Suas experiências sociais são aqui tomadas para problematizar os limites e a abrangência do conceito de classe trabalhadora, que não se expressa e não se esgota apenas em sua organização institucional.

As autoras deste dossiê escolheram enfocar primordialmente a complexidade da composição e do relacionamento de diversos grupos de trabalhadores, levando em conta as múltiplas noções identitárias que permeiam suas experiências. Leia Mais

História e Gênero / Revista Brasileira de História / 2007

Nas revisões interpretativas mais recentes da história, o “tempo presente” ganhou destaque e prestígio nas análises em que interagem o “tempo curto” e o “tempo longo”. Portanto são as exigências do presente que cada vez mais instigam o historiador a rever as narrativas existentes do passado, colocando novas indagações, retomando a leitura da documentação que desvenda os silêncios e possibilita a construção de outras histórias e sujeitos.

A exigência da organização de um Dossiê de Gênero na Revista Brasileira de História, após 19 anos (1989-2008) se fez imperativa na medida em que o campo de estudos sobre as mulheres e de categorias como “gênero” adensaram os debates de natureza teórico-metodológica consolidando os conceitos e perspectivas analíticas de modo a garantir uma expressiva produção acadêmica em nosso país.

Desta maneira apresentamos o Dossiê História e Gênero, que reuniu alguns trabalhos considerados representativos do momento presente, em que a RBH, em nova gestão, retoma o seu calendário editorial.

O primeiro artigo, “Feminismo e configurações de gênero na guerrilha: perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985”, retoma a época das ditaduras militares na América Latina evidenciando as distintas formas de luta e de resistência femininas e feministas; o texto “Sociabilidades políticas e relações de gênero: ritos domésticos e religiosos no Rio de Janeiro do século XIX” introduz perspectivas desafiadoras de abordagem e questionamento no campo do político; em “Memórias femininas: tempo de viver, tempo de lembrar” evidencia-se o papel da memória e das lembranças na constituição do gênero feminino; em “Amor e gênero em quadrinhas” demonstra-se a construção dos estereótipos femininos; no trabalho “Casamento, maternidade e viuvez: memórias de mulheres hansenianas” produz-se um mergulho numa comunidade “fechada” para demonstrar como funcionam as permanências de práticas e de diferenças de gênero, e em “Mulheres em movimento: a presença feminina nos primórdios do esporte na cidade do Rio de Janeiro (até 1910) discutem-se os obstáculos enfrentados por muitas mulheres para adentrar e permanecer em lugares considerados privilégio do sexo masculino.

Portanto, uma produção criativa sobre “mulheres” e “gênero” que possibilita vislumbrar um “horizonte de espera” significativo para o campo que se legitima e se consolida.

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.27, n.54, dez., 2007. Acessar publicação original [DR]

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História e Gênero / Anos 90 / 2007

Faz pouco menos de vinte anos que Joan Scott publicou seu artigo célebre mostrando a utilidade da categoria gênero para a análise histórica (Scott, 1995). De lá para cá, afloraram muitas polêmicas e abriram-se diversos caminhos nas pesquisas a respeito das relações de gênero realizadas por historiadores (as). No que tange às polêmicas, destacam-se os debates entre pesquisadores(as) alinhados(as) com a história social, que enfatizam o papel da experiência e do sujeito na construção cultural da diferença sexual, e aqueles(as) que partem de posições genericamente definidas como pós-estruturalistas, as quais procuram mostrar o próprio sujeito e suas experiências como produtos de práticas discursivas e não-discursivas.1 Em relação aos caminhos abertos, é possível dizer que, depois de uma quase exclusividade das investigações voltadas ao gênero feminino, os(as) historiadores(as) passaram a se preocupar também com as masculinidades e com os chamados “transgêneros”, além de voltarem seu olhar para processos históricos não tão obviamente generificados como, por exemplo, a construção das nações e suas metáforas femininas (a “mãe gentil”) e masculinas (o “herói guerreiro”).

Apesar deste campo de estudos ter se consolidado e institucionalizado – o que pode ser demonstrado pelas inúmeras revistas dedicadas ao tema, pelo surgimento de diversos núcleos de pesquisa, pela realização de numerosas dissertações de mestrado e teses de doutorado que, direta ou indiretamente, lidam com gênero, entre outros indicadores – cabe voltar à pergunta instigante proposta por Scott: será que esse enfoque modificou a nossa forma de encarar a História, de hierarquizar nossos temas e temporalidades, de (re)pensar referenciais teóricos e procedimentos metodológicos? Ou será que gênero continua a ser visto como “mais um tema”, um enfoque “moderno” que pode ser incluído nas coletâneas (de preferência ao final), mas que não modifica a arquitetura das nossas publicações e o nosso entendimento do passado?

Visando contribuir para tal discussão, a revista Anos 90 apresenta um dossiê sobre relações de gênero, no qual é possível vislumbrar essa pluralidade de caminhos e enfoques. O primeiro artigo, de Gil Mihaely, examina, a partir da perspectiva das masculinidades, a noção de domesticidade e seu impacto no mundo do trabalho francês de 1870 a 1910. Eni de Samara Mesquita, André Félix Marques da Silva, Breno Henrique Selmine Matrangolo, Nadia Beyeler e Patrícia Garcia Ernando da Silva, tendo por base um banco de dados construído com informações retiradas de testamentos manuscritos de São Paulo no período de 1840 a 1870, analisam as relações entre senhoras e escravos na era do café. Já Marlene de Fáveri e Anamaria Marcon Venson tratam de práticas culturais e representações construídas por mulheres de diferentes gerações, no sul do estado de Santa Catarina, relativas ao ritual de passagem ligado ao aparecimento da menarca. Por fim, fechando o dossiê, Paulo Pezat aborda a maneira pela qual o positivista religioso gaúcho Carlos Torres Gonçalves procurou aplicar, nas esferas pública e privada de sua vida, os ensinamentos de Comte a respeito do gênero feminino, o “sexo altruísta”.

Na parte geral da Revista, temos os artigos de José D’Assunção Barros sobre a “história da história comparada”; de Bruno Flávio Lontra Rodrigues, a respeito das relações entre História e Literatura, abordando especificamente a obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas; e de Márcia Janete Espig, relativa à presença, nas fontes e na historiografia militar do movimento do Contestado, de ex-operários da construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. Seguem ainda as resenhas de Teresa Malatian do livro de Justo Serna e Anaclet Pons, La historia cultural, e de Diogo da Silva Roiz, do livro de Décio Gatti Júnior, A escrita escolar da História: livro didático e ensino no Brasil (1970-1990).

A partir deste número, retomamos a publicação das edições semestrais e esperamos poder regularizar a periodicidade da Revista. Continuamos os esforços de editores anteriores para adaptar a revista a padrões técnicos solicitados pelos órgãos financiadores e indexadores, sem prejuízo da qualidade intelectual que a tem caracterizado desde sua criação. Nesse momento, a presença do Programa de Apoio à Edição de Periódicos da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFRGS tem sido muito importante, não apenas pelo apoio financeiro, mas pelas orientações em questões técnicas, nem sempre previamente conhecidas por nós, docentes. O Portal de Periódicos Científicos da UFRGS2 é tanto um instrumento de divulgação dos periódicos da Universidade, no qual Anos 90 se faz presente, como um canal de assessoria aos editores.

Nosso Conselho Editorial foi ampliado, acompanhando a diversificação das pesquisas desenvolvidas em nosso Programa, o que é um reflexo tanto do aumento do corpo docente, pelo ingresso de novos doutores, quanto da ampliação do número de alunos em nossos cursos de mestrado e doutorado. Agradecemos a todos aqueles pesquisadores que aceitaram nosso convite.

A versão digital da revista, para o que estamos trabalhando, permitirá uma relação mais orgânica com os conselheiros, os articulistas e com os leitores da revista. O portal da Anos 90, 3 vinculado à página do Programa, já está em operação e estamos conjugando esforços para torná-lo mais operacional.

Notas

1. Um resumo desta polêmica encontra-se em Cadernos Pagu, 1994.

2. Portal de periódicos científicos – UFRGS. Disponível em

3. Disponível em

Referências

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & realidade. 20(2): 71-99, julho / dezembro 1995 (original de 1988). Porto Alegre: FACED / UFRGS.

CADERNOS PAGU. Campinas: PAGU – Núcleo de Estudos de Gênero / UNICAMP, n. 3, 1994.

Benito Bisso Schmidt – Professor do Departamento e do PPG em História da UFRGS. Organizador deste número.

Regina Weber – Professora do Departamento e do PPG em História da UFRGS. Editora da revista Anos 90.


SCHMIDT, Benito Bisso; WEBER, Regina. Apresentação. Anos 90, Porto Alegre, v. 14, n. 25, jul., 2007. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e História / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2007

Há algum tempo, em Santa Catarina, vem se constituindo um campo de estudos de gênero. Data de 1984 a constituição do “Núcleo de Estudos da Mulher”, na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Em 1989 foi organizado o primeiro evento interdisciplinar, intitulado “1º Encontro de Estudos sobre a Mulher”. Foi a partir deste evento que surgiu o NEG – Núcleo de Interdisciplinar de Estudos de Gênero, reunindo pesquisadoras de diversas áreas acadêmicas tais como Literatura, Antropologia, Psicologia, História, Enfermagem, Nutrição e outras. Foi, ainda, em 1989, que ocorreu o 3° Encontro Nacional de Mulher e Literatura”, organizado pela UFSC. Neste período, as categorias “Mulher”, “Mulheres” e Relações de Gênero”[1] foram objeto de discussão, delimitando-se áreas de interferência, pontos de disputa e de conexão.

A partir de 1994, na UFSC, começaram a ser realizados eventos que passaram a assumir a categoria “Gênero” como constitutiva de um campo de estudos que englobava as demais. Foi, assim, no interior do “I Simpósio Fazendo Gênero”, que categorias como Mulher, Mulheres e Gênero, acrescidas de “Masculinidades”, “Feminilidades”, “Sexualidades”, “Direitos Reprodutivos”, “Direitos Sexuais” entre outras, passaram a ser discutidas, apresentadas, problematizadas, definidas. Estes simpósios “Fazendo Gênero” foram se repetindo a cada dois anos, chegando, em 2006, à sua sétima versão, ampliando o horizonte de análises e do número de participantes.

Se esta trajetória foi interdisciplinar em diferentes lugares, e não somente na UFSC, cada disciplina viveu-a como um caminho específico. Para a História, o percurso também começou com os estudos sobre a Mulher, embora a História das Mulheres ganhasse, rapidamente, versões editoriais de sucesso, como se observa na obra em 5 volumes, História das Mulheres, organizada por Georges Duby e Michelle Perrot, [2] ‘em 1993. Outro aporte que facilitou a presença da História neste campo de estudos foi o texto fundador da historiadora Joan Scott: “Gênero uma categoria útil de análise histórica”, [3] publicado no Brasil em 1990, que supria de legitimidade acadêmica os estudos feitos até então e costumeiramente acusados de “militantes”.

Na historiografia brasileira, o livro de Maria Odila Leite da Silva Dias, Cotidiano e poder, [4] publicado em 1984, é, certamente, o que abrirá portas para inúmeros estudos sobre História das Mulheres. Na historiografia de Santa Catarina, a dissertação de Cristina Scheibe Wolff, As mulheres da colônia Blumenau,[5] foi pioneira no campo de estudos da História das Mulheres em Santa Catarina. Este trabalho, evidentemente, foi seguido por muitos outros; estes configuraram um campo de estudos que se expressa em obras, artigos, capítulos, teses, dissertações e monografias que seria impossível citar sem cometer a gafe de esquecer muitos.

Dentro da UFSC, as pesquisas de história têm participado das atividades interdisciplinares que são apresentadas nos “Simpósios Fazendo Gênero”, mas, também, têm tido presença significativa em outras ações, como na editoria da Revista Estudos Feministas, e, atualmente, no Instituto de Estudos de Gênero. Nestas mesmas atividades, as pesquisadoras da UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina -, têm participado em todos os níveis, constituindo, também elas, núcleos e grupos dentro da instituição em que trabalham, formando, assim, com a UFSC, atividades de cooperação e parceria.

Dentro do campo da História em âmbito nacional, as historiadoras, tanto da UFSC como da UDESC e da UNISUL, [6] têm participado do GT de gênero da ANPUH – Associação Nacional de História, criado em 2001 em Niterói, e vêm se reunindo, anualmente, seja nos encontros nacionais, seja nos encontros regionais, definindo pautas de atuação e buscando reforçar o campo de estudos em que atuam.

Foi dentro desta trajetória que, em 2006, reuniu-se em Florianópolis, no Encontro Estadual de História, o GT de Gênero da regional de Santa Catarina, a partir de um Simpósio Temático: “Gênero e Gerações: novas perspectivas de pesquisas”. Neste GT, várias pesquisas foram divulgadas, e foi realizada uma chamada de artigos para publicação. Neste mesmo ano, em Assis, São Paulo, no Encontro Regional da ANPUH, reuniu-se o GT de Gênero e foi realizada, também, uma chamada de artigos: a reunião destes Permitiu selecionar seis deles, que agora estão compondo este dossiê.

Os assuntos ai tratados permitem perceber as inúmeras possibilidades deste campo de estudos. Para este dossiê, dois assuntos são focalizados com mais intensidade: sexualidade e memória.

A sexualidade é tratada por Maria de Fátima da Cunha, através dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. Neste autora reflete sobre a forma como a temática do gênero e da sexualidade aparecem nos PCNs, e questiona sobre como tratar destes assuntos em sala de aula, especialmente nas sétimas e oitavas séries. Maria Cristina de Oliveira Athayde focaliza as obras de Marta Suplicy, e a maneira como esta autora divulgou as questões da sexualidade nos anos setenta e oitenta, nas revistas, nos jornais, na rádio e na televisão, transformando-se numa grande divulgadora das questões do feminismo de “Segunda Onda”7, no Brasil. Discutindo, também, esta questão, mas Já focalizando muito mais a memória, o artigo Gabriel Felipe Jacomel destaca a forma como a sexualidade, dentro da abordagem do feminismo de Segunda Onda, foi para o teatro, através da peça Homem não entra! encenada por Cidinha Campos.

Já o trabalho de Jaqueline Aparecida M. Zarbato Schmitt abre o bloco dos textos que focalizam mais especificamente a memória. Neste artigo, a autora reflete sobre as histórias e memórias dos idosos dos grupos de convivência em Florianópolis, centrando sobre a forma como o gênero define o que pode ser lembrado. Joana Vieira Borges mostra como as leituras do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, são referenciadas pelas pessoas que se identificaram com o feminismo de Segunda Onda, no Brasil. Ainda, Soraia Carolina de Mello recorre à memória dos Periódicos alternativos do feminismo no Brasil, ao focalizar o jornal Nós Mulheres, apontando para a maneira como deram destaque às discussões sobre os trabalhos domésticos, questão pendente até os dias de hoje.

Dos artigos publicados neste dossiê, somente um deles, o de Jaqueline Aparecida M. Zarbato Schmitt, tem Santa Catarina como local de estudo; todos os demais se localizam em diferentes locais do país, ou, simplesmente não têm qualquer vinculação com a localização espacial. Assim, embora em sua maioria os autores sejam de Santa Catarina, não é o local que está definindo seu objeto de estudo. Todos eles mostram as ricas possibilidades que os estudos de gênero permitem, inspirando outras pesquisas, ampliando horizontes. Foi isto que pretendemos, ao reuni-los neste dossiê.

Notas

1. Para uma discussão da hlstorlcldade de “Mulher”, “Mulheres” e “Relações de Gênero”, ver PEDRO. Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. Revista História. São Paulo: Editora UNESP. 2005. vol. 24 (1). p. 77-98.

2. DUBY, Georges. & PERROT, Michelle. História das mulheres Porto: Ed. Afrontamento & Ebradll 1993

3. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre 16(2); 5-22. Jul. / dez. 1990.

4. DIAS. Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo o século XIX. São Paulo: Ed Braslliense, 1984.

5. WOLFK Cristina Scheibe. As mulheres da colônia Blumenau – cotidiano e trabalho (1850- 1900). Mestrado, História, PUC / SP. 1991.

6. UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.

7. Enquanto o feminismo de “Primeira Onda” esteve principalmente centrado na reivindicação de direitos políticos- como o de votar e ser eleita- o feminismo chamado de “Segunda Onda” surgiu depois da Segunda Guerra Mundial e deu prioridade ás lutas pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado. Neste momento, uma das palavras de ordem era: “o privado é político”.

Joana Maria Pedro– UFSC

Cristiani Bereta da Silva – UDESC

Jaqueline Aparecida Zarbato Schmitt – UNISUL


PEDRO, Joana Maria; SILVA, Cristiani Bereta da; SCHMITT, Jaqueline Aparecida Zarbato. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.15, 2007. Acessar publicação original [DR]

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Relações de gênero e escrita da história / Esboços / 2006

Em seu livro “A Nova História Cultural”, traduzido no Brasil em 1992, a historiadora Lynn Hunt afirmava que “Sem alguma discussão de gênero, nenhum relato de unidade e diferença culturais pode estar completo” [1] Este recurso nosso a uma autoridade acadêmica, como a da autora, talvez não seja mais necessário nos dias atuais, mas, no início dos anos noventa, no Brasil, certamente esta afirmação ajudou historiadoras/es em seu “combate pela história”, para que se incluísse o gênero como categoria de análise e que se aceitasse como “acadêmicos”, e portanto “sérios”, os estudos históricos que tinham este foco. Mesmo porque a desqualificação não era feita somente em relação ao gênero, outras pesquisas que discutiam raça/etnia, e mesmo classe, eram “acusadas” de serem “militantes” e, portanto, de não terem suficiente objetividade para serem tomadas como acadêmicas.

Por outro lado, dentro da militância a categoria gênero foi observada com desconfiança. Parecia “limpa” demais, não servia para identificar quem eram as/ os amigas/os e os que não eram. Ao contrário de “mulher” ou “mulheres”, gênero não designava um sujeito, e sim uma relação. Mesmo que reiteradas vezes tenha se afirmado que esta categoria tinha uma trajetória que começara com o movimento de mulheres e feministas, que remontava aos anos sessenta, ou seja, aquilo que se convencionou chamar de “Segunda Onda” do feminismo, para muitas feministas a categoria segue sendo uma maneira de despolitizar o debate.

Na escrita da história, no Brasil, o texto de Joan Scott tem sido considerado fundamental. A tradução do famoso artigo “Gênero: uma categoria de análise histórica”, pela revista Educação e Realidade, em 1990, em Porto Alegre [2], representou um marco nesta historiografia, dedicada, muitas vezes, a discutir a História das Mulheres.

A História das Mulheres, por sua vez, tem uma emergência em período anterior. Em 1984, o livro que se considera como marco dentro da historiografia brasileira foi o de Maria Odila Leite da Silva Dias, Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX [3]. Torna-se interessante notar que este livro não traz, em seu título, a palavra mulher. Estratégias editoriais em um terreno difícil? Lembremos, ainda, que a editora que o publica, a Brasiliense, tornou-se conhecida, justamente por editar livros da esquerda, de resistência à ditadura e de cunho feminista. Este livro, inúmeras vezes citado, provocou o aparecimento de muitas pesquisas que trouxeram, estas sim, palavras como “Mulher”, “Mulheres”, “Condição feminina”, “Meninas”, em seu título. Assim, ainda em 1984, Miriam Moreira Leite organizou “A condição feminina no Rio de Janeiro: século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros”. [4] No ano de 1989, outra leva de livros tratavam do mesmo assunto: Rachel Soihet publicou “Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920”; Eni de Mesquita Samara publicou “As mulheres, o poder e a família: São Paulo século XIX”; Martha de Abreu Esteves publicou “Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Èpoque”. [5] Em 1993, Leila Mezan Algranti publicava “Honradas e devotas: mulheres da colônia, condição feminina nos conventos e recolhimentos do sudeste do Brasil, 1750-1822”; Mary Del Priore publicava “Ao sul do corpo: condição feminina, maternidade e mentalidades no Brasil Côlonia”; Luciano Figueiredo, “O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII”.[6] Em 1994, Joana Maria Pedro publicava “Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe”. [7]

Torna-se interessante observar que, por cerca de dez anos, os estudos históricos focalizaram o tema “mulher”, “Mulheres”, “feminina”, e o explicitaram nos títulos. Estavam, certamente, dialogando com um feminismo que, desde a segunda metade dos anos sessenta, vinha reafirmando a diferença e a identidade. O que se pretendia era mostrar que “havia uma forma “feminina” de fazer história, e que as mulheres constituíam-se como sujeitos, embora a História insistisse em deixá-las na invisibilidade Em sua obra, Maria Odila Dias alertava para as dificuldades de se escrever esta história, e de que, mais do que a falta de fontes, havia uma “invisibilidade ideológica”. Como ela, outras historiadoras/es buscaram apontar a presença das mulheres na história. Mostrou-se sua resistência às dificuldades da colonização e da escravidão. Apontavam as formas como burlavam as normas e como inventavam novos modos de agir. Tratava-se de encontrar estas personagens que, embora não tivessem ocupado qualquer cargo considerado importante na historiografia metódica, [8] tinham uma participação importante nos processos que a história social e a história cultural passavam a valorizar.

Certamente, a ausência delas em cargos de destaque também as deixou fora de muitas das fontes oficiais, mas não de todas. Abundantes em registros demográficos, em recenseamentos, são também numerosas em registros policiais e judiciários. Vem deste tipo de fonte a maioria das escritas da história. E, então, o que mais se encontra são trajetórias de mulheres pobres, lavadeiras, cozinheiras, prostitutas. No limite da pobreza, no limite das normas.

O uso da categoria “gênero” na escrita da história não significou o desaparecimento do uso de “Mulher”, “Mulheres” e até mesmo de “feminina”, embora  esta última esteja sob severa crítica, uma vez que remete às diferenças biológicas, reforçando-as. O que se observa é que estas discussões continuam presentes e que neste dossiê, na revista Esboços, pode-se acompanhar como tanto o gênero quanto mulheres são referenciados.

Outra questão que merece destaque são os estudos sobre “masculinidade”. Novidade no interior da escrita da história, é bastante recente o surgimento de livros no Brasil que se atrevem a trazê-los no título. Na França, tem tido uma trajetória mais antiga [9]. Os estudos sobre masculinidades no Brasil, na historiografia são muito recentes. [10]

É, então, sobre relações de gênero, mulheres e masculinidades na escrita da história, que, neste dossiê da revista Esboços se fala. Está composto por 12 textos: 8 artigos, 3 textos referentes a um debate e uma entrevista.

Os oito artigos foram escritos por pesquisadoras oriundas de diferentes universidades do país e do exterior. Assim, Ângela Xavier de Brito e Ana Vasquez, em “Mulheres latino-americanas no exílio. Universalidade e especificidade de suas experiências”, lidam com “gênero”, embora a categoria “mulheres” apareça no título, pois as autoras percebem como estas relações interferem e dão significados diferenciados à experiência do exílio. Suely Gomes Costa, em “Silêncios, diálogos e ‘Os Monólogos da Vagina’: instantes dos feminismos (Brasil, 1970-1990)”, faz uma reavaliação do que se tem escrito sobre a história do feminismo no Brasil, através da peça “Os Monólogos da Vagina”, ela aponta para o “sexismo” da militância feminista dos anos setenta e oitenta, e a forma como esta peça, que fez parte da militância internacional, adquire novas abordagens, completamente descolada do que se pretendia em sua criação.

Lídia Maria Vianna Possas, no artigo “Revendo a história das cidades paulistas: uma (re)leitura do cotidiano”, busca nos inquéritos policiais os indícios do cotidiano da população urbana das cidades do Oeste paulista nas primeiras décadas do século XX. Assim, ela encontra as mulheres em seus espaços de trabalho, lazer e sociabilidade, mesmo em espaços considerados normalmente como masculinos, como é o caso dos bares e da estrada de ferro. Já Alcileide Cabral do Nascimento, no texto “Vida e esperança: o trabalho feminino na criação de bebês no Recife (1789-1831)”, apresenta uma pesquisa inédita e instigante, com reflexões importantes sobre o trabalho de mulheres pobres, principalmente negras e pardas, no Recife colonial e no início do Império. Evidencia as lidas e penas das amas de leite livres e escravas, que eram empregadas na criação de bebês nas casas particulares e nos abrigos de expostos e órfãos daquela cidade. Nestes artigos, a categoria “mulheres”, mesmo que constituída de forma relacional – ou seja, como relações de gênero -, é o foco da discussão e da escrita da história.

Continua sendo “mulheres” a força identificadora que organiza as mulheres em associações reivindicadoras de direitos, analisada por Maria do Socorro de Abreu e Lima no seu artigo “Pela efetivação dos direitos das mulheres: associações femininas no Recife dos anos 50”. A autora observa na pobreza e na luta pela sobrevivência o protagonismo das mulheres que atuam em diversas associações e organizações.

Cleci Eulalia Favaro, no artigo “Entre ‘lobos’ e ‘cordeirinhos’: dos discursos e das práticas nos relacionamentos familiares e conjugais entre descendentes de imigrantes”, apresenta uma análise instigante em torno dos discursos marcados pelo imaginário coletivo e a realidade vivida pelos homens e mulheres de origem étnica italiana. Um outro aspecto significativo é a utilização dos depoimentos orais e suas considerações sobre a metodologia de aproximação, e a aguçada percepção para perceber “detalhes significativos” no momento da entrevista. Maria Ângela de Faria Grillo, no artigo “Evas ou Marias? As mulheres na literatura de cordel: preconceitos e estereótipos”, apresenta as diversas maneiras como as mulheres aparecem no imaginário dos poetas de cordel nordestinos na primeira metade do século XX, e qual o papel que elas representavam para a sociedade da época. Os fragmentos dos folhetos da literatura de cordel mostram as imagens de mulheres malcriadas e falsas, como também de mulheres puras de boa conduta, identificadas como Eva ou Virgem Maria, respectivamente.

São, também, as mulheres, que Vera Lúcia Puga investiga em suas relações matrimoniais, no seu artigo “Casar e separar: dilema social histórico”. Aponta como, apesar das dificuldades na legislação, os casamentos eram desfeitos, mesmo nas classes mais abastadas. Entre as famílias mais pobres, uniões consensuais eram feitas e desfeitas. Lembra, entretanto, a força normativa da Igreja e do Estado, exigindo a manutenção de laços há muito já desfeitos.

Além dos artigos, deste dossiê consta um debate. Em junho de 2006, esteve presente no Encontro Estadual de História a professora e pesquisadora francesa Gabrielle Houbre. Esta fez uma conferência que se seguiu de um debate, com as professoras Cristina Scheibe Wolff e Janice Gonçalves. Gabrielle Houbre discutiu “A prostituição clandestina através dos arquivos da polícia de costumes (1865-1875)”, focalizando, portanto, fontes judiciais para o estudo da história das mulheres. No debate, as professoras focalizaram, respectivamente, as fontes policiais para a escrita da história das mulheres e das relações de gênero, e a relação de quem faz pesquisa com os arquivos e os documentos.

Fechando este dossiê, temos ainda a entrevista de Cristina Scheibe Wolff com Gil Mihaely. Este pesquisador esteve na Universidade Federal de Santa Catarina em 2006, e fez algumas conferências apresentando suas pesquisas sobre masculinidades e corpo masculino na França do século XIX. Na entrevista, ele discute sua trajetória acadêmica, as leituras que fez, pesquisas, estudos, e a importância da categoria gênero na sua escrita da história.

Este dossiê, centrado nas categorias “gênero” e “mulheres” dentro de uma perspectiva relacional numa revista como a Esboços, do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, permite refletir acerca de um campo de estudos que vem se desenvolvendo, nesta Universidade, desde o início dos anos noventa. Esta Universidade vem sendo reconhecida como um dos centros de excelência dos estudos sobre “Relações de Gênero”, “Feminismo”, “Mulheres”, “Masculinidades”. O diálogo que este dossiê realiza, com a escrita da História, permite marcar um acontecimento historiográfico e, também, mostrar um panorama do que se faz neste campo em outros lugares do Brasil.

Queremos agradecer a todas as pessoas que colaboraram com artigos; o esforço em fazer as revisões sugeridas, e, finalmente, a expectativa de que possa contribuir para o reforço da troca de experiências de pesquisa.

Notas

1. HUNT, Lynn. A nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.24.

2. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, 16(2): 5-22, jul/dez. 1990.

3. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo o século XIX. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.

4. LEITE, Miriam Moreira. (ORG). A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros. São Paulo: Ed. HUCITEC & Fundação Nacional Pró-Memória, 1984.

5. SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890- 1920. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1989; SAMARA, Eni de Mesquita. As mulheres, o poder e a família: São Paulo século XIX. São Paulo: Ed. Marco Zero & Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 1989; ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Èpoque. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1989.

6. ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da colônia, condição feminina nos conventos e recolhimentos do sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio & Edunb, 1993, DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidade e mentalidades no Brasil Côlonia. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio & Edunb, 1993; FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio & Edunb, 1993.

7. PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe. Florianópolis: Ed. UFSC/SC, 1994.

8. Este termo “historiografia metódica” refere-se à escrita da história que baseada em métodos de crítica pretendia narrar a trajetória política das nações. Ver a este respeito GRESPAN, Jorge. Considerações sobre o método. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p.291-300.

9. MOSSE, George L. L’image de l’homme. L’invention de la virilité moderne. Paris: Éditions Abbeville, 1997. WELZER-LANG, Daniel (org) Nouvelles approches des hommes et du masculin. Toulouse: Presses Universitaires du Mirail, 1998. DELUMEAU, Jean et ROCHE, Daniel. Histoire des pères et de la paternité. Paris: Larousse, 2000. 2º édition.

10. MATOS, Maria Izilda Santos de. Meu lar é o botequim: alcoolismo e masculinidade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001. MENDES, Juliana Cavilha. Histórias de quartel: um estudo de masculinidades com oficiais fora da ativa. Florianópolis: NIGS, 2004. OLIVEIRA, Pedro Paulo de. A construção social da masculinidade. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2004. SCHPUN, Mônica Raisa. (org.) Masculinidades. São Paulo: Boitempo Editorial; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Nordestino- uma invenção do falo. Uma história do gênero masculino (Nordeste – 1920-1940). Maceió: Edições Catavento, 2003.

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[DR]

Gênero e protagonismo na História (I) / História Unisinos / 2005

Gênero e Protagonismo na História é o tema do dossiê publicado no volume que ora apresentamos. Afora a importância e recorrência com que vem sendo estudado, sua definição encontra-se vinculada à realização da III Jornada de Estudos de Gênero- Feminismo e Gênero na Academia: protagonismos, tensões e perspectivas e do III Encontro de Protagonismo, Educação e Gênero, realizados simultaneamente, de 8 a 31 de março de 2005 na Unisinos. O evento se caracterizou pela abordagem interdisciplinar, razão pela qual algumas das comunicações apresentadas contemplaram o tratamento dado ao tema por várias áreas de conhecimento. Dessa forma, os artigos desse volume abordam as questões de gênero sob o “olhar” de várias disciplinas, como a História, a Teologia, a Psicologia, a Literatura, a Saúde Pública.

Convém ressaltar, entretanto, que os artigos publicados não resultam exclusivamente do evento acima referido. Esse é o caso dos dois primeiros, Masculinidades plurais: a construção das identidades de gênero em obras literárias, de Pedro Vilarinho, e Mulheres na militância: trajetórias femininas na construção do PT do Rio, de Ana Maria Mauad e Fernanda Lima Rabelo.

O artigo do Dr. Paulo Vilarinho, professor do PPG em História da Universidade Federal do Piauí, aborda um tema original e relevante para a historiografia brasileira, resultando numa contribuição significativa, não só para os estudos de gênero, mas também para a história cultural e intelectual. Indica novos padrões da cultura masculina relacionados à modernidade, mostrando como a dominação do masculino sobre o feminino se transforma, mas não desaparece. Partindo de um caso específico, os intelectuais piauienses, o texto aponta, também, conexões entre um campo cultural mais restrito e um universo mais amplo.

O artigo da Dra. Ana Maria Mauad, docente do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense e de Fernanda Lima Rabelo, mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro é outro texto instigante que evidencia como um conjunto de entrevistas, coletado e organizado na modalidade de Histórias de Vida, pode contribuir para a construção de uma história mais ampla do movimento político que derivou na criação do Partido dos Trabalhadores do / no Rio de Janeiro, nos anos 80 do século XX e como se fez, nele, a participação, em grau e importância, de mulheres militantes.

Movimentos Sociais e Serviço Social: protagonismo ético-político de mulheres, da assistente social e professora da Unisinos Ms.Clair Ribeiro Ziebel, é o primeiro dos artigos publicados que têm relação com o evento anteriormente citado. Nele, a autora, evidencia o caráter multidisciplinar da temática focalizada em nosso dossiê, descrevendo um trabalho de relevância social, mais especificamente o de assessoria a movimentos sociais em São Leopoldo. Enfatiza a trajetória percorrida por um movimento de mulheres, hoje organizadas no Fórum de Mulheres de São Leopoldo (FMSL) e seu protagonismo na cidade em torno das políticas públicas de gênero.

Em A história de uma história – o protagonismo das mulheres na Teologia Feminista, a teóloga e professora da Escola Superior de Teologia Dra. Marga Ströher, articula a área da História com a da Teologia ao relatar a experiência de implementação de uma cátedra de teologia feminista na instituição em que atua. Ao refletir sobre os propósitos e fundamentos da teologia feminista como campo de conhecimento e campo político, a autora relaciona a experiência relatada com as relações de força existentes no interior do campo religioso regional, nacional e internacional.

O artigo Industrialização, urbanização e disciplinamento. O discurso moral como justificativa dos internamentos de homens e mulheres em uma instituição psiquiátrica (Hospital São Pedro, de Porto Alegre, 1930-1947), da professora do PPGH da Unisinos Dra. Cleci Favaro e seus bolsistas de Iniciação Científica Adriana Lopes Ávila e Wagner Pedroso, realiza a análise de um corpo documental específico – os prontuários de um asilo de alienados, no período 1930- 1947 – visando observar a construção dos discursos de gênero. Focaliza a temática a partir das transformações que ocorriam nas relações de trabalho e do êxodo rural provocado pela industrialização a fim de demonstrar que os motivos justificadores de internação estavam permeados pela moral e pelos valores burgueses vigentes.

Em O feminismo marxista e o trabalho doméstico: discutindo com Heleith Saffioti e Zuleika Alembert, a Dra. Joana Maria Pedro, juntamente com suas bolsistas de Iniciação Científica Carolina de Melo e Veridiana Oliveira, contribuem para uma revisão historiográfica, destacando a relação efetuada, por autoras feministas que se encontravam sob influência da perspectiva marxista nos anos 1970 e 1980, entre o tema da exploração das mulheres e o surgimento da propriedade privada.

Gênero, uma palavra para desconstruir sentidos e construir usos políticos, do Professor Losandro Antonio Tedeschi da Universidade Regional Integrada / RS e doutorando do PPGH da Unisinos, é outro artigo de dimensão multidisciplinar, no qual a Sociologia e a Psicologia contribuem para refinar o uso do conceito “gênero” pelos historiadores. Nele, a discussão do conceito é inovada ao identificar seus usos empíricos e analíticos, os quais extrapolam a dimensão acadêmica e produzem efeitos de ganhos políticos.

O volume nº12 da História Unisinos dedica uma sessão especial ao Professor Leopoldo Zea que, por muitos anos e até seu falecimento, integrou o Conselho Consultivo da Revista. O Dr. Werner Altmann, professor do PPG História, em reconhecimento a essa importante contribuição, escreveu um artigo em que examina a vinculação da filosofia de Leopoldo Zea com a circunstância histórica que lhe tocou viver e coteja sua produção com os fatos marcantes da História da América Latina, verificando as influências deles recebidas. Ao valorizar as três etapas fundamentais da sua reflexão- a da História das Idéias na América Latina, a da Filosofia da História da América Latina e da Filosofia da Libertação Latino-americana buscamos evidenciar sua contribuição ao campo intelectual em que se destacou.

A sessão Resenhas divulga duas obras publicadas no exterior, uma no México e outra no Uruguai. Com elas, buscamos reafirmar nosso vínculo com temas da história latino-americana e nosso compromisso em destacar obras recentes que possam interessar os estudiosos dessa subárea de conhecimento.

Antes de encerrar, queremos alertar nossos leitores de que, devido ao grande número de artigos recebido sobre a temática Gênero e Protagonismo na História, decidimos que esse dossiê será mantido em nosso próximo número.

Comissão Editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.2, maio / agosto, 2005. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e protagonismo na História / História Unisinos / 2005

Neste número, a revista História Unisinos apresenta novamente o dossiê Gênero e protagonismo na História, devido ao grande número de artigos de qualidade recebidos.

Publica, também, artigos sobre vários temas, todos inéditos e relacionados com a ciência histórica ou áreas afins. Sendo assim, dá continuidade à sua linha editorial, que é a de estimular a relação da História com outros campos de conhecimento.

Notas de Pesquisa e Resenhas são sessões que, igualmente, integram esse último número do ano 2005.

Merece destaque especial a publicação da relação dos pareceristas ad hoc que contribuíram com a revista ao longo desse ano. Seus pareceres, favoráveis ou não à publicação, sempre foram criteriosos e de alto nível acadêmico.

A Comissão Editorial aproveita a ocasião, pois, para agradecer a esses colaboradores e estender seus agradecimentos aos autores que enviaram artigos e a todos os membros do Comitê Científico.

Comissão editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.3, setembro / dezembro, 2005. Acessar publicação original [DR]

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