História e Historiadores / Cadernos de História / 2018

É com intensa satisfação que publicamos o Dossiê História e Historiadores, a mais recente edição da revista Cadernos de História.

Amplas temáticas e abordagens são recorrentes objetos de análise no âmbito da atividade historiográfica e estão em contínuo debate no meio acadêmico. No entanto, já há algum tempo, o estudo sobre os historiadores vem despertando cada vez mais atenção e ocupando maiores espaços no campo de interesse dos pesquisadores, sobretudo na vertente das histórias intelectual, política, social e cultural. Neste dossiê optamos em destacar o papel ativo desempenhado pelos historiadores na produção do saber histórico, na seleção e no tratamento das fontes e na realização dos procedimentos metodológicos que bem fundamentaram as interpretações historiográficas sobre seu objeto de pesquisa.

Nessa perspectiva, convidamos para apresentar nosso editorial a dupla de historiadores Sérgio da Mata e Sabrina Magalhães Rocha. Os pesquisadores traçam um dinâmico percurso do que denominam „história dos historiadores‟ a partir das transformações sofridas pelas meta-narrativas em novas abordagens micro e pluridisciplinares. Desde então, os autores convidam nossos leitores a um instigante raciocínio acerca da produção do conhecimento histórico na contemporaneidade.

Os dois artigos que abrem esse dossiê, “A África antiga sob a ótica dos clássicos gregos e o viés africanista” e “O mundo ibérico e as origens das relações com a África negra”, escritos, respectivamente, por Maria Regina Cândido e Luciano Borges Muniz, pontuam algumas visões historiográficas envolvendo a história africana. A primeira pesquisa, além de destacar a legislação federal que instituiu de forma obrigatório os estudos africanos no Brasil, apresenta a relação entre o afrocentrismo e o eurocentrismo tendo como recorte temporal a África pré-moderna, sobretudo espelhando-se nas imagens construídas por „historiadores‟ do mundo clássico. Já a pesquisa de Luciano Muniz amplia a vertente historiográfica, tradicionalmente concentrada na visão econômica, ao relacionar expansão marítima do século XV com a África subsaariana. Para o autor, outras abordagens transdisciplinares também marcaram a aproximação entre o mundo ibérico e o continente africano.

O próximo artigo, de autoria do pesquisador Luiz Francisco Albuquerque de Miranda, também se inclina em estudar a historiografia da expansão marítima ibérica do século XVI, porém, com o olhar da Ilustração do século XVIII, ao dar especial atenção à obra do abade francês Guillaume-Thomas Raynal. Com o título “História das duas Índias e os colonizadores da América”, o autor analisa como a histórica filosófica do século XVIII representou os colonos ibéricos que chegaram à América a partir do século XVI.

Em seguida, o artigo de Aruanã Antônio dos Passos, intitulado “Do Império à República: escrita poética e biografia em Tobias Barreto (1869-1889)”, apresenta interfaces da história com a literatura. Nesta pesquisa, o autor analisa a vida intelectual do emblemático escritor Tobias Barreto, conjugada à sua vida privada e ao contexto histórico do último quartel do século XIX. O próximo artigo, de autoria do pesquisador Alexandre Almeida Marcussi, cujo título é “O anticolonialismo como tragédia: os jacobinos negros entre a História e a política”, apresenta a obra do historiador antilhano de Trinidad e Tobago, Cyril Lionel Robert James, publicada no final da década de 1930. Marcussi destaca que o texto do ensaísta caribenho integrou o movimento panafricanista do século XX ao estimular o ativismo político negro daquele continente, em razão de oferecer uma das possibilidades historiográficas do violento processo de independência da colônia francesa de São Domingos e, consequentemente, a formação do Haiti em 1804, dando início à configuração dos Estados latino-americanos do oitocentos.

O próximo artigo que integra esse dossiê é de autoria do historiador Rafael Nascimento Gomes e se denomina “Seignobos x Simiand: a querela do método histórico com a ciência social no início do século XX”. Como o título sugere, trata-se de um embate intelectual travado entre o historiador Charles Seignobos e o sociólogo e economista François Simiand. Para o pesquisador, tais discussões embasadas no método histórico e na ciência social foram fundamentais na institucionalização e na profissionalização dessas disciplinas no campo acadêmico francês. Na sequência, apresentamos o trabalho de Eduardo José Santos Borges e Augusto Fagundes da Silva dos Santos, intitulado “Considerações sobre um campo disciplinar: os principais modelos explicativos da economia colonial”. Os coautores lançam mão da bibliografia referencial acerca da dinâmica socioeconômica do período colonial brasileiro e realizam breve comparação historiográfica sobre essa temática. Nomes como Caio Prado Jr., Celso Furtado, Fernando Novais, Jacob Gorender, Ciro Flamarion Cardoso, João Fragoso e Manolo Florentino, são confrontados para confirmar o que já é amplamente reproduzido no meio acadêmico desde meados dos anos 1980: uma historiografia renovada ao considerar o contexto colonial como parte dinâmica e ativa de uma complexa rede econômica, política e social integrante do império português.

Parafraseando o historiador Lucian Lebvre ao afirmar que a „História é filha de seu tempo‟, o próximo artigo desse dossiê, de autoria de Lucas Pereira de Oliveira, realça que, atualmente, o entendimento da História não se orienta por dogmatismos e inquestionáveis verdades. Pelo contrário, acentua o debate ao reconhecer as várias interpretações, posicionamentos, metodologias, escolhas e experiências do historiador incorporado ao seu tempo histórico e social. Assim, “E. P. Thompson entre fragmentos, embates e tensões: reflexões teórico-metodológicas do seu posicionamento frente aos escritos de Anderson, Nairn e Kolakowski”, como bem sugere esse título, debate sobre várias questões historiográficas a partir do ponto de vista desses intelectuais marxistas.

Na sequência, o historiador José Costa D‟Assunção Barros, no artigo “Os historiadores e o tempo: a contribuição dos Annales”, discute, dentre outras abordagens, o conceito de „longa duração‟, a partir da perspectiva da Escola dos Annales, utilizandose, sobretudo, das concepções de Marc Bloch, Fernando Braudel e Michel Vovelle acerca do tempo histórico. Já o artigo de André Fabiano Voigt –, intitulado “Jacques Rancière e a História: uma introdução” –, dialoga com a historiografia francesa no tocante às contribuições multidisciplinares do intelectual Jacques Rancière ao aproximar história, filosofia e literatura. No propósito de analisar a historiografia do sistema econômico mundial, apresentamos o artigo do pesquisador Carlos Leonardo Kelmer Mathias, “A Longa Duração, A Grande Divergência e A Grande Convergência: sumários apontamentos acerca da influência de Fernand Braudel na compreensão do atual sistema econômico mundial”. Neste trabalho, como bem informado no título, o autor dialoga com a perspectiva braudeliana para pontuar aspectos consideráveis que delinearam o caminho tomado pelo cenário capitalista a partir do mundo moderno. E por fim, o artigo “Para uma historiografia do operariado de Alagoas”, de Ivo dos Santos Farias encerra essa sequência, ao apresentar um percurso historiográfico acerca do movimento operário alagoano dialogando com a produção acadêmica de três gerações de estudiosos.

Realizada por este editor em parceria com o pesquisador Euclides de Freitas Couto, a próxima seção do dossiê apresenta a entrevista com a historiadora Lucília de Almeida Neves Delgado acerca de sua trajetória acadêmica e suas perspectivas historiográficas. Em seguida, destacamos o duplo trabalho de Pedro Spínola Pereira Caldas ao apresentar a comunicação “A filosofia da história universal de Friedrich Schiller: uma introdução”, e a respectiva tradução do texto deste mesmo intelectual “O que significa e com que finalidade se estuda História Universal?”

Finalizamos a publicação desta edição com duas resenhas. A primeira, realizada por Matheus Landau de Carvalho, do livro “A eternidade pelos astros”, escrito na prisão por Louis-Auguste Blanqui, ativista francês e participante da Comuna de Paris em 1871. A edição brasileira foi publicada em 2016, cuja tradução foi realizada por Luciana Persice. A outra resenha que integra este dossiê é apresentada por Alex Rogério Silva, do livro organizado por Ângela Vaz Leão, intitulado “Cantigas autobiográficas de Afonso X, o sábio”. Trata-se de uma antologia traduzida e analisada de 34 poemas medievais referentes ao culto mariano.

Assim, através dos colaboradores deste dossiê temático, podemos destacar que a produção historiográfica e sua relação com os historiadores integram um vasto campo de possibilidades permeadas por conjunturas, espacialidades e tendências.

Desse modo, Cadernos de História ratifica ser um amplo espaço de discussão acadêmica que contribui com o diálogo transdisciplinar ao reunir neste número instigantes pesquisas sobre História e Historiadores.

Agradecemos mais uma vez a equipe do Setor de Revisão da PUC Minas, especialmente, a professora Daniella Lopes e aos estagiários Gabriel Gama e Francine Brandhuber. Agradecemos também a professora Jacyra Parreiras, chefe do Departamento de História da PUC Minas, e ao diretor da Editora PUC Minas, professor Paulo Agostinho Nogueira Baptista. Agradecemos ainda aos membros do Conselho Editorial dos Cadernos de História e, especialmente ao ex-editor adjunto Rafael Pacheco Mourão que, recentemente se desligou da revista e muito colaborou com seus serviços Apresentação prestados ao longo desses anos para que este periódico acadêmico obtivesse o amplo reconhecimento institucional. Ressaltamos que todas essas pessoas foram importantíssimas para tornar possível mais uma publicação dos Cadernos de História.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Marcelo de Araújo Rehfeld Cedro – Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor do Departamento de História da PUC Minas. Editor Gerente dos Cadernos de História.


CEDRO, Marcelo de Araújo Rehfeld. Apresentação. Cadernos de História. Belo Horizonte, v.19, n.30, 2018. Acessar publicação original [DR]

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