História, Literatura e Fronteiras / Revista Mosaico / 2010

O presente número da Revista Mosaico, do Programa de Mestrado em História, Cultura e Poder da PUC Goiás, tem como tema-chave História, Literatura e Fronteiras, tema sugestivo e atual, que releva as relações que a História e a Literatura vêm travando desde os anos 60 do século XX, especialmente no tratamento da Literatura como fonte da História e das sensibilidades. O número assinala com muita competência essa perspectiva, principalmente na dominante da formação dos estados nacionais da América Latina, dado que pelo menos três artigos assinalam essa dimensão: o de Cléria Botelho da Costa, professora do Programa de Pós-Graduação em História da UnB, que aborda alguns aspectos da obra poética de Castro Alves dedicada aos escravos e à escravidão no Brasil do século XIX, a qual, segundo a autora, rompeu os cânones do imaginário da determinação biológica da cultura pertencente à elite imperial, ao cantar o negro escravo dentro de um projeto de formação de um estado nacional de homogeinização que o ignorava. Para ela, Castro Alves exerceu, na construção da identidade nacional, uma forma de se contrapor ao projeto colonialista, muito embora suas marcas românticas e nacionalistas; o de Horst Nitschack, coordenador do Centro de Estudios Culturais Latinoamericanos (Cecla) da Universidad del Chile, que discute a contribuição, durante o processo de formação dos Estado-Nações europeus, das literaturas emergentes nacionais à criação de um espaço público, indispensável para a integração de distintos atores e comunidades culturais dentro de suas fronteiras e para o diálogo com outros estados-nações, muito embora também a consolidação da instituição ‘literatura nacional’, literatura aqui como processo de semantização, tenha chegado a ser um instrumento de exclusão desde dentro e de separação desde fora; e, no mesmo sentido, o artigo de Horacio Miguel Hérnan Zapata, da Universidad Nacional de Rosário, Santa Fé, Argentina, que questiona a construção do estado-nação argentino desde a revolução de mayo de 1810, cuja pauta negou e lesionou a visibilidade do indígena dentro de um projeto nacional também de homogeinização, que buscava erguer um “país racial e culturalmente superior”. Descreve como a desaparição do indígena ficou clara e explícita dentro das políticas estatais que vigoraram entre o centenário e o bicentenário dessa que foi a revolução mais importante do estado argentino.

Na sequência dessa trilogia dedicada ao tema da formação de estados nacionais do Brasil e Latino-América, temos o artigo de Gercinair Silvério Gandara, pós-doutoranda do PND / Capes UFG, que discute dois temas que são caros ao brasileiro e, em especial, ao povo goiano: o sertão e a fronteira. O artigo aponta que, no Brasil, a fronteira aparece como o limite do humano. À primeira vista, é o lugar do encontro dos que, por diferentes razões, são diferentes entre si, como os proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres de outro. No seu modo de ver, no entanto, é o lugar do encontro de relações sociais, mentalidades, ou melhor, de relações diferentes. Daí estender seus argumentos à cidade de Uruaçu, Goiás, como cidade-fronteira, baseada especialmente no pensamento de José se Souza Martins sobre o tema.

Sobre Goiás, temos ainda o autor Bernardo Élis, cuja obra O Tronco, de 1956, é discutida por Albertina Vicentini, professora do Mestrado em História da PUC Goiás e bolsista-pesquisadora do Cnpq, que analisa a obra do ponto de vista da sua realização enquanto romance histórico tradicional, evidenciando nele as marcas da convenção realista exigida por G. Luckács e discutida, na literatura, por Roman Jakobson e Phillipe Hamon.

Outros autores analisados são o gaúcho Cyro Martins, na sua Trilogia do Gaúcho a pé, ou seja, o gaúcho marginalizado pela urbanização e mecanização do campo, que Carlos Roberto Rangel, professor do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, RS, juntamente com as bolsistas PIBIC Simone Becker Ferreira e Fabiula dos Santos Martins analisam, demonstrando o realismo social do autor que denuncia a penúria do homem rural e as transformações das cidades interioranas do RS, o choque entre o tradicional e o moderno; e Alcindo Guanabara, cujas crônicas são avaliadas por Marina Haizenreder Ertzogue, professora da UFTocantins e pesquisadora do Cnpq, sob a perspectiva da melancolia e da angústia, do pessimismo de Schopenhauer, comparando-o ao Edgar Allan Poe contista do “Homem das Multidões”.

Há ainda o artigo de Claudio Carlan, professor da Universidade Federal de Alfenas-MG, sobre a moeda como documento, que pode informar sobre os mais variados aspectos de uma sociedade, tanto o político e estatal, como o jurídico, religioso, mitológico ou estético. As moedas como as medalhas são estudadas pela numismática e, no caso romano, esses símbolos monetários teriam tido, segundo o autor, também um papel de passar uma mensagem aos governados, uma espécie de propaganda política / imperial. A cunhagem monetária associada ao retrato e à propaganda configurava esses dois aspectos intimamente ligados. De outro lado, as moedas ainda são instrumentos importantes para estabelecer a datação de documentos e eventos que chegaram até nós sem seu contexto original, como são de grande valia na nossa compreensão das imagens que contêm. Ou seja, a numismática conserva um fragmento da história do homem que, segundo Frère, se coloca hoje como uma disciplina científica através da qual podem ser estudados muitos aspectos de uma determinada sociedade. É uma ciência que tira da aridez do seu estudo grandes subsídios históricos.

Esperamos que este número corresponda às expectativas de nossos leitores vez que trabalha a releitura da História oficial sob a perspectiva da exclusão e da marginalidade de atores sociais ativos, como o indígena ou o negro, e que correram por fora por conta de projetos elitizados e de construção política hegemônica de cada Estado-nação avaliado. E também porque chama alguns literatos e objetos concretos como as moedas como testemunhos de uma História que pode ser lida tanto a partir das convenções quanto das sensibilidades.

Albertina Vicentini

Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante

Editoras


VICENTINI, Albertina; CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.3, n.2, jul. / dez., 2010. Acessar publicação original [DR]

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