Historiografia / História – Questões & Debates / 2009

Eu me lembro quando, ao findar o ano de 1979, nosso colega Carlos Roberto Antunes dos Santos tomou a iniciativa de convidar historiadores, professores e estudantes de História a fim de propor a criação da Associação Paranaense de História. Na ocasião, ficou decidido que, entre outros objetivos, a ONG faria esforços no sentido de criar uma revista. No ano seguinte, reunimos uma comissão editorial com uma marca interdisciplinar1 e convidamos o arquiteto e historiador Key Imaguire Júnior para editar a Revista. Em nome deles escrevi o texto da apresentação do seu primeiro número, datado de novembro de 1980. Como registro documental e historiográfico, penso que vale a pena registrar aqui o seu conteúdo:

A ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE HISTÓRIA – APAH – nasceu com amplos e ambiciosos objetivos, entre os quais a publicação de uma Revista para divulgar e discutir as suas propostas expressas no Artigo 2º de seus Estatutos, bem como outros temas concernentes à História. Depois de quase um ano de realização, atingimos este passo decisivo na consecução de seus fins e a continuidade da revista será, a nosso ver, um teste para o próprio desenvolvimento da Associação. Seu título aflorou, simplesmente, em decorrência destes objetivos – História: questões e debates. Questões e debates relacionados à problemática da produção e da transmissão do Conhecimento em História e suas relações com as vizinhas ciências humanas. Daí o caráter desta Comissão Editorial: sua heterogeneidade do ponto de vista da formação científica de seus membros, sua heterogeneidade no que se relaciona à idéia de submeter ao debate artigos não só produzidos pelos profissionais da História, mas também trabalhos realizados por outros cientistas do social que possibilitem fazer progredir, esclarecer ou avivar o relacionamento da História com as disciplinas irmãs. A História é, e sempre foi, um instrumento de Educação e, neste sentido, ela deve ter a sua função crítica. Como diz André Burguière, a história que incomoda é aquela que faz compreender, é aquela que produz o inteligível, não aquela que comemora, pois a memória nada é se não permite um trabalho crítico. Desta forma, o professor de Ensino Médio não é um mero transmissor de conhecimentos, a não ser que ele se conforme em substituir problemas e indagações pela repetição do lugar-comum, pela transmissão irrefletida de conceitos mal elaborados, de cunho muitas vezes dogmático. Por estas e outras razões, e pela contribuição no plano científico que possam trazer, estamos propondo nestas questões e debates a inclusão de trabalhos produzidos por nossos colegas professores do Ensino de Segundo Grau, de alguma forma vinculados à História. Portanto, nosso objetivo é o de multiplicar e diversificar, em níveis diversos e complementares, as abordagens sobre a História, sobre o seu ensino e, finalmente, sobre o valor que a sociedade lhe atribui, convidando os interessados no assunto a discutir conosco, por meio da revista. Evidencia-se assim um outro objetivo, muito caro à APAH: estimular o diálogo entre a Universidade e a comunidade. Na trama em que se pretende tecer as questões e debates desta revista, propomos ainda inserir um outro elemento entre os articulistas convidados: os estudantes de História, na Universidade. Este tríplice diálogo – incluindo nele, enfatize-se, especialistas nas diversas ciências sociais interessados nos nossos problemas comuns – permitiria, de um lado, resolver algumas das contradições próprias de nossa estrutura de ensino e pesquisa, melhorar o ensino em todos os seus graus, melhor vivenciar os problemas comuns às ciências humanas, além de desenvolver novas propostas. De outro lado, seria possível, desta maneira, atingir mais plenamente os objetivos propostos pela APAH, como dispõem os seus estatutos.

A revista começou de forma muito artesanal e para cada número tínhamos que buscar recursos, seja “passando o chapéu”, seja conseguindo alguns em troca de propaganda, até que o CNPq começou a nos financiar, pelo menos parcialmente. Exigências de qualidade acadêmica gradativamente nos levaram a deixar de lado certas pretensões idealistas, sintetizadas na apresentação acima, até que, a partir do número 28 (referente a janeiro / julho de 1998), o Programa de Pós-Graduação em História assumiu o co- patrocínio da Revista. Desde então, a História: Questões & Debates foi incluída no rol das publicações da Editora da UFPR, constando também do Programa de Apoio à Publicação de Periódicos, vinculado à Pró- Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.

Chegamos agora ao seu número 50 e, como às vezes sói acontecer, números redondos coincidem. De fato, alguém já disse que 2009 é um ano “mágico”, tanto há a comemorar: os 180 anos da República, os 20 da queda do Muro de Berlim, e por aí afora. Embora a comemoração efetiva tivesse se realizado no ano que passou, aproveitamos para marcar neste fascículo, de alguma forma, os 70 anos do Curso de História (no início unido à Geografia), instituído na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras2. Porém, em especial, os 50 anos do Departamento de História da UFPR. Destaco, da Ata anexa3, o seguinte relato:

Havendo a Professôra Cecília Maria Westphalen, em princípios de maio de 1959, regressado da Europa, onde, durante um ano, realizara estudos especializados e observações sôbre a vida universitária, principalmente na Alemanha e na França, propôs ela uma reunião dos Professôres de tôdas as disciplinas históricas da Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná, com o objetivo de constituir um Seminário de História, nos moldes dos seminários encontrados nas universidades alemãs, afim de dinamizar e organizar os trabalhos docentes e discentes do curso de História desta Faculdade, bem como desenvolver um programa de pesquisas históricas dentro das atuais perspectivas metodológicas de História. Reunidos os Professôres convocados a 14 de maio de 1959 aprovaram êles o regulamento que a 18 de junho do mesmo ano, foi encaminhado à apreciação dos órgãos diretores da Faculdade […]

O Conselho Técnico-Administrativo da Faculdade, porém, uma vez que na estrutura da Universidade não estava prevista a instituição de Seminário, propôs em janeiro de 1960 a adaptação do Regulamento encaminhado no sentido da criação de um Departamento de História, congregando professores de História e instituído com linhas voltadas ao ensino, pesquisa e teoria da História (além de outros temas de eventual interesse dos membros do Departamento). Assim, ainda no mesmo ano, foi organizado um seminário visando à revisão da historiografia paranaense, com a primeira sessão marcada para o dia 23 de setembro de 1959,

objetivando a análise da obra dos historiadores do Paraná, com a crítica das suas fontes, métodos e técnicas de trabalho e com a finalidade de realizar o levantamento da situação real da Historiografia Regional do Paraná, e dos problemas que nela restam por serem equacionados e resolvidos.

De forma que a Historiografia também sinalizou o tema escolhido pelo Comitê Editorial da Revista História: Questões & Debates para este número. Com esse objetivo, conseguimos a colaboração de vários colegas historiadores que nos submeteram um significativo e variado leque de artigos e, entre eles, o texto do nosso homenageado, Stuart Schwartz: por proposta do Departamento de História, doutor honoris causa pela Universidade Federal do Paraná.

O dossiê que estamos propondo aos nossos leitores constitui-se de sete artigos. O primeiro deles, pela ordem e assinado por Virgínia Camilotti e Márcia Regina C. Naxara, não só articula História e Literatura, mas principalmente debruça-se nas questões historiográficas relacionadas às fontes literárias para a nossa disciplina. Em seguida, Elizabeth Cancelli nos propõe o exame dos novos paradigmas que revestem a historiografia dos anos de 1960 e 1970, em especial no que concerne à história política. O terceiro artigo, de Marisa Varanda Teixeira Carpintéro e Josianne Francia Cerasoli, nos leva, agora, ao tema das cidades, recortando o tema da historiografia construída principalmente a partir das relações entre a história e a arquitetura. O trabalho de número 4, de Ricardo Cicerchia, pretende responder duas questões, relacionadas à historicidade da “família” e às distinções entre a família europeia e as do resto do mundo. Izabel Marson, em seguida, analisa o longo itinerário historiográfico dos significados atribuídos ao Brasil monárquico nos séculos XIX e XX. Stuart Schwartz, no penúltimo artigo e no que diz respeito à história da América portuguesa, passa em revista um período historiográfico menor, diferenciado pela proeminência da História Cultural nos últimos vinte anos. Finalmente Ronaldo Vainfas, aproveitando texto de conferência realizada por ocasião dos 25 anos da Associação Paranaense de História (novembro de 2005), problematiza da mesma forma o tema da História Cultural na historiografia brasileira recente, com ênfase nas suas relações com a história das mentalidades e a micro-história.

Este número da Revista também contém artigo de Carlos Alberto Medeiros Lima, apresentando um estudo sobre o impacto do Romantismo espanhol, sobretudo pensado por eclesiásticos, na escravidão (e no tráfico de escravos) e nas relações entre a Igreja e o Estado. O rol se completa pela resenha de Marion Magalhães a respeito de um livro de Claudine Haroche.

Dada a tríplice comemoração que a edição deste número enseja, acreditei que haveria interesse em publicar a extensa ata que registra a fundação do Departamento de História, bem como o rol dos docentes que nele labutaram e labutam neste período de anos.

Notas

1 Ana Maria Bonin, Cláudio Fajardo, Judite Maria Barbosa Trindade, Rabah Banakouche, Roseli Maria Rocha dos Santos, Sergio O. Nadalin.

2 Instituída formalmente em 26 de fevereiro de 1938, seu Regimento autorizava o funcionamento dos Cursos de Filosofia, Ciências Químicas, Ciências Sociais e Políticas, e Geografia e História (cuja aula inaugural foi proferida em 3 de maio do mesmo ano).

3 Ata da Reunião do Departamento de História da Faculdade de Filosofia (Ciências e Letras) da Universidade do Paraná, realizada em 2 de dezembro de 1964, registrando sua constituição em princípios de maio de 1959.

Sergio Odilon Nadalin

Junho de 2009


NADALIN, Sergio Odilon. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.50, n.1, jan. / jun., 2009. Acessar publicação original [DR]

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