Humor e Política / Tempo e Argumento / 2016

“Melhor é de risos que de lágrimas escreva, porque o

riso é a marca do homem.” (Bakhtin, 1987)

As discussões sobre o humor, mais especificamente o humor visual, tiveram início no Brasil no início do século XX por diversos autores como Pedro Sinzing (1911), Max Fleiuss (1916), Gonzaga Duque (1929), Monteiro Lobato (1959), Herman Lima (1963) e Nélson Werneck Sodré (1977). Estes estudiosos voltaram‐se para a análise desse tema a partir da crescente importância que este assumiu como recurso literário no interior da imprensa diária, bem como pelo seu alcance e eficácia social. Mesmo sendo pouco apreciado pela conservadora produção literária do período, tornava‐se imperativo inserir esta temática no debate sobre artes plásticas e produção cultural.

No âmbito dos estudos históricos, o recurso ao humor visual como fonte de pesquisa foi propiciado pelas inovações metodológicas trazidas com a Nova História, atingindo o ápice na década de 1970. A partir daí há uma significativa ampliação dos trabalhos em que cartuns, charges, caricaturas, quadrinhos e outras fontes de humor gráfico passam a ser empregados com uma outra dimensão, não mais restrita ao caráter ilustrativo, mas assinalando os diversos papeis que adquire como produto da cultura de massa: instrumento de alienação, controle social, subversão, transgressão ou carnavalização.

Apreendendo suas especificidades torna‐se possível tentar desenvolver uma discussão sobre sua atuação em um determinado cenário sociocultural, colocando em relevo não só questões relacionadas a forma e conteúdo, mas também ao contexto histórico em que se desenvolve sua produção, as formas de distribuição e de consumo. Assim, torna‐se possível pontuar a potencialidade do humor para recodificar informações, através de um processo que lhe permite atuar como produtor de conhecimento e construtor de realidades e não apenas como mero “repassador de conteúdos”, ao mesmo tempo que concede mecanismos de expressão e de identificação das diferenças existentes no interior de uma dada realidade social.

Esse dossiê pretende representar uma contribuição aos estudos sobre o humor ao reunir onze artigos que sob diferentes referências teóricas e metodológicas exploram outras nuances do humor, para além da condição de instrumento de entretenimento, como o seu papel na elaboração de uma crítica social e política desde os anos finais do século XIX até os dias atuais. Assim, encontramos nos artigos de Rodrigo Patto Sá Motta, Ivan Lima Gomes, Rodrigo Rodriguez Tavares e Joanna Wilk‐Racieska o interesse comum pelos usos políticos do humor tanto na imprensa brasileira, como na produção quadrínistica latino americana ou ainda como forma de expressão popular no interior do socialismo real polonês.

Nos artigos de Marilda Lopes Pinheiro Queluz, Pedro Krause Ribeiro e Everton de Oliveira Moraes o enfoque foi para intelectuais – suas obras e trajetórias ‐ que em diferentes temporalidades empregaram o humor como uma forma peculiar de observar, narrar e analisar as suas épocas, algumas vezes privilegiando a subjetividade, o discurso indireto e a informalidade para expressar idéias e juízos de valores.

Finalmente, os artigos de Rodolpho Gauthier dos Santos, Rozinaldo Antonio Miani, Vinícius Liebel e Juan Luis Besoky exploram – também em temporalidades e espacialidades distintas ‐ a pluralidade com que a produção humorística atuou no interior de diferentes veiculos da imprensa gráfica, examinando diversos aspectos que envolvem tanto a produção, como a circulação, o seu papel e o impacto que estes exercem na produção de opiniões e sentidos. Na abordagem da relação entre humor e imprensa é importante ponderar acerca do seu alcance social, uma vez que por seu caráter informal, o humor consegue estabelecer uma maior proximidade com o cotidiano das pessoas comuns. É neste sentido que o humor representa um excelente recurso para o historiador que procura “escutar” as diversas vozes que interagem numa história.

Para completar o dossiê, apresentamos aos leitores e leitoras a entrevista com Oscar Steinberg, um dos precursores dos estudos sobre historietas e humor gráfico na Argentina. Com a gentileza e simpatía de sempre, Steinberg respondeu a algumas questões sobre o tema que envolve esse dossiê, nos apresentando suas impressões sobre esse campo de estudos atualmente.

O historiador italiano Carlo Ginzburg preconiza, através do método indiciário, que o fazer do historiador por vezes se assimila ao labor do detetive e do psicanalista na medida em que nestas atividades há a constante busca por “coisas concretas e ocultas através de elementos que normalmente passam despercebidos a nossa observação” (1990: 147). Tal pressuposto mostra‐se um caminho interessante para os estudos sobre o humor ao apresentar a viabilidade do recurso ao humor visual e escrito como fonte e objeto de estudo, passando a ser concebido como parte de uma trama de fios que justapostos compõem um enredo histórico. Ou seja, representações formuladas por personagens reais sobre um determinado momento que proporcionam elementos para a construção de uma versão dos eventos históricos.

Uma vez que o humor e o riso “fazem parte de nosso cotidiano, certamente interferem na percepção e na compreensão que temos da realidade” (Velloso, 1996: 93), logo, por que não os considerar como formas expressivas de conhecimento? É com essa compreensão que convidamos o leitor a desfrutar o presente dossiê que nos oferece elementos para refletirmos sobre o humor como mecanismo de reflexão e de divertimento.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo. Ed. UNB. Hucitec, 1987.

DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos. Rio de Janeiro: Typ. Benedicto de Souza, 1929.

FLEIUSS, Max. A Caricatura no Brasil. RIHGB, Rio de Janeiro, 1916

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e História. São Paulo, Companhia das Letras. 1990.

LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil. Rio de Janeiro. José Olympio, 1963.

PIRES, Maria da C. F. Cultura e Política entre Fradins, Zeferinos, Graúnas e Orelanas. SP, Annablume, 2010.

SODRÉ, Nelson W. História da Imprensa no Brasil. São Paulo. Martins Fontes, 1977

VELLOSO, Mônica P. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. RJ. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.

Maria da Conceição Francisca Pires

Mara Burkart


BURKART, Mara; PIRES, Maria da Conceição Francisca. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.18, 2016. Acessar publicação original [DR]

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