Clichês baratos: Sexo e humor na imprensa ilustrada carioca do início do século XX | Cristiana Schettini

Cristiana Schettini
Cristiana Schettini | Imagem: Café História

Como se dava a relação da sociedade carioca da Primeira República com as questões sexuais? Quais eram as possibilidades para o consumo do erótico em uma cidade recém-saída da escravidão, com um novo regime político cuja ideia de modernidade estava presente nos discursos de diferentes grupos sociais? E por fim, o que uma investigação das sociabilidades noturnas masculinas pode revelar sobre o modo pelo qual homens e mulheres negociavam hierarquias sociais e morais no Rio de Janeiro? O livro Clichês Baratos: Sexo e humor na imprensa ilustrada carioca do início do século XX, de Cristiana Schettini, busca justamente examinar as conexões entre o processo de mercantilização das diversões, a sociabilidade noturna, o humor e a sexualidade.

A maneira como as pessoas se divertiam já vem sendo interesse de pesquisas de história social desde as décadas de 1970 e 1980, quando se aproximaram os diálogos entre a Antropologia e a História. Trabalhos sobre o carnaval, as festividades religiosas, o teatro e outras formas de sociabilidade vêm trazendo para a historiografia novas contribuições para se entender as disputas políticas e sociais no país. Trabalhos como o de Cristiana Schettini têm sido fundamentais para a compreensão de quais fantasias e desejos sexuais ocupavam um lugar essencial na vida noturna do Rio de Janeiro do início do século XX. Leia Mais

Historia Y Humor | Intus-Legere Historia | 2020

El resultado de este dossier se comenzó a gestar hace dos años, cuando un grupo de investigadores nos reunimos en Santiago a compartir nuestros estudios relacionados con el humor. Lo positivo de la experiencia y lo interesante de las presentaciones nos motivaron a armar un dossier referido a un tema que, aunque cotidiano, no ha sido lo suficientemente estudiado en América Latina.

Durante mucho tiempo, pareciera que los académicos no nos hemos interesado en considerar el humor o las caricaturas como un tema de digno de ser trabajado. No existe relación entre la importancia que el humor juega en nuestras vidas, en general, y el limitado espacio que se le entrega a esta temática en la academia. En el siglo XIX, el poeta Charles Baudelaire, en un ensayo sobre lo cómico y la caricatura, se refiere a este tema y cita a Johann Caspar Lavater como un ejemplo de ese rechazo del mundo intelectual al humor y a la risa: “El sabio tiembla por haber reído, el sabio teme a la risa” 1 y, más adelante, agrega del mismo autor: “la risa es por lo general privativa de los tontos y siempre implica en mayor o menor medida ignorancia” 2. Leia Mais

Mulheres, Humor e Cultura de Massa / Tempo e Argumento / 2020

A emergência da história das mulheres e dos estudos de gênero é tributária dos movimentos de mulheres e feministas que se mobilizaram a partir dos anos 1960 nos Estados Unidos, na Europa e mesmo em países que viviam ditaduras, como é o caso do Brasil. A história das mulheres foi responsável por fazer o questionamento primeiro: onde estão as mulheres na História? A partir dessa pergunta, historiadoras como Natalie Zemon Davis (1997) e Michelle Perrot (1992; 2005; 2007) dedicaram-se a mostrar como o silêncio das mulheres na História não é um problema de fontes ou de ausência propriamente, mas sim uma questão política. Bonnie Smith (2003), procurando entender a construção da História como ciência no século XIX, aponta como ela foi construída como masculina em termos de teoria e métodos, negando o feminino, as mulheres e tudo que elas representam. A arte e a literatura fizeram movimentos parecidos, questionando seus campos de conhecimento. A escrita de novas páginas na História, contudo, encontrou limites que, de acordo com Joan Scott (1995), foram respondidos com a categoria gênero, capaz de pensar não apenas as negações da História, como o papel dela na própria construção do gênero.

Joana Maria Pedro e Rachel Soihet (2007) apontam o importante papel da história das mulheres, ao mostrar a parcialidade do conhecimento histórico, e destacam o desafio político historiográfico da categoria. O campo se fortaleceu. Gênero, categoria teórica / política distorcida na “ideologia de gênero”, é hoje responsável por investigações importantes, qualificadas e internacionalmente conhecidas na área de História. Criou-se um campo dentro da História que debate as relações entre homens e mulheres, o que alguns chamam de gueto. Georg Iggers (2010) aponta gênero como um dos principais desafios à historiografia do século XXI. Apesar da resistência à categoria e ao campo, a História tem incorporado gênero como tema transversal, como indicam Joana Maria Pedro (2011) e Carla Pinsky (2009).

As mulheres e a perspectiva de gênero, portanto, são uma questão permanente na História e isso vale para a história cultural do humor que, apesar do progressismo teórico e metodológico, segue em dívida com um dos principais movimentos do século XX, o feminista, e com um dos maiores desafios à historiografia do século XXI, os estudos de gênero.

O humor contribui para forjar laços de solidariedade, sociabilidades, reforçar relações de poder e dominação, atuar como instrumento de resistência política e social, dar visibilidade a grupos sociais colocados à margem da sociedade, fortalecer ou, ao contrário, minar padrões estéticos e de moralidade. Dito isso, não há dúvida que o humor interessa profundamente às mulheres e à História e, combinados, à perspectiva de gênero. É nesse sentido que este dossiê foi pensado, buscando colocar no cerne da reflexão histórica a relação entre as mulheres e o humor, especialmente os usos do humor por parte delas que, não raro, ao colocarem-se como protagonistas do humor e do riso lançam mão de gestos profundamente feministas.

Os artigos que compõem este dossiê são prova qualificada de que há um inexplorado universo de fontes que permitem reflexões sobre o humor das mulheres do ponto de vista de gênero, insinuando possibilidades que já não podem ser ignoradas. Há, de fato, uma mínima produção sobre mulheres humoristas, e os textos da sequência têm o importante papel de romper com esse silêncio ao preencher lacunas e fazer justiça. No entanto, mais do que isso, eles apontam a transversalidade da categoria gênero e o frescor que tal olhar lança à história cultural do humor, campo consolidado nos anos 1990 a partir da história cultural, mas ainda reticente aos desafios impostos pelos estudos de gênero à História. A partir das ideias e ideais de feminino e masculino, os artigos do dossiê Mulheres, Humor e Cultura de Massa oxigenam os estudos históricos sobre humor.

Na convocatória, priorizamos artigos que a partir dos campos dos estudos de gênero e da história do tempo presente discutissem o humor produzido por mulheres com foco especial na arte e nos veículos da cultura de massa. A resposta de pesquisadoras(es) indicou que a demanda por textos com foco no humor produzido por mulheres faz sentido, dado o número e a qualidade dos textos que integram o dossiê. No que se refere às fontes, a adesão das(os) pesquisadoras(os) indicou a predominância do humor gráfico e dos quadrinhos como objeto de interesse.

A chamada deste dossiê, obviamente, contemplava os temas de pesquisa de suas organizadoras, historiadoras que exploram humor gráfico como fonte, mas por ocasião da construção da chamada do dossiê, vimos a necessidade de ampliar tal recorte e indicar como temas pertinentes os debates sobre humor no cinema, na rádio, na televisão, na literatura, no teatro. Todos os artigos submetidos, no entanto, versam sobre humor gráfico e quadrinhos, um indicativo da potência deste tipo de documento para a História, especialmente se tratando de história das mulheres e de uma perspectiva de gênero.

O caminho trilhado coletiva e espontaneamente indica que o humor gráfico e os quadrinhos são fontes privilegiadas para a reflexão sobre humor e mulheres, inclusive na contemporaneidade, momento em que a Internet é plataforma permanente de difusão do trabalho de cartunistas mulheres. Há quem diga, inclusive, que elas são maioria hoje. A adesão maciça ao humor gráfico e aos quadrinhos como fontes apontam, ainda, que há um universo de possibilidades de estudos sobre humor e mulheres na arte (literatura, cinema, teatro) e na imprensa (folhetos, televisão, rádio). Esperamos que este dossiê seja um pequeno passo nesta direção.

Composto por oito artigos, apresentados brevemente na sequência, o dossiê conta com a contribuição de pesquisadoras(es) brasileiras(os) e argentinas que lançam luz sobre cartunistas e quadrinistas do passado e do presente, sobre suportes impressos e digitais, sobre a produção nacional, latino-americana e europeia, e esmiúça experiências de pesquisa exaustivas e revisão necessária num campo que tem se construído no masculino. Os quatro primeiros textos informam-nos sobre a (in)disciplina das mulheres no uso do humor a partir de uma perspectiva feminista. Os quatro textos seguintes advertem-nos sobre as relações entre silêncio e História quando os sujeitos são mulheres e o assunto é história do humor gráfico e dos quadrinhos, alertando ainda para a potência da produção contemporânea e uso da Internet na transformação dessa realidade.

Maria da Conceição Francisca Pires, no artigo A defesa da interrupção voluntaria da gravidez nos cartuns “Abortinho” de Fabiane Langona (2015-2017), explora a apropriação de debates feministas por parte de cartunistas brasileiras, enfatizando especialmente às reações de hostilidade à série Abortinho, da cartunista Fabiane Langona, expressas por meio das redes sociais. A análise recai sobre os recursos visuais e discursivos da cartunista ao tratar do tema aborto como problema social e político no contexto de discussão do Projeto de Lei 5.069, de 2003, que propunha modificações na Lei 12.845, que versa sobre o atendimento integral e obrigatório a pessoas em situação de violência sexual. O texto elabora reflexão sobre o tabu que orbita em torno do tema aborto, mesmo pelo humor gráfico, que ora o aborda de maneira didática, ora em forma de denúncia ou como apresentação de uma demanda pública. De acordo com a autora, Fabiane Langona, através de sua personagem, lança mão de recursos imagéticos e discursivos, aderindo ao estilo grotesco para subverter e inverter padrões e colocar no centro da discussão a relação entre aborto e cidadania.

Estética e humor nos quadrinhos feministas: a reconquista política do corpo pelo riso na HQ “A origem do mundo” (2018), de Daiany Ferreira Dantas, explora conceitos como grotesco e o grotesco feminino – elemento importante da crítica feminista – para analisar estratégias de humor no quadrinho A origem do mundo: uma história cultural da vagina ou vulva vs. patriarcado, da quadrinista sueca Liv Strömquist, publicado em 2018 e traduzido para 22 línguas. O texto indica a existência de uma estética feminista produzida pelo riso a partir do uso da categoria gênero e da crítica feminista na problematização do corpo clássico. O corpo feminino é colocado em suspenso pela obra analisada, que conta uma história da genitália feminina através do estilo caricato de Strömquist. De acordo com a autora, esse caminho também vem sendo trilhado por cartunistas latinoamericanas como a argentina, Maitena Burundarena, e as brasileiras, Sirlanney e Gabriela Masson, que ressignificam o baixo corporal. Evidenciando o histórico “apagamento gráfico da imagem da vulva”, o artigo aponta como o quadrinho analisado repete e inverte discursos médicos, acadêmicos, religiosos, filosóficos e psicanalíticos sobre o corpo das mulheres tornando-os risíveis na reivindicação da integridade e do desejo do corpo feminino.

Em ‘“El humor es una guerra que no produce muerte sino risa”: uma análise histórica do humor gráfico feminista latino-americano de Diana Raznovich (1990), Cintia Lima Crescêncio recupera cartuns de Diana Raznovich, publicados na revista latino-americana Fempress nos anos de 1996 e 1997, para refletir sobre a categoria de humor-guerra, proposta pela própria cartunista. Em tempos de negação do feminismo por medo de estereótipos, a artista argentina, também autora de livros e peças de teatro, apropriava-se do humor como instrumento de expressão artística, mas principalmente como instrumento de luta feminista. Para ela, o humor feminista era meio de “viver, sobreviver e lutar”. No artigo também são explorados textos e entrevistas da imprensa feminista da Argentina, do Chile e do Uruguai que insinuam a forte presença de Diana Raznovich nos debates feministas latino-americanos, como também uma preocupação com os usos e abusos do humor por parte da militância feminista. Em sua análise, a autora sublinha que o humor gráfico da cartunista argentina questiona modelos de feminilidade, critica estruturas injustas e patriarcais e flerta com o riso de si mesma, alargando as expectativas do humor convencional e do humor produzido por mulheres, inclusive por feministas.

O artigo de Vinícius Lebel, intitulado Marie Marcks: a visualidade do político e o Feminismo ilustrado na Alemanha (1963 – 2014), propõe refletir, através do método documentário de análise de imagens, sobre as obras mais representativas da desenhista alemã Marie Marcks. Por meio da problematização de charges que se ocupam da crítica à sociedade patriarcal, machista e conservadora, somos apresentadas(os) a uma importante voz do feminismo alemão. A artista foi responsável por “inserir um olhar feminino e feminista na arena pública alemã, construindo uma visualidade própria” entre as décadas de 1960 e 1980. O texto expõe a ação da artista no campo visual do político no movimento de publicizar nas páginas dos principais meios de comunicações do país a vivência das mulheres alemãs. Embora alvo de críticas por reproduzir a realidade das mulheres, sem apontar perspectivas de mudança, e mesmo por não ser filiada oficialmente a organizações feministas, o autor propõe que sua obra é plenamente feminista, em função da condição da artista, do seu conteúdo e de seu gesto político-feminista.

Mara Burkart, com o texto Trazos interrumpidos: Humoristas mujeres en la prensa de humor (Argentina, 1974-1984), informa-nos sobre a forte presença de mulheres no humor gráfico argentino, a partir da década de 1980, e faz um recuo no tempo para analisar as condições sociais da produção de humoristas mulheres entre 1974 e 1984 e os temas que mobilizavam as cartunistas Nelly Hoijman, Patricia Breccia, Lucía Capozzo y Marta Vicente, artistas que publicavam em uma imprensa dominada por homens. Ao propor a construção de uma nova história do humor gráfico, visto que identifica que a história das humoristas “está pendiente de escribirse”, e pautada na crítica feminista da história da arte, a autora analisa as experiências autorais e editoriais dessas mulheres no cartum. Identificando a riqueza e o valor da história do humor gráfico argentino, e apontando a invisibilização ou mesmo ausência das mulheres em suas narrativas, o artigo expõe e analisa o caso de cartunistas que tiveram experiências breves, “interrompidas” na imprensa de humor argentina. Sem assumirem-se feministas, as cartunistas apresentadas no texto apropriaram-se do direito de incursionar em um mundo dominado por homens, tematizando temas “femininos”, mas também explorando a fluidez das expectativas de gênero.

No artigo Nosotras contamos. Notas en torno a construir genealogía feminista en el campo de la historieta y el humor gráfico (Argentina, 1933 – 2019), Mariela Alejandra Acevedo apresenta um cenário de rejeição e apagamento das mulheres na história do humor gráfico e dos quadrinhos argentinos, que passou por mudanças a partir da emergência e fortalecimento dos movimentos feministas. A articulação desses dois contextos permitiu a emergência do coletivo Feminismo Gráfico, que se propunha a reunir materiais de autoras de quadrinhos e de humor gráfico entre as décadas de 1930 e 2018 a serem apresentados na mostra “Nosotras contamos. Un recorrido por la obra de autoras de historieta y humor gráfico de ayer y hoy”. O texto apresenta a proposta do projeto, construído a partir de uma genealogia feminista, explorando o conceito de “ginocrítica” para “recuperar las voces y experiencias de las mujeres cis y trans, lesbianas, travestis y personas no binarias que dejaron huellas en el recorrido”, e sugerindo uma aproximação entre o humor gráfico e os quadrinhos de modo a não fragmentar a produção artística de suas autoras. A autora apresenta-nos a jornada de pesquisa, organização e reflexão sobre a construção da mostra que ocupou as paredes da “Redacción Abierta de Latfem” em Buenos Aires, uma experiência acadêmica, histórica e feminista, compilada também em um site.

Ivan Lima Gomes, no artigo Mulheres e (m) quadrinhos: caminhos e perspectivas historiográficas, identifica que as histórias em quadrinhos “permitem dar visibilidade de maneira única às lutas feministas do tempo presente”, o que tem ocasionado um amplo interesse acadêmico sobre o assunto. Atento a esse movimento, o autor propõe uma investigação e análise da atuação das mulheres no campo que inclui uma discussão sobre as pesquisas acadêmicas desenvolvidas no Brasil. Enfatizando o incontornável protagonismo feminista nas discussões públicas e políticas contemporâneas, expressas através da ampla utilização da Internet, o texto explora os usos das histórias em quadrinhos para tematizar e problematizar a história oficial, elaborando uma espécie de estado da arte do ponto de vista de gênero. Atestando a “indisciplina” dos comic studies, marcados por inegável diversidade, e indicando o silenciamento da história dos quadrinhos no que se refere à presença das mulheres, o autor apresenta-nos um caminho a ser trilhado por uma História que não tenha o silêncio das mulheres como possibilidade e que rume em direção a uma história feminista das HQs.

Marilda Lopes Pinheiro Queluz, no artigo Rir juntas é o melhor remédio contra os tempos temerosos: crítica e humor nas tiras de Thaïs Gualberto e de Fabiane Langona (2016-2018), reflete sobre o humor gráfico produzido por Thaïs Gualberto e Fabiane Langona e inspirado no período marcado pelo impeachment de Dilma Rousseffe pelo final do governo Michel Temer. A autora prioriza uma reflexão sobre a articulação entre esse contexto e as questões feministas que marcaram a conjuntura do golpe de 2016 a partir de duas cartunistas mulheres, com enfoque em uma “perspectiva de gênero”. Explorando tiras publicadas na Folha de S. Paulo, o artigo evidencia uma produção de humor gráfico contemporânea marcada por preocupações que interseccionam gênero, classe, raça e etnia, cujo motor do humor é o absurdo da desigualdade de gênero, bem como sublinham o riso sobre os estereótipos, as identidades nacionais e o cenário de intolerância e conservadorismo que marcam o contexto de produção das tiras analisadas. Entre distanciamentos e aproximações, as duas cartunistas, segundo a autora, provocam um riso dolorido ao colocar em relevo a história contemporânea do nosso país.

Referências

DAVIS, Natalie Zemon. Women on the margins: three seventeenth-century lives. Cambridge: Harvard University Press, 1997.

IGGERS, Georg. Desafios do século XXI à historiografia. História da Historiografia. Ouro Preto, número 04, p. 105-124. Março de 2010.

PEDRO, Joana Maria e SOIHET, Rachel. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281-300, 2007.

PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia. Topoi (Rio J.) vol.12 no.22 Rio de Janeiro, p. 270-283, Jan. / June 2011.

PERROT, Michelle Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silêncios da História. Bauru, SP: EDUSC, 2005.

PERROT, Michelle. Os Excluidos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros. 2. Ed. Rio de Janeiro, Rj: Paz e Terra, 1992.

PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de Gênero e História Social. Estudos Feministas. v. 17, n. 1, Florianópolis: UFSC, p. 159-189, 2009.

SCOTT, Joan W. Gênero, uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, 16(2), p. 5-22, jul / dez. 1995.

SMITH, Bonnie G. Gênero e História: homens, mulheres e a prática histórica. São Paulo: EDUSC, 2003.

Cintia Lima Crescêncio – Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Três Lagoas, MS. lattes.cnpq.br / 3667508720087825. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0002-2992-9417

Maria da Conceição Francisca Pires – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH / UNIRIO). Rio de Janeiro, RJ. lattes.cnpq.br / 9397370787594051. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0001-8618-4151

Mara Burkart – Doctora en Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aíres (UBA). Investigadora adjunta del Consejo Nacional de Investigaciones en Ciencia y Técnica (CONICET). Buenos Aires – ARGENTINA. E-mail: uba.academia.edu / MaraBurkart / [email protected] orcid.org / 0000-0003-3197-7458

Organizadoras


BURKART, Mara; CRESCÊNCIO, Cintia Lima; PIRES, Maria da Conceição Francisca. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.12, n.31, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

História e Humor | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2018

“Le bon historien (…) saura ce qu’il faut penser de toute cette mascarade. Non point qu’il la repousse par esprit de sérieux; il veut au contraire la pousser à l’extrême: il veut mettre en oeuvre un grand carnaval du temps, où les masques ne cesseront de revenir. (…) Car cette identité, bien faible pourtant, que nous essayons d’assurer et d’assembler sous un masque, n’est elle-même qu’une parodie.”

Michel FOUCAULT. “Nietzsche, la généalogie, l’histoire”. In BACHELARD, Suzanne et al. ‘Hommage à Jean-Hyppolite’. Paris: Presses Universitaires de France, 1971, p. 169-170.

No senso comum, inclusive acadêmico, não é difícil um pesquisador do humor ser encarado com estranheza, seu tema ser visto como menor, com mais expectativa de provocar risos do que reflexões sobre seu estudo. Tal percepção incorpora nos meios universitários os estereótipos que tendem a ver o fenômeno como ligado à dimensão do divertimento, do lúdico, da mera brincadeira, motivo pelo qual teriam menos relevância em relação a assuntos considerados mais sérios. 1 Essa ideia se esfumaça quando, sobretudo na vertiginosa velocidade da internet e redes sociais digitais, o riso e seu móvel começam a tocar problematicamente naqueles campos sensíveis da sociedade contemporânea e veicular preconceitos, exagerar estereótipos, ferir subjetividades, contrariar interesses dos poderosos ou dos historicamente oprimidos e, por tudo isso, motivar repulsas e censuras. Talvez seja nesses momentos extremos e polarizados que a suposta “neutralidade” do riso saia de cena e fique mais evidente como o humor pode ser mobilizado para grupos e indivíduos se afirmarem simbolicamente em calorosas disputas e conflitos. Porém, de modo menos evidente, além de brinquedo e/ou arma, o humor pode ser instrumento, um meio de conhecimento da realidade humana, já que é “um índice de como as sociedades se representam – e um índice mais significativo porque fortemente ligado às emoções”. 2 Leia Mais

Humor e Política / Tempo e Argumento / 2016

“Melhor é de risos que de lágrimas escreva, porque o

riso é a marca do homem.” (Bakhtin, 1987)

As discussões sobre o humor, mais especificamente o humor visual, tiveram início no Brasil no início do século XX por diversos autores como Pedro Sinzing (1911), Max Fleiuss (1916), Gonzaga Duque (1929), Monteiro Lobato (1959), Herman Lima (1963) e Nélson Werneck Sodré (1977). Estes estudiosos voltaram‐se para a análise desse tema a partir da crescente importância que este assumiu como recurso literário no interior da imprensa diária, bem como pelo seu alcance e eficácia social. Mesmo sendo pouco apreciado pela conservadora produção literária do período, tornava‐se imperativo inserir esta temática no debate sobre artes plásticas e produção cultural.

No âmbito dos estudos históricos, o recurso ao humor visual como fonte de pesquisa foi propiciado pelas inovações metodológicas trazidas com a Nova História, atingindo o ápice na década de 1970. A partir daí há uma significativa ampliação dos trabalhos em que cartuns, charges, caricaturas, quadrinhos e outras fontes de humor gráfico passam a ser empregados com uma outra dimensão, não mais restrita ao caráter ilustrativo, mas assinalando os diversos papeis que adquire como produto da cultura de massa: instrumento de alienação, controle social, subversão, transgressão ou carnavalização.

Apreendendo suas especificidades torna‐se possível tentar desenvolver uma discussão sobre sua atuação em um determinado cenário sociocultural, colocando em relevo não só questões relacionadas a forma e conteúdo, mas também ao contexto histórico em que se desenvolve sua produção, as formas de distribuição e de consumo. Assim, torna‐se possível pontuar a potencialidade do humor para recodificar informações, através de um processo que lhe permite atuar como produtor de conhecimento e construtor de realidades e não apenas como mero “repassador de conteúdos”, ao mesmo tempo que concede mecanismos de expressão e de identificação das diferenças existentes no interior de uma dada realidade social.

Esse dossiê pretende representar uma contribuição aos estudos sobre o humor ao reunir onze artigos que sob diferentes referências teóricas e metodológicas exploram outras nuances do humor, para além da condição de instrumento de entretenimento, como o seu papel na elaboração de uma crítica social e política desde os anos finais do século XIX até os dias atuais. Assim, encontramos nos artigos de Rodrigo Patto Sá Motta, Ivan Lima Gomes, Rodrigo Rodriguez Tavares e Joanna Wilk‐Racieska o interesse comum pelos usos políticos do humor tanto na imprensa brasileira, como na produção quadrínistica latino americana ou ainda como forma de expressão popular no interior do socialismo real polonês.

Nos artigos de Marilda Lopes Pinheiro Queluz, Pedro Krause Ribeiro e Everton de Oliveira Moraes o enfoque foi para intelectuais – suas obras e trajetórias ‐ que em diferentes temporalidades empregaram o humor como uma forma peculiar de observar, narrar e analisar as suas épocas, algumas vezes privilegiando a subjetividade, o discurso indireto e a informalidade para expressar idéias e juízos de valores.

Finalmente, os artigos de Rodolpho Gauthier dos Santos, Rozinaldo Antonio Miani, Vinícius Liebel e Juan Luis Besoky exploram – também em temporalidades e espacialidades distintas ‐ a pluralidade com que a produção humorística atuou no interior de diferentes veiculos da imprensa gráfica, examinando diversos aspectos que envolvem tanto a produção, como a circulação, o seu papel e o impacto que estes exercem na produção de opiniões e sentidos. Na abordagem da relação entre humor e imprensa é importante ponderar acerca do seu alcance social, uma vez que por seu caráter informal, o humor consegue estabelecer uma maior proximidade com o cotidiano das pessoas comuns. É neste sentido que o humor representa um excelente recurso para o historiador que procura “escutar” as diversas vozes que interagem numa história.

Para completar o dossiê, apresentamos aos leitores e leitoras a entrevista com Oscar Steinberg, um dos precursores dos estudos sobre historietas e humor gráfico na Argentina. Com a gentileza e simpatía de sempre, Steinberg respondeu a algumas questões sobre o tema que envolve esse dossiê, nos apresentando suas impressões sobre esse campo de estudos atualmente.

O historiador italiano Carlo Ginzburg preconiza, através do método indiciário, que o fazer do historiador por vezes se assimila ao labor do detetive e do psicanalista na medida em que nestas atividades há a constante busca por “coisas concretas e ocultas através de elementos que normalmente passam despercebidos a nossa observação” (1990: 147). Tal pressuposto mostra‐se um caminho interessante para os estudos sobre o humor ao apresentar a viabilidade do recurso ao humor visual e escrito como fonte e objeto de estudo, passando a ser concebido como parte de uma trama de fios que justapostos compõem um enredo histórico. Ou seja, representações formuladas por personagens reais sobre um determinado momento que proporcionam elementos para a construção de uma versão dos eventos históricos.

Uma vez que o humor e o riso “fazem parte de nosso cotidiano, certamente interferem na percepção e na compreensão que temos da realidade” (Velloso, 1996: 93), logo, por que não os considerar como formas expressivas de conhecimento? É com essa compreensão que convidamos o leitor a desfrutar o presente dossiê que nos oferece elementos para refletirmos sobre o humor como mecanismo de reflexão e de divertimento.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo. Ed. UNB. Hucitec, 1987.

DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos. Rio de Janeiro: Typ. Benedicto de Souza, 1929.

FLEIUSS, Max. A Caricatura no Brasil. RIHGB, Rio de Janeiro, 1916

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e História. São Paulo, Companhia das Letras. 1990.

LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil. Rio de Janeiro. José Olympio, 1963.

PIRES, Maria da C. F. Cultura e Política entre Fradins, Zeferinos, Graúnas e Orelanas. SP, Annablume, 2010.

SODRÉ, Nelson W. História da Imprensa no Brasil. São Paulo. Martins Fontes, 1977

VELLOSO, Mônica P. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. RJ. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.

Maria da Conceição Francisca Pires

Mara Burkart


BURKART, Mara; PIRES, Maria da Conceição Francisca. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.18, 2016. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê