“Ide por todo Mundo”: A Província de São Paulo Como Campo de Missão Presbiteriana 1869 – 1892 – BENCOSTTA (RBH)

BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. “Ide por todo Mundo”: A Província de São Paulo Como Campo de Missão Presbiteriana 1869 – 1892. São Paulo: FAPESP, 1996. Resenha de: ALMEIDA, Vasní de. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.18 n. 35, 1998.

A publicação de Marcus Bencostta é resultado de um estudo rigoroso sobre a educação protestante e as transformações econômicas e sociais ocorridas na região de Campinas (SP), na segunda metade do século XIX. É um trabalho cativante que também trata a educação pelo viés da modernidade, conceito muito discutido nos círculos políticos e intelectuais a partir de 1850. Apesar de abordar um colégio protestante, o autor deixa bem claro que não se trata de um estudo sobre a educação e sim de “uma compreensão da presença religiosa dos missionários presbiterianos em Campinas como integrantes da sua Igreja no Brasil”1.

Há uma grande tendência no meio acadêmico, quando se pesquisa a educação protestante no Brasil, em analisá-la em oposição ao ensino católico, muitas vezes enveredando pelos antagonismos atraso e progresso, conservador e liberal, científico e humanista e assim por diante, principalmente quando se trata de escrever sobre a modernidade do final do Império e início da República. Nesse sentido, logo no prefácio da obra Augustin Wernet alerta que a afinidade entre a elite progressista paulista e o ensino católico existiu de forma acentuada, prova disso foram os colégios organizados por várias ordens religiosas, sempre sob a orientação da alta hierarquia romana. Porém, esse não foi o caso de Bencostta, antes procurou analisar a educação presbiteriana no contexto da formação de uma intelectualidade progressista que procurava respostas à novas situações que surgiam no ambiente econômico e social daquela região em transformação. Bem mais do que se comprometer com as questões internas do presbiterianismo, este trabalho carrega uma preocupação com os padrões modeladores de condutas presentes em uma determinada região, onde diferentes atores sociais compõe e se contrapõe no jogo das representações simbólicas. No entanto, ele não se furta de buscar na cosmovisão calvinista a postura desses evangélicos a frente de uma instituição de ensino que recebia apoio de expressivas personalidades públicas campineiras. Da mesma forma que traça os contornos sócio-econômico e cultural da cidade, suas escolas, sua vida artística e seus projetos de desenvolvimento urbano, procura na organização da igreja mantenedora do Colégio Internacional a herança teológica e eclesiástica que permeavam a consciência de seus dirigentes. É a difícil arte de colar as representações religiosas a outros elementos que se interagem na construção da identidade regional. Essa é uma das contribuições da obra, mesmo que o autor não tenha “este trabalho como exercício de pesquisa em história regional”2.

Uma outra contribuição que esse trabalho traz é a que diz respeito à relação existente entre uma instituição de ensino e o grupo religioso que a dirige, ou melhor, entre o proselitismo que este último exige e liberdade religiosa que os diretores missionários pregam. Bencostta aborda com precisão a contradição existente entre a obrigação de cumprir a promessa de formar cidadãos nos preceitos liberais e democráticos e a de preparar líderes que assumissem o projeto religioso da Igreja. O que se percebe quando se analisa as propostas educacionais confessionais é que a posição dos responsáveis pelo seu funcionamento tem que estar carregada de muita flexibilidade. Há os compromissos externos e os internos, há dois mundos distintos aos quais esses educadores necessitam prestar contas; um é a sociedade com a qual se comprometeu e que em maior ou menor quantidade recebeu apoio, outro é composto pela hierarquia da religião responsável por esse modelo de educação. Além de impregnar de religiosidade o ensino, é ela quem dá a palavra final da necessidade ou não da existência de uma escola em um determinado espaço geográfico. É preciso se identificar com a linguagem da sociedade que se abriu para sua proposta de ensino e não desafinar com o grupo religioso em que se está comprometido. Foi essa relação que Bencostta percebeu na prática dos diretores do Internacional:

Por um lado, Morton utilizou de um discurso político-cultural junto à intelectualidade campineira, que procurou identificar a proposta do colégio como inerente ao mundo civilizado que o Brasil desejava participar. E, por outro, Lane valeu-se do discurso religioso e missionário em sua visita à Igreja Presbiteriana Americana ao expor a necessidade de transmissão dos preceitos do protestantismo através de uma educação escolarizada3.

Não há como negar que os interesses de componentes sociais distintos, num mesmo espaço geográfico se fundem, se sobrepõem e sofrem desfigurações, em nome do relacionamento que mantêm sua existência. No entanto, cada segmento social preserva, explícita ou implicitamente, o seu próprio, o seu jeito particular de ser.

Notas

1 BENCOSTTA. Marcus Levy Albino, op. cit. p.17.

2 Idem, p.17.

3 Idem, p.77.

Vasní de Almeida

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