“Identidades e fronteiras no Mediterrâneo antigo e medieval” / Tempos históricos / 2016

Compreender o universo mediterrânico como um ambiente de intensas e múltiplas trocas ao longo dos tempos torna-se um elemento fundamental para a construção de uma perspectiva histórica plural e dinâmica, especialmente quando analisamos o processo de formação e desenvolvimento das sociedades do Ocidente europeu. Diversos estudos no atual cenário acadêmico, nos mais variados temas, têm colocado em debate as diferentes formas de relação entre as culturas, ora de aproximação, ora de afastamento, sempre considerando nas análises os fluxos que acompanham os ritmos e circunstâncias particulares de cada contexto. No que diz respeito às áreas de História Antiga, Antiguidade Tardia e Medieval, o trabalho com dois conceitos têm especialmente contribuído para importantes discussões nesse ambiente: identidade e fronteira. Conceitos estreitamente relacionados, a identidade, construção individual ou coletiva de representação fundamentada em diversos elementos (a exemplo dos culturais, políticos, religiosos), envolve também a delimitação de fronteiras, restritas ou flexíveis, do ponto de vista territorial.

O dossiê que apresentamos aqui, “Identidades e Fronteiras no Mediterrâneo Antigo e Medieval”, vem no sentido de promover espaço para trabalhos com essa orientação de investigação, demonstrando a importância dos estudos acadêmicos brasileiros na discussão. Na abertura contamos com o artigo de Thiago Stadler, “Plínio, o Velho: leitor dos latinos”. Trabalhando com a questão da identidade erudita, buscando as principais características do conceito, Stadler analisa a obra ‘História Natural’, de Plínio, o Velho, autor romano do século I d.C. Seguindo as leituras de Varrão, Sêneca, Tito Lívio e Cícero, Plínio teria estabelecido, caracteriza Stadler, as mais diversas orientações e necessidades em relação ao homem erudito, dentre as quais destacamos: o domínio da gramática e de conhecimentos precisos e relevantes, o exercício da política, e a preocupação em relação aos seus atos.

Logo na sequência temos o artigo escrito por Alex Aparecido da Costa, “A integração imperial romana sob Trajano na concepção de Plínio, o Jovem”. Analisando o ‘Panegírico de Trajano’, composição de Plínio, o Jovem, importante personagem político do século I e inícios do II d.C., Costa sinaliza uma proposta de construção de um modelo ideal, virtuoso, de governante romano. Modelo que é projetado em Trajano, considerado o grande responsável pela grandeza e integração do Império Romano.

Em seu trabalho “De Eostre a Easter: ressignificação de um culto pagão na Inglaterra medieval?”, Nathany Andrea W. Belmaia analisa a possível ressignificação de um culto pagão, Eostre, pela Páscoa cristã, problematizando a afirmação de Beda, o Venerável, em ‘De Tempora Ratione’, do século VIII. Desenvolvendo um estudo de rastreamento etimológico e considerando as trocas culturais existentes, Belmaia sinaliza a iniciativa à época, desencadeada pelo Papa Gregório I, de incentivo à apropriação dos templos pagãos e de reelaboração das festividades religiosas locais. A identidade cristã surge, portanto, em construção.

Em seu trabalho “Ocidente e Oriente na Idade Média: o modelo sapiencial de justiça do rei Afonso X de Castela (séc. XIII)”, Elaine Cristina Senko analisa ‘Las Siete Partidas’, documento síntese do pensamento normativo e das estratégias políticas de Afonso X, monarca de Leão e Castela, no século XIII. Ao observar o constante resgate à memória do rei Salomão durante a obra, visto como exemplo de governante sábio e justo, idealizado em suas características, Senko considera a importância das tradições culturais e políticas do Oriente agindo e interferindo no Ocidente, dinamizando o contexto intelectual ibérico.

Na sequência, Renata Cristina de Sousa Nascimento apresenta o texto “A Cristianização do espaço: o protagonismo da Vera Cruz em Marmelar”. Considerando o relevante valor espiritual, mas especialmente observando os seus possíveis usos políticos, Nascimento analisa a importância da relíquia cristã “Cruz do Marmelar”, um fragmento do Santo Lenho, dentro das particularidades do contexto português do século XIV. A autora avalia a relação da relíquia com o movimento demográfico e de expansão das fronteiras na região, considerando principalmente o contexto da vitória cristã na Batalha do Salado, em 1340.

Fechando o dossiê, Fátima Regina Fernandes apresenta “Relações de poder na fronteira portuguesa no contexto das guerras luso-castelhanas (1367-83)”. Contempla neste estudo o tema das fronteiras e identidades no contexto das guerras luso-castelhanas, ocorridas na segunda metade do século XIV, observando com especial atenção o governo do rei Fernando I, de Portugal. Tendo por alicerce metodológico a prosopografia e utilizando-se das Chancelarias régias e das Crônicas régias de Fernão Lopes como fontes, Fernandes denota em sua pesquisa a complexidade das relações sociais e políticas envolvendo a ocupação e a defesa das terras fronteiriças, com destaque especial ao conceito de naturalidade no desenvolvimento da análise.

Aos autores que contribuíram para a composição do presente dossiê, aos membros do Núcleo de Estudos Mediterrânicos da Universidade Federal do Paraná, ao editor da Revista Tempos Históricos, Moisés Antiqueira, recebam o nosso profundo agradecimento.

Com votos de boa leitura!

Renan Frighetto – Professor associado da Universidade Federal do Paraná, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História da UFPR e professor colaborador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui graduação em História pela Universidade Gama Filho (1984), mestrado em História Antiga e Medieval pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990) e doutorado em História Antiga pela Universidad de Salamanca (1996). Bolsista em Produtividade e Pesquisa ID do CNPq.

André Luiz Leme – Professor Adjunto A – História Antiga e Medieval – no Colegiado de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Editor da Revista Diálogos Mediterrânicos. Possui Graduação (2008), Mestrado (2011) e Doutorado (2015) em História pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa Estudos em História Intelectual (CNPq / UNIOESTE). Membro docente do Núcleo de Estudos Mediterrânicos (CNPq / UFPR).


FRIGHETTO, Renan; LEME, André Luiz. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.20, n.2, 2016. Acessar publicação original [DR]

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