Religião e Indústria Cultural | Ponta de Lança | 2021

GOSPEL PRIME Religião e Indústria Cultural
Tela inicial do site Gospel Prime, 27 jul. 2021

Diversas pesquisas no âmbito das ciências humanas têm constatado que no campo religioso (BOURDIEU, 1998) brasileiro evidencia-se ampla concorrência entre seus agentes, o que os tem levado cada vez mais a criar novas estratégias e bens simbólicos de salvação plausível, aqueles que garantam às instituições religiosas forças na luta pelo monopólio da gestão desses bens, pela manutenção ou ampliação do seu capital social. Nessas disputas, os meios de comunicação têm desempenhado um papel primordial, principalmente com a mediação da cultura moderna, onde foram plasmadas as maneiras como as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas nas sociedades modernas, bem como as maneiras como as pessoas experimentaram as ações e acontecimentos que se dão em contextos dos quais estão distanciados, tanto no espaço como no tempo (THOMPSON, 1995).

Num mundo marcado pelos meios de comunicação, as tradições se tornaram mais e mais dependentes de formas simbólicas mediadas. Elas foram desalojadas de lugares particulares e reimplantadas na vida social de novas maneiras. Mas o deslocamento e a nova ancoragem das tradições não se tornam necessariamente inautênticas, nem foram condenadas à extinção. Com o avanço dos meios de comunicação, o papel das tradições orais, por exemplo, não foi eliminado, mas foi suplementado e reconstituído pela difusão dos produtos da mídia (THOMPSON, 2002). Leia Mais

Indústria Cultural e Contemporaneidade / História e Cultura / 2013

A indústria cultural é um dos elementos que identificam a contemporaneidade. Toda a vida humana está hoje permeada por imagens, símbolos, sons, textos que foram produzidos em seu âmbito. Nossas subjetividades, a maneira como vemos o mundo, os desejos que expressamos estão sempre em diálogo, mais ou menos contraditório, com bens culturais produzidos de forma massiva e mercantilizada.

O conceito de indústria cultural foi trazido ao debate sobre a natureza do capitalismo no Pós-Guerra por Theodor Adorno e Max Horkheimer. Era o ano de 1947, no qual se definia a Guerra Fria e época em que os horrores do extermínio ainda povoavam intensamente corações e mentes. Em Dialética do Esclarecimento (Dialektik der Aufklärung), os autores criticavam a razão iluminista, capaz de tornar o massacre racional, e viam na indústria cultural sua perpetuação. Em oposição ao termo “cultura de massas”, que pode significar uma produção cultural produzida por ou para as “massas”, o conceito de indústria cultural põe a nu a lógica da cultura mercantilizada. Nesta, as “massas” seriam apenas objetos e jamais sujeitos. Os bens culturais produzidos como mercadorias se destinam ao consumo e, por meio deste, a um controle social fabricado pela alienação. Ao mesmo tempo similares a quaisquer mercadorias produzidas sob o capitalismo, esses bens se distinguiam pela sua capacidade de gerar conformismo e aquiescência, capturando subjetividades para a legitimação da ordem do capital.

Muitos foram os autores que debateram essa concepção, seja para negá-la radicalmente e celebrar a “liberdade de escolha” da audiência, seja para perceber nesse sistema de dominação brechas e contradições capazes de permitir a produção de contrahegemonias. Assim, tomando como horizonte a gênese de tal conceito, o dossiê “Indústria Cultural e Contemporaneidade” reuniu diferentes textos, divididos em: 10 artigos, 01 resenha e 01 entrevista que lançam olhares diversos sobre expressões culturais e seus contextos históricos.

Os primeiros artigos focam mais diretamente nas reflexões conceituais acerca da indústria cultural e seus desdobramentos. Em seguida, passamos para análises mais específicas de produtos e / ou manifestações culturais que dialogam com o referido conceito.

Música, turismo, produção audiovisual, novas tecnologias de informação e comunicação, movimentos sociais, foram temas escolhidos para problematizar o papel da indústria cultural no mundo contemporâneo. Selecionamos ainda uma entrevista de Armand Mattelart, sociólogo belga, co-autor do livro Para ler o Pato Donald, na qual ele reflete, entre outros temas, sobre o papel da indústria cultural no golpe que derrubou o presidente chileno Salvador Allende. Realizada pelo historiador Ivan Gomes, a entrevista traz uma contribuição fundamental para o aniversário dos 40 anos do golpe civil-militar no Chile. Por fim, Lia Rocha apresenta resenha que aborda a “moda” do turismo nas favelas, parte de um processo mais amplo de ordenamento urbano e de comoditização da cidade que está em curso no Rio de Janeiro, sede de megaeventos nos próximos anos.

“O Apocalipse é uma obsessão do dissenter, a integração é a realidade concreta dos que não dissentem.” A célebre frase de Umberto Eco, em seu livro Apocalípticos e Integrados, pode ser tomada como epígrafe deste dossiê. Nossa intenção foi, a partir de abordagens diferentes, desnaturalizar o senso comum, incentivando estudos culturais críticos que compreendam a História como processo. Pode-se perceber, assim, as mediações produzidas na dinâmica da indústria cultural, arena de conflitos e disputas entre um poderoso status quo que busca se perpetuar eternamente e um campo contrahegemônico que busca construir, de modos diversos, um novo horizonte histórico.

Adriana Facina – Professora do PPGAS / Museu Nacional / UFRJ, com pós-doutorado em Antropologia Social.

Pâmella Passos – Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Grupo de Pesquisas “Observatório da Indústria Cultural (Oicult).

Organizadoras do Dossiê Indústria Cultural e Contemporaneidade


FACINA, Adriana; PASSOS, Pâmella. Apresentação. História e Cultura. Franca, v.2, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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