Instituições e ensino de História / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2014

Em 2014, diversos eventos e periódicos direcionaram seus trabalhos aos 50 anos do golpe de Estado de 1964, a Revolução Redentora para os defensores do golpe. Para este número, os editores da Revista Eletrônica História em Reflexão acharam por bem dedicar o dossiê a trabalhos que versassem sobre a temática Instituições e ensino de História, ainda não contemplada pela Revista com um dossiê.

Os trabalhos publicados na área do ensino de História, grosso modo, parecem ter dois objetivos principais: a produção de um conhecimento para contribuir com o enriquecimento teórico-metodológico da formação do professor e, consequentemente, refletir nas aulas de História das escolas brasileiras com um enfoque crítico-propositivo; um conhecimento retrospectivo sobre as formas e funções do conhecimento histórico praticadas pelas instituições de ensino, com um enfoque analítico sobre uma memória, que a própria História institucionalizada ajudou a produzir. Esses dois tipos de trabalhos fizeram-se presentes nos artigos do dossiê Instituições e ensino de História.

A quantidade de dissertações na área de ensino defendidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UFGD é ainda relativamente pequena. Apesar dessa pouca expressividade, as preocupações voltadas ao ensino da história são crescentes nos debates entre professores e pesquisadores. Algumas dissertações e teses que abordaram o ensino em uma perspectiva histórica foram desenvolvidos também nos Programa de Pós-Graduação em Educação da UFGD e da UFMS.

Para este número da Revista, foi recebida uma quantidade expressiva de trabalhos na temática de ensino de História. Os artigos foram encaminhados para pareceristas da área, de diversas regiões do Brasil, e o resultado das avaliações surpreenderam. A grande maioria dos trabalhos foi reprovada, indicando um nível de exigência, maturação e profissionalização da área do ensino de História. Uma exigência comum dos pareceristas foi a necessidade de se contemplar a bibliografia existente sobre o assunto tratado para, a partir daí, ponderar a contribuição do conhecimento produzido.

Em agosto de 2014, durante o XVI Encontro Estadual da ANPUH / MS, realizado em Aquidauana, foi gratificante observarmos a riqueza da produção historiográfica desenvolvida no estado, bem como o alentado intercâmbio que as diversas Instituições de Ensino Superior locais vêm estabelecendo com os diversos programas institucionais, regionais, nacionais e sul-americanos, voltados para a pesquisa e o ensino de história. E, nesse sentido, ganha relevância o avanço no estudo de temas e segmentos sociais definidores de identidades locais, por meio de recortes regionais específicos que, em geral, estão ausentes ou são secundarizados pela historiografia “brasileira”, centrada no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.

Essa situação representa, ao mesmo tempo, estímulo e maior responsabilidade para os veículos de divulgação dos trabalhos acadêmicos produzidos, seja no âmbito dos programas acadêmicos ou individualmente, por profissionais, sobretudo da área de História, vinculados à pesquisa e ensino.

O presente número da Revista Eletrônica História em Reflexão assume, mais uma vez, a responsabilidade de dar ao público parte dessa produção. O conjunto de artigos selecionados, contemplando o trabalho de docentes e discentes de pós-graduação (mestrandos e doutorandos) e egressos da graduação, repercute, pelo menos em parte, o atual momento historiográfico vivenciado, sobretudo, no estado de Mato Grosso do Sul.

Os artigos aprovados para o dossiê iniciam-se com a contribuição de José Carlos Ziliani e Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani, A relação educação e trabalho no sul de Mato Grosso nas formulações de Melo e Silva, que apresenta o resultado de uma pesquisa concluída na interface história e educação. O texto apresenta uma análise sobre a conformação do sujeito para o trabalho moderno, na fronteira sul de Mato Grosso, na primeira metade do século passado, conforme as produções do jurista Melo e Silva. Como operadores de análise, utilizaram-se os conceitos de “processos de subjetivação” e de “dispositivo de escolarização”, inscritos na perspectiva pós-estruturalista. Ao criticar os hábitos, valores e práticas sociais do homem local, os textos tornam visíveis as tecnologias de dominação e as do eu colocadas em jogo. A solução apontada nos textos volta-se à instituição de escolas primárias e pré-vocacionais, onde as crianças, desde a mais tenra idade, seriam compostas e disciplinadas para se fixarem ao aparelho de produção moderno.

O trabalho de Jorge Luiz Veloso da Silva Filho e Ricardo de Aguiar Pacheco, Museu do Mamulengo na sala de aula: proposição de jogos educativos como recurso didático no ensino de História, tem como objetivo a proposição de jogos educativos que utilizam o acervo do Museu do Mamulengo (localizado na cidade de Olinda-PE) como recurso didático para o ensino de História. Para a pesquisa de campo e confecção dos jogos, foram utilizados referenciais teóricos ligados ao ensino de História, ao campo do Patrimônio e da Museologia. No campo da Pedagogia, buscaram-se referências sobre o uso de jogos no meio escolar, além de informações obtidas junto ao setor educativo do Museu e a professores que visitavam a instituição. Neste estudo, concluiu-se que a proposição dos jogos é uma forma de aproximar a instituição escolar do Museu do Mamulengo, pois, quando utilizados nas aulas de História, constituem um instrumento para preparar a visitação e potencializar a experiência pedagógica que ocorre no museu.

O debate sobre a diversidade étnico-racial e o ensino de História foi contemplado no trabalho Reeducação das relações raciais e Ensino de História: reflexões teórico-metodológicas sobre processos de formação docente em lugar de fronteiras, de autoria de Lourival dos Santos e Maria Aparecida Lima dos Santos. A discussão realizada aborda o campo de pesquisas sobre o ensino de História como lugar de fronteira, no qual são articulados instrumentais teóricos da educação e da história, e as questões apontadas pelas investigações em educação étnico-racial que consideram centralmente a incorporação de saberes distintos em currículos adequados às realidades locais. Diante da tarefa de formar professores de História, apresentam-se reflexões tecidas e os saberes construídos no encontro de referenciais de ambos os campos de pesquisa. Conclui-se que a problemática da reeducação étnico-racial pode ser um caminho frutífero para se equacionar o distanciamento entre os eventos do passado e questões do presente, princípio fundamental para a História como disciplina escolar e central para o desenvolvimento do pensamento histórico.

Tiago Alinor Hoissa Benfica apresenta um fragmento de sua pesquisa de doutorado, com o título Elevar a educação: a gestação do campo histórico na Universidade pública em Aquidauana (década de 1970). O texto trata da implantação do campo histórico em Aquidauana na Universidade pública, que ocorreu junto às atividades do curso de Estudos Sociais, a partir da ativação do CPA, unidade da UEMT, no período em que houve a primeira grande expansão do ensino superior em Mato Grosso como parte de um conjunto de obras modernizadoras e, no âmbito nacional, as políticas públicas educacionais do contexto da Lei 5.692 / 71. Os Centros Pedagógicos da UEMT tinham o papel de garantir a existência de um quadro de professores formados dentro da legislação da época. Nesse contexto, o artigo aborda as forças e estratégias utilizadas na criação do CPA, a arregimentação de professores, os avanços e recuos do campo histórico em Aquidauana, tendo em vista o papel iniciativa dos agentes do campo e a relação de dependência do campo histórico com a Instituição.

A seção dos artigos livres inicia-se com o trabalho de Giuslane Francisca da Silva e Sérgio da Silva Machado Júnior, ao abordar O discurso em Michel Foucault, por meio do qual são apresentados e discutidos alguns princípios que envolvem a concepção de discurso em Michel Foucault. Tendo em vista ser o discurso um acontecimento histórico, esboça-se como se dá sua construção dentro desse contexto, sobretudo atrelado às relações de poder que permeiam a sociedade. Considerando que, para Foucault, a produção do discurso não se dá de maneira aleatória, os autores se propõem a refletir sobre a produção discursiva enfatizando os mecanismos que atuam como procedimentos de controle dessa construção, considerando que não são todos os sujeitos que possuem acesso a sua produção.

João Pedro Ribeiro Pereira e Jérri Roberto Marin propuseram-se a analisar os discursos, a militância de José Octávio Guizzo e as suas propostas para a construção da identidade sul-mato-grossense no artigo José Octávio Guizzo e a construção da identidade sul mato-grossense. Guizzo foi um ativista cultural e um político de considerável notoriedade em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul durante as décadas entre 1960 e 1980, sendo o primeiro presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. O conjunto de sua obra revela a preocupação em criar uma identidade para o novo estado a partir da eleição de elementos comuns que singularizariam a região. Como intelectual, preocupou-se em pesquisar os aspectos culturais, sobretudo a música, o folclore e o cinema. Neste sentido, o objetivo é desconstruir e desmantelar os seus discursos, promovendo o estabelecimento de uma nova forma de dizer e de ver o regional.

Um dos temas mais latentes neste ano entre os historiadores, a ditadura militar, está presente no artigo de Luiz Carlos Pais, Retorno ao golpe militar de 1964 e o caso dos presos políticos de São Sebastião do Paraíso (MG). Este artigo propõe um retorno ao Golpe Militar de 1964 ao tomar como referência o caso da prisão de um grupo de 15 cidadãos de São Sebastião do Paraíso, tradicional polo da cafeicultura do Sudoeste de Minas. O grupo foi transportado em condições desumanas para presídios de Belo Horizonte, distante 500 quilômetros da cidade em que moravam com suas famílias e onde eram conhecidos como trabalhadores honrados. Alguns dos presos haviam pertencido ao então extinto partido comunista, outros eram trabalhistas, socialistas ou simpatizantes dos discursos reformistas do Presidente João Goulart. Os fatos históricos foram produzidos a partir de depoimentos recolhidos, cópias de processos obtidos nos arquivos do Fórum da cidade, jornais da época, documentos disponíveis no acervo do extinto Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais. Constatou-se que entre os motivos das referidas prisões estão a trajetória de resistência trabalhista, iniciada ainda na Era Vargas, quando houve a fundação de uma federação sindical trabalhista que assustou as velhas oligarquias da cidade, a fundação do comitê local do partido comunista, em 1946, a militância em favor do Movimento da Paz Mundial, em 1952, finalizando com a implacável ação de militares agentes da repressão política que agiram em favor das elites locais.

Roberto Mauro da Silva Fernandes trata das Adstrigências e frinchas entre comerciantes brasileiros e bolivianos numa zona de fronteira: os liames e as desconexões acerca do Estado e do território em Corumbá / MS, com o objetivo de analisar as interações espaciais decorrentes das territorialidades estabelecidas entre os comerciantes bolivianos e brasileiros em Corumbá / MS, que juntamente com Ladário / MS (Brasil) e Puerto Quijarro e Puerto Suarez (Bolívia), compõem a Zona de Fronteira Bolívia / Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul. Especificamente, buscamse as relações conflituosas inerentes ao uso de um território dotado de flexibilidades que ultrapassam os “limites” do Estado-nação e as normas jurídicas que estabelecem as “marcas” estatais. Para obtenção do que se propõe a discutir, utiliza-se levantamento bibliográfico sobre áreas de fronteira e realiza-se um trabalho de campo que consistiu em entrevistar aqueles que estão diretamente envolvidos nas atividades de comércio.

Por último, esta edição traz a contribuição de um dos fundadores da Revista Eletrônica História em Reflexão, Leandro Baller. Trata-se da tradução da entrevista feita com Ramón Fogel, denominada Breves perspectivas histórico-sociais nas relações entre Brasil e Paraguai. A entrevista foi produzida no mês de dezembro de 2006 em Assunção-PY, no momento em que Leandro realizava trabalho de campo para a pesquisa em nível de mestrado que desempenhava junto à UFGD.

Com a edição de mais esse volume, a REHR, cumprindo sua precípua tarefa de divulgação acadêmica, espera fomentar, mais e mais, o diálogo entre pesquisadores e demais interessados no conhecimento histórico.

Joana Neves

Tiago Alinor Hoissa Benfica

São Paulo-Aquidauana, janeiro de 2015.


BENFICA, Tiago Alinor Hoissa; NEVES, Joana. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 8, n. 16, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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