História das Mulheres, Gênero e Interseccionalidades / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2020

Concebemos esse dossiê em função da surpresa que tivemos com a imensa quantidade de textos que recebemos para a chamada “Ensino de História, História das Mulheres e Desigualdades Sociais”, publicada em setembro de 2020. Desse modo, selecionamos alguns trabalhos que não demonstravam alinhamento com todas as categorias da proposta inicial, mas ainda assim representavam enorme contribuição historiográfica. Esse conjunto de textos evidencia a diversidade de temas, abordagens e categorias que fazem parte dos campos da História das Mulheres e dos Estudos de Gênero.

São trabalhos que, em todas as suas diferenças, celebram na historiografia a pluralidade de narrativas, sujeitas e sujeitos, mostram aspectos das lutas feministas que se desvelam em cotidianos, trabalhos, escritas, rezas e partituras de piano, reunindo e inspirando forças motrizes para pesquisas futuras. Falamos de celebração enquanto afirmação, positivação realizada pela construção da compreensão de alteridades que extrapolam os espaços textuais e inundam discursividades e práticas cotidianas.

As leitoras e leitores encontrarão ainda neste dossiê outro traço de diversidade: ele consiste numa seleção de escritas de autoras e autores de diferentes regiões do país, os quais instigam reflexões sobre contextos históricos inscritos em temporalidades distintas. As condições de gênero em diálogo com as interseccionalidades de classe, etnia, idade, dentre tantas outras, investigadas nas pesquisas aqui apresentadas, narram resistências e feminismos que emergem na e da vida prática.

Estes textos representam o compromisso da organização desse dossiê com a diversidade da produção em História das Mulheres e Estudos de Gênero, com vistas à transformação social promovida pelo conhecimento histórico, produção essa formada por relações e posições políticas presentes na pesquisa, na escrita e no ensino da história.

Dividimos então, com imensa alegria e legítimo orgulho, o prazer dessas leituras, que evidenciam, pela pesquisa e escrita da história, lutas passadas, assim como batalhas travadas no tempo presente. Tempo que nos tem imposto desafios e adversidades, que tem nos lembrado o quão recentes são as conquistas e compreensões que questionam os determinismos de gênero, e, também por isso, são alvos de frequentes questionamentos e ataques. Deixamos, além do convite à leitura, o chamado à luta, esta que, como demonstra cada texto aqui presente, foi e é o caminho para a conquista e a consolidação de direitos que promovam a ampliação de uma cidadania plena.

Kênia Érica Gusmão Medeiros – Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2019). Mestre em História pela Universidade de Brasília – UnB – (2011). Graduada em História pela Universidade Estadual de Goiás – UEG- (2008). Atualmente docente do quadro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).

Gilmária Salviano Ramos – Doutorado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2015), com período sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (2013). Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande (2006). Professora Visitante do Departamento de História da Universidade Federal de Viçosa / MG.

Paula Faustino Sampaio – Graduada em Licenciatura em Historia pela Universidade Federal de Campina Grande (2006) e mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Atualmente, é Professora Assistente II da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis e cursa doutorado em História pelo PPGH / Universidade Federal da Grande Dourados.


MEDEIROS, Kênia Érica Gusmão; RAMOS, Gilmária Salviano; SAMPAIO, Paula Faustino. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 14, n. 28, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de história, história das mulheres e desigualdades sociais no Brasil / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2020

O dossiê Ensino de história, história das mulheres e desigualdades sociais no Brasil é um convite a um presente e um futuro feministas. A obra conta com um conjunto de ações concretas, propositivas e imediatas dos ensinos de história dentro do campo da história das mulheres e dos estudos de gênero. De norte a sul, de oeste a leste do Brasil, o dossiê em tela recebeu artigos que são atravessados pelas discussões acerca dos marcadores sociais de gênero, de classe e de raça. São contribuições dos fazeres da história que permeiam temas e problemáticas distintas. Além disso, abrangem uma diversidade de fontes documentais – legislações, livros didáticos, literatura, oficinas temáticas, literatura de cordel, história oral, fontes digitais e iconográficas, entre outras –, cotejando metodologias de pesquisa e dos ensinos de história. Trata-se de uma riqueza que amplia a perspectiva de gênero e não se encerra em si mesma, abre caminhos e condições de possibilidade para futuras reflexões, relacionando ensino, pesquisa e extensão – tripé caro aos institutos federais e às universidades–, bem como os desafios para a Educação Básica.

Dentro da perspectiva do engajamento militante e de mobilização política, o dossiê aborda vozes marginalizadas e invisibilizadas pela história, tais como a de Dandara dos Palmares e a representação de mulheres negras em dois livros didáticos do Ensino Fundamental. Vidas ressignificadas pela educação, pela história das mulheres e pela história pública mantêm o vínculo entre o feminismo e potencialidades de um ensino posicionado. Entre avanços e desafios, as ações do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) na formação inicial das professoras para o exercício da docência inauguram uma estratégia política por meio do acesso à educação formal, incluindo igualdade e senso de justiça social.

É precisamente por meio do ensino de história e do combate à violência de gênero no Brasil contemporâneo que se assume a responsabilidade de erradicar a violência sistêmica e estrutural. A esse respeito, as lutas políticas e sociais por meio da educação assumem papel fundamental. O dossiê é norteado por caminhos reflexivos por entender que é possível operacionalizar os feminismos partindo das margens do ensino de história, corroborando com as discussões que vêm sendo desencadeadas desde a década de 1980, pautadas pela ideia de que não somente as mulheres brancas, da classe média e de países do Norte Global produzem história.

Em se tratando do Brasil, presenciam-se feminismos plurais e transdisciplinares que emergem nos entre-lugares sociais e políticos que compõem o escopo deste dossiê. Outrossim, os feminismos mobilizados por meio dos artigos se mostram potencializadores de críticas às desigualdades sociais e às discriminações das diferenças. Nesse sentido, pensar as relações de gênero por meio de oficinas temáticas se propõe como uma perspectiva de discussão das práticas históricas e sociais alicerçadas no patriarcado e no racismo estrutural secular. Construindo caminhos, trilhando possibilidades de ensinar histórias no chão das escolas, professoras e estudantes enfrentam os silêncios que persistem na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCCEM), nos livros didáticos e em outros documentos normatizadores dos ensinos, defendendo uma pedagogia feminista voltada para um mundo justo com equidade de gênero.

Por fim, esse espaço de reflexão crítica é fruto da acolhida que a chamada do dossiê recebeu. Foram 92 artigos submetidos a avaliação que sinalizam a potencialidade dos debates relacionando ensino de história, história das mulheres e marcadores sociais; e, sobretudo, evidenciam o compromisso de professoras e estudantes no enfrentamento cotidiano da estrutura de violência de gênero. Como reconhecimento de sua latência, o dossiê foi agraciado pela entrevista inédita da historiadora e feminista Joana Maria Pedro, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A todas, dedicamos o nosso agradecimento pelo trabalho e pelas inspirações!

Kênia Érica Gusmão Medeiros – Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2019). Mestre em História pela Universidade de Brasília – UnB – (2011). Graduada em História pela Universidade Estadual de Goiás – UEG- (2008). Atualmente docente do quadro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).

Gilmária Salviano Ramos – Doutorado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2015), com período sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (2013). Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande (2006). Professora Visitante do Departamento de História da Universidade Federal de Viçosa / MG.

Paula Faustino Sampaio – Graduada em Licenciatura em Historia pela Universidade Federal de Campina Grande (2006) e mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Atualmente, é Professora Assistente II da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis e cursa doutorado em História pelo PPGH / Universidade Federal da Grande Dourados.


MEDEIROS, Kênia Érica Gusmão; RAMOS, Gilmária Salviano; SAMPAIO, Paula Faustino. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 14, n. 27, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Mundo Luso-brasileiro: relações de poder e religião / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2019

Com o propósito de contribuir para uma maior discussão sobre temáticas atinentes às relações de poder e religião na construção do mundo luso americano, lançamos esse Dossiê trazendo quatro artigos reflexivos sobre a imposição dos padrões de comportamento e da mentalidade católica sobre povos conquistados, especificamente indígenas da América portuguesa e africanos escravizados em diáspora pelo mundo atlântico, seja mediante a desterritorialização ou a catequese geridas pelos jesuítas, ou por administradores dos interesses políticos da Coroa.

Os quatro artigos compositores deste Dossiê recobriram os séculos de colonização da América portuguesa, tratando especificamente de relações de dominação que tiveram lugar no Rio Grande do Norte e Ceará, bem como a rota diaspórica de africanos escravizados pelos portugueses.

Os dois primeiros artigos abordam a política de desterritorialização indígena no Nordeste, sendo que um deles tratando das chamadas guerras justas, no século XVI, mostra-nos o avanço e a dominação lusitana no sertão; o outro, situado temporalmente mais à frente, analisa a mesma estratégia da Coroa, ao transformar antigos aldeamentos missionários jesuítas em vilas, a partir da implantação do chamado Diretório pombalino.

No sentido também da submissão aos conquistadores, porém com um pano de fundo mais ideológico catolicizante, os outros dois artigos abordam o papel da Igreja, seja mediante a educação jesuítica com as Casas de Bê-á-bá ou a pedagogia do medo praticada pelo Santo Ofício na conversão de africanos escravizados submetidos ao poder de senhores seja em Portugal, seja na América portuguesa.

Com esses artigos inéditos, fruto do trabalho de pesquisa de historiadores de excelência, constatamos os mecanismos de destruição de povos, etnias em nome de uma supremacia religiosa e um poder político impositivo.

Esperamos que a leitura seja leve, fluida e, sobretudo, construtora de um conhecimento humanista indispensável na edificação de um mundo melhor.

Suzana Maria de Sousa Santos Severs – Professora Doutora

Marco Antônio Nunes da Silva – Professor Doutor


SEVERS, Suzana Maria de Sousa Santos; SILVA, Marco Antônio Nunes da. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 13, n. 25, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Imprensa e ideologia / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2017

Esse novo número da Revista História em Reflexão é composto por um dossiê com artigos que possuem o periódico como objeto de pesquisa para a construção do conhecimento histórico por parte dos historiadores e das historiadoras e um conjunto de artigos de temática livre.

Atualmente o historiador e a historiadora possuem no periódico uma rica fonte para a pesquisa histórica. Contudo, nem sempre foi assim. No texto História dos, nos e por meio dos periódicos, Tania Regina de Luca afirma que na historiografia brasileira até a década de 1970 era relativamente pequeno o número de trabalhos que se valiam de jornais e revistas como fonte para o conhecimento da história do país. Para isso pesava uma tradição historiográfica moldada desde o século XIX, associada ao ideal de busca da Verdade dos fatos, que acreditava que isso apenas seria possível com fontes de tempos longínquos, analisadas de modo objetivo e imparcial. Os periódicos, por tratarem do cotidiano, com registros fragmentários da vida presente, pareciam pouco adequados para esse fim. Foi ao longo do século XX, quando o território de Clio gradativamente ampliou seus temas de pesquisa, abrindo espaço para uma história social, econômica e cultural, e não apenas política, que passou a redefinir o que seria fonte histórica, incluindo dados estatísticos, literatura e periódicos, por exemplo. Os Annales, a história cultural, a nova história política, foram propostas historiográficas que valorizaram o periódico como fonte histórica. E a historiografia brasileira não ficou isolada dessa renovação que atingiu Clio, contribuindo para isso a produção acadêmica, por meio de teses, dissertações e revistas especializadas. Nesse sentido, os diversos artigos que compõem esse número de História em Reflexão estão em sintonia com essa nova forma de compreender a produção do conhecimento histórico.

Na parte do dossiê há o artigo de Edvaldo Correia Sotana que analisa o material jornalístico sobre a manutenção da paz mundial publicado pela revista O Cruzeiro entre os anos de 1945 e 1953. Com esse artigo ele estabeleceu como objetivo demonstrar: a) o anticomunismo da revista O Cruzeiro; b) a possibilidade de investigar o noticiário internacional em periódicos brasileiros; c) a importância de olhar a posição político-ideológica de periódicos voltados para o entretenimento.

Cláudio Kuczkowski e Tatiane Dumerqui Kuczkowski abordam sobre a condição dos periódicos enquanto objetos e documentos de pesquisa no espaço da escrita acadêmica em História. Especificamente, examina a matéria nas teses defendidas nos Cursos de Doutorado dos Programas de Pós-Graduação de três Universidades do Rio Grande do Sul, Brasil: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). O artigo propõe-se constituir uma visão panorâmica de como esses materiais vêm sendo estudados.

Ana Gonçalves Sousa e Adriana Aparecida Pinto apresentam como as mulheres eram representadas no jornal A Tribuna, de Rondonópolis / MT, analisando o discurso da imprensa local sobre o papel e lugar social atribuído as mulheres na década de 1980, buscando perceber as formas de resistência e manutenção da ordem e de uma sociedade machista, que ainda concebia o lugar da mulher na esfera do privado e aos homens na esfera pública.

Matheus de Carvalho Leibão faz uma análise de editoriais do jornal O Globo que comentavam a questão das cotas raciais no acesso ao ensino superior público no Brasil. A partir de uma leitura do material do jornal entre os anos de 2003 e 2012, destacam-se os argumentos mais recorrentes utilizados pelo jornal na sua posição contrária à Lei de Cotas, encaminhada pelo governo federal e sancionada em 2012 por Dilma Rousseff.

Paula Antonia Henn e Marta Rosa Borin analisam a figura do Papa Pio XII e de que forma o Vaticano atuou no cenário internacional durante a Segunda Guerra Mundial, partindo da análise das ações do Pontífice Romano de 1939 a 1945, através da revista A Ordem e Revista Eclesiástica Brasileira (REB). Com isso elas buscaram entender a linha de ação política do Vaticano veiculada na imprensa brasileira neste período.

Herib Caballero Campos e Carlos Gómez Florentín estudam o discurso político do periódico “El Semanario de Avisos y Conocimientos Útiles”, que era voz do governo paraguaio para mobilizar os cidadãos no conflito do país contra o Brasil, Argentina e Uruguai. Luiz Eduardo Pinto Barros investiga como os periódicos paraguaios e brasileiros trataram a ocupação militar brasileira numa região de fronteira, em 1965. De acordo com Luiz Eduardo Pinto Barros, manifestações de repúdio ao Brasil foram expostas no Paraguai de diferentes formas, tendo grande espaço na mídia controlada pela ditadura militar de Alfredo Stroessner, que soube tirar proveito da situação e explorar o litigio fronteiriço a favor de sua imagem como “defensor dos interesses nacionais”. Já no Brasil, sob um regime militar, o assunto teve menor repercussão, mas foi explorado por periódicos brasileiros de maior circulação como interesse nacional, ao mesmo tempo em que houve casos de veículos oposicionistas declarados fizessem do impasse mais um objeto de crítica ao governo Castelo Branco.

Bruno Cortês Scherer discute as relações entre o espiritismo e outras perspectivas religiosas no Rio Grande do Sul em meados do século XX, a partir das publicações da revista A Reencarnação, editada pela Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS). São analisadas as percepções do movimento espírita organizado sobre o catolicismo e a umbanda, entrevendo a posição e as ações do espiritismo no campo religioso.

Na parte dos artigos livres há o trabalho de Mirian Martins Finger e Jorge Luiz da Cunha, o qual aborda noções de representação balizadas em fragmentos pertencentes aos domínios da filosofia, da história e da arte, a partir de um recorte da série do artista Iberê Camargo, intitulada Carretéis. Na primeira parte do texto é exposto noções de representação vinculadas à noção de verdade, tanto no que tange as narrativas dos eventos históricos, quanto às produções artísticas. Na segunda, são analisadas duas obras da Série e verificar como Iberê representou plasticamente seu objeto de memória, o carretel.

Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski reflete em seu artigo sobre a morte e seus lugares de memória e sobre o suicídio cercado de tabus e silenciamentos. Para isso utiliza narrativas de testemunhas de inquéritos policiais sobre suicídios do final do século XIX e início do século XX em Castro / PR como exemplos de ‘não lembrar’, ‘não dizer’, para não constituir uma memória que justifique um ato suicida.

Maria Verónica Perez Fallabrino trabalha com diários familiares escritos por mercadores florentinos do Tre-Quattrocento, chamados Ricordi ou Ricordanze, são uma documentação muito rica para o estudo dessa sociedade. Esse material é analisado não somente por se tratar de uma tradição amplamente difundida ou pela diversidade de informações registradas – acontecimentos familiares, impressões pessoais, sentimentos, negócios e assuntos da vida pública –, mas também pela intenção desses mercadores de reconstruir a memória familiar e pela consciência que tinham da importância que o passado familiar exercia para o homem. Esses diários apresentam anotações precisas, de caráter informativo e de natureza prática, apelam à invocação religiosa e refletem a individualidade de cada mercador na forma e conteúdo dos registros. Luciene Carla Corrêa Francelino analisa a atuação das irmãs de Jesus na Santíssima Eucaristia na Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim, entre os anos de 1929 a 1950, período em que as freiras administraram internamente o hospital.

Luciene Carla Corrêa Francelino defende a hipótese que as religiosas cuidavam dos doentes internados na instituição, mas esse cuidado rompia as fronteiras do corpo e alcançava os limites da alma, visto que estas se preocupavam com o conforto espiritual dos convalescentes e de seus familiares, favorecendo a cura ou minimizando o sofrimento e possibilitando uma melhoria na qualidade de vida daqueles que eram atendidos no hospital.

Por fim, há o texto de Marisa Bittar, convidada especial para escrever na Revista História em Reflexão. Nesse trabalho ela expõe os fatos mais imediatos que culminaram na lei de 11 de outubro de 1977 que dividiu Mato Grosso e criou Mato Grosso do Sul sem consulta à população. Baseado em fontes primárias de pesquisas sobre o regionalismo, o divisionismo, a criação de Mato Grosso do Sul e atuação de suas elites políticas, o artigo focaliza a decisão do general Ernesto Geisel, então presidente da República, a posição dos dois últimos governadores de Mato Grosso (uno), a postura dos seus parlamentares e políticos em geral no processo de divisão do Estado. Marisa Bittar revela que não houve mobilização popular pela divisão, e expõe as articulações “subterrâneas” que respaldaram a decisão de cima para baixo, concluindo que a criação de Mato Grosso do Sul só foi possível porque o regionalismo secular que caracterizou a sua formação encontrou contexto favorável ao coincidir com os interesses geopolíticos do regime militar.

Ricardo Oliveira da Silva – Professor do Curso de História UFMS / CPNA

Nova Andradina / MS, 1º de fevereiro de 2018.


SILVA, Ricardo Oliveira da. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados- MS, n. 11, v. 22 jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Futebol, biografias e memórias / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2018

O período que vai de 2007 a 2016 foi cognominado, em coletânea recente, de “a década esportiva” (Spaggiari; Machado; Giglio, 2016). O balizamento temporal desses dez anos faz alusão, por suposto, ao intervalo que se estende entre o anúncio da Copa do Mundo no Brasil pela FIFA e a realização dos Jogos Olímpicos de verão na cidade do Rio de Janeiro, ocorridos há três anos atrás.

No referido decênio, como sabemos, o país assistiu a uma série de convulsões político-sociais. O otimismo, o crescimento, a inclusão e as promessas até então reinantes, e que incluíam os megaeventos esportivos na agenda das transformações e promoções por que passava a nação, parecem ter sido levados de roldão pela onda conservadora e pelo abalo institucional vivenciado em tal conjuntura histórica, a se arrastar até os dias de hoje.

Não cabe aqui, nos limites dessa apresentação, discorrermos sobre esse ponto, mas talvez valha a pena pinçar desse quadro de múltiplas, sucessivas e desencontradas crises das instituições de poder ao menos um aspecto que pode ser considerado positivo. Dentro daquilo que nos compete, tal aspecto diz respeito ao contexto dos grandes eventos de esportes transcorridos no país, com especial atenção ao futebol.

O estudo de Campos (et. al., 2017), dedicado a mapear a presença do futebol nas Ciências Sociais e Humanas no decorrer do século XXI, traz um levantamento que pode ser tomado como alvissareiro para a consolidação desse subcampo disciplinar no país. A despeito da persistência das disparidades regionais, apontadas criticamente pela equipe de pesquisa associada ao GEFuT – Grupo de Estudos em Futebol e Torcidas, da Escola de Educação Física / UFMG –, a investigação mostrou um incremento quantitativo notável na produção científica com temática futebolística nos últimos anos.

Talvez seja problemático postularmos aqui os efeitos de um “legado acadêmico” – apropriação do termo nativo, supostamente beneficente, da organização promotora da segunda Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014 –, mas é indubitável que a visibilidade do megaevento planetário estimulou a criação de grupos e projetos de pesquisa; propiciou a realização de fóruns e reuniões em associações de pós-graduação; e motivou a organização de dossiês e artigos nos periódicos científicos centrados no temário do futebol.

Se a consolidação de tais estudos vai-se mostrar duradoura, apenas os próximos anos e as futuras pesquisas de mapeamento irão dizer. De todo modo, é de se esperar que a quantidade de novos trabalhos implique em elevação de qualidade e em adensamento analítico, bem como que a curva ascendente apontada pela equipe do GEFuT reverta-se, pelo menos no médio e no longo prazo, na estabilização dessa seara de investigações.

Para as gerações que hoje começam a lidar com o objeto, trata-se de uma forma otimista de dizer que o futebol doravante não será mais “tema menor”. Tampouco que o mesmo carecerá de seriedade e legitimidade no rol dos assuntos relevantes, tal como parte da Academia e do senso-comum quis, durante bom tempo, nos fazer acreditar.

Um dos sinais da afirmação e da consolidação dos estudos futebolísticos é o interesse dos pesquisadores em fase de formação na pós-graduação dos cursos de História e de Ciências Sociais em se dedicar a este assunto. Mais do que contabilizar números de dissertações e teses defendidas, um caminho possível para aferir o estado da arte é levantar os dossiês que vêm sendo organizados ultimamente nas revistas discentes de pós.

A título de exemplificação, invoquemos os volumes que resultaram em publicações no ano de 2018. Um primeiro exemplo é o da Revista Mosaico, dirigida pelos alunos do Programa de Pós-Graduação em História Política e Bens Culturais (CPDOC-FGV), que se intitulou “Diálogos com o futebol” [1]. O segundo, denominado “História dos esportes e do lazer”, foi uma iniciativa da Revista discente Hydra, vinculada à pós-graduação em História da Universidade Federal de São Paulo / UNIFESP [2].

O presente dossiê, cuja chamada foi lançada no ano passado, vem ao encontro dessa tendência que consideramos positiva e sintomática do interesse de mestrandos e doutorandos pela abordagem acadêmica do futebol. Pertencente ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), sediado no estado de Mato Grosso do Sul, o periódico eletrônico discente História em Reflexão, criado há mais de dez anos (2007) e publicado com regularidade semestral, também elegeu para tematização em 2019 o futebol.

Convidados pela editora da revista Kelen Katia Prates Silva, mestranda do Programa, a delinear as diretrizes do supracitado dossiê, amadurecemos inicialmente qual seria o escopo preferencial por definir. Com o critério preliminar da exclusão dos temas relativamente explorados em publicações precedentes, orientamo-nos pelo capítulo de balanço feito pela professora da UFF, Simoni Lahud Guedes, acerca da produção científica concernente ao eixo “Esporte, lazer e sociabilidade” (2010), em coletânea organizada pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, a ANPOCS.

No tocante à antropologia do futebol, a pesquisadora destaca duas temáticas que avultaram nos últimos anos, tornando-se recorrentes, em função de sua visibilidade e de sua percepção mais abrangente como “problema social”. A primeira concerne às identidades construídas por meio do futebol, com mais ênfase para a relação identitária do país com a Seleção Brasileira e com as Copas do Mundo, à luz das chamadas “comunidades imaginadas”, de que falava Benedict Anderson para pensar a emergência do nacionalismo no contexto pós-colonial dos países do sudoeste asiático.

O segundo assunto destacado por Guedes na sua apreciação de conjunto relaciona-se às torcidas organizadas, cujo envolvimento com a pauta da opinião pública atinente à violência urbana vem demandando da Academia estudos de relativização dos estigmas, da naturalização de comportamentos desviantes e do etos associado a estes agrupamentos juvenis na contemporaneidade.

Tendo em vista os avanços reflexivos na exploração da identidade nacional e da violência no futebol, consideramos de modo alternativo um dossiê com foco futebolístico capaz de cobrir um ângulo novo do assunto e, ao mesmo tempo, de não deixar de incitar questões tradicionais e caras ao terreno da historiografia.

Nesse sentido, elegemos dois flancos de abrangência: a relação dual entre história e memória, sempre importante como suporte conceitual na elaboração teórica dos historiadores; e a biografia, dimensão de igual importância na reflexão em torno da escrita historiográfica, em função do que pressupõe para o entendimento da relação entre indivíduo, sociedade e temporalidade, ou, para usarmos os termos críticos de Bourdieu, para desconstruir sua “ilusão biográfica”.

Ambos os temas sugeridos consistem em questões frequentes de interpelação, quer aos estudiosos do futebol tout court, quer aos historiadores que se dedicam a analisar as fronteiras de seu métier profissional com outras áreas. O dossiê Futebol, biografias e memórias mobiliza, pois, um ponto de partida metodológico para refletir sobre o estudo da prática deste esporte profissional, a saber, a escrita de sua história vis-à-vis a narrativa dos jornalistas esportivos.

O aquecimento do mercado editorial com livros sobre futebol, especialmente na conjuntura dos megaeventos esportivos, é uma das expressões mais candentes dos desafios de se pensar uma história científica desta modalidade esportiva, face a um volumoso material preexistente, com a capacidade de fornecer dados e informações abundantes, mas dotados de objetivos e métodos diversos daqueles almejados pelos historiadores profissionais. Assim, embora com objetos convergentes, os objetivos de cientistas sociais e jornalistas muitas vezes divergem quando se trata de procedimentos de pesquisa relacionados ao futebol.

Em artigo seminal sobre os usos do gênero biográfico na história e no jornalismo, Benito Bisso Schmidt (1997) detém-se na gama de aproximações e de afastamentos entre as duas áreas, mediadas pela literatura ou pelo que Walter Benjamin compreende como a “arte de narrar”. Ao abordar a emergência da biografia na vida contemporânea, Bisso salienta, entre os jornalistas, o advento do new journalism nos Estados Unidos, em meados do século passado, bem como o modo pelo qual as biografias são exploradas, porquanto suscitam a curiosidade e despertam de sedução no imaginário coletivo em face da vida privada de personalidades e homens célebres.

Em contrapartida, os historiadores assistiram a uma retomada dos relatos biográficos desde fins dos anos 1970, quando a historiografia deixa de lado postulados estruturalistas e críticas ao positivismo da história oficial, também chamada dos grandes vultos, para apostar no potencial de abordagens históricas que podem, no limite, ajudar a reconstituir painéis históricos inteiros. O reconhecimento do papel do sujeito na história permite a recuperação das histórias de vida de anônimos, seja os egressos da cultura popular do Renascimento – como no caso do moleiro Menocchio de Carlo Ginzburg – seja os personagens saídos da cavalaria medieval – como no episódio do marechal Guillaume, enfocado por Georges Duby.

Não é o momento apropriado, nos limites de uma Apresentação, para aprofundar a longitude dessa discussão. Nosso intuito consiste apenas em sublinhar a pertinência do debate escolhido para esse dossiê, bem como sua relevância de fundo, na medida em que se trata de articular os estudos futebolísticos com a agenda de questões biográficas e memorialísticas com que a historiografia se depara de maneira cíclica.

Para este número, após o cumprimento das etapas constitutivas do “fazimento editorial”, quais sejam, a divulgação da chamada, a submissão dos autores, o parecer por pares cegos, a retificação dos originais em atendimento às avaliações, o cumprimento dos prazos e a padronização final dos textos à guisa de publicação – o presente dossiê chegou à seleção de 8 artigos aprovados, somados a uma entrevista e a uma resenha.

Além de uma contribuição em espanhol, submetida por trio de pesquisadores uruguaios, observa-se o alcance nacional do dossiê, em termos de diversidade regional, institucional, disciplinar e de titulação dos autores cujos textos foram afinal aprovados. Haja vista que a maioria das biografias tende a enfocar futebolistas que se tornaram ídolos esportivos, o presente dossiê contempla análises de personagens históricos, como Pelé e Garrincha, chegando até os dias de hoje, com o caso de Neymar Jr.

Outro alvo tematizado no dossiê são os livros apologéticos que narram a saga dos clubes de futebol, via de regra escritos por aficionados e memorialistas. Estes, na linha dos antiquaristas, voltam-se para o passado das suas agremiações clubísticas, em busca de datas, anedotas, mitos de origem e feitos extraordinários protagonizados por figuras lendárias do seu panteão.

Ainda no quesito do memorialismo, o dossiê conta com uma contribuição que se debruça sobre a trajetória do torcedor-símbolo de um modesto clube de Pelotas, o Farroupilha. Neste trabalho, o argumento incide na construção da persona abnegada, cujos sacrifícios altruísticos em prol do time do coração exemplificariam o lídimo amor clubístico, à primeira vista autêntico e incondicional.

Dois outros artigos perscrutam as origens futebolísticas por meio dos espaços, um deles com foco no futebol de várzea paulistano, outro com respeito à introdução da prática nas praças públicas da cidade de Fortaleza. Aqui lança-se luz no caráter espacial do jogo, seguido por modificações bruscas desses mesmos espaços ao longo do século XX e no início do século XXI, relegando-as à condição de esquecimento.

Não obstante, tais artigos chamam ao mesmo tempo a atenção para a imbricação dos dois episódios com as abordagens contemporâneas que entendem a relação espaço-temporal na chave não somente dos documentos, mas também dos monumentos, com destaque para os lugares de memória a que se referia Pierre Nora.

Last but not least, o dossiê completa-se com a publicação de uma entrevista e de uma resenha, sendo ambas voltadas para as práticas e representações do futebol feminino no Brasil. Esta temática, não custa repetir, vem cada vez mais galvanizando pesquisadores interessados em revisitar a escrita da história deste esporte à luz dos estudos de gênero e das questões que se colocam para a mulher e para o corpo feminino na contemporaneidade.

Por fim, não podemos deixar de reiterar nosso agradecimento ao generoso convite de Kelen para a organização do dossiê que ora vem a público, após quase um ano de labor e de preparação.

Notas

1. Disponível em: http: / / bibliotecadigital.fgv.br / ojs / index.php / mosaico / issue / view / 4166.

2. Disponível em: http: / / www.hydra.sites.unifesp.br / index.php / pt / numeros / 75-numero-5-volume-3-dezembro2018

Referências

CAMPOS, Priscila (et. al.). “Produção sobre futebol nas ciências humanas e sociais: um mapa a ser analisado. In: CORNELSEN, Élcio Loureiro; CAMPOS, Priscila; SILVA, Sílvio Ricardo da. Futebol: linguagens, artes, cultura e lazer. Rio de Janeiro: Jaguatirica, 2017.

GUEDES, Simoni. “Esporte, lazer e sociabilidade”. In: DUARTE, Luiz Fernando Dias (Org.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: antropologia. São Paulo: ANPOCS, 2010.

SCHIMDT, Benito Bisso. “Construindo biografias…historiadores e jornalistas: aproximações e afastamentos”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 19, 1997, p. 3-21.

SPAGIARI, Enrico; MACHADO, Giancarlo; GIGLIO, Sérgio (Orgs.). Entre jogos e copas: reflexão de uma década esportiva. São Paulo: Intermeios / Fapesp, 2016.

Bernardo Buarque de Hollanda – Professor da Escola de Ciências Sociais (FGV-CPDOC)

Raphael Rajão Ribeiro – Doutorando em História Política e Bens Culturais (FGV-CPDOC)


HOLLANDA, Bernardo Buarque de; RIBEIRO, Raphael Rajão. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 12, n. 24, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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A história das mulheres e suas fronteiras / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2018

As produções teóricas relativas à História das Mulheres e os estudos de gênero, encontra-se ligada ao movimento de renovação da própria história que, distanciando-se da história tradicional de cunho positivista que se impôs no século XIX, se voltava a preocupar por traçar um caminho interessado muito mais pelos coletivos que pelos individuais, pela evolução da sociedade que pelas instituições, pelos costumes que pelos acontecimentos, pelas coletividades excluídas do que pelos grandes personagens. As mulheres nunca estiveram ausentes da história, embora a historiografia oficial as tenha esquecido. No decorrer da história há uma relação entre gênero e poder que precisa ser estudada, revelada, reescrita, pois a história tradicional, moderna, colonial-patriarcal e universalizante criou o mito do sexo frágil, da impotência feminina e da sua dependência existencial do masculino.

A historiografia moderna, colonial e hetero-patriarcal transformou-se em relato que esqueceu as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, inenarrável, elas estivessem fora do tempo, fora do acontecimento. Mas elas não estão sozinhas neste silêncio-profundo. Elas estão acompanhadas de todos aqueles que foram marginalizados pela história como os negros, os índios, os velhos, os homossexuais, as crianças, etc. Portanto, escrever a história das mulheres é libertar a história. Libertar a história das amarras das metanarrativas modernas, colonial e falocêntricas presentes não apenas nos livros didáticos, mas nas práticas docentes de que ministra o currículo de história em sala de aula.

Se historicamente o feminino é entendido como subalterno e analisado fora da história, porque sua presença não é registrada, libertar a história é falar de homens e mulheres numa relação igualitária. Falar de mulheres não é somente relatar os fatos em que esteve presente, mas reconhecer o processo histórico de exclusão de sujeitos. Desconstruir a história da história feminina para reconstruí-la em bases mais reais e igualitárias, é um dos desafios permanentes hoje da história.

Pensar e refletir sobre a História das Mulheres e os estudos de gênero nos leva a inventar-se, descobrir-se, tornar-se. Deslizar-se por entre as possibilidades que este devir-mulher na história pode proporcionar, através de linhas flexíveis, invisíveis e maleáveis, buscar a desterritorialização; como um cigano que não possui moradia fixa, sua ânsia é conhecer lugares, pessoas, possibilidades, um nômade em constante movimento, que se desdenha não mais nas estradas ou trilhas, mas busca para si os lugares não trilhados na invenção de novos caminhos, de novas existências.

Tal existência está ligada a um processo de pura luta com as palavras, com as fontes, com os discursos, com os corpos, com o poder. É nessa luta à luz do dia com a palavra e com o não dito que tentamos construir a / as história / as das mulheres. Essa luta é uma empreitada difícil e perigosa, principalmente no Brasil atual, onde falar sobre a as questões de gênero tornou-se uma prática marginal, mal-dita, mal-vista. Ao escrever sobre a vida de mulheres brasileiras, não se escreve com palavras e, sim, com fluxos, devires, intensidades, silêncios e re-existencias.

Pensar a História das mulheres nos instiga a uma atitude crítica, de suspeita em relação aos instrumentos linguísticos e conceituais que utilizamos em nosso trabalho como historiadores(as). A ideia é que, dessa forma, sejamos visitantes do passado com um olhar mais sereno, menos violento, porém, mais críticos e menos proclives a reproduzir os sistemas ideológicos que sustentaram – e ainda continuam sustentando – as desigualdades de gênero, que violentam e dizimam milhares de mulheres no Brasil afora.

Esse dossiê que temos em mãos revela que história colonial, hetero-patriarcal e universalista necessita urgentemente de um trabalho arqueológico / genealógico para podermos entender seu poder normativo e enunciativo, para assim desconstruí-lo. A história das mulheres através de seus fluxos, devires e intensidades é marcada pela potência do ser e do fazer. Pensar o impensado é o maior desafio de quem quer fazer a história das mulheres. Como nos diz Gilles Deleuze, (2005) “viajar para a ilha deserta e, com seus signos malditos da escrita, roubar a paz dos idiotas que vivem na terra”.

Abraçar a história das mulheres e os estudos de gênero é mostrar os ecos de uma história silenciosa e em particular as formas em que elas são objeto de discriminação por sua própria condição humana como mulher. Ao falarmos sobre a História das Mulheres levamos nosso pensamento para fora das margens costumeiras da linguagem historiográfica, fora do espaço epistêmico da história patriarcal colonial, produzindo assim uma escrita lateral, intersticial, ex-cêntrica, que provoca o surgimento de texto, con-texto e sujeitos novos.

É nesse pensar nômade — um pensar associado ao movimento fugidio, que escorrega, desvia e desliza – que esse número da revista História em Reflexão nos convida, à vulnerabilidade de largar o corpo e o pensamento, de deixar o pensamento alargar-se, transpondo inúmeras fronteiras, para que se possa pensar e criar de modo diferente em relação à forma como se pensa a história.

Boa leitura.

Losandro Antonio Tedeschi – Doutor UFGD – BRASIL

Angeles Castãno Madronal – Doutora U. Sevilla – Espanha ORG.


TEDESCHI, Losandro Antonio; MADROÑAL, Ángeles Castaño. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 12, n. 23, jan. / jun., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, Cultura e Modernismo / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2017

A temática deste dossiê nasceu de um projeto coletivo fruto das discussões de um Seminário entre docentes e discentes do Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, em colaboração com a Universidade Estadual de Goiás. O nosso objetivo foi o de propor reflexões em torno da figura do intelectual enquanto mediador cultural, destacando-se o seu papel na formação de importantes grupos literários no contexto das correntes modernistas brasileiras das primeiras décadas do século XX. Nessa perspectiva, buscamos ainda problematizar a categoria de intelectual e os seus desdobramentos no conjunto dos debates da História Cultural e das relações entre História, Literatura e Cinema. Somos gratos à acolhida da nossa proposta pelos editores da Revista Eletrônica História em Reflexão, os quais viabilizaram um espaço privilegiado para a publicação dos nossos textos.

Diante da aguda crise política vigente no país, evidenciada por uma polarização radical entre discursos tidos como de direita ou de esquerda e o avanço de um pensamento e práticas conservadoras, faz-se importante os debates em torno do papel dos intelectuais e dos meios de mediação cultural. A coletânea organizada por Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016), Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política, traz uma importante contribuição acerca dessas questões e novos olhares no interior do debate historiográfico. Numa acepção mais ampla contemplada pelas autoras, os intelectuais são

[…] homens da produção de conhecimentos e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social. Sendo assim, tais sujeitos podem e devem ser tratados como atores estratégicos nas áreas da cultura e da política que se entrelaçam, não sem tensões, mas com distinções, ainda que historicamente ocupem posição de reconhecimento variável na vida social (2016, p. 10).

Uma dimensão importante no que concerne ao conceito de mediação cultural é o seu significado para a História Cultural, visto que a mesma busca compreender as operações de apreensão da realidade social a partir dos sentidos atribuídos pelos sujeitos. Nessa perspectiva, analisar as práticas de mediação torna-se estratégico para o entendimento das dinâmicas de circulação, comunicação e apropriação dos bens culturais, pois as mesmas envolvem mudanças de sentidos nas intenções de seus produtores (GOMES; HANSEN, 2016, pp.12-13).

A categoria de intelectual mediador permite ampliar a noção de redes de atuação desses sujeitos, pois tais homens “duplos”, segundo definição de Christophe Charle, assumem o papel de intermediadores, ao circularem entre os produtores da cultura e o público. Os mesmos servem como meio de passagem (passeurs) entre a cultura popular e a erudita, frequentemente analisadas como separadas, estabelecendo um elo fundamental na disseminação da novidade cultural (CHARLE, 1992, pp. 72-75). Algumas ocupações são emblemáticas nesse tipo de mediação, permitindo a aproximação entre os diferentes públicos e os bens culturais, tais como: tradutores, educadores e críticos de música, literatura, cinema, televisão, teatro e artes plásticas.

À luz disso, o conjunto de artigos selecionados para o dossiê contempla textos de docente e discentes de pós-graduação em História (mestrandos e doutorandos), com vistas a ampliar as possibilidades de debate acadêmico e dar maior visibilidade às pesquisas em andamento. Os três primeiros estabelecem uma discussão que amplia a reflexão em torno dos intelectuais mediadores, assim como das práticas de mediação cultural, e os dois últimos colocam em foco as relações entre História, Literatura, Cinema e Periódicos.

O texto de José Fábio Silva, Crítica literária e mediação cultural: Nestor Vítor e o seu papel na divulgação da obra de Cruz e Sousa, analisa o papel exercido pela crítica literária, com destaque para a produção de Nestor Vítor, na difusão e canonização da obra do poeta Cruz e Sousa na virada do século XIX para o século XX. Num primeiro momento, o autor recupera a trajetória intelectual do crítico literário e a sua atuação junto ao grupo de escritores simbolistas brasileiros. Dedica-se ainda a evidenciar a atuação de Vítor como mediador cultural, pois como crítico literário dedicou-se a publicar e disseminar a obra de Cruz e Sousa. Nesse percurso, destacou-se as querelas no meio literário em torno da recepção e rejeições à obra do poeta. Por último, recuperou-se o percurso de consolidação de Cruz e Sousa no cânone literário brasileiro, ao lado do legado de Vítor nesse processo e no campo da crítica literária.

Alex Fernandes Borges, no artigo O Historiador como Intelectual Mediador da Cultura, estabelece uma análise teórica acerca da possibilidade de se qualificar o historiador como um intelectual mediador, com base no conceito proposto pelos estudos de mediação cultural elaborados por Jesús Martín-Barbero e sistematizado no estudo de Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen. Borges buscou pensar a figura do historiador – como um tipo ideal – à luz das concepções formuladas na teoria de Jörn Rüsen, problematizando-o como mediador cultural, bem como caracterizando-o como um criador de conteúdos e, também, um divulgador, um tradutor capaz de construir sínteses entre as carências de orientação difusas no campo da experiência política, sociocultural e econômica. Dessa maneira, o autor chega à ideia segundo a qual os historiadores propõem narrativas que permitem dar sentido ao agir e contribuem para a formação de identidades, utilizando-se de conhecimentos de sua área e dialogando interdisciplinarmente com todos os campos das chamadas Ciências Humanas, mediando ideais e projetos políticos.

O artigo de Karla de Souza Ferreira, Mediador Cultural ou Antropólogo do Mal: Bruce Albert e o caso de “A Queda do Céu”, propõe uma análise crítica sobre o fragmento “Postscriptum, quando eu é um outro (e vice-versa)”, apresentado na obra A Queda do céu: palavras de um xamã yanomami; livro pensado por um xamã yanomami, Davi Kopenawa, e produzido pelo etnólogo francês Bruce Albert. Souza Ferreira reflete acerca do processo de produção do livro, no qual dois universos culturais se encontram. Sob este prisma, apresenta-se uma produção literária indígena do povo Yanomami, cuja importância para a construção da História Indígena é fundamental, porém, trata-se de um trabalho produzido em coautoria entre personagens com diferentes formações culturais. Por esse motivo, a autora questiona o papel de Albert no processo de elaboração do livro – seria o mesmo um mediador cultural ou um “antropólogo do mal”? – visando estabelecer um cotejamento e reflexões acerca do ato tradutório e suas implicações, destacando-se os desafios e contribuições apresentadas nesse processo.

Por seu turno, Edson Mendes de Almeida no texto Um Tico para formar adultos estabelece uma discussão acerca da revista Tico-Tico, fundada em 1905 no Rio de Janeiro, realçando o seu papel no tocante à formação e educação do público infantil. A mesma era publicada como um Suplemento na revista O Malho, trazendo em seu conteúdo histórias em quadrinhos, lendas, contos, galeria de fotos dos leitores, além das seções do Dr. Sabetudo e das Lições do Vovô. A publicação foi pioneira no âmbito de se direcionar às crianças, enquanto veículo de mediação cultural, com a proposta de estimular o gosto pelo conhecimento e pela leitura. Em vista disso, Almeida selecionou o período 1920 a 1922 do periódico, com vistas a promover um diálogo com o movimento modernista referenciado na Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922.

Já no artigo intitulado Cinema Novo e sua relação com o Modernismo literário: reflexões sobre aspectos similares, o historiador Julierme Morais propõe uma discussão acerca da relação entre as matrizes culturais que aproximaram os movimentos do Cinema Novo e o Modernismo literário brasileiro, buscando explicitar como o movimento cinematográfico, evidenciado nos anos de 1960, apresenta algumas características similares ao movimento literário, cujo marco construiu-se em torno da Semana de Arte Moderna de 1922. Segundo Morais, a aproximação entre Modernismo e o Cinema Novo pode ser pensada a partir dos questionamentos e desconstrução da linguagem artística tradicional, conduzidos pelo desejo da invenção e de discutir o brasileiro. Esses movimentos buscavam, inspirados nas vanguardas europeias de suas respectivas épocas, uma autonomia no ato da criação, assim como a possibilidade de inventar um instrumental capaz de forjar uma expressão artística que pudesse ser considerada nacional.

Por fim, cabe ressaltar que somos gratos à acolhida da nossa proposta pelos editores da Revista Eletrônica História em Reflexão, os quais viabilizaram um espaço privilegiado para a publicação dos nossos textos. Nesta medida, esperamos que os temas analisados neste dossiê possam contribuir para a edição deste volume do periódico, que constitui um importante espaço de divulgação e diálogo acadêmico, com vistas a fomentar a produção do conhecimento histórico.

Referências

CHARLE, Cristophe. Le tempsdeshommes doublés. Revue d’ HistoireModerne et Contemporaine, n 39, pp. 73-85, jan. / mars. 1992. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2017.

GOMES, Ângela de C; HANSEN, Patrícia S. Apresentação. In: _______ (org). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 7-37.

Luciana Lilian de Miranda – Professora Doutora (PPGH-UFG)

Julierme Morais – Professora Doutora (UEG).

Goiânia-Morrinhos, GO, setembro de 2017.


MIRANDA, Luciana Lilian de; MORAIS, Julierme. [Intelectuais, Cultura e Modernismo]. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 11, n. 21, jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Diversidade: percepções e conflitos / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2016

Uma coletânea de discursos que primam por olhares sobre ações humanas num tempo social eivado de experiências que nos chegam neste mundo de incertezas e guinadas direitistas ultraliberais globais. Resistir é preciso e que seja pela escrita também! Nos textos demonstra-se que não estamos atônitos, pois vemos na história e em nosso cotidiano das ruas e redes sociais movimentos identificados com pequenas resistências vindos de trabalhadores, feminismos, lutas contra o racismo e pelos direitos de outras minorias despojadas de uma existência digna. As percepções e conflito geracionais e educacionais bem como o mundo dos trabalhadores arrazoam por novas possibilidades de estar no mundo. Neste sentido se inserem os escritos do dossiê cuja temática se espraia sobre as questões da diversidade. Cláudio José Piotrovski Dias nos alude sobre a experiência do militante Herbert Daniel tangenciando olhares sobre democracia, direitos homossexuais e a resistência à normatividade a partir dos discursos sobre a doença e a homossexualidade. Este autor optou pelo uso dos conceitos “making up people / looping effect” propostos por Ian Hacking, para entender como ocorre o relacionamento entre indivíduo e as categorizações sociais.

Na sequência, o pesquisador italiano Enrico Bocciolesi nos brinda como uma análise sobre as lacunas educacionais em relação aos processos comunicacionais relacionadas às identidades e alteridades. Para este autor, o fato de não haver interseções entre o real e o virtual nos leva a impossibilidade de um encontro. Daí deriva a necessidade de investigações para novas posições frente ao espaço real.

As contribuições estrangeiras têm sido uma constante tanto na publicação de textos quanto na composição do conselho consultivo da revista, como por exemplo, o professor Anibal Herib Caballero (fez apresentação da edição n° 9, v. 18), o professor Enrico Bocciolesi, com um texto nessa edição, assim como o professor Robert Wilcox e a professora Encarnacion Medina, que integram o conselho consultivo da revista. A parceria internacional no campo histórico tem se tornado uma ambiência interdisciplinar importante para pesquisadores, instituições e, sobretudo para os leitores.

Nesta edição Carlo Guimarães Monti prima por um olhar sobre “concessão de alforrias em época da diminuição da produção aurífera em Nossa Senhora do Carmo entre 1750 e 1779, atual cidade de Mariana”, observando, através de fontes como: cartas de alforria, testamentos e inventários dos senhores que alforriaram no período; como houve uma influência da situação aurífera na concessão dessas cartas de liberdade. Além disso, Monti destaca que o processo de concessão de alforrias demonstrou uma complexidade que ultrapassa o âmbito econômico.

Na perspectiva econômica temos um texto de Ivo dos Santos Farias sobre a atuação de uma fábrica de fiação e tecelagem em Maceió, Alagoas no processo de modernização brasileira. Ao estudar a atuação do grupo os relaciona com a formação da burguesia nacional e o processo de desenvolvimento da indústria têxtil. O autor ainda parte do pressuposto de que o processo de modernização brasileira esteve articulado a um conjunto de práticas, pensamentos e ideologias que atrelavam a burguesia nacional ao mercado mundial.

Com foco no medievo Andréia Rosim Caprino perscruta a formação de identificações na península ibérica medieval. A autora ainda nos alude que a questão das identidades e fronteiras se espraiam espacialmente e não possuem temporalidade definida, sendo possível tecer relações com o momento histórico contemporâneo. Na temática de conflitos e interditos segue uma análise de Edson Silva sobre a ação normatizadora de combate ao hábito da população citadina de Jacobina, Bahia (1955-1959), em criar animais como jegues, cabras, porcos e vacas em quintais ou soltos nas ruas da cidade. Observa-se neste texto que houve um processo de recrudescimento no combate a criação de animais no perímetro urbano, porém processos de resistência na cidade se configuravam em novas correlações de força, permitindo dobras e ranhuras frente a desejada submissão ao ordenamento e a estética do desenho urbano.

Mario Teixeira de Sá Junior analisa o lugar de africanos e seus descendentes na nossa história através de uma incursão no processo de mineração e o uso de tecnologias próprias no Mato Grosso do século XVIII. Estes escritos são corroborantes da ideia de que os conhecimentos africanos foram fundamentais para a construção do Brasil através de suas tecnologias e não tão somente de sua mão de obra.

Na seção de artigos livres contamos com um texto que vislumbra uma batalha de palavras pela “periodização” da história do Brasil, cujo século XIX pareceu ser um paradigma, tanto na obra de Alfredo Ellis Jr., quanto na de Sérgio Buarque de Holanda. Este artigo é de Diogo da Silva Roiz sendo o mais extenso da edição, porém mantido dado a pertinência do debate e da temática em questão. O próximo texto de Max Lanio Martins Pina nos alenta para a linha investigativa em educação histórica como possibilidade inovadora no ensino de história. No artigo apresenta-se a historicidade desse modelo bem como se observa os pressupostos já alcançados pelos estudos que foram efetuadas nesse campo e também aponta para os mais importantes projetos desenvolvidos na Europa e no Brasil. Por fim temos uma aproximação entre a história regional e a história ambiental de autoria de Débora Nunes de Sá cujo espaço referenda a floresta nacional de Passo Fundo (FLONA PF), Unidade de Conservação de Uso Sustentável, inserida no Bioma Mata Atlântica e localizada no município de Mato Castelhano no Rio Grande do Sul.

Pesquisadoras e pesquisadores contribuíram de forma singular nesta edição preocupad@s com temas e problemáticas que também atentam para indagações do presente. Os textos são corroborantes da assertiva múltipla do fazer-se humano com suas infindáveis experiências a espera do olhar profissional de historiadores. Mediações são necessárias para novos fios de esperança pela partilha da economia, o cuidado com o ambiente e com a cultura reivindicando o direito de nos expressarmos e criarmos. Ao visibilizar o passado com suas conexões presentistas seremos semeadores de futuro também!

Tânia Regina Zimmermann – Professora de História da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.


ZIMMERMANN, Tânia Regina. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 10, n. 19, jan. / jun., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Fronteira, Política e Economia / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2015

El número de la revista História em Reflexão, que tengo el honor de presentar está compuesta por una serie de artículos sumamente interesantes que conforman un dossie “Fronteira, Política e Economia”. En este número desde diversas perspectivas y momentos históricos el lector podrá comprender la relación ambivalente que existe entre la frontera, frontera que es definida desde la política y por supuesto también desde las relaciones económicas. Pero es ambivalente porque por un lado esa frontera separa y por otro lado une, como se puede comprobar en los artículos que componen este número. Por un lado se establece hasta donde llega el estado civilizado frente al indígena pero al mismo tiempo de señalar el límite se marca el punto de unión y de contacto, y de alguna forma de interculturalidad, al igual que al estudiar las relaciones entre grupos políticos de países fronterizos, así como sin duda queda claro que la frontera es un lugar de comercio por excelencia.

El artículo escrito por Fábio Luiz Arruda nos ayuda a comprender las relaciones y las tensiones entre dos corrientes historiográficas más que importantes entre los años 1960 y 1980, por un lado la discontinuidad propuesta por el francés Michel Foucault y por otro lado la microhistoria planteada por el italiano Carlo Ginzburg. El detallado análisis realizado por el autor concluye con una serie de consideraciones sumamente interesantes sobre tan influyentes corrientes historiográficas.

Gilmara Yoshihara Franco y Wander Scalfoni de Melo realizan un interesante análisis historiográfico del Álbum Gráfico de Mato Grosso, compuesto de textos e imágenes que fue concebido con el propósito de testimoniar la modernización económica del estado de Mato Grosso durante la década de 1910. El análisis realizado descubre el discurso que trasunta en dicho texto en cuanto a las características y el pasado de la región matogrossense y el futuro promisorio que se vislumbraba con la inauguración de vías férreas que conectaban al estado con el resto del territorio brasileño.

Por su parte Amanda Souza Ribeiro nos plantea un texto en el cual da cuenta de su investigación de cómo se enseña la Historia en la enseñanza fundamental en el estado de Paraná. El estudio realizado por Souza Ribeiro, plantea claramente que es fundamental la utilización de una diversidad de fuentes históricas en la enseñanza de la historia para lograr que los estudiantes tengan una acabada comprensión de los procesos históricos, superando de esa forma la historia heroica a la que tienden la mayoría de los textos escolares.

El artículo de Victor Santos Gonçalves, es el resultado de su investigación sobre el tráfico de africanos en São Jorge dos Ilhéus durante el siglo XIX, principalmente cuando a partir de 1831 dicho tráfico ya era ilegal. Entre sus principales conclusiones se encuentra que el color de la piel de los africanos era un determinante para la posición social de los individuos en dicha población en la región de Bahía durante el período analizado.

Sandor Fernando Bringmann, analiza la política indigenista del estado brasileño a mediados del siglo XX, a través del estudio de un caso en particular, el de Francisco José Vieira dos Santos (Francisco Vieira) quien estaba encargado de un Puesto Indigena, el de Nonoai, en el cual se encontraban los kaingang. El artículo utiliza como fuentes tanto los documentos y las memorias de Vieira al igual que los testimonios de los kaingang sobre la labor del encargado del puesto. Este artículo enriquece desde una perspectiva bastante amplia lo que fue la política indigenista del estado brasileño, así como su intención de incorporar a “la modernidad” a los habitantes originarios del Brasil.

Por su parte Tiago João José Alves investigó sobre las consecuencias políticas del denominado Argentinazo en 2011 en el estado de Paraná cuando un grupo de estudiantes de la Universidad Estadual de Maringa se organizó en el grupo denominado Construção ao Socialismo (CAS), que fue influenciado por militantes de la organización argentina Convergencia Socialista de orientación ideológica troskista. En el artículo el autor analiza los efectos de la denominada trasnacionalización política y como la misma estuvo orientada por un mismo proyecto político que buscaba en ambos países la conformación de una agrupación política de carácter revolucionaria.

Márcio Augusto Scherma realizó una interesante investigación de historia económica reciente en el contexto de las relaciones internacionales. En su artículo analiza como el estado de Mato Grosso do Sul aprovecho la política exterior impulsada por el presidente Luiz Inacio Lula Da Silva en cuanto a los demás países latinoamericanos. Scherma realiza un primer acercamiento a las relaciones comerciales entre Mato Grosso do Sul con Bolivia, concluyendo que fue mucho mayor el volumen de comercio entre el estado de Mato Grosso do Sul con Bolivia aumento en poco más del 360% durante el período analizado.

Este interesante número de la Revista História em Reflexão, concluye con la reseña elaborada por Lenita Maria Rodrigues Calado sobre el libro de la doctora Ana María Colling titulado Tempos diferentes, discursos iguais: a construção do corpo feminino na história.

Este número es sumamente rico no solo por la diversidad de temas que son expuestos sino por la calidad y profundidad de los artículos al tratar aspectos no sólo teóricos sino que también al analizar temas de la historia social tanto del siglo XIX como del siglo XX, al igual que aspectos de la historia reciente del Brasil y del estado de Mato Grosso do Sul.

Deseo a cada uno de los lectores, que estos artículos sean tan ilustrativos y provechosos como lo fueron para mí.

Anibal Herib Caballero Campos – Universidad Nacional de Canindeyú, UNICAN. Post Doctorado en Historia – UFGD


CAMPOS, Anibal Herib Caballero. Presentación. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 9, n. 18, jun. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental: Memória e Migrações / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2015

A revista História em Reflexão chega ao seu volume 9, número 17 e é com grande alegria que escrevo a apresentação desta edição. Iniciativa dos discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, a revista surgiu com uma proposta arrojada, tendo sido uma das primeiras a circular exclusivamente on-line, apostando, desde seu nascimento, nas novas tecnologias de mídia e na internet. Atualmente esta dinamicidade permanece nas propostas de cada número, sendo o deste dossiê “História Ambiental: memória e migrações”, temas que se entrelaçam e que estão no âmago dos debates públicos contemporâneos. Grandes desastres “naturais”, intensos deslocamentos humanos e a necessidade de se usar a prática de recordar como instrumento de luta política e cultural marcam a passagem do século XX ao XXI. Cabe ao historiador, situar esses processos em sua historicidade, contextualizando-os em sua duração mais longa.

Preocupados com a convergência destes temas, os pós-graduandos em História da UFGD produziram esta edição, organizaram o dossiê e realizaram entrevistas sobre história ambiental. As discentes Marciana Santiago de Oliveira e Ilsyane do Rocio Kmitta entrevistaram Gilmar Arruda, expoente da área, o qual discorre sobre a emergência deste campo de estudos marcado pela interdisciplinaridade. Como bem situa o pesquisador, a área surge nos Estados Unidos da América, na década de 1970, porém, no Brasil, o tema natureza integra os interesses dos estudiosos da história desde o século XIX, preocupados em edificar uma determinada identidade nacional ou mesmo em problematiza-la. O grande problema explorado pela história ambiental, como bem frisa Arruda, é a dissociação que se processou entre seres humanos e natureza, como se a humanidade não fosse parte do próprio mundo natural.

Na segunda entrevista, realizada com Roberto Marinucci, intelectual preocupado com as migrações, temos um importante estado da arte (interdisciplinar) sobre os estudos migratórios. Fenômeno marcante no processo histórico contemporâneo, o pesquisador frisa a grande complexidade envolvendo a mobilidade humana, sobre como os movimentos atuais tem colocado por terra categorias fixas como imigração / emigração / migração. Além disso, destaca como os estudos migratórios estão cada vez mais reconhecendo o migrante como sujeito do ato de migrar, abandonando uma visão economicista que o tratava como uma peça dentro de um sistema de exclusão. Por outro lado, Marinucci também aborda a importância da memória nos estudos migratórios e em como o ato de recordar pode integrar movimentos de resistência dos migrantes, dentro do difícil processo de abandono do lugar de origem e de adaptação ao novo.

O dossiê, por sua vez, traz contribuições de diversos pesquisadores sobre as temáticas em destaque. O primeiro artigo, “Memória e Identidade em um Espaço de Migração: Fronteiras em Santa Rita, Alto Paraná, Paraguai”, de Andressa Szekut e Jorge Eremites de Oliveira, versa sobre a emigração brasileira ao Paraguai. Os autores problematizam as memórias e identidades construídas pelos emigrantes, naquele país, partícipes de um processo de colonização recente. Seu foco reside nas relações identitárias desses sujeitos, especialmente as estabelecidas entre o eu e outro.

Fabiano Silva Santana e Sérgio Paulo Morais, em “Norma regulamentadora 36: pausa, desafio posto pela intensidade do trabalho nos frigoríficos”, analisam as relações de trabalho nos frigoríficos brasileiros. Sua preocupação se centra na “Norma Regulamentadora, nº 36” e nas condições de salubridade do trabalho na indústria alimentícia, enriquecendo com isso os conhecimentos da área de história do trabalho.

José Otávio Aguiar e Hilmaria Xavier, em “Ambiente, vivências e memórias da Favela da Cachoeira (Campina Grande 1959 – 2006)”, analisam a construção da Favela da Cachoeira, na cidade de Campina Grande, iniciada em 1959, edificação que não ocorreu apenas no aspecto físico, mas também no campo dos significados que os moradores imprimiram ao lugar. Os autores analisam também os movimentos em prol de melhorias para o local, culminando na remoção de parcela dos moradores para um novo local na cidade, o Bairro da Glória.

Em “Da imposição à Vocação: A economia da capitania dos Ilhéus nos circuitos mercantis”, Rafael dos Santos Barros desmistifica o suposto atraso econômico daquela capitania, atribuído à falta de participação na produção açucareira. O autor desenvolve a tese de que à região de Ilhéus atribuiu-se a função de produzir alimentos para as regiões monocultoras – prática comum nas regiões periféricas da colônia e do império – existindo severas proibições à introdução da cana-de-açúcar e tabaco.

Giovani José da Silva, em “‘Todo se cambia, incluso el paisaje’: Memórias indígenas e migração camba-chiquitano” une preocupações com as migrações, memórias e história ambiental e indígena em um estudo sobre a etnia Kamba (também conhecida como Camba-chiquitano). Originários da Bolívia, essa população indígena se fixou na periferia da cidade sul-mato-grossense de Corumbá, localizada na fronteira do Brasil com aquele país. Silva problematiza as relações dos indígenas com o mundo natural e as condições inóspitas que enfrentaram no processo de fixação naquela cidade.

Em “Rio Açu, Capitania do Rio Grande: sertão, natureza e espacialidades no Assu seiscentista (1624 – 1680)”, Tyego Franklim da Silva realiza um estudo sobre o período colonial da região de Assu / Açu, Rio Grande do Norte. Utilizando-se de documentos oficiais, crônicas e relatos de viajantes, o autor explora a conquista da região, bem como as relações que ali se estabeleceram entre europeus e povos indígenas e como eles se relacionaram com a natureza.

Dilson Vargas-Peixoto, em “Indícios da alteração ambiental nas crônicas de três viajantes (Rio Grande do Sul, 1808-1827)”, analisa as mudanças ambientais ocasionadas pela introdução de elementos da fauna e da flora europeia do Brasil, no século XIX. Toma como fonte os relatos de viajantes, notadamente Auguste de Saint- Hilaire, John Luccok e Nicolau Dreys, nos brindando com um belo trabalho de história ambiental.

Já na sessão de artigos livres, “O projeto político oposicionista de Assis Brasil nas campanhas eleitorais de 1922 no Rio Grande do Sul”, escrito por Pedro Paulo Lima Barbosa, problematiza os discursos e práticas políticas de Assis Brasil, com foco especial nas eleições de 1922. Como aponta, aquele político se insurgira contra o Partido Republicano Rio-grandense (PRR) e a candidatura de Borges de Medeiros à presidência do estado, o que lhe daria um quinto mandato consecutivo. Problematiza as intencionalidades da candidatura, pois, embora fosse oposicionista, as posições políticas de Assis Brasil eram muito semelhantes a de seus adversários.

“A fotografia-quadro em imagens de conflitos bélicos: a permissividade à arte contemporânea e à expressão do produtor, nas coberturas fotográficas noticiosas de guerras” é o artigo escrito por Fernanda Rechenberg e Bruno Cavalcante Pereira, em que os autores tomam com objeto de estudo as fotografias realizadas em zonas de conflito armado. Como analisam, formou-se um mercado de imagens violentas, que acabam por contribuir com os discursos ideológicos de grandes potências e que pouco auxiliam na reflexão crítica sobre as guerras. Assim, os autores questionam a veracidade de tais registros fotográficos bem como refletem sobre a permissividade dessa arte no mundo contemporâneo.

Maurício Marques Brum, no artigo “‘Expulsar a esquerda do poder’: Considerações sobre a formação de cadeias de equivalência contra o governo de Salvador Allende (1970-1973) à luz da teoria de Ernesto Laclau”, analisa o contexto político-ideológico do Chile durante o governo Allende. O autor se detém no processo de corrosão dos ideais democráticos, que primevamente sustentaram a posse daquele presidente, e, posteriormente, foram substituídos pela concepção de que um golpe de estado se justificaria como recurso para alijar a esquerda do poder.

Em “Disputas eleitorais em Dourados, no sul do antigo Mato Grosso: influência do contexto estadual e crescimento do PTB nas eleições de 1954, 1958 e 1962”, Fernando de Castro Além nos traz capítulos da história política do município de Dourados, inserindo-a devidamente no contexto do antigo estado de Mato Grosso. Entre suas preocupações está a análise da prática dos mandatários estaduais em impulsionar candidaturas municipais e a rivalidade entre as principais siglas do período (PTB, PSD e UDN), concluindo o autor que houve uma ascensão eleitoral do PTB no município em tela.

Tomaz Espósito Neto, em “Uma análise histórico-jurídica do Código de Águas (1934) e o início da presença do Estado no setor elétrico brasileiro no primeiro Governo Vargas” analisa o decreto no 24.643 de 10 de julho de 1934 (Código de Águas) e consequente processo de ampliação da presença estatal no setor de energia elétrica, no Brasil, tendência dominante no setor até a década de 1990. Entre suas preocupações, está o estudo das motivações que levaram o Governo Vargas a adotar tal medida, bem como os conflitos com os setores do capital estrangeiro, que exploravam o setor no Brasil.

De maneira geral, os temas estudados abordam o Brasil e países vizinhos em diferentes temporalidades, mas buscam responder a questionamentos contemporâneos quanto à formação, uso e apropriação do espaço, às transformações operadas na natureza, à mobilidade humana, às identidades e práticas sociais e políticas construídas por diferentes grupos. Privilegiando os estudos de caso e a dimensão micro espacial, o conjunto de textos nos faz refletir sobre diversos caminhos trilhados por diferentes pesquisadores, que possuem, em comum, o desejo de responder a inquietudes que nos acompanham (e, vez por outra, nos assombram) neste começo de milênio.

Jiani Fernando Langaro – Professor Doutor UFGD.

Dourados / MS / Brasil – Inverno de 2015.


LANGARO, Jiani Fernando. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 9, n. 17, jan. / jun., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Instituições e ensino de História / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2014

Em 2014, diversos eventos e periódicos direcionaram seus trabalhos aos 50 anos do golpe de Estado de 1964, a Revolução Redentora para os defensores do golpe. Para este número, os editores da Revista Eletrônica História em Reflexão acharam por bem dedicar o dossiê a trabalhos que versassem sobre a temática Instituições e ensino de História, ainda não contemplada pela Revista com um dossiê.

Os trabalhos publicados na área do ensino de História, grosso modo, parecem ter dois objetivos principais: a produção de um conhecimento para contribuir com o enriquecimento teórico-metodológico da formação do professor e, consequentemente, refletir nas aulas de História das escolas brasileiras com um enfoque crítico-propositivo; um conhecimento retrospectivo sobre as formas e funções do conhecimento histórico praticadas pelas instituições de ensino, com um enfoque analítico sobre uma memória, que a própria História institucionalizada ajudou a produzir. Esses dois tipos de trabalhos fizeram-se presentes nos artigos do dossiê Instituições e ensino de História.

A quantidade de dissertações na área de ensino defendidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UFGD é ainda relativamente pequena. Apesar dessa pouca expressividade, as preocupações voltadas ao ensino da história são crescentes nos debates entre professores e pesquisadores. Algumas dissertações e teses que abordaram o ensino em uma perspectiva histórica foram desenvolvidos também nos Programa de Pós-Graduação em Educação da UFGD e da UFMS.

Para este número da Revista, foi recebida uma quantidade expressiva de trabalhos na temática de ensino de História. Os artigos foram encaminhados para pareceristas da área, de diversas regiões do Brasil, e o resultado das avaliações surpreenderam. A grande maioria dos trabalhos foi reprovada, indicando um nível de exigência, maturação e profissionalização da área do ensino de História. Uma exigência comum dos pareceristas foi a necessidade de se contemplar a bibliografia existente sobre o assunto tratado para, a partir daí, ponderar a contribuição do conhecimento produzido.

Em agosto de 2014, durante o XVI Encontro Estadual da ANPUH / MS, realizado em Aquidauana, foi gratificante observarmos a riqueza da produção historiográfica desenvolvida no estado, bem como o alentado intercâmbio que as diversas Instituições de Ensino Superior locais vêm estabelecendo com os diversos programas institucionais, regionais, nacionais e sul-americanos, voltados para a pesquisa e o ensino de história. E, nesse sentido, ganha relevância o avanço no estudo de temas e segmentos sociais definidores de identidades locais, por meio de recortes regionais específicos que, em geral, estão ausentes ou são secundarizados pela historiografia “brasileira”, centrada no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.

Essa situação representa, ao mesmo tempo, estímulo e maior responsabilidade para os veículos de divulgação dos trabalhos acadêmicos produzidos, seja no âmbito dos programas acadêmicos ou individualmente, por profissionais, sobretudo da área de História, vinculados à pesquisa e ensino.

O presente número da Revista Eletrônica História em Reflexão assume, mais uma vez, a responsabilidade de dar ao público parte dessa produção. O conjunto de artigos selecionados, contemplando o trabalho de docentes e discentes de pós-graduação (mestrandos e doutorandos) e egressos da graduação, repercute, pelo menos em parte, o atual momento historiográfico vivenciado, sobretudo, no estado de Mato Grosso do Sul.

Os artigos aprovados para o dossiê iniciam-se com a contribuição de José Carlos Ziliani e Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani, A relação educação e trabalho no sul de Mato Grosso nas formulações de Melo e Silva, que apresenta o resultado de uma pesquisa concluída na interface história e educação. O texto apresenta uma análise sobre a conformação do sujeito para o trabalho moderno, na fronteira sul de Mato Grosso, na primeira metade do século passado, conforme as produções do jurista Melo e Silva. Como operadores de análise, utilizaram-se os conceitos de “processos de subjetivação” e de “dispositivo de escolarização”, inscritos na perspectiva pós-estruturalista. Ao criticar os hábitos, valores e práticas sociais do homem local, os textos tornam visíveis as tecnologias de dominação e as do eu colocadas em jogo. A solução apontada nos textos volta-se à instituição de escolas primárias e pré-vocacionais, onde as crianças, desde a mais tenra idade, seriam compostas e disciplinadas para se fixarem ao aparelho de produção moderno.

O trabalho de Jorge Luiz Veloso da Silva Filho e Ricardo de Aguiar Pacheco, Museu do Mamulengo na sala de aula: proposição de jogos educativos como recurso didático no ensino de História, tem como objetivo a proposição de jogos educativos que utilizam o acervo do Museu do Mamulengo (localizado na cidade de Olinda-PE) como recurso didático para o ensino de História. Para a pesquisa de campo e confecção dos jogos, foram utilizados referenciais teóricos ligados ao ensino de História, ao campo do Patrimônio e da Museologia. No campo da Pedagogia, buscaram-se referências sobre o uso de jogos no meio escolar, além de informações obtidas junto ao setor educativo do Museu e a professores que visitavam a instituição. Neste estudo, concluiu-se que a proposição dos jogos é uma forma de aproximar a instituição escolar do Museu do Mamulengo, pois, quando utilizados nas aulas de História, constituem um instrumento para preparar a visitação e potencializar a experiência pedagógica que ocorre no museu.

O debate sobre a diversidade étnico-racial e o ensino de História foi contemplado no trabalho Reeducação das relações raciais e Ensino de História: reflexões teórico-metodológicas sobre processos de formação docente em lugar de fronteiras, de autoria de Lourival dos Santos e Maria Aparecida Lima dos Santos. A discussão realizada aborda o campo de pesquisas sobre o ensino de História como lugar de fronteira, no qual são articulados instrumentais teóricos da educação e da história, e as questões apontadas pelas investigações em educação étnico-racial que consideram centralmente a incorporação de saberes distintos em currículos adequados às realidades locais. Diante da tarefa de formar professores de História, apresentam-se reflexões tecidas e os saberes construídos no encontro de referenciais de ambos os campos de pesquisa. Conclui-se que a problemática da reeducação étnico-racial pode ser um caminho frutífero para se equacionar o distanciamento entre os eventos do passado e questões do presente, princípio fundamental para a História como disciplina escolar e central para o desenvolvimento do pensamento histórico.

Tiago Alinor Hoissa Benfica apresenta um fragmento de sua pesquisa de doutorado, com o título Elevar a educação: a gestação do campo histórico na Universidade pública em Aquidauana (década de 1970). O texto trata da implantação do campo histórico em Aquidauana na Universidade pública, que ocorreu junto às atividades do curso de Estudos Sociais, a partir da ativação do CPA, unidade da UEMT, no período em que houve a primeira grande expansão do ensino superior em Mato Grosso como parte de um conjunto de obras modernizadoras e, no âmbito nacional, as políticas públicas educacionais do contexto da Lei 5.692 / 71. Os Centros Pedagógicos da UEMT tinham o papel de garantir a existência de um quadro de professores formados dentro da legislação da época. Nesse contexto, o artigo aborda as forças e estratégias utilizadas na criação do CPA, a arregimentação de professores, os avanços e recuos do campo histórico em Aquidauana, tendo em vista o papel iniciativa dos agentes do campo e a relação de dependência do campo histórico com a Instituição.

A seção dos artigos livres inicia-se com o trabalho de Giuslane Francisca da Silva e Sérgio da Silva Machado Júnior, ao abordar O discurso em Michel Foucault, por meio do qual são apresentados e discutidos alguns princípios que envolvem a concepção de discurso em Michel Foucault. Tendo em vista ser o discurso um acontecimento histórico, esboça-se como se dá sua construção dentro desse contexto, sobretudo atrelado às relações de poder que permeiam a sociedade. Considerando que, para Foucault, a produção do discurso não se dá de maneira aleatória, os autores se propõem a refletir sobre a produção discursiva enfatizando os mecanismos que atuam como procedimentos de controle dessa construção, considerando que não são todos os sujeitos que possuem acesso a sua produção.

João Pedro Ribeiro Pereira e Jérri Roberto Marin propuseram-se a analisar os discursos, a militância de José Octávio Guizzo e as suas propostas para a construção da identidade sul-mato-grossense no artigo José Octávio Guizzo e a construção da identidade sul mato-grossense. Guizzo foi um ativista cultural e um político de considerável notoriedade em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul durante as décadas entre 1960 e 1980, sendo o primeiro presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. O conjunto de sua obra revela a preocupação em criar uma identidade para o novo estado a partir da eleição de elementos comuns que singularizariam a região. Como intelectual, preocupou-se em pesquisar os aspectos culturais, sobretudo a música, o folclore e o cinema. Neste sentido, o objetivo é desconstruir e desmantelar os seus discursos, promovendo o estabelecimento de uma nova forma de dizer e de ver o regional.

Um dos temas mais latentes neste ano entre os historiadores, a ditadura militar, está presente no artigo de Luiz Carlos Pais, Retorno ao golpe militar de 1964 e o caso dos presos políticos de São Sebastião do Paraíso (MG). Este artigo propõe um retorno ao Golpe Militar de 1964 ao tomar como referência o caso da prisão de um grupo de 15 cidadãos de São Sebastião do Paraíso, tradicional polo da cafeicultura do Sudoeste de Minas. O grupo foi transportado em condições desumanas para presídios de Belo Horizonte, distante 500 quilômetros da cidade em que moravam com suas famílias e onde eram conhecidos como trabalhadores honrados. Alguns dos presos haviam pertencido ao então extinto partido comunista, outros eram trabalhistas, socialistas ou simpatizantes dos discursos reformistas do Presidente João Goulart. Os fatos históricos foram produzidos a partir de depoimentos recolhidos, cópias de processos obtidos nos arquivos do Fórum da cidade, jornais da época, documentos disponíveis no acervo do extinto Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais. Constatou-se que entre os motivos das referidas prisões estão a trajetória de resistência trabalhista, iniciada ainda na Era Vargas, quando houve a fundação de uma federação sindical trabalhista que assustou as velhas oligarquias da cidade, a fundação do comitê local do partido comunista, em 1946, a militância em favor do Movimento da Paz Mundial, em 1952, finalizando com a implacável ação de militares agentes da repressão política que agiram em favor das elites locais.

Roberto Mauro da Silva Fernandes trata das Adstrigências e frinchas entre comerciantes brasileiros e bolivianos numa zona de fronteira: os liames e as desconexões acerca do Estado e do território em Corumbá / MS, com o objetivo de analisar as interações espaciais decorrentes das territorialidades estabelecidas entre os comerciantes bolivianos e brasileiros em Corumbá / MS, que juntamente com Ladário / MS (Brasil) e Puerto Quijarro e Puerto Suarez (Bolívia), compõem a Zona de Fronteira Bolívia / Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul. Especificamente, buscamse as relações conflituosas inerentes ao uso de um território dotado de flexibilidades que ultrapassam os “limites” do Estado-nação e as normas jurídicas que estabelecem as “marcas” estatais. Para obtenção do que se propõe a discutir, utiliza-se levantamento bibliográfico sobre áreas de fronteira e realiza-se um trabalho de campo que consistiu em entrevistar aqueles que estão diretamente envolvidos nas atividades de comércio.

Por último, esta edição traz a contribuição de um dos fundadores da Revista Eletrônica História em Reflexão, Leandro Baller. Trata-se da tradução da entrevista feita com Ramón Fogel, denominada Breves perspectivas histórico-sociais nas relações entre Brasil e Paraguai. A entrevista foi produzida no mês de dezembro de 2006 em Assunção-PY, no momento em que Leandro realizava trabalho de campo para a pesquisa em nível de mestrado que desempenhava junto à UFGD.

Com a edição de mais esse volume, a REHR, cumprindo sua precípua tarefa de divulgação acadêmica, espera fomentar, mais e mais, o diálogo entre pesquisadores e demais interessados no conhecimento histórico.

Joana Neves

Tiago Alinor Hoissa Benfica

São Paulo-Aquidauana, janeiro de 2015.


BENFICA, Tiago Alinor Hoissa; NEVES, Joana. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 8, n. 16, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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História e Tempo Presente: Desafios e Perspectivas / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2014

É com satisfação que faço esta apresentação da Revista editada pelos discentes da pós-graduação, empreendimento meritório dos jovens pesquisadores em História do programa do curso de História da Faculdade de Ciências Humanas, do qual sou egresso, tendo tido o prazer e oportunidade de cursar nele o mestrado, lá nos idos dos anos iniciais de sua criação e implantação. Espaço nobre de publicização dos exercícios intelectuais de construção de habilidades em teoria e metodologia e suas interfaces com universos empíricos, registros possíveis e contingentes do vivido pelos grupos humanos tomados em referência.

Neste número da revista, mais um desafio, o Tempo Presente, com ele o delineamento de perspectivas para a construção de abordagens históricas contidas numa temporalidade tensionada por dilemas específicos, contidos muitas das vezes, e que comporta, dentre muitos outros dilemas da crítica histórica, o da relação do pesquisador com o objeto, do qual, às vezes é co-partícipe, contemporâneo…

Para tais dilemas, talvez seja pertinente fazer uso, de uma quase metáfora. Com o movimento, ou o fenômeno de uma boiada. Esta, quando em movimento, quando está “passando”, muita coisa específica sobre ela pode estar obscurecida pela poeira, ou pelo barro da estrada, como: os tons das pelagens dos bois, quantos são? Quem são os homens da comitiva, etc. Da mesma forma, depois de “passada” a boiada, será difícil saber o número de bois pelas suas pegadas, quiçá as pelagens dos bois, ela já passou, e os peões da comitiva já estarão em outras paragens. Para ambas as temporalidades da boiada, os graus de dificuldade em acessar a sua “veracidade” se equivalem, guardadas as diferenças de antes e depois, e, se se quiser das memórias sobre ela, daqueles que a viram passar ou que ouviram falar sobre ela.

Nesse sentido, todos nós somos filhos do século XX, acabamos por escrever e pensar sobre coisas, objetos e processos históricos do próprio tempo em que vivemos e em alguns casos experienciamos. E, como afirma Eric Hobsbawn, no capítulo O Presente Como História, da coletânea Sobre História, “falo como alguém que atualmente tenta escrever sobre a história do seu próprio tempo e não como alguém que tenta mostrar o quanto é impossível fazer isso”, ou seja, tal exercício é mesmo um exercício de produzir história e não de gastar muito tempo em diletantismos sobre sua eficácia ou validade em termos de conhecimento histórico. Evidentemente, tal exercício não pode passar ao largo da crítica histórica, de modo que ao tratarmos “sobre o nosso próprio tempo, é inevitável que a experiência pessoal desses tempos modelem a maneira como os vemos, e até a maneira como avaliamos a evidência à qual todos nós, não obstante nossas opiniões, devemos recorrer e apresentar”. Por fim uma ressalva importante, qual seja, a constatação de uma experiência pessoal, com alguma pertinência para a história, nunca tem a dimensão idiossincrática. Ela só poder ter importância histórica, na medida em que, via de regra, a experiência individual de vida também é uma experiência coletiva.

Assim este número da Revista Eletrônica História em Reflexão, ao apresentar sob a forma de Dossiê sobre História e Tempo Presente, o faz através de: uma entrevista; alguns artigos e uma resenha e, notas e apontamentos de pesquisa sobre a Ditadura Militar no Sul de Mato Grosso.

A primeira parte consta de uma entrevista, realizada com o historiador Carlos Fico, que, em oportunidade recente ministrou conferência na Faculdade de Ciências Humanas sobre o golpe militar de 1964, tema de suas últimas pesquisas, momento em que concedeu a referida entrevista as pesquisadoras Ilsyane e Suzana. Tratando do assunto em voga, em função, inclusive, dos debates e embates que vem ocorrendo em torno dos trabalhos e possíveis resultados da Comissão Nacional da Verdade, o que deve resultar na ampliação da disponibilização de fontes para pesquisas sobre o regime militar no Brasil.

A América do Sul como prioridade: a política externa do governo Lula / PT (2003- 2010), mais do que uma história do tempo presente, uma história “quente”. O artigo contextualiza a política externa do Brasil para a América do Sul durante o governo Lula. Com isso, ao compará-la com o governo anterior, utilizando-se do método comparativo avalia as possíveis contribuições na direção de uma aproximação com os demais países do continente, em sua possível eficácia para com a estabilidade política, maior troca comercial, desenvolvimento social e de infraestrutura. O autor utiliza-se como base empírica de documentos do Ministério das Relações Exteriores em contraponto com a revista Veja, o maior semanário do país.

O artigo Elite Política de Passo Fundo / RS entre 1945 e 1964: do local ao regional, procura apresentar algumas considerações sobre os políticos daquela cidade que passaram a atuar em um plano regional e nacional num período de redefinição das forças políticas do país (1945 -1964). Analisa as características comuns, os mecanismos de ascensão, manutenção, reprodução e reconversão dos integrantes de uma elite política local e suas redes de influência e de sociabilidades políticas no contexto regional, bem como os valores compartilhados e a visão de mundo desse grupo, identificando seu perfil, revelando, além de afinidades culturais, interesses que articulam seus objetivos e metas políticas e / ou econômicas.

No campo da história cultural, e tendo como objeto a música, o artigo Entre O Morro e a Cidade: a composição da naturalidade do samba, a autora constrói uma contextualização acerca da inovação tecnológica do sistema de gravação elétrico, no ano de 1927, e como este fenômeno contribuiu para uma efervescência musical na cidade do Rio de Janeiro, especialmente no que diz respeito à canção popular. Os compositores de samba se empenharam em unir letra e melodia para serem gravadas em disco. A partir do limiar da década de 1930, gradativamente a linguagem musical dos sambas começou a adquirir uma “naturalidade” que se caracterizou, entre outros aspectos, num maior vínculo entre a canção e o intérprete. Tal fenômeno desdobrou-se e produziu uma maior “notoriedade do samba” dentre as demais canções populares na então capital republicana, concomitante ao desenvolvimento do rádio e do mercado de discos.

No artigo As Guerras de Reagan: ascensão do conservadorismo e os desdobramentos da política externa dos EUA na Era Reagan (1981 -1989), o autor discute o momento da ascensão conservadora nos EUA, entre fins da década de 1970 e início dos anos 1980, que culminou na Era Reagan. Discute ainda os desdobramentos de tais perspectivas na política externa do governo de Ronald Reagan, buscando assim, um enfoque nas perspectivas militaristas e intervencionistas que pautaram a doutrina Reagan e no acirramento das disputas com a URSS.

Aproximando-se de uma história econômica o artigo: Vias de comunicação e meios de transporte no sul de Santa Catarina 1850 –1950, discute a inserção das vias de comunicação e dos meios de transporte na região sul de Santa Catarina entre 1850 e 1950. Privilegia duas modalidades de transporte dentro de quatro tipos de iniciativas: a) o projeto fracassado da Estrada de Ferro Dom Pedro I e a construção da Estrada de Ferro Don a Tereza Cristina; b) a navegação marítima a vapor, representada pela Companhia Catarinense de Navegação a Vapor e pela Empresa Nacional de Navegação Hoepcke, e navegação fluvial, evidenciando o projeto do canal de navegação entre Laguna e Porto Alegre. Na peculiaridade dos transportes no sul de Santa Catarina materializou-se o modelo geral do sistema de transporte no Brasil, cuja marca foi a “lentidão”.

Contribuição significativa, o artigo A Construção da Identidade Nacional Brasileira: necessidade e contexto, muito embora divergente no que se refere à dimensão temporal do Dossiè, está adequado ao espírito da revista, no sentido de contemplar trabalhos de pós-graduandos. Este artigo analisa o processo de construção da identidade nacional brasileira, no século XIX, ressaltando a sua posição estratégica, em meio a uma crise política presente no Brasil do pós-independência, abordando a situação política que suscitou a alguns intelectuais do período a pensarem a questão do estatuto da jovem nação, elencando e elegendo elementos e dados referenciais para representar aquela identidade pretendida.

As considerações historiográficas, como uma contribuição no âmbito da escravidão no Brasil, em especial um universo singular, qual seja a atividade de resistência à escravidão no Estado brasileiro do Maranhão, são apresentadas sob o título Por Esses Campos e Caminhos: resistência à escravidão em Alcântara – MA e apresentam os resultados de análise de documentos investigados em cartórios da cidade de Alcântara, os quais podem ser uma contribuição no processo de configuração de áreas de quilombos e quilombolas.

Na seção de Resenhas, a análise da obra de Silvia Maria Fávero Arend, Histórias de abandono: infância e justiça no Brasil (década de 1930). Florianópolis: Editora Mulheres, 2011. Aborda o problema da infância e da juventude nas primeiras décadas do século XX na cidade de Florianópolis, resultante de pesquisa a partir de documentação produzida pelo Juizado de menores na cidade de Florianópolis, estado de Santa Catarina. Pesquisa iluminada pelas problemáticas contemporâneas, como toda pesquisa histórica marcada pelas tendências do campo. O problema do abandono de crianças naquele período circunscreve-se no contexto de famílias migrantes que buscam alternativas de sobrevivência naquela cidade.

Na ultima seção, numa atitude de inovação, porque modalidade inédita nesta revista, Excertos e Apontamentos de Pesquisa, trazemos as Notas sobre a Ditadura Militar no Sul de Mato Grosso: ação, reação e repressão, aborda acontecimentos ocorridos no sul do estado de Mato Grosso logo após o golpe de 31 de março de 1964, quando então iniciou-se o período conhecido como ditadura militar. Período de grande embate político e ideológico, momento em que o país posicionou -se ao lado dos Estados Unidos, e no combate ao comunismo, no confronto bipolar imposto pela Guerra Fria. Este período, marcado pela forte repressão aos movimentos de resistência ao regime em todas as regiões do país. As notas apresentadas pela autora, dá visibilidade do fenômeno na região sul de Mato Grosso, fazendo ver o apoio de setores da sociedade civil, e ações policiais com prisões e perseguições a políticos e à sociedade de modo geral.

José Carlos Ziliani – Professor UFGD.

Dourados / MS / Brasil – Inverno chuvoso de 2014.


ZILIANI, José Carlos. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 8, n. 15, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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História das Religiões e Religiosidades / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2013

Apresentar mais uma Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR) é motivo de imenso orgulho e satisfação. Fruto de um esforço coletivo dos editores discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, dos membros do Conselho Editorial e do Consultivo, a cada lançamento a REHR tem dado passos relevantes na tarefa de se consolidar como meio de interlocução acadêmica na área de História em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Nesse sentido, destacamos a confiança dos autores de todo o país que contribuem com seus trabalhos e acreditam na seriedade e qualidade da Revista.

Em sua XIV Edição, a REHR traz o dossiê História das Religiões e Religiosidades. O estudo das manifestações religiosas conquistou espaço em diversas áreas do saber acadêmico no Brasil. Pode ser caracterizado como um campo de estudo “composto, fundamentado em um pluralismo metodológico, influenciado por especializações e tradições culturais e institucionais locais e enredado em uma teia de tensões epistemológicas” [1]. A temática é abordada em áreas como a Antropologia, Teologia, História, Sociologia, Geografia, Ciências da Religião, Filosofia, Psicologia, Comunicação, Medicina e muitas outras. De acordo Antonio Gouvêa Mendonça:

As relações com o sobrenatural condicionam os estilos, as normas e a práxis do homem nas suas relações uns com os outros e com a natureza. Mesmo onde a racionalização filosófica ou científica passa por alto na nomenclatura dos deuses, estão presentes configurações de poderes que desenham universos diferenciados pelos quais os homens lutam, às vezes, até as últimas consequências […] feitios que, embora, sob disfarces diversos, são poderes verdadeiramente religiosos [2].

Essa amplitude para estudo é reflexo do próprio campo religioso brasileiro, caracterizado por uma diversidade de crenças, instituições e práticas religiosas. O sagrado está por toda a parte no país. Diversidade que, infelizmente, mascara diversas práticas de intolerância religiosa, de grupos religiosos maioritários contra minoritários e vice e versa. As ideias, crenças religiosas extrapolam as paredes de igrejas, templos, terreiros, sinagogas etc., e se manifestam em esferas como a da política partidária. Basta recordar as últimas eleições presidenciais, na qual, temas como o aborto foram instrumentalizados por diversas lideranças religiosas em prol de um determinado candidato. Cabe lembrar ainda a presença da chamada bancada evangélica, no Congresso, e das polêmicas que recentemente envolveram o Deputado Marco Feliciano, Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.

Em 2014, será lembrado o cinquentenário do Golpe Militar, período recente da história brasileira, revelador de cicatrizes e feridas; período esse para o qual instituições religiosas, sobretudo cristãs, participaram ativamente dos “dois lados”. Esse momento histórico tem sido relembrado pelas mídias, especialmente devido à atuação da Comissão Nacional da Verdade, instalada em 2012, e que possui um GT específico para investigar a participação de religiosos durante os governos militares, intitulado “O papel das igrejas durante a ditadura”. “Se conheceres a verdade, a verdade vos libertará”; oxalá esse GT tenha êxito.

No âmbito específico da História não é diferente. O estudo do sagrado passou de uma temática marginal há poucas décadas, especialmente devido a uma herança marxista da academia brasileira, para um campo fértil de estudos. O tema norteia diversos grupos de pesquisa, linhas de pós-graduação e periódicos e influencia uma diversidade de publicações.

E, por falar em publicações, no mês de outubro de 2013 em São Paulo, veio a público um caso curioso e que pode ser considerado um divisor de reflexões para o estudo acadêmico das religiões no país. Durante a sessão de lançamento de livros no I Simpósio Regional Sudeste da Associação Brasileira de História das Religiões, o historiador Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho, ao apresentar o livro de sua autoria intitulado “A grande onda vai te pegar. Marketing, espetáculo e ciberespaço na Bola de Neve Church” [3] informou aos presentes que um advogado da referida Igreja o procurara instantes antes tentando dissuadi-lo de lançar a obra, afirmando ao autor que o mesmo “iria ter problemas”. Conforme escreveu Eduardo Meinberg em uma rede social “a Bola de Neve já havia entrado com uma Ação de Indenização e um agravo de instrumento [dias antes da data agendada para o lançamento da obra]. A ação pedia que o livro não fosse publicado, que o evento de lançamento fosse cancelado, [e que o autor] não mencionasse mais o nome da igreja em trabalhos futuros, que retirasse de circulação o que [o autor já havia escrito] sobre a igreja, que retirasse a fanpage do livro do Facebook, e estipulava multa indenizatória de R$ 50 mil caso o livro fosse lançado e mais R$ 10 mil diários após o lançamento”. Felizmente, a ação e o agravo de instrumento foram indeferidos por um juiz e por um desembargador (isto antes da noite de lançamento) [4]. Mesmo com ganho de causa, o pesquisador informou nas redes sociais que nos meses seguintes se sentiu intimidado, amordaçado, constrangido. Esse caso teve diversas repercussões nas redes sociais, em periódicos de grande circulação nacional e nos círculos acadêmicos. A Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR) [5] e o GT de História das Religiões e Religiosidades da ANPUH (GTHRR) divulgaram uma Carta Aberta em defesa da referida publicação.

Além das publicações e grupos de pesquisa, é preciso citar os diversos eventos dirigidos a esses historiadores, mas que reúnem estudiosos das mais diversas áreas. Desses, é importante lembrar os encontros nacionais da Associação Brasileira de História das Religiões, realizados bianualmente. A ABHR foi fundada em 1998 com a instalação da Linha de Pesquisa Religiões e Visões de Mundo no Programa de Pós-Graduação em História da UNESP / Assis, e passou a ter caráter nacional em 1999 com a realização de seu I Simpósio, na mesma Universidade. Desde então, a Associação realiza seus encontros maiores a cada dois anos, reunindo grande número de pesquisadores. Nos últimos anos, a entidade foi subdividida em cinco regionais, que promovem igualmente os seus respectivos encontros. Outra contribuição importante da ABHR é a publicação da “Coleção ABHR”, livros que reúnem textos dos respectivos encontros nacionais da entidade. Uma característica dessas publicações é oferecer aos leitores subsídios teóricos para a abordagem das manifestações religiosas. A entidade também é responsável pela publicação da Revista Plura [6], criada em 2010.

É importante citar também as atividades do GT de História das Religiões e Religiosidades da ANPUH. Esse grupo completou 10 anos de fundação em 2013. Foi criado em 2003 na cidade de Dourados / MS, durante a realização do I Simpósio sobre Religiões, Religiosidades e Culturas [7], na então Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a coordenação do Prof. Jérri Roberto Marin. Esse GT teve sua primeira reunião nacional durante o XXIII Simpósio Nacional da ANPUH, em Londrina / PR, em 2005, quando foi eleita a sua primeira gestão (2005-2007). O GT realizou o seu I Encontro Nacional em 2008, na cidade de Maringá / PR. Desde então, realiza os encontros nacionais a cada dois anos. Posteriormente, o GT também foi subdividido em regionais, que passaram também a organizar encontros. Além dos diversos eventos, o GT é responsável pela publicação da Revista Brasileira de História das Religiões 8, criada em 2008.

Em 2013, a Comissão de Estudos para a História da Igreja na América Latina (CEHILA), completou o seu 40º aniversário. Criada na cidade de Quito, no Equador em 1973, a Comissão reúne diversos estudiosos do cristianismo no continente Americano. Realiza encontros internacionais e a CEHILA-Brasil, também criada em 1973, promove encontros nacionais.

Uma característica dessas entidades dedicadas ao estudo das religiosidades é o deslocamento do olhar investigativo das instituições para as vivências e para as práticas religiosas no cotidiano. Nesse sentido, demanda dos estudiosos um olhar amplo, interdisciplinar; um ecumenismo teórico e metodológico. Esse desafio pode ser vislumbrado na diversidade de temáticas que se desdobram a partir do grande tema religião / sagrado, como pode ser conferido nos artigos do dossiê História das Religiões e Religiosidades dessa edição.

Abrindo o dossiê, Ipojucan Dias Campos compartilha o seu artigo intitulado Código Civil e Igreja: construções, discursos e representações (1916-1940). O autor interpreta as relações de força que se estabeleceram no início do século XX, com a aprovação do Código Civil de 1916, entre República e Igreja acerca da secularização do casamento e da separação conjugal. Assim, vislumbra como os tensos debates em torno da laicização foram intensamente apresentados e enfrentados pelas duas instâncias de poder; isso acontecia porque na ocasião estavam em jogo diretrizes em torno dos princípios por onde a família deveria trilhar a sua formação dita legal.

Vagner Aparecido Marques, em seu artigo A Dupla Vida do Pesquisador: etnografia da conversão ao pentecostalismo de membros do PCC na zona leste de São Paulo apresenta algumas inquietações em campo, durante sua pesquisa realizada para o mestrado em Ciências da Religião pela PUC-SP. Os registros apresentados são resultado de entrevistas com Kadu, personagem principal da pesquisa, membro do PCC e de uma denominação pentecostal. O objeto central do trabalho está no questionamento referente ao ato da conversão ao pentecostalismo, sobretudo o binômio conversão = rupturas, que se sustentou como verdade fundamental ao longo de décadas na Sociologia da Religião e nos estudos sobre o pentecostalismo, mas que, em análises de campo, mostrou-se cada vez menos sólido. Ao converter-se ao pentecostalismo, Kadu não deixou de ser “irmão” do PCC para tornar-se “irmão” da igreja, e essa metamorfose em sua trajetória exigiu alguns cuidados no campo de pesquisa. Tais cuidados são discutidos no texto a fim de contribuir para a discussão sobre o papel do pesquisador no campo, seus posicionamentos, proximidade com o objeto e a necessidade de um distanciamento para análise dos dados e das fontes levantadas.

Em A „Orientação pelo Evangelho‟ e a Consolidação do Espiritismo no Brasil (1860- 1940), Ana Lorym Soares analisa o processo de introdução e consolidação do espiritismo no Brasil entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX. Seu objetivo é examinar a relação estabelecida entre o espiritismo e seus contestadores, entre os quais se pode destacar a Igreja Católica e instituições jurídicas, médicas e sanitárias brasileiras, de modo a evidenciar as táticas utilizadas para sair de uma situação de contestação e alçar-se a um patamar aceito entre as várias opções religiosas do Brasil.

No seu artigo Entre a Fé e o Crime: a atuação do Reformador e da Federação Espírita Brasileira diante dos processos criminais contra cidadãos espíritas (1891-1905), Adriana Gomes discute a atuação do periódico espírita Reformador e da Federação Espírita Brasileira diante de processos criminais que cidadãos espíritas se envolveram por adotarem práticas consideradas contrárias à ordem pública. Estes cidadãos passaram a ser inseridos pelas autoridades políticas, policiais e médicas no que juridicamente ficou denominado de charlatanismo e curandeirismo. No Código Penal de 1890 práticas espíritas foram criminalizadas nos artigos 156, 157 e 158, sobretudo, no artigo 157. Aos agentes sociais envolvidos nos processos criminais, sobretudo advogados e juízes, coube à tarefa de diferenciar conceitualmente o que era religioso e o que era magia. Assim como, o que era crença e o que era exploração num emaranhado de práticas e representações subjetivas do que se compreendia como sendo espiritismo.

Walter Valdevino do Amaral compartilha seu artigo “O Abecedário das Filhas de Maria”: práticas de uma religiosidade católica, que analisa o surgimento da Pia União das Filhas de Maria, sua organização e estrutura interna, seus ritos de iniciação e as suas regras comportamentais, com o objetivo de mostrar como esta associação foi fundamental, para a construção de modus vivendi a ser seguido pelas jovens católicas no final do século XIX e início do XX. Para tal análise, adota o conceito de habitus, proposto por Pierre Bourdieu; e a ideia de disciplina, sugerida por Michel Foucault.

O Rock e a Cultura Evangélica Juvenil: música & identidades é o artigo apresentado por Laís Cândida Ferreira. A autora analisa as formas de inserção do rock no cenário protestante brasileiro, bem como sua influência para a formação de identidades juvenis. Para tal objetivo utiliza como fontes de estudo as canções de duas bandas: Oficina G3, atuante no mercado nacional evangélico desde 1990, e Desertor, representante do cenário underground evangélico desde 1995. A análise das canções em seu conjunto, compreendendo questões estruturais e contextuais, mostrou que essas bandas estão dialogando de forma intensa com o mercado secular, tanto em questões estéticas ligadas à sua performance quanto técnicas, referentes à sua musicalidade. Por outro lado, as ideias que procuram ser transmitidas permanecem ligadas à tradição pietista, mesmo no caso da Desertor que tem letras ligadas à temática punk.

O autor Charles David Tilley Bilbao finaliza o dossiê com seu artigo La Mala Mirada: brujas y vacas. No trabalho, aborda um tema clássico dos estudos antropológicos: o mauolhado. Para isso, analisa como este fenômeno cultural se articula em relação aos animais, particularmente, na pecuária. Essas crenças, inscritas na religiosidade popular, tendem atualmente a desaparecer em certos contextos rurais, ao menos da maneira como o conhecíamos. Por esse motivo, realizou uma pesquisa sobre o tema na província espanhola de Asturias, com especial atenção aos métodos de prevenção e cura do mau-olhado em bovinos.

Na seção de artigos livres, Wilian Junior Bonete compartilha o seu trabalho intitulado Notas sobre o Conceito de Consciência Histórica e Narrativa em Jörn Rüsen e Agnes Heller. Consciência histórica é uma expressão que não representa um sentido comum a todos que dela fazem uso e está, muitas vezes, relacionada a realidades distintas e excludentes entre si. Isto porque possui mais do que um conceito, tornando assim difícil sua definição. O artigo enfrenta esse desafio e reflete sobre os fundamentos do conceito de consciência histórica e narrativa a partir das elaborações teóricas de Jörn Rüsen e Agnes Heller. Esses autores são privilegiados por conceberem a consciência histórica enquanto um fenômeno necessariamente humano, cuja operação mental articula passado, presente e futuro como forma de orientação e compreensão das experiências vividas pelo homem no tempo, no espaço, nas diversas circunstâncias da vida prática cotidiana.

No artigo Sexualidade e a História da Mulher na Idade Média: a representação do corpo feminino no período medieval nos séculos X a XII, André Candido da Silva e Márcia Maria de Medeiros apresentam discursos sobre as mulheres na Idade Média por meio de figuras distintas como de Eva, Virgem-Mãe e Madalena, associando-as à sexualidade e à sedução, que, para a época, constituíam formas absolutamente repreensíveis pela sociedade, estruturada pela cultura patriarcal e religiosa.

Nessa edição, a REHR teve a satisfação entrevistar o professor Luis Fernando Ayerbe. Ayerbe (UNESP), que possui larga experiência com pesquisa nas áreas de História das Relações Internacionais e Estudos Internacionais, atuando, em suma, com os seguintes temas: América Latina Contemporânea, Política Externa dos Estados Unidos e Relações Interamericanas. A entrevista e apresentação do professor foi realizada pelo editor Anatólio Medeiros Arce.

Finalizando a XIV Edição, a REHR apresenta duas resenhas: O Erotismo, de Georges Bataille, resenhada por Wallas Jefferson de Lima; e a obra Alcântara: alma e história, de autoria Albani Ramos e Sebastião Moreira Duarte, resenhada por Daniel Rincon Caires.

Convencidos de que os artigos publicados nesse dossiê contribuirão para um conhecimento acadêmico mais consistente, desejamos também que a leitura possibilite reflexões sobre a necessidade do respeito e da convivência com as diferentes maneiras do viver religioso / cotidiano do outro.

Boas leituras.

Notas

1. GEERTZ, Armin W. O estudo da história das religiões no mundo. In: SIEPIERSKI, Paulo D.; GIL, Benedito M. Religião no Brasil: enfoques, dinâmicas e abordagens. São Paulo: Paulinas, 2007. Coleção de estudos ABHR, 2ª ed.

2. MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, pentecostais e ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997.

3. O livro é fruto da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Atualmente o autor cursa o Doutorado em História na Universidade de São Paulo (USP).

4. Trechos do perfil de uma rede social utilizados com autorização de Eduardo Meinberg.

5. www.abhr.org.br

6. http: / / www.abhr.org.br / plura / ojs / index.php / plura / index

7. Nos anos de 2006 e 2009 foram realizadas as 2ª e 3ª edição desse Simpósio. Esses eventos reuniram nas cidades de Dourados (2003 e 2006) e de Campo Grande (2009) um grande número de estudiosos das manifestações religiosas, configurando-se como um dos maiores eventos da temática no país. Além dos anais dos encontros, foram publicados dois livros: “Religiões, religiosidades e diferenças culturais” (UCDB, 2005) e “Religiões e identidades” (UFGD, 2012), organizados pelo prof. Jérri Roberto Marin.

8. http: / / www.dhi.uem.br / gtreligiao / index.html

Fabiano Coelho (editor)

Carlos Barros Gonçalves (pesquisador convidado).

Dourados – MS, Primavera de 2013.


COELHO, Fabiano; GONÇALVES, Carlos Barros. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 7 n.14, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Movimentos Sociais e Sociedade / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2013

O ano de 2013 foi especial para a Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). No seu sétimo ano de existência, o periódico conquistou a classificação no estrato B3 do Qualis Periódicos / Capes (área de História). Essa conquista é fruto de muito trabalho, seriedade e esforço coletivo dos editores – discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH / UFGD) – e dos membros do Conselho Editorial e Consultivo da Revista.

Ao longo de sua existência, a REHR tem se consolidado como um meio relevante na interlocução de pesquisas no âmbito da História e das Ciências Humanas em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Destacam-se autores e autoras de Instituições de todo o Brasil e, recentemente, de outros países, que contribuem com seus trabalhos. Em todas as suas “chamadas de trabalhos”, a REHR tem recebido uma quantidade considerável de artigos e resenhas, sendo estes de qualidade digna de nota. O interesse e confiança dos pesquisadores e pesquisadoras em publicar no periódico evidenciam sua qualidade e credibilidade.

Nessa perspectiva, é com enorme alegria e satisfação que apresentamos a XIII Edição da REHR, cujo dossiê é “Movimentos Sociais e Sociedade”. A proposição do dossiê se justifica pela relevância da temática e quantidade de pesquisadores que se dedicam a compreender os caminhos e descaminhos dos movimentos sociais, suas relações com os meandros do social, político, econômico e cultural, bem como as diversas experiências dos sujeitos que compuseram / compõem e deram / dão vida a esses grupos. Também, a importância do dossiê se expressa pelo fortalecimento da linha de pesquisa do PPGH / UFGD, intitulada “Movimentos Sociais e Instituições”.

Nesta edição, expressamos os nossos sentimentos e pesar com o falecimento do professor John Manuel Monteiro que, com seus pensamentos e ideais, se tornou uma referência para os estudos sobre os povos indígenas no Brasil. O professor John Monteiro faleceu no dia 26 de março de 2013, vítima de um acidente de trânsito na Rodovia dos Bandeirantes / SP. Era docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reconhecido nacional e internacionalmente por suas pesquisas na área de história indígena. Em sua homenagem, publicamos a crônica do professor José Bessa, intitulada “John, um Negro da Terra”. A REHR se solidariza e estende os desejos de conforto e afeto à família do saudoso professor John Manuel Monteiro.

Abrindo o dossiê “Movimentos Sociais e Sociedade” está o artigo do professor mexicano Carlos Antonio Aguirre Rojas, intitulado O que são os Movimentos Antissistêmicos? [1] . No trabalho, Rojas nos brinda com um instigante texto no qual se preocupa em apresentar sua concepção daquilo que se convencionou chamar de “movimentos sociais antissistêmicos”. Para tanto, inicialmente, analisa as diversas possibilidades de protesto social e a enorme pluralidade das formas e manifestações sociais, que, inclusive, é um claro sinal da imensa dificuldade para caracterizar e definir com mais precisão as suas variadas facetas. Para Rojas, após a revolução cultural de 1968, houve a emergência dos chamados “movimentos antissistêmicos” que expandiram as ações dos “movimentos anticapitalistas”, alcançando pontos que iam além da luta contra a exploração econômica, o Estado e a cultura capitalistas. Os “movimentos antissistêmicos” trouxeram para a pauta de reivindicações elementos como a herança das sociedades de classe, o patriarcado e o machismo, a exploração irrefreada da natureza, além da divisão entre o trabalho manual e intelectual. Assim sendo, os “movimentos antissistêmicos” passaram não apenas a afrontar o sistema capitalista, mas igualmente estenderam sua luta contra outros dois sistemas que o sustentam, quais sejam: o sistema de organização social dividido em classes sociais antagônicas, e segundo, usando um termo de Marx, contra o sistema do reino da “escassez natural”, ou o predomínio do “reino da necessidade”.

Em Multitudes Ambientalistas en Lucha Contra los Agrotóxicos, os pesquisadores argentinos Cecilia Carrizo e Mauricio Berger recuperam, a partir de entrevistas e análise de documentos, três experiências de luta contra pesticidas nos últimos cinco anos em Córdoba, uma das principais províncias produtoras de soja da Argentina, identificando em cada caso, a pluralidade de saberes e práticas em jogo. Assim, recuperam as noções de Multidões e Justiça Ambiental, para contribuir com a autocompreensão das lutas como políticas e a reflexão sobre o anacronismo de seguir chamando sociais as práticas que, fora do sistema político representativo, resistem ao modelo dos agronegócios.

“Nascemos Assim!”: o movimento LGBT brasileiro e o perigo da estratégia essencialista (1978-2012) é o título do trabalho de Tiago da Silva Ferreira. O autor propõe um debate em torno das estratégias que o movimento LGBT brasileiro vem traçando para combater a discriminação sofrida pela população cuja sexualidade diverge da norma heterossexual. Dessa forma, interessa particularmente o foco que o movimento tem dado, especialmente nos últimos anos, ao que chama de argumento biológico. Ou seja, a estratégia de apregoar a aceitação da diferença sexual pela via da naturalização. Recorre a uma breve reconstituição histórica sobre o discurso acerca da homossexualidade a partir do século XIX, passando pela constituição do moderno movimento gay brasileiro em 1978 até chegar ao contexto atual. O trabalho almeja demonstrar o perigo de despolitização que a aposta na naturalização das sexualidades representa para este importante movimento social contemporâneo.

Fabiano Coelho, em Experiências de Pesquisa: reflexões sobre o MST e a construção de representações sobre os presidentes brasileiros (1984-2006), salienta que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde sua criação, esteve presente e atuante em diversos momentos da história do Brasil, como no final da Ditadura Militar, no processo de “abertura política” do país e na consolidação das eleições diretas para presidente, a partir de 1989. Nesse período, o Movimento se projetou como oposição e resistência aos presidentes, representando-os como conservadores, elitistas e “inimigos” da reforma agrária. Por ora, apresenta reflexões iniciais de pesquisa sobre as representações do MST face aos presidentes brasileiros, entre os anos de 1984 e 2006, sendo eles de José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, e Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Jornal Sem Terra. Destaca também a importância do Jornal Sem Terra como um instrumento político, utilizado pelo MST para elaborar e publicizar representações sobre os presidentes no período delimitado.

O trabalho de Fernando Perli, intitulado O Internacionalismo em Questão: rede de solidariedade em jornais e cadernos do MST (1984-1986), reflete que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se definiu mediante estratégias políticas que articularam um movimento social com abrangência nacional. Nos debates que arregimentaram movimentos sociais rurais de várias regiões do Brasil, os meios de comunicação do MST contribuíram para intensificar contatos, experiências e identidades políticas. O artigo analisa, a partir dos jornais e cadernos do MST, a construção de uma rede de solidariedade que colocou em pauta, num período de definições organizativas do Movimento, o internacionalismo da luta pela terra.

Cláudia Delboni, em Os novos Atores Sociais: a formação do acampamento de Sumaré II no Estado de São Paulo (1980), realiza algumas considerações teórico-metodológicas sobre a participação das mulheres na consolidação do acampamento de Sumaré II, que ocorreu na década de 1980, no município de Sumaré / SP. Os anos de 1980 foram marcados pela eclosão de diversos movimentos, que trouxeram para o cenário político novos atores sociais. O artigo é fruto de sua dissertação de mestrado, que na qual se utilizou da História Oral de Vida para analisar categorias de análise que instrumentalizaram na compreensão da temática, tais como cidadania e identidade.

No artigo Caminhos para a Emancipação em Tempos de Globalização: transformação social e economia solidária, Hermes Moreira Jr. discute as possibilidades da Economia Solidária como proposta de renovação das teorias críticas ao status quo conservador, no intuito de encontrar novos caminhos e novas agendas para a emancipação social e as consequentes possibilidades de transformação da realidade.

Marcos Alan S. V. Ferreira, em seu artigo Violação dos Direitos Humanos em Nome da Segurança Estatal: considerações sobre os eventos de abril de 2003 em Cuba, analisa as violações dos direitos humanos promovida pelo governo cubano em 2003. Nesse sentido, atenta o olhar para a onda repressiva promovida pelo governo cubano em março e abril de 2003, que resultou na aplicação da pena de morte a três sequestradores e na prisão de 75 opositores de Fidel Castro. Esses atos cometidos por Cuba tiveram forte repercussão internacional, com protestos expressados por personalidades de destaque, como os escritores ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez e José Saramago.

O artigo Concepções e Experiências da Educação Popular no Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor – IAJES, da autora Mariana Esteves de Oliveira, discute o tema da Educação Popular a partir de algumas experiências vividas por movimentos sociais ligados a uma instituição católica na cidade de Andradina / SP, como representativas das práticas de resistência a partir do ano 1970 até meados dos anos 1990. Seus conceitos, seus teóricos, suas matrizes discursivas se encontram com experiências vivenciadas por homens e mulheres que se puseram em luta a partir das discussões empreendidas no bojo desta Educação Popular propugnada pelo educador Paulo Freire e por teólogos da libertação. Dessa forma, as conquistas e contradições dos grupos conformam, em muito, na própria construção das classes populares na América Latina e contribuem para a reflexão que ilumine os caminhos e descaminhos de uma educação que na atualidade se mostra esquizofrênica e inoperante, incapaz de envolver a juventude e incentivá-la a construir um novo horizonte social, uma nova utopia.

Encerrando o Dossiê, André do Nascimento Corrêa, em Sociedade Agrária: hierarquia entre os criadores de gado vacum de Caçapava (1821-1850), analisa as características socioeconômicas do universo agrário de Caçapava, província do Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XIX. As principais fontes empregadas são os inventários post mortem e o período abordado estende-se entre 1821 e 1850. Realizou-se, também, um diálogo bibliográfico com estudos sobre História Agrária. O autor investiga a concentração de terras e animais nas mãos de poucas pessoas. Entretanto, ao lado desse pequeno grupo concentrador de recursos, havia uma miríade de pequenos produtores, muitos também senhores de escravos. Assim, sinaliza para um universo social mais complexo do que aquele geralmente descrito nas obras que tratam do contexto local no período abordado.

Na sessão de artigos livres, Adriana Gomes em A Criminalização do Espiritismo no Código Penal de 1890: as discussões nos periódicos do Rio de Janeiro, discute a importância dos periódicos que circulavam na capital federal na segunda metade do século XIX: o Jornal do Commercio, O Apóstolo e o Reformador – para a inserção da Doutrina Espírita, a sua divulgação, ataque e a defesa diante da criminalização de algumas de suas práticas no Código Penal de 1890. Nos discursos divergentes e com tons diferenciados dos periódicos, cada um dos grupos em discussão, tinha um objetivo muito claro: transformar os seus discursos em mecanismos de compreensão e legitimação de suas ideias. E com discursos “legítimos”, buscavam convencer o leitor que os seus argumentos eram os mais coerentes em contraposição aos argumentos do discurso do outro.

José Augusto Ribas Miranda é autor do artigo “El Ambiente que se Respiraba en Nuestro Campo, Era la Conviccíon Íntima del Triunfo de Nuestras Armas”: fotografias de efetivos Militares como construção imagética da superioridade bélica do Chile na Guerra do Pacífico (1879-1884). No trabalho, analisa a construção imagética da superioridade bélica chilena na Guerra do Pacífico em fotografias de efetivos militares, presentes no Album Grafico Militar de Chile, de 1909. Por meio da análise das fotografias, realizadas por Eduardo Clifford Spencer, discute como tais imagens atuam como agentes de construção de uma ideia de superioridade bélica chilena para os próprios nacionais, em obra posterior ao conflito.

No artigo Hetáira e o Sympósion: relações de gênero em banquetes na Atenas do V e IV século a. C., Juliana Magalhães dos Santos salienta que para compreender as relações sociais tecidas em consonância com a dinâmica de banquetes (symposia), é preciso atentar para algumas particularidades sobre a festividade e seus participantes. Identificada como figura recorrente em banquetes, as hetáirai (cortesãs) são elementos importantes para apontar as trocas específicas ocorridas durante os banquetes. Nessa perspectiva, indica a sua dinâmica neste espaço de frequência e suas relações afins, além de analisar este circunscrito espaço de trânsito e ação. Como parte importante para a apreciação do tema, é apresentado um breve comentário sobre a sua expressão imagética e as concepções e considerações a respeito de estudos de gênero que tentam compor um olhar sobre o feminino na História e em particular sobre as cortesãs na Atenas do século V e IV a.C.

Em O Caso de Claudia de Quinta e Magna Mater sob a perspectiva dos estudos do Feminino e da Religião Romana, Pedro Paulo Rosa, reflete que Magna Mater, deusa de origem antiga da região da Frígia, está presente nas festividades públicas e femininas do mês de abril em Roma. Os romanos domesticaram a versão antiga dessa deusa – Cibele – e a trouxeram para a cidade de Roma, no contexto histórico da II Guerra Púnica (no final do III a.C.). Nesse sentido, Magna Mater vem suprir o papel de grande mãe dos romanos, bem como se destina não apenas aos rituais religiosos femininos, isto é, de matronas romanas, mas também é uma deusa urbana, que abrange os magistrados, os equestres, e grande parte da população romana. É geral e particular. Feminina, quando se destina à Claudia Quinta e a outras ricas matronas, uma ordem social sagrada; e masculina, quando também representa e salvaguarda o jovem futuro homem de Estado.

Memórias e Raízes: os alicerces da Faculdade de Direito do Piauí (1930-1935) é o título do artigo dos autores Eduardo Gefferson Silva Ferreira e Marcelo Leandro Pereira Lopes. No trabalho, recuperam a memória da Faculdade de Direito do Piauí, o contexto histórico-político e social de sua instalação, e investigam também os atores envolvidos no processo de sua implantação, compreendendo porque sua implantação foi tardia. Também reflete sobre a influência da Faculdade de Recife e da Revolução de 1930 na sua formação, e ainda apresenta o projeto curricular da instituição. Através de pesquisa documental, discute o longo caminho para a abertura da primeira faculdade de Direito do Piauí e percebe sua importância na formação de uma nova camada burocrática.

Otávio Erbereli Júnior, em seu artigo Do Populismo “Clássico” ao Neopopulismo: trajetória e crítica de um conceito, tem como foco central a crítica de Angela de Castro Gomes à utilização dos conceitos de populismo e neopopulismo na caracterização de determinados períodos da vida política brasileira, notadamente 1930-1964. Pelo fato desta historiadora ter por inspiração teórica a História dos Conceitos, achou por bem reconstituir o trajeto de crítica à tradicional História das Ideias, bem como expor as principais formulações acerca do populismo com os quais Castro Gomes irá dialogar e rejeitar. Por fim, expõe sua proposta de adoção do termo trabalhismo em substituição ao populismo.

Ao finalizar a XIII edição da REHR, apresentamos a resenha de dois livros: Cuba e a Eterna Guerra Fria: mudanças internas e política externa nos anos 90, do autor Marcos Antonio da Silva, resenhada por Claudio Reis; e Daniel Rincon Caires resenhou a obra O Epaminondas Americano – trajetórias de um advogado português na Província do Maranhão, cujos autores são Yuri Costa e Marcelo Cheche Galves.

Desejamos agradáveis e proveitosas leituras. Aventurem-se no universo das palavras.

Nota

1. O trabalho foi traduzido pelos pesquisadores André Dioney Fonseca (Doutorando em História – USP) e Eduardo de Melo Salgueiro (Doutorando em História – UFGD), a quem a REHR agradece a gentileza e colaboração.

Fabiano Coelho – Editor

Dourados / MS, Inverno de 2013.


COELHO, Fabiano. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.7, n. 13, jan. / jun., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Interdisciplinaridade: contribuições para a narrativa histórica / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2012

É com muito orgulho e satisfação que apresentamos mais uma edição Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). No ano de 2012 ela completou seis anos de existência. Sua editoração é e sempre foi fruto de um esforço coletivo dos editores discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, dos membros do Conselho Editorial e do Consultivo. Nesse tempo, a REHR tem se consolidado como um meio significativo de interlocução de pesquisas na área de História e nas Ciências Humanas em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Nesta perspectiva, destacam-se os diversos autores e autoras de Instituições de todo o país que contribuem com seus trabalhos e acreditam na qualidade e seriedade da Revista.

Ao propor a publicação da presente edição da REHR, volume 6, número 12, de julho / dezembro de 2012, que aborda o dossiê Interdisciplinaridade: contribuições para a narrativa histórica, este periódico reverbera, de certa forma, partes das reflexões que o célebre historiador Marc Bloch apresentou no clássico texto Apologia da história, ou, O ofício de historiador [1]. A construção da história utilizando-se de conceitos, métodos e mecanismos de diferentes Ciências, além da diversificação da matriz documental e de uma maior divulgação do conhecimento sobre eventos pretéritos da sociedade foram decisivos para que a forma de se compreender o passado sofresse mutações ainda no início do século XX, a partir da publicação da revista francesa Les Annales d’Histoire Économique et Sociale, no ano de 1929. Ciro Flamarion Cardoso na obra Domínios da História escreve que uma das principais características da primeira geração da Escola dos Annales, tendo como seus principais articuladores Marc Bloch e Lucien Febre, era o debate crítico entre as Ciências Humanas, partindo do pressuposto de que não existiam fronteiras estritas e definitivas entre elas [2].

Com o advento da denominada Nova História, por volta de 1970, este traço característico dos Annales também foi latente. Jacques Le Goff [3] e Peter Burke [4] defendiam também a necessidade de garantir um intercâmbio fecundo entre a História e outras Ciências, visando ampliar os horizontes e os campos de atuação do historiador. Após décadas da publicação das ideias de Bloch sobre a importância do consórcio entre história e demais áreas do conhecimento para uma construção holística da história, historiadores e pesquisadores ainda encontraram entraves frente à utilização da interdisciplinaridade como ferramenta para a construção da narrativa do passado. Contudo, o diálogo com outras áreas do conhecimento foi se tornando uma necessidade, e a resistência frente à interdisciplinaridade foi paulatinamente superada. Tal problemática disponibiliza um campo bastante fértil que tem na inserção de conhecimentos da Semiótica, Sociologia, Antropologia, Economia, Artes, Filosofia, Pedagogia, Relações Internacionais, Psicologia, Geografia, Linguística, Arquitetura, entre outras, uma maior diversidade de sentidos para a compreensão das ações e acontecimentos do passado. É neste sentido que a atual edição da REHR apresenta este dossiê. Os trabalhos que compõem a XII edição da REHR são experiências de pesquisa que carregam em seu interior o diálogo com concepções teóricometodológicas de distintas áreas do conhecimento.

O artigo que inaugura o dossiê é A Lei 10.639 / 03, possíveis diálogos, do autor Hermes Gilber Uberti. O artigo reflete sobre as possibilidades de trabalho interdisciplinar a partir do entrelaçamento das narrativas artística e histórica se valendo do uso de imagens enquanto recurso pedagógico. Premissas essas pensadas a partir da lei 10.639 / 03 que almejou dar maior evidência a história e a cultura afro-brasileira buscando romper certos estigmas que foram construídos em torno da figura do negro, tanto durante o período escravista quanto no momento posterior a abolição. Nesse sentido, debate sobre o papel da escola nesse processo de construção de negritudes por entender que se trata de um lócus por onde circularam e ainda circulam uma série de estereótipos envolvendo essa parcela da sociedade brasileira.

Em No Afrouxar dos Espartilhos: uma análise interdisciplinar acerca da formação da identidade ocidental feminina durante Primeira Guerra Mundial sob a ótica da indumentária, Ludimila Caliman Campos objetiva compreender as mudanças no papel social da mulher ocidental ao longo da Primeira Guerra Mundial a partir do contexto norte-americano e inglês. Para analisar as transformações do comportamento social feminino, utiliza como fonte imagens da indumentária da época, entendendo que o vestuário é uma importante expressão comunicativa. Como tal, a roupa é ainda uma linguagem que referencia eficazmente mutações sociais e sinaliza identidades pessoais e comunitárias. Ao final, define o conceito de prêt-à-changer próprio para caracterizar essa mudança de paradigma no habitus da mulher no início do século XX.

Marcelo Eduardo Leite e Carla Adelina Craveiro Silva em Imagens Múltiplas: algumas considerações sobre a(s) fotografia(s) do século XIX pretenderam lançar luz sobre a história da fotografia oitocentista atentando para as questões técnicas, assim como, para a existência de diversas formas de apropriação do fazer fotográfico nesse período. Nesta perspectiva, apresentam brevemente o ambiente cultural no qual esses “modos de fazer” se desenvolveram, vislumbrando os processos pioneiros de reprodução de imagens fotográficas, e, considerando, contudo, que um contexto técnico e ideológico específico é o que faz com que tais processos surjam.

No artigo Representações da Cultura Paraguaia: tradições e memórias na construção identitária de imigrantes e descendentes, Alan Luiz Jara reflete que o Mato Grosso do Sul conta com uma significativa população paraguaia imigrante que, a partir da década de 1970, começou a articular-se em torno de associações culturais. Este movimento de imigração e organização sociocultural foi objeto da primeira parte do trabalho. Adiante, a proposta central debate – tendo como marco o período entre 1990 e 2012 – as formas com que em alguns elementos desta cultura, considerados tradicionais (música, gastronomia, religiosidade, etc.) articulam memórias e, assim, atuam no sentido de construir e reforçar as identidades. Desta forma, entende este último conceito como uma estrutura que reconhece e incorpora as variações de expressão, negando, portanto, as perspectivas holistas. A metodologia utilizada foi a história oral, e as questões colocadas emergem das narrativas de imigrantes e descendentes, produzidas na cidade de Dourados / MS.

O Mundo Antigo a partir dos Escritos de F. Nietzsche: a eterna luta entre a moral aristocrática antiga e a moral judaico-cristã é o trabalho de Thiago Gomes da Silva. Conforme o autor, muitos foram aqueles que contribuíram para a perpetuação de uma série de preconceitos contra a política, a cultura e a própria concepção de existência das civilizações antigas. Em contrapartida, os textos de Friedrich Nietzsche possibilitam, de certa forma, resgatar uma imagem fortalecida do mundo antigo, apresentando-o com uma ótica peculiar. O filósofo também interpreta de maneira distinta a queda do Império Romano e frisa que sua representatividade moral esteve, e ainda estaria presente no próprio movimento que é história da humanidade, numa constante e eterna luta com aqueles valores responsáveis pela queda formal do Império. Uma luta entre as tábuas valorativas que compreendem os conceitos de bom e ruim contra bem e mal, a vigência do embate entre Roma contra Judéia, ou ainda, do Império Greco-Romano contra o Judaico-Cristianismo.

Geane Bezerra Cavalcanti em seu artigo Vigilância e Repressão do DOPS-PE contra as Associações de Moradores do Bairro de Casa Amarela e Adjacências (1955-1964) busca revelar os estudos sobre as intervenções do DOPS-PE sobre as associações de moradores do bairro de Casa Amarela e comunidades circunvizinhas. Justifica-se pela força, resistência e importância, que estas organizações tiveram para a história recente da cidade do Recife. Para desenvolvimento do trabalho se apropria como aporte teórico de Montenegro, Maria da Glória Gonh e Ilse Scherer-Warren. Como metodologia utilizou-se jornais de grande circulação em Pernambuco, bem como os apreendidos pelo DOPS-PE, além das informações referentes às associações de moradores de Casa Amarela, os inquéritos contra moradores, os documentos administrativos e os relatórios da polícia.

Os artistas e as Sociedades nos Estudos de História Comparada ou as Vidas Paralelas é o artigo de Leandro Couto Carreira Ricon, que objetiva demonstrar, através da análise teórica e metodológica, a possibilidade da utilização da produção de artistasintelectuais como fonte para a análise de realidades sociais, políticas e culturais díspares dentro do modelo proposto pela História Comparada. Desta forma, abre um foco de interdisciplinaridade com os estudos artísticos para a construção da História enquanto disciplina. Para tal, construiu um debate através da Sociologia Histórica, da História dos Conceitos, da História Social e da Historiografia Comparativa, buscando relacionar os conceitos de Artista, principalmente aquele proposto por Norbert Elias e de Intelectual.

Em O “grande” como solução à identificação regional: ampliações e retratações das delimitações da região de Dourados – MS, Bruno Bomfim Moreno propõe reflexões sobre a trajetória da utilização da terminologia grande Dourados como instrumento de delimitação da região da cidade de Dourados e municípios vizinhos, abarcando conceitos da geografia, da história e da sociologia. Em um texto envolvente e ilustrado por dados cartográficos e estatísticos, Moreno apresenta também uma reflexão historiográfica acerca da ocupação territorial desta região e como o grande surge como elemento de associação simbólica entre a região e a população local.

O artigo de André Luiz de Vasconcelos é intitulado Batalha de Stalingrado: o documentário como agente da história. O tema em questão é fruto de uma pesquisa que volta sua atenção para a memória relacionada à Batalha de Stalingrado. Para desenvolver a análise, fez-se a escolha de um documentário como fonte denominada “Stalingrad” realizado no ano de 2006 pelos diretores alemães Jörg Müllner e Sebastian Dehnhardt. Esta produção fílmica retrata a questão social de civis e militares, sejam alemães ou soviéticos ao longo da Batalha de Stalingrado. Esse filme documentário tornou-se interessante pelo fato de fazer uso da memória de sobreviventes que estiveram no ocorrido para tentar refazer uma reconstrução do passado vivido.

Recentemente, no início de dezembro de 2012, a UNESCO conferiu ao frevo (dança típica do estado de Pernambuco) o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Exatamente neste momento de júbilo da cultura brasileira e tendo este ritmo nordestino como o plano de fundo para o desenvolvimento de suas ideias, Marcelo Martins Ianino apresenta o artigo Clube das Máscaras O Galo da Madrugada: o maior bloco de carnaval do Brasil é Patrimônio Cultural e tradição em Pernambuco. Narrando a trajetória desse bloco carnavalesco o autor aponta como o Estado se apropriou dessa tradição popular urbana para criar um canal de comunicação com a população. Ainda no bojo da história d’O Galo da Madrugada Ianino fornece dados do processo de patrimonialização das expressões populares, ações lideradas por entidades como a UNESCO, o ICOMOS e o IPHAN cada vez mais frequentes e que representam, sem dúvida, uma seara para o desenvolvimento do ofício do historiador.

Tiago Alinor Hoissa Benfica escreveu o artigo Superar os Achados: método quantitativo para a história do tempo presente. O trabalho apresenta uma discussão sobre a utilização de questionários fechados com questões respondíveis em escala, método próprio para pesquisas na área de história do tempo presente. O debate está alicerçado na teoria das representações sociais. A sistematização e a exploração dos dados realizam-se a partir de recursos da informática.

O artigo intitulado Pelas Ruas, Escolas, Comércios e Propriedades Rurais: o itinerário dos Integralistas em Garanhuns-PE entre os anos de 1935 até 1937 é de autoria de Márcio André Martins de Moraes. De acordo com o autor, a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada pelo intelectual católico Plínio Salgado, ocupou importante papel na política nacional nos anos 1930, pautando seus discursos doutrinários no lema: Deus, Pátria e Família. Em Pernambuco foram fundadas 66 sedes, das quais 12 ficaram entre o Recife e região metropolitana e as demais no interior do estado. O objetivo do artigo foi analisar as práticas cotidianas desses militantes em uma dessas cidades, no caso, Garanhuns (1935- 1937), observando as estratégias de atuação desses nos espaços públicos e privados. As atividades políticas e ideológicas dos membros da AIB, não ficavam restritas às reuniões no núcleo local, mas ganharam as principais ruas e estabelecimentos educacionais e comerciais, contribuindo, assim, para a divulgação e popularização do pensamento integralista entre os garanhuenses.

A parceria firmada entre Leandro de Araújo Crestani e Jefferson Andronio Ramundo Staduto tem como resultado O atraso tecnológico no setor agropecuário brasileiro: Lei de Terras de 1850 em perspectiva, uma análise da relação entre a estrutura fundiária do Brasil e a perpetuação de práticas rudimentares no setor agropecuário. Balizado pela Lei de Terras (1850) este texto contribui para o entendimento da proliferação das grandes propriedades rurais desde meados do século XIX a partir dos pressupostos da História Agrária e de conceitos da Economia, bem como a ocupação das terras brasileiras no período que antecedeu 1850.

Finalizando sua XII Edição, a REHR apresenta três resenhas: Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba (2009), de Marta Philp, resenhada por María A. Zurlo. A obra Dourados e a Democratização da terra: povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956) (2008), de Maria Aparecida Ferreira Carli é resenhada por André Dioney Fonseca. Fechando essa sessão, Daniel Rincon Caires resenha a obra As Famílias Principais: redes de poder no Maranhão colonial (2012), de autoria de Antonia da Silva Mota.

Desejamos que a leitura desta edição da REHR seja agradável, proveitosa e que estimule novos olhares para a gama de possibilidades em que a História se permite entender. Parafraseando o saudoso e exímio historiador inglês Eric Hobsbawm, que faleceu aos 95 anos em 01 / 10 / 2012, concluímos esta apresentação com uma de suas célebres frases: A única generalização cem por cento segura sobre a história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá história [5].

Notas

1. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

2. CARDOSO, Ciro F. História e Paradigmas Rivais. In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 1-23.

3. LE GOFF, Jacques. A História Nova. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

4. BURKE, Peter (Org.) A escrita da História: novas perspectivas. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

5. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 15-16.

Fabiano Coelho

Bruno Mendes Tulux

Anatólio Medeiros Arce

(Editores)

Dourados / MS, Primavera de 2012.


ARCE, Anatólio Medeiros; COELHO, Fabiano; TULUX, Bruno Mendes. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 6, n. 12, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Estudos sobre Fronteiras / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2012

Apresentar a Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR), volume 6, número 11, de jan / jun de 2012, cujo dossiê tem como tema Estudos Sobre Fronteiras, é uma grande satisfação. Primeiramente, por que a exposição dessa abordagem está profundamente associada à proposta epistemológica do Programa de Pós-Graduação em História da UFGD, instituição de ensino e pesquisa qual a REHR está veiculada. Portanto, a diversidade dos vieses temáticos e a qualidade das reflexões presentes nas páginas a seguir contribuirão para que a temática “fronteira” seja pensada como objeto de múltiplos olhares para historiadores e pesquisadores das Ciências Humanas.

Em segundo lugar, a dinâmica da produção do conhecimento histórico demonstra uma necessidade cada vez mais urgente em divulgar estudos dos mais diversos temas de pesquisa relacionados às múltiplas possibilidades de análises do passado. É, portanto, a diversidade de vertentes analíticas que alimenta a produção intelectual das Ciências Humanas e dão novo fôlego para a compreensão da realidade histórica das sociedades do presente. Fatores como a velocidade dos meios de comunicação, o alcance mundial da internet, a organização dos setores historicamente excluídos da sociedade, por exemplo, são elementos que renovam os limites das relações humanas ao mesmo tempo em que recriam novos contornos dos vínculos entre homens, mulheres e o passado. Historicamente, as fronteiras foram formadas para “distinguir” e / ou separar territórios, povos e culturas. No entanto, as reorientações paradigmáticas das Ciências Humanas fizeram esse conceito angariar significados tanto de aproximação quanto de distanciamento entre grupos étnicos e sociedades urbanamente estabelecidas. As análises históricas, antropológicas, sociológicas, entre outras, atingem proporções que podem ser problematizadas pela discussão da fronteira ou do estudo sobre seus variados significados, entre campos do conhecimento que muitas vezes se completam rumo a uma análise multidimensional.

O deleite de expor tal assunto refere-se à importância dessa questão para a historiografia brasileira. Fronteira foi, inegavelmente, importante objeto para as primeiras análises do passado nacional. No entanto, a compreensão da temática fronteiriça durante muito tempo esteve relacionada aos limites da ordenação geopolítica e diplomática do território. Partindo da concepção limítrofe geográfica dos textos de Adolfo Varnhagen e Capistrano de Abreu a fronteira passou a ser assimilada sob a ótica da conexão entre as sociedades portuguesa, africana e indígena. Foi Sérgio Buarque de Holanda, no clássico Caminhos e Fronteiras (1957), quem apontou que paisagens, hábitos, instituições, técnicas e idiomas heterogêneos interagiam e criavam produtos mistos, re-significando os limites e resultando em novas acepções de fronteira.

A edição traz aos leitores artigos referentes ao dossiê, bem como demais pesquisas sobre temas livres e resenhas. O artigo que abre o dossiê da XI Edição da REHR é Nas fronteiras do Império e um conceito de guerra no século XIX: “nessas terras de fronteiras, vinha sentindo cotidianamente as dificuldades de se fazer a guerra”, que trata da ocupação do Rio Grande do Sul pela análise do conceito de fronteira de guerra, arregimentado à historiografia militar e constituído como uma alternativa de análise do passado pela chamada Nova História Militar. Nesse texto Carlos Eduardo de Medeiros Gama tem como baliza espaço-temporal a fronteira sul-rio-grandense do Império brasileiro durante a primeira metade do século XIX. O autor ressalta a importância em notar que o lócus fronteira sul do Império deve ser interpretado como ponto nevrálgico para o desenvolvimento dos distúrbios sul-americanos do século XIX, espaço de consolidação dos estados platinos e de conexões sociais, econômicas e culturais do espaço fronteiriço.

Alessandro Batistella apresenta uma proposta de análise da construção da identidade paranaense a partir do paranismo, movimento regionalista que surgiu após a emancipação política daquele estado em meados do século XIX e que atingiu o auge de sua popularidade na década de 1920. Dessa maneira, o autor buscou os elementos simbólicos que compõe essa análise, bem como a distinção dos grupos sociais emergidos e excluídos pelo paranismo através da compreensão das características desse movimento. Esta análise está presente no texto O Paranismo e a invenção da identidade paranaense.

Raimundo Nonato de Castro escreve As Representações Indígenas no Processo de Colonização do Brasil. No artigo, o autor reflete que as imagens e os textos, produzidos pelos europeus, serviram para criar imaginários sobre as populações indígenas, passando a ser utilizadas para assegurar e garantir o incremento do processo de dominação colonial. Nesta perspectiva, analisa algumas das observações realizadas pelos navegadores europeus, verificando que apresentam os nativos como seres que necessitavam ser cristianizados.

A formação da fronteira oeste no sul do Brasil é apresentada por Hermes Gilber Uberti. Essa análise é estruturada a partir das estratégias para incorporar o território fronteiriço ao Império brasileiro pela concessão de sesmarias, a criação de núcleos urbanos, e, principalmente, o comércio entre colonos do Vale do rio Jaguari, na região central da província, e a cidade fronteira de Uruguaiana durante o século XIX. As discussões presentes em O Vale do Jaguari no processo de construção da fronteira oeste do Rio Grande do Sul demonstram a questão fronteira como espaço ativo na construção das atividades produtivas e das relações sociais entre os homens da fronteira, utilizandose, para tanto, da metodologia da micro-história.

O artigo de Vanderlei Sebastião de Souza, intitulado As Ideias Eugênicas no Brasil: ciência, raça e projeto nacional no entre-guerras abre a sessão de artigos livres. O trabalho analisa o discurso eugênico no Brasil, destacando o modo como essas idéias mobilizaram setores importantes da elite intelectual do país nas primeiras décadas do século XX. Considerando que a eugenia brasileira deve ser vista como um interessante caso de relação entre ciência e ideologia social, busca compreender que arranjos científico, político e institucional fundamentaram o movimento eugênico, quais foram e o que pensavam os intelectuais, cientistas e autoridades públicas que promoveram esse debate no Brasil. Para tanto, demonstra que os adeptos da eugenia se organizaram como um movimento que procurou articular ciência, raça e nação com vistas à formação de projetos de reforma da sociedade brasileira e de construção nacional.

Fernand Braudel e a Geração dos Annales é o nome do artigo de José D’Assunção Barros, que examina as especificidades do modelo historiográfico proposto pelo principal autor pertencente à segunda fase do movimento dos Annales: Fernando Braudel. Depois de uma discussão inicial sobre o contexto histórico e institucional que preside uma nova fase dos Annales sob a direção institucional de Fernando Braudel, discute a contribuição historiográfica deste historiador francês, enfatizando aspectos como a concepção braudeliana sobre o tempo e a dialética das durações, a importância do espaço para a historiografia braudeliana, o projeto de História Total neste historiador francês, e sua dinâmica de diálogos interdisciplinares.

Antonio Carlos Sardinha, em seu artigo O Percurso Histórico da Organização Política por Direitos Sexuais de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais em Mato Grosso do Sul apresenta os principais resultados de estudo sobre a trajetória histórica e as características que marcaram a constituição do movimento social de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT) em Mato Grosso do Sul. Recuperar o passado desse movimento social, por meio de pesquisa exploratória, contribui com a construção da memória de luta política pela garantia de direitos humanos a identidades sexuais que demarcaram, a partir da atuação pública, espaço próprio de interlocução em meio às demandas colocadas por outros grupos na esfera de conflito que permeia as lutas sociais.

O artigo El Bonaerense e Tropa de Elite: um debate sobre a segurança pública abordada nas telas do cinema argentino e brasileiro no século XXI, de autoria de Luiz Eduardo Pinto Barros analisa elementos comuns entre as sociedades argentina e brasileira no que se refere à segurança pública de ambas as nações, caracterizada por problemas como corrupção policial, guerra entre traficantes de drogas e deficiências dos governos para superar estes problemas. A análise é realizada a partir do olhar para as produções El Bonaerense (Argentina, 2002), dirigido por Pablo Trapero, e Tropa de Elite (Brasil, 2007), dirigido por José Padilha. As duas produções são heranças do estilo italiano Neo-realista surgido em meados do século XX, com características antihollywoodianas. Essa corrente cinematográfica visa tratar a realidade social como o objeto principal, o que é visualizado nas duas produções analisadas.

Bárbara Figueiredo Souto e Roger Aníbal Lambert da Silva, no artigo Representações e Combates Discursivos: práticas da imprensa nas décadas finais do século XIX refletem sobre como o jornal é uma valiosa fonte para os estudiosos de fins do século XIX e sua utilização na produção do conhecimento histórico. O objetivo do trabalho é discutir certas práticas da imprensa na construção de suas representações e seus discursos, ou seja, as estratégias das quais os jornais se utilizavam para legitimarem suas posições diante da opinião pública. Para tanto, elegeram como foco de análise representações acerca das mulheres e alguns combates discursivos sobre o tema da “rebeldia dos escravos”, objetos de atenção constantes por parte da imprensa nas décadas finais do século XIX.

O Gigante Adamastor Camoniano: nexos entre memórias e profecias é o nome do artigo de Cleber Vinicius do Amaral Felipe. No trabalho, problematiza o papel desempenhado pelo gigante Adamastor na epopeia Os Lusíadas (1572), de Camões. Ao se deparar com este personagem, Vasco da Gama ultrapassa uma fronteira e, do local onde se encontra, o nauta português consegue apreender tanto o “antigo” quanto o “novo”, sob uma perspectiva singular. Adamastor é um hiato situado entre o passado e o futuro, entre o vício e a virtude, entre o comedimento e o excesso. Afinal, o que suas profecias dão a entender? Quais são as memórias forjadas pelo gigante? Enfim, como ele relaciona passado, presente e futuro?

O artigo intitulado De Frente para o Mar: as representações da paisagem litorânea na cidade de Rio Grande (1904-1976), de Felipe Nóbrega Ferreira, analisa as diferentes representações da paisagem, dando a ler um mundo social em suas sensibilidades, entre os anos de 1904 e 1976. Assim, contribui para uma apropriação da idéia da paisagem junto ao campo da história. Para tal estudo, apresenta um conjunto de fotografias que circundam o universo do litoral de banhos.

Vinicius Fattori, em Um Charlatão, Padres Devassos e Escritores Libertinos: popularização de ideias no período pré-revolucionário francês reflete sobre obras e ideias do historiador estadunidense Robert Darnton. Este autor analisa aquilo que poderíamos denominar de “popularização de ideias iluministas”, uma vez que se foca em diversos escritores marginais que pareciam ter como missão pessoal disseminar as ideias do Iluminismo no francês comum pré-revolucionário, uma tarefa que não seria possível aos autores e filósofos clássicos do Iluminismo, com seus complicados tratados políticos. Estas pessoas, charlatães, padres devassos e escritores libertinos costumavam ser muito populares no século dezoito, mas atualmente estão esquecidos.

Em A invenção do Brasil no mito fundador da Umbanda, Mario Teixeira de Sá Junior apresenta uma perspectiva histórico-sociológica da criação da Umbanda no Brasil do início do século XX. Tendo como eixo discursivo a mitologia umbandista de Zélio de Morais o autor buscou contextualizar esse fenômeno cultural aos aspectos históricos da transição do século XIX para a centúria seguinte. Dessa forma, a alteração na estrutura política nacional e a modificação nas relações entre trabalhadores e as classes dominantes contribuíram para a formação da nação brasileira no mesmo momento em que a Umbanda surgia como religião resultante das interações culturais africanas e brasileiras.

O artigo Memórias e Práticas Pedagógicas: a escola multisseriada em Novo Hamburgo / RS e a trajetória da professora Élia Thiesen (1958-1983), de José Edimar de Souza apresenta fatos da trajetória de uma professora cuja docência acorreu na zona rural de Novo Hamburgo – RS, entre 1958-1983. Para tanto, analisa como a trajetória docente se entrelaça à prática pedagógica em classes multisseriadas, considerando para esse fim a memória como fonte documental. A pesquisa, de natureza qualitativa, utiliza metodologia da História Oral valendo-se de entrevistas semi-estruturadas. O referencial teórico fundamenta-se na perspectiva da História Cultural, tendo as memórias como documento. As memórias desta professora permitiram conhecer um pouco sobre os primórdios da escola pública em Lomba Grande enfatizando o processo de construção das Escolas Isoladas.

Resquícios de Al-Andaluz em Norte de África: aspectos da autobiografia de Ibn Khaldun (1332-1406), da autora Elaine Cristina Senko finaliza a seção de artigos livres. O historiador medieval Abu Zaid Abd’ul-Rahman Ibn Khaldun (732-806 H. / 1332-1406 J.C.) revela por meio de sua Autobiografia (parte integrante da Muqaddimah) que seus antepassados teriam origem sevilhana. Nesse contexto do outono da Idade Média se faz pertinente discutir as formas de migração dos muçulmanos de grande parte de AlAndaluz por iniciativas da Reconquista cristã, em que Fernando III (1217-1252 J.C.), filho de Afonso IX rei da Galícia, era o perpetrador indireto da fuga da família Khaldun para a região de Túnis. Essa análise torna primordial, pois que a atuação de muçulmanos em cargos dos governos de Al-Andaluz se apresenta por meio dessa família. Nesta perspectiva, a o artigo demonstra a participação dos antepassados de Ibn Khaldun em cargos específicos e como esses personagens interferiram na maneira de pensar desse erudito.

Em memória ao historiador e indigenista Antonio Jacó Brand, que faleceu no dia 03 de julho de 2012, em Porto Alegre / RS, republicamos a entrevista do pesquisador concedida a REHR, no ano de 2009, em sua VI Edição. A notícia de seu falecimento foi recebida com muita tristeza pelos familiares, amigos e aqueles que conheciam os trabalhos desenvolvidos por Brand, sobretudo, em defesa das populações indígenas. Para além de pesquisador, Brand foi um lutador da causa indígena, atuando junto aos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, estado em que viveu aproximadamente 30 anos. A dor da perda é enorme, mas as contribuições intelectuais de Brand, sua militância e ensinamentos vivem.

A XI Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão ainda oferece aos leitores duas resenhas. Pedro Paulo Abreu Funari resenha o livro Nazi Germany and the Jews, 1933-1945, do autor Saul Friedländer. A outra resenha é de Daniel Rincon Caires, que resenhou o livro (Des)medidos – A revolta dos quebra-quilos (1874-1876), da autora María Verónica Secreto.

Desejamos uma agradável e proveitosa leitura dos textos publicados. Agradecemos pela credibilidade confiada e que os trabalhos da XI Edição da REHR possam nos instigar a percorrer os caminhos e descaminhos da História.

Fabiano Coelho,

Bruno Mendes Tulux

Anatólio Medeiros Arce

(Editores)

Dourados / MS, Inverno de 2012.


ARCE, Anatólio Medeiros; COELHO, Fabiano; TULUX, Bruno Mendes. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 6, n. 11, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Paisagem Cultural: uma contribuição ao debate histórico / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2011

O conselho editorial da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR) tem o prazer de apresentar a sua X Edição (Jul / Dez de 2011), com o dossiê “Paisagem Cultural: uma contribuição ao debate histórico”. O conceito de Paisagem Cultural, compreendido a partir da Convenção da UNESCO de 1972, foi concebido para responder à crescente complexidade da sociedade contemporânea e a velocidade cada vez maior dos processos sociais econômicos e culturais. Para que a Paisagem Cultural se configure, esses fatores devem guardar uma relação complementar entre si, capaz de estabelecer uma identidade comum aos membros de uma mesma comunidade. Mesmo que a palavra “Paisagem” isoladamente encerra necessariamente uma dimensão territorial e uma dimensão natural. A Paisagem Cultural, não pode deixar ser uma paisagem natural fortemente humanizada e de elevado valor cultural.

Como não poderia ser diferente, a Paisagem Cultural, passa a ser também estudada e a dialogar com o Campo da História e da Historiografia. Nesse sentido, o objetivo desse dossiê é aproximar os objetos de estudo sobre paisagem cultural e a História. Assim são ricos os elementos que permeiam os artigos desse número da revista, como: como patrimônio, identidade, representação, entre outros. Os quais se encontram na ordem do dia em muitos dos trabalhos e das pesquisas no Campo Historiográfico. Abaixo seguem os trabalhos que constituem a X edição da Revista Eletrônica História em Reflexão.

O artigo que inicia o rol de textos do dossiê é de autoria de Amilcar Guidolim Vitor e de Julio Ricardo Quevedo dos Santos intitulado A construção social do patrimônio cultural através do processo de representações sociais. O trabalho aborda a influência do processo de produção de representações sociais na construção social do patrimônio cultural em relação ao Memorial Coluna Prestes, presente no município de Santo Ângelo do Estado do Rio Grande do Sul. Os autores procuraram verificar os interesses de grupos sociais conforme as representações criadas deste espaço de memória.

A seguir temos Concepções de cultura e etnia ucraniana, escrita por Janio Rodrigues, José Adilson Campigoto e Antônio Paulo Benatte. No artigo os autores tratam sobre a concepção de cultura e sua ampla utilização no âmbito da produção historiográfica em relação ao fenômeno da imigração ucraniana para o Estado do Paraná. De acordo com esse trabalho a forte presença ucraniana no Paraná, com seus falando a mesma língua, tendo a mesma região como lugar de origem e reconhecendo-se como grupo devido a várias práticas comuns, gerou um saber que chamaremos de discurso da etnicidade ucraniana.

Em Pantanal Sul mato-grossense a partir da construção poética de Manoel de Barros no Livro de pré-coisas (1985), Fernanda Martins da Silva discute sobre as características estéticas e identitárias do Livro de pré-coisas: roteiro para uma excursão poética no Pantanal (2003) de Manoel de Barros, escrito em 1985. Nesse artigo, a autora visou refletir sobre a apropriação do poeta em relação aos elementos pantaneiros ao transfigurá-los em poesia.

Já Carlos Almir Matias tem por objetivo refletir sobre a imagem apresentada no Evangelho de Judas, sobre a figura de Judas Iscariotes e dos doze discípulos. Em seu artigo intitulado A representação de judas e dos doze apóstolos no evangelho de Judas, o autor parte da hipótese de que esse evangelho faz uma alegoria apresentando Judas como o arquétipo do homem gnóstico perfeito, e que sofre perseguições por causa disso, enquanto que, os outros discípulos representariam a ala proto-ortodoxa da igreja.

O próximo trabalho foi elaborado por Tiago de Jesus Vieira cujo título Uma outra historiografia do punk fecha o rol de artigos do dossiê. Nesse texto o autor buscou estabelecer um outro balanço historiográfico acerca da temática punk que possa contribuir como complemento para a análise já existente da historiadora Ivone Gallo. Além disso, o autor discorre sobre diferenças entre os distintos grupos punks brasileiros.

Em seguida publicamos seis trabalhos da seção de artigos livres os quais enriqueceram a publicação da décima edição da revista. De início temos Articulação entre o pensamento foucaltiano e a Nouvelle Histoire: ressonâncias entre genealogia e historiografia, de autoria de Lucas de Almeida Pereira. Nesse artigo, o autor reflete sobre a relação dos Annales e o referencial teórico proposto por Michel Foucault. As discussões realizadas em seu texto se pauta no diálogo ocorrido nos anos 1970 entre os historiadores da nouvelle histoire e Foucault, buscando evidenciar o impacto deste diálogo na constituição da genealogia, modelo de análise histórico-filosófico desenvolvido pelo pensador.

Luciana Porto da Silva e Taíse Tatiana Porto da Silva apresentam o artigo Participação social nas conferências nacionais de Direitos Humanos: análise dos anos iniciais da gestão FHC e gestão Lula (1995-1996 / 2003-2004). De maneira geral, o texto uma análise da participação social nas políticas públicas de direitos humanos. Para tanto as autoras utilizam-se da I Conferência Nacional de Direitos Humanos, que ocorreu durante a gestão governamental de Fernando Henrique Cardoso. Do mesmo modo, são analisadas as medidas que dariam prosseguimento ao funcionamento dos órgãos instituídos e a realização da IX Conferência Nacional de Direitos Humanos, sob a gestão do governo Lula. Assim, verificam o processo participativo no Estado como política descentralizadora para o favorecimento da interlocução entre governo e sociedade civil.

O trabalho História e ficção no romance O Mulato de Aluísio de Azevedo: aspectos das relações “raciais” em São Luís do Maranhão na segunda metade do século XIX, cujo autor é Daniel Precioso reflete sobre a leitura histórica do romance O Mulato. Neste sentido, o objetivo do trabalho é dialogar com abordagens que o tomaram como documento, procurando entender como seus estudiosos lhe conferiram historicidade, sobretudo no que diz respeito à discussão das relações raciais em São Luís do Maranhão na segunda metade do século XIX.

Em Pela condução da ação política operária em Manaus: disputas entre os jornais Vida Operária e O Extremo Norte Luciano Everton Costa Teles discorre sobre dois jornais operários que veicularam em 1920. O objetivo central do artigo é caracterizar e diferenciar as propostas de condução política operária presentes nos jornais, pois tratavam-se de um espaço onde encontravam-se os ideais dos trabalhadores.

As eleições e o jornal O Progresso: estratégias discursivas (1954, 1958 e 1962) escrito por Fernando de Castro procura demonstrar as estratégias de Weimar Torres – político em Dourados pelo PSD, figura destacada na sociedade local –, e seu grupo político, na tentativa de conquista do poder na cidade localizada no sul do estado do Mato Grosso, utilizando como instrumento o periódico O Progresso, dirigido por ele. São analisados os discursos construídos pelo jornal durante as eleições de 1954, 1958 e 1962, com Weimar Torres e o PSD local usando as páginas do periódico para buscar alianças, propagandear as candidaturas do partido e criticar adversários.

O anticomunismo e a esquerda militar no Brasil: uma análise historiográfica de Carlos Henrique Lopes Pimentel, propõe um debate historiográfico sobre as práticas anticomunistas nas Forças Armadas Brasileiras e a existência de uma esquerda militar no país. Tal perspectiva baseia-se no entendimento que estas temáticas estão intimamente ligadas e se constituem como alicerces para a compreensão de importantes episódios da história republicana do Brasil, como os regimes de exceção de 1935-1937 e de 1964-1985, apesar de terem sido marginalizadas nos estudos históricos. Assim, a análise do autor se pauta em diversas obras, buscando o entendimento de seu tema.

O artigo de Roberto Mauro da Silva Fernandes fecha a seção de artigos livres. Em A Guerra do Paraguai: um evento que se originou devido ao segundo ciclo de Kondratieff de 1843 a 1896 o autor procurou compreender a relação dos ciclos sistêmicos da economia mundial e os ciclos de guerra com a Guerra do Paraguai. Conforme o autor, o estudo desses ciclos pode contribuir para se entender o conflito platino e qualquer processo conjuntural que leve a uma reviravolta na ordem política, social e geopolítica.

Ao finalizar essa edição trouxemos a resenha do livro O poder da arte de Simon Schama, elaborada pelo doutorando em história André Cabral Honor

O Conselho Consultivo e Editorial traz a público mais uma edição preparada com muito afinco a fim de colaborar com as reflexões que envolvem o conhecimento histórico. Desejamos uma boa leitura a todos!

Cássio Knapp

Fernanda Chaves de Andrade

Dourados Verão de 2011


ANDRADE, Fernanda Chaves de; KNAPP, Cássio. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 5, n.10, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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História Política e Política na História / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2011

Dando continuidade em mais um ano de trabalho, a revista História em Reflexão (REHR) traz novos debates acadêmicos para o campo da História e Historiografia. Com muita satisfação o conselho editorial e consultivo apresenta, a você leitor e pesquisador da área, a IX edição da revista com seu dossiê “História Política e Política na História”. Referente ao período de janeiro-junho de 2011, a mais nova edição vem oferecer um panorama sobre a pesquisa histórica no Brasil, sobretudo em Mato Grosso do Sul e região, tendo como principal foco a aproximação entre academia e sociedade.

A fim de incentivar a produção acadêmica sobre a História em diversos sentidos, o objetivo da revista é oferecer subsídios básicos para futuras pesquisas na área, bem como oportunizar aos profissionais da História o acesso a debates acadêmicos atuais. Como um instrumento importante de divulgação do saber científico, a revista evidencia produções relevantes que podem servir de complementação aos temas trabalhados pelos docentes, tanto no que diz respeito ao ensino básico quanto à graduação.

A temática do dossiê dessa edição, foi escolhida de modo que respeitasse a discussão sobre a transformação na maneira de se pensar a política na História, em conseqüência do processo de reorientação metodológica de escrita. O dossiê História Política e Política na História, têm como proposta colaborar com os estudos sobre a postura teórica e metodológica que envolve as pesquisas a respeito do tema, bem como o intuito de oferecer novas e surpreendentes narrativas históricas, frutos de pesquisas realizadas em âmbito da graduação e pós-graduação. São Histórias que relatam os modos de vida dos sujeitos, em uma incessante busca pela sobrevivência que manifestam suas razões: social, cultural e política. Marcam um terreno de dissonâncias e harmonias, em que os sujeitos são levados a buscarem diversas formas de adaptações e resistências, nem sempre pacíficas, para a convivência social.

Uma série de desdobramentos – sociais, políticos, filosóficos e culturais –, permitiu repensar a escrita da História. Uma dinâmica diferenciada em seu processo de produção, fez brotar novos questionamentos para sua composição. Desde a segunda década do século XX, a preocupação com a escrita da História marcou época no cenário da produção do conhecimento histórico. Nesse movimento, segundo Peter Burke, se firmou uma historiografia comprometida com o combate aos ídolos da História, qual seja: o ídolo político, individual e cronológico. Michelet e Burckhardt, antes da atuação da escola dos annales, criticavam o historicismo alemão de Ranke, fornecendo, em certa medida, a base para a fundação da corrente historiográfica dos annales.

A crítica a História Política, direcionada por Marc Bloch e outros estudiosos de sua época, desenvolveu, portanto, uma postura diferenciada diante da análise do passado. Vale dizer que o empenho desses intelectuais, na luta por uma História problema, desconsiderava a forma como foi conduzida a produção do conhecimento histórico, que entendia a sociedade a partir dos grandes eventos. Os personagens que ganharam vulto na História, eram tidos como figuras representativas de uma complexa teia de relações sociais. Deixada de lado, a camada considerada inferior da sociedade, homens e mulheres comuns, na grande maioria dos estudos históricos de até então, não faziam parte do movimento social. As grandes batalhas, os grandes feitos, eram apontados como parte da supremacia intelectual dos dirigentes do poder, criando assim uma espécie de representação benéfica do sistema política de cada governante. Dessa forma, a História Política se estabelecia com primazia na análise historiográfica, a serviço da criação dos Estados Nacionais a partir do Século XVIII.

Assim, a História era vista como ciência que analisava os processos políticos de uma nação, reino, ou mesmo de uma determinada região. Na ousada frase vitoriana de Sir Jhon Seeley, catedrático de História em Cambridge, “História é a política passada: política é a História presente”. Isso significava para o historiador contar a história apenas das vestes dos reis e não dos camponeses, tão pouco da participação das pessoas comuns em processos históricos, que foram palco de profundas transformações na sociedade ocidental.

Nessa medida, a crítica estabelecida a partir do início do século XX, destacou a insuficiência de se pensar a História pelo prisma positivista. Foi esse o gtande questionamento realizado pelos historiadores desse movimento intelectual, constatando os problemas de olhar para a história da humanidade dessa forma. Postura adotada e sistematizada a partir de 1929 com a fundação da revista dos annales.

O retorno à análise da História Política – expressão cunhada a partir das décadas finais do século XX –, pode ser entendido como a antítese do modo como a História foi estabelecida antes da crítica levantada pela escola dos annales. Com divulgada expressão, mais ou menos, nas décadas de 1950 e 1960, a partir de alguns estudos, principalmente, dinamizados pela new left review, a sociedade presenciou uma nova forma de se explicar as relações sociais e políticas na história da humanidade. A revista apresentou um entendimento sobre o ser humano em sua complexidade, sujeito dotado de consciência e cultura em seu processo político de lutas sociais. Thompson e Hobsbawm, tiveram grande importância na divulgação dos ideais da revista que propôs, acima de tudo, entender o marxismo de outra maneira, na tentativa de não cair em uma análise estrutural da sociedade. Iniciava-se em meados do século XX, os pressupostos fundamentais para propor uma análise sobre a função política nas relações sociais.

Já nas décadas de 1970 e 1980, se apelava para uma História vista de baixo, preocupada com setores da sociedade deixados de lado na análise historiográfica. A história vista de baixo, em desuso hoje em dia, ganhou fôlego como resposta as imposições historiográficas estruturais e como um meio de mostrar a importância das pessoas comuns na História. Nesse sentido, entender a História política tendo como ponto de partida a história vista de baixo, significava analisar os mecanismos de produção das lutas político-sociais.

Embora como filha do seu tempo, a história vista de baixo acabou oferecendo uma ferramenta de análise importante para História Política, qual seja: entender a organização das lutas das classes pobres na história. Revelou pesquisas voltadas para um universo fora da representação da classe dominante. No entanto, a produção das idéias políticas da camada dominante passaram a ser vistas como parte integrante do emaranhado que compõem os processos históricos desse campo, e não como primordial para compreender as relações humanas e processos decisórios. A História Política é entendida, portanto, como expressão social de determinados grupos e não apenas em sentido político partidário, ou mesmo no plano da atuação do Estado nas vidas dos sujeitos. Processos sociais marcam a atuação de pessoas comuns na história, e a política ganha característica de organização de: luta, resistência, avanço e retirada. Enfim, a seguir seguem os trabalhos que compões a IX edição da Revista Eletrônica História em Reflexão.

O artigo que inicia o dossiê Integralismo: o fascismo brasileiro em Santa Catarina produzido pelo Dr. João Henrique Zanelatto, é analisado o contexto sócio-político de instalação do Integralismo em Santa Catarina, a sua organização nos municípios catarinenses, a constituição dos núcleos e sub-núcleos. Assim, a partir da expansão do fascismo brasileiro no Estado catarinense o autor analisa a sua influência em determinado espaço levando em consideração a atuação da imprensa e da Ação Integralista Brasileira (AIB).

O texto de Ludimila Gomides Freitas, Jogos Políticos por índio e mercês: as negociações da Câmara Municipal de São Paulo no século XVII, é tratado as relações dos paulistas camaristas e suas relações com diversas autoridades da colônia portuguesa onde hoje temos o território brasileiro. Por meio dessas relações os integrantes da Câmara paulistas puderam escravizar indígenas e receber mercês régias. A autora menciona que a Câmarara Municipal de São Paulo foi utilizada como instrumento político a fim de garantir o regime compulsório de trabalho. Outro fator citado no texto são as instabilidades políticas, sobretudo no nordeste, nas quais os paulistas foram requisitados para auxiliar a elite do nordeste a fim de auxiliar nos confrontos locais, fazendo com que alguns de seus interesses fossem atendidos.

O mestrando Bruno Silva de Souza traz para o dossiê da REHR o texto: A fé e a razão: antimaquiavelismo e Buena Razón de Estado no pensamento político espanhol do século XVII. Em seu artigo o autor relaciona dois campos em seu objeto de estudo: o religioso e o político, a fim de enriquecer a sua análise. Souza traz uma alternativa oposta do pensamento de Maquiavel, a qual questiona a teoria da secularização. A fim de discutir a questão, coloca-se em evidência o papel estruturante desempenhado pela fé católica no pensamento político espanhol do século XVII, analisando o ponto de vista de um militar que serviu a corte de Felipe IV que defendia a razão submissa do Estado a fé católica.

Já o artigo As reformas políticas e econômicas neoliberais no Brasil nas décadas de 1980 e 1990 elaborado por Fábio Luciano Oliveira Costa, mestrando em Educação, trata das reformas políticas neoliberais desde o final do regime militar até os anos de 1990. Na sua análise, o autor inicia tratando da preparação do regime militar para abarcar tais reformas a fim de ter a legitimação da população brasileira. A seguir o autor discute as reformas no contexto da década de 1990, que tiveram como atores o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), e amparo dos acordos firmados do Consenso de Washington (1989). Em último lugar o autor vem argumentar a influência do neoliberalismo como forma de imperialismo exercida pelos países desenvolvidos, os quais, conforme o autor, são os únicos benefeciados das reformas existentes.

O trabalho de Leandro Araújo Crestani intitulado O surgimento do inimigo interno: Ditadura Militar no Brasil (1964 a 1985) traz a público outra produção que colabora com o dossiê desse semestre. Nesse artigo, Cristani vem tratar dos aparelhos repressivos da ditadura militar como a Doutrina de Segurança Nacional e a o Serviço Nacional de Informações, criados a fim de garantir a denominada “Segurança Interna”. No seu trabalho o autor buscou investigar as origens do golpe militar por meio de um estudo da Arquidiocese de São Paulo, buscando através de fontes e bibliografias o nascimento do poder coercitivo dos militares envolvidos nas teias do poder administrativo federal.

Em Uma visão da Revolução Cubana diante do ensino brasileiro de Raymond Willians o autor Caio Dias de Brito vem analisar quatro livros didáticos e sua forma pedagógico-ideológica da apresentação do conteúdo e a visão do autor do trabalho. A fim de dar maior colaboração para a discussão, Brito traz três conceitos do sociólogo galês Raymond Williams (Ideologia, Hegemonia e Tradição Seletiva). Autores como Mario Schmidt, Elza Nadai, Joana Neves, Carlos Guilherme Mota, Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo, são colocados no cenário deste trabalho.

Everton Demetrio publica nessa edição o artigo História Política e ficcção: Veredas de tradição e modernidade no sertão rosiano. Nesse trabalho o autor tem por objetivo analisar um episódio do livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, especificamente, o caso do julgamento de Zé Bebelo, tratando-o como alegoria de momento singular da história republicana nacional. Em seu estudo Demetrio vem refletir através da literatura Grande Sertão: Veredas a confrontação entre o urbano e o rural e aspectos ligados a convulsões políticos institucionais presentes na passagem do regime imperial para o republicano. De todo modo, o autor traz em cena a delicada análise que se utiliza da literatura para se compreender aspectos do processo histórico.

O texto de Rosangela Baida e de Cándida Graciela Arguello Chamorro iniciam a sessão de artigos livros da IX edição da REHR. Esse trabalho é resultante de um estudo bibliográfico e de análise de fontes que discorrem a respeito de doenças que afetaram os povos indígenas da costa do Brasil, nos primeiros séculos da colonização. Em primeiro lugar as autoras descrevem as doenças as quais muitas eram epidêmicas. A seguir, foi considerado as etiologias das enfermidades ocidentais. A partir de alguns resultados, Baida e Chamorro verificaram que juntamente entendimentos científicos a respeito das doenças, esteve presente a compreensão mítico-religiosa entre os missionários e outros agentes civilizadores. De maneira geral, as autoras concluem que os dados obtidos na pesquisa serão de muito proveito para o estudo das doenças nos povos indígenas guarani falantes dos séculos XVI e XVII.

Kalhil Gibran Melo de Lucena e Maria Ângela de Faria Grillo são os autores de O uso de uma linguagem popular nas aulas de História: as representações da República Velha nos folhetos de Cordel. Nessa produção, os Lucena e Grillo compreendem a história da República Velha por meio da literatura de cordel possibilitando um olhar diferente do período. Para além disso, os autores propõem a utilização da literatura de cordel como um meio didático-pedagógico a ser empregado na sala de aula. Através dessa ferramenta, é proposto instigar os debates de modo reflexivo, por meio da musicabilidade das rimas e versos desse tipo de literatura, fazendo com que o aprendizado seja visto de maneira prazerosa aos olhos dos educandos.

A seguir está o trabalho do Mestre Ademar Alves da Silva, intitulado Os Batistas no contexto do protestantismo brasileiro discorre a respeito da implantação da Igreja Batista no Brasil. Para tanto o autor faz uma reflexão a respeito das Igrejas Protestantes no período colonial e após a independência. Ao longo do texto o autor disserta a respeito dos aspectos doutrinários da Igreja Batista e, ao concluir sua discussão, menciona que, em geral, os aspectos doutrinários dificilmente se modificam em seus conceitos, havendo também aquelas que são filiadas a CNBB, as quais não seguem os mesmos moldes.

Gelise Cristine Ponce Martins é autora de As relações cotidianas de uma família de cafeicultores nas memórias de Braz Ponce Martins (1897-1943). O trabalho trata da história de vida de Braz Ponce Martins, o qual foi filho de imigrantes espanhóis e cafeicultor, que teve sua vida relatada na autobiografia Memorial de um século de cafeicultores. Para facilitar a metodologia de seu trabalho a autora delecionou a história de sua origem e de sua infância, levando em consideração o contexto histórico, o qual remonta à imigração espanhola para São Paulo e à colonização do norte do Paraná. Percebe-se que Gelise C. P. Martins levou em consideração aspectos importantes para análise de uma análise biográfica: entender uma memória individual que se apóia na memória coletiva, tratando das narrativas históricas de cafeicultores da primeira metade do século XX.

Em Análise do nível de desenvolvimento socioeconômico do Estado de Mato Grosso do Sul o graduado Ricardo Fernandes Santos e a Professora Doutora Madalena Maria Schlindwein traz um estudo econômico que compara o desenvolvimento sul-mato-grossense com a média da região Centro-Oeste. Para facilitar a análise os autores utilizaram dados como: índice de natalidade, de mortalidade bruta e infantil, de Desenvolvimento Humano, taxa de fecundidade, de alfabetização, PIB (Produto Interno Bruto) per capita, entre outros. Alguns apontamentos de Santos e Schlindwein indicam que Mato Grosso do Sul têm o segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano da região. Porém, outros resultados referentes a indicadores econômicos citados no artigo apontam alguns aspectos não tão favoráveis.

A mestranda Ana Paula Menezes publica o artigo Colônia Agrícola Nacional de Dourados-História Memória: considerações acerca da construção de uma memória oficial sobre a CAND na região da Grande Dourados. O texto faz referência da implantação da CAND, um dos projetos do Estado Novo fruto do projeto político Marcha para Oeste. Conforme a autora a CAND teve grande repercussão devido ao desenvolvimento que possibilitou à região, o que lhe garantiu destaque na memória coletiva da mesma. Outro aspecto tratado no texto é a construção de uma memória oficial em torno da colônia que colaborou, de certa forma, para encobrir o mais simples e genérico significado da CAND na região de Dourados, atual Estado de Mato Grosso do Sul.

O próximo artigo livre Leitores eu vou contar, um caso impressionante, uma cena muito triste, e um crime horripilante: crimes e representações nos folhetos de cordel do Pará na primeira metade do século XX, de Geraldo Magella de Menezes Neto, analisa através de folhetos de cordel os diversos olhares e significados não só a respeito de crimes, mas também dos atores envolvidos. Conforme o autor desse trabalho o relato dos em poemas de cordel era comum e bem recebido em Belém do Pará na primeira metade do século XX. De acordo com Menezes, através de peculiar literatura, os poetas atribuíram valores aos criminosos e as vítimas, fatores discutidos ao longo do texto.

O graduando em economia Rafael Venturini Trindade nos traz o artigo A modernidade brasileira segundo Buarque de Holanda, o qual discute a evolução da sociedade nacional sob o olhar de Sérgio e Chico Buarque de Holanda. Para tanto, Trindade utilizou duas obras: Raízes do Brasil (1936) e Leite Derramado (2009). De acordo com o autor, principalmente em relação a Sérgio Buarque de Holanda, o trabalhos de alguns autores tratam as especificidades e angústias que comportam seu tempo.

O artigo da mestranda Rachel Gomes de Lima Contribuição a História da Freguesia de Inhaúma: Elites, Usos E Formas de Apropriação das Terras, Relações Sociais e Econômicas encerra a sessão de artigos livres dessa edição. Nesse trabalho Lima analisa as relações sociais e econômicas nas elites agrárias da freguesia rural de São Tiago de Inhaúma durante o século XIX. A partir das influências econômicas do período, a autora trata de fatores ligados a propriedades e uso da terra. O contexto histórico do Rio de Janeiro entre o final do século XVIII e primeira metade do XIX é levado em consideração para inserir São Tiago de Inhaúma no estudo.

A seguir a REHR apresenta três resenhas, sendo a primeira do livro O historiador e seu tempo: encontros com a história organizado por Tânia Regina de Luca, Antonio Celso Ferreira e Hollien Gonçalves Bezerra, a qual foi produzida por Diogo da Silva Roriz. A segunda O Crime do Restaurante Chinês – Carnaval, Futebol e Justiça na São Paulo dos anos de 1930 de Boris Fausto, resenhada por Daniel Rincón Caíres. E a terceira de Rute Guimarães Torres, A natureza dos rios: história, memória e territórios. Organizada por Gilmar Arruda.

Para finalizar essa edição trouxemos uma expressiva entrevista com o Padre Bartolomeu Meliá, expoente colaborador da Antropologia e História Indígena. A intenção do Conselho Editorial da revista é que a publicação das assertivas de Meliá, tragam novas reflexões para as pesquisas que integram o emaranhado histórico e antropológico indígena.

O Conselho Consultivo e Editorial lança mão de mais uma edição preparada com muito empenho pelo grupo que a compõe. Tenham uma boa leitura!

Cássio Knapp

Fernanda Chaves de Andrade

Diógenes Egidio Cariaga

Juliano Alves da Silva

(Editores)

Dourados-MS, Inverno de 2011.


ANDRADE, Fernanda Chaves de; CARIAGA, Diógenes Egidio; KNAPP, Cássio; SILVA, Juliano Alves da. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.5, n.9, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]

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História e Mídia / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2010

O Conselho Editorial e Consultivo da Revista História em Reflexão (REHR) apresenta para seus leitores a VIII Edição do periódico eletrônico. A temática do dossiê dessa edição, foi escolhida devido à crescente produção que envolve o uso das mídias, seja como objeto ou fonte de investigação histórica. Com imensa satisfação publicamos o dossiê História e Mídia, a fim de colaborar com as discussões dos historiadores acerca da utilização da imprensa na pesquisa histórica, assim como enriquecer o conhecimento acerca do tema.

Ao idealizarmos esse dossiê levamos em consideração a crescente produção acadêmica que se utiliza a imprensa como fonte e objeto de pesquisa. Além disso, tomamos como referência a crescente influência da mídia no cotidiano das sociedades, já que se utiliza de uma estratégia que procura inserir nas publicações o que é ansiado pelo seu público. A respeito desse aspecto, Robert Darton menciona em O Beijo de LamouretteMídia, Cultura e Revolução que devemos escrever para “imagens de pessoas”, as mais leigas possíveis (1990, p.71). Assim, entendemos a mídia como portadora de um discurso ideológico pelo qual procura influenciar os discursos, propondo representações carregadas de aspectos simbólicos. O fato das publicações dos diversos veículos da mídia se apresentar cada vez mais acessíveis, fez com que o mundo midiático fosse parte inerente do convívio diário humano.

Na historiografia brasileira que discute a imprensa, temos diversos autores e autoras que apresentaram propostas de metodologias que, sem dúvida, auxiliaram muitos dos trabalhos publicados nesse dossiê da REHR, são eles: Tânia Regina de Luca, Maria Helena R. Capelato, Nelson Werneck Sodré, entre outros. Tais autores apresentaram várias maneiras de se pensar historicamente, especificamente, a mídia imprensa. Destacam-se as colocações de De Luca ao considerar o fazer história “dos nos e por meios dos periódicos” através de um texto que merece a atenção dos historiadores, que foi publicado no livro Fontes Históricas organizado por Carla Bassanezi Pinsky (2005). De forma geral, as discussões acerca do universo midiático são muito amplas, dessa maneira a REHR procurou colaborar e apresentar textos que enriquecem tal historiografia.

Na atualidade, percebe-se um crescente aumento de trabalhos ligados à mídia considerada de “massas” como a televisão, rádio, Internet, por exemplo. No Brasil a popularização da mídia no final do século XX e início do XXI, fez com que muitos historiadores ligados à programas de pós-graduação se debruçarem à discussão acerca da cybercultura e do cyberespaço. Em geral, esses termos da atualidade apresentam a emergência de novos espaços de sociabilidade de um ambiente virtual que, com esse tipo de mídia cada vez mais próxima da população, anunciam um tempo em que a Internet permanece inerente ao convívio social de muitos. De certa maneira, assim como outros meios de comunicação, o ambiente virtual têm a Internet como um objeto que vem merecendo atenção dos historiadores, seja pelo apelo ao consumo que possui ou por ser uma ferramenta que auxilia e coloca o internauta em outra esfera de relacionamento humano.

A respeito do dossiê desse semestre (julho- dezembro / 2010) informamos que está repleto de artigos relacionados ao “universo da mídia”, além daqueles norteados por temas livres. A somar, resenhas e uma entrevista são apresentadas também nessa edição. De início temos o artigo Quantas grafias compõem a historiografia? Multimídia e novas linguagens em História de Genaro Vilanova Miranda de Oliveira, o qual cita que as mídias audiovisuais e sonoras que ainda não têm a atenção que merece da historiografia. Conforme o autor seus questionamentos estão centrados na possibilidade de pesquisadores, professores e alunos de História escreverem a partir de “alfabetos” baseados em sons e imagens e não apenas em textos de arquivos. Em um estudo que chama atenção, apresenta-se um método não convencional de escrita, a historiomidiografia. Através de uma proposta metodológica Oliveira propõe o uso de editores de imagem, de som e de ferramentas de Web design para ampliar as formas de narrar à disciplina histórica.

Em a Imprensa e Política no Brasil: considerações sobre o uso do jornal como fonte de pesquisa histórica, Márcia Pereira da Silva e Gilmara Yoshihara Franco discutem a utilização da imprensa como fonte de pesquisa focando as análises do político. As autoras colocam a imprensa como fenômeno da modernidade situando historicamente o advento da mídia imprensa no contexto brasileiro. Dessa forma, são analisados especificamente os jornais utilizando uma abordagem bibliográfica que pretende auxiliar àqueles que se iniciam na escrita histórica.

O trabalho Escrita histórica e escrita midiática: a produção de sentidos históricos e o acontecimento emblemático contemporâneo produzido por Sônia Meneses também compõe esse rol de artigos. Através desse estudo Meneses problematiza entre outros fatores os conhecimentos e acontecimentos históricos do mundo contemporâneo conforme as relações história e mídia. Dessa forma, a autora discute a influência da mídia no processo histórico, relacionando a formação e a relação do acontecimento midiático com o acontecimento histórico.

O trabalho de Juliana dos Santos Pereira e Fabiano Coelho Considerações sobre o “milagre econômico” brasileiro na imprensa douradense (1970-1973) se utiliza do campo político para analisar o discurso da imprensa da cidade de Dourados do atual Mato Grosso do Sul acerca do “milagre econômico”. Dessa forma, os autores apresentam o comportamento do periódico Folha de Dourados diante de um fenômeno que conheceu o surto desenvolvimentista do setor industrial e de sua infra-estrutura. De modo geral, o estudo procura analisar as representações do impresso diante as ações do Estado.

Diego Abelino José Maximo Moreira traz seu artigo O começo do rádio no antigo sul de Mato Grosso: instalação das primeiras empresas e seus objetivos (1930-1970). Nesse trabalho, Maximo analisa a instalação de emissoras de rádio nas seguintes cidades do atual Mato Grosso do Sul: Corumbá, Dourados, e Campo Grande. O autor leu em consideração a origem, capital e dificuldades enfrentadas pelas empresas. Conforme as colocações contidas no texto os proprietários eram de diversas localidades, localizados até mesmo fora do Estado de Mato Grosso.

No que se refere ao artigo A construção fílmica do passado: imagens e narrativas do movimento belicista de 1930, André Luiz dos Santos Franco discute sobre as representação fílmica contida em “Revolução de 1930” de autoria e direção de Silvio Back. O filme remonta ao ano de 1980, cinqüenta anos após o movimento civil militar que, através de um golpe, colocou no poder Getúlio Vargas. De acordo com o autor, o processo histórico onde se localiza o conflito serve de objeto para que o historiador possa compreender os métodos e técnicas utilizadas para originar a representação fílmica.

A seguir apresentamos aos leitores a sessão de Artigos livres dessa edição da REHR, iniciamos com o trabalho de Miguel Pacífico Filho Consenso, anacronismo e violência: a historiografia brasileira sobre a escravidão, que procura colocar em primeiro lugar fatores sobre a historiografia que versa sobre a escravidão, a partir de um confronto entre formulações que possuem sua base no consenso e aquele que considera a violência entre senhores e escravos como sendo plausível. Sendo assim, o autor salienta como tais debates se fundamentaram sob argumentos de anacronismo. Para além de tais questões elucidadas no texto, o autor expõe apontamentos mencionando alguns fatores que demonstra que tais debates extrapolam o universo acadêmico, situando por fim, o seu trabalho de doutoramento na discussão.

Luciano Demetrius Barbosa Lima apresenta o artigo Entre Cabanos e plebeus: a presença da história clássica romana na obra Motins Políticos. O autor toma como referência o livro Motins Políticos ou história dos principais acontecimentos políticos na Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835 do historiador Domingos Antônio Raiol, para abordar questionamentos acerca da utilização por intelectuais brasileiros do século XIX, de fatores ligados à sociedade greco-romana. Lima através de seu estudo percebe tais referências em meio a uma descrição de conflitos políticos-sociais do Pará no texto de Raiol. O autor trata as menções à história Greco-romana a partir da noção de representação.

O artigo de Eder da Silva Silveira Estudo de caso e micro-história: distanciamentos, características e aproximações busca refletir sobre duas modalidades de pesquisa: o Estudo de Caso e a Micro-História. Atravéz de seu estudo o autor objetiva sinalizar algumas das principais características, distanciamentos, relações e aproximações entre Estudo de Caso e Micro-história.

No texto História Oral, Memória, História de Rodolfo Fiorucci sobre o uso da história oral e as publicações acerca da memória na trajetória epistemológica da disciplina histórica. No decorrer de seu texto Fiorucci faz uma breve explanação referente ao uso da história oral no Brasil e, além disso, trata dos métodos e teorias dessa vertente historiográfica.

O artigo do historiador José Costa D’Assunção Barros cujo título A escola dos Annales: considerações sobre a História do Movimento faz uma análise acerca do movimento dos Annales e suas respectivas fases que o compõe. Ao levar em consideração a sua importância para a historiografia, Barros trata de aspectos específicos que versam sobre a identidade dos Annales quanto um movimento. Desse modo, são analisados fatores ligados a interdisciplinaridade, a problematização da História, e as novas proposições nas formas de conceber o Tempo. Conforme esse entendimento o autor situa a discussão levando em consideração os novos rumos do saber histórico promovido pelos intelectuais ligados às fases tal movimento.

Rodrigo Machado da Silva apresenta o artigo Nas páginas descritivas do passado: a escrita da história como discurso para a civilização que traz um estudo sobre o que o intelectual mineiro Diogo de Vasconcellos discute a respeito da função e concepção de História. Através de livros de tal autor, como História Antiga Média de Minas Gerais Rodrigo M. da Silva analisa a construção e recepção da narrativa histórica na produção desse intelectual. Outro ponto abordado é aquele onde o autor do artigo analisa, é sobre a retórica utilizada para inserir Minas Gerais no que o estudioso mineiro tange como “ápice da civilização ocidental” durante o limiar do período republicano brasileiro.

Breno Mendes publica na presente revista uma análise cujo título Nossa (cordial) Revolução: o legado dos desterrados em sua própria terra remonta sua análise em algumas questões referendadas por Sérgio Buarque de Holanda que tiveram relevo na historiografia brasileira. Ao tratar de um tema que vincula esse historiador de renome, Mendes aborda de duas categorias referidas por Holanda: “cordialidade” e “nossa revolução”. O autor propõe analisar nesse texto o lugar social de Raízes do Brasil e na tentativa colocada pelo autor de uma “superação do passado”. Em linhas finais, o autor articulação entre conceitos que foram propostos por R. Koselleck e F. Nietzsche na narrativa de Holanda.

José Carlos da Silva Cardozo produziu e publica seu artigo O Juizado de Órfãos e a organização da sociedade nos anos iniciais do século XX, nesse texto, Silva estuda a atuação do Juizado de Órfãos da capital Gaúcha, Porto Alegre. Conforme os argumentos do autor, a instituição auxiliou para a regularização social de famílias da cidade, as quais enfrentavam uma situação de desagregação familiar, envolvendo menores durante o início do século XX. A partir de fontes que possuem informações sobre as tutelas dos menores, o autor percebe os valores morais nas decisões e desfechos de tutelas dos adolescentes e crianças.

Em Roma Locuta: Causa Finita? O repto da Igreja brasileira ao papado de João Paulo II texto elaborado por Lucelmo Lacerda, que procurou observar a formação do Cristianismo da Libertação e a oposição do Vaticano quanto à posição da primeira. Em seu texto o autor percebe a independência do modelo eclesial vinculados à Teologia da Libertação no interior da Igreja do Brasil. A partir de uma vasta bibliografia e entrevistas o autor propõe reordenar o relacionamento da Santa Sé e Igrejas locais.

Nesta edição a Revista Eletrônica História em Reflexão teve a honra de poder entrevistar o professor Jose Augusto Valladares Padua, professor do Departamento de História da UFRJ, que se dedica a pesquisar e escrever sobre a História Ambiental, figurando como um dos mais respeitados intelectuais brasileiros nesse campo. Influenciado por Warren Dean, seu livro Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista (1786-1888) é, certamente, uma indispensável leitura para os interessados na temática Ambiental sob a ótica do conhecimento histórico.

Para fechar essa edição da REHR, publica a resenha produzida por Ismael Gonçalves Alves, cujo livro resenhado é História da infância em Pernambuco organizado por Humberto Miranda e Maria Emília Vasconcelos.

A Equipe que compõe a REHR deseja para os leitores um ótimo aproveitamento dos textos publicados. Agradecemos a todos a credibilidade confiada e que o labirinto da História apresentado nessa edição colabore para as reflexões de todos!

Camila Cremonese Adamo

Fabiano Coelho

Daniele Reiter Chedid

Cássio Knapp

Fernanda Chaves de Andrade

(Editores)

Dourados-MS, Verão de 2010.


CREMONESE, Camila Adamo; COELHO, Fabiano; CHEDID, Daniele Reiter; KNAPP, Cássio; ANDRADE, Fernanda Chaves de. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 4, n.8, jul. / dez., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Mundos do Trabalho: história e historiografia / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2010

Apresentar mais uma Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR) é motivo de imensa satisfação. Fruto de um esforço coletivo dos editores discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, dos membros do Conselho Editorial e do Consultivo, a cada lançamento a REHR tem dado passos relevantes na tarefa de se consolidar como meio de interlocução acadêmica na área de História em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Para tanto, evidentemente, vale destacar a confiança dos diversos autores de todo o país que contribuem com seus trabalhos e acreditam na seriedade e qualidade da Revista.

Em sua VII Edição, a REHR traz o dossiê: Mundos do Trabalho: história e historiografia. Esta temática permitiu abranger diversos trabalhos com problemáticas referentes aos “mundos do trabalho”, em suas mais diferentes relações. Questões como trabalho e trabalhadores, participação política, formas de organização, resistência e cultura de classes são algumas das perspectivas que abordam os artigos que compõem o dossiê. As abordagens evidenciam também as ações de trabalhadores diante das condições de trabalho desfavoráveis, as resistências e os modos constitutivos de seus universos culturais inseridos na dinâmica do trabalho, tanto no campo quanto na cidade. Sem mais delongas, apresentamos os trabalhos!

Iniciando o Dossiê, em O Mundo do trabalho lembrado e revivido por ex-moradores da “cidade flutuante” de Manaus, Leno Barata Souza preocupou-se em discutir aspectos do mundo do trabalho em Manaus, entre 1920 e 1967, através de narrativas orais. Este período foi marcado pela formação, sobre as vias aquáticas da cidade, de uma expressão cultural marcada por modos de vida próprios que foram pontos de partida para determinadas disputas sociais. Tais disputas tornaram as margens fluviais lugar de memórias para os entrevistados de Souza, especialmente o que diz respeito às sociabilidades do mundo do trabalho. A Zona Franca, inaugurada em 1967, fez desaparecer muitas destas relações sociais, porém, ainda permanecem na memória dos entrevistados, que a utilizam para reconstruir o passado e discutir sobre presente e futuro da cidade de Manaus.

O trabalho de Eric Gustavo Cardin, Os Trabalhadores das vias Públicas de Ciudad Del Este: considerações preliminares sobre os mesiteros e suas associações problematiza aspectos das relações de trabalho estabelecidas pelos trabalhadores das vias públicas da Ciudad Del Este nos últimos trintas anos. Através de pesquisas documentais disponibilizadas pela Associação dos Trabalhadores das Vias Públicas de Ciudad Del Este, levantamentos estatísticos e entrevistas exploratórias de trabalhadores do microcentro, foi possível compreender a história dos trabalhadores e os conflitos existentes na configuração e utilização do espaço público em questão, de modo a surgir, gradativamente, diferentes ocupações e suas respectivas associações e sindicatos. Nesta perspectiva, procurou construir reflexões sobre os vínculos existentes entre as organizações sociais e a municipalidade, além de observar determinadas mudanças no funcionamento e objetivos das associações de trabalhadores, e esboçar algumas considerações sobre o perfil dos mesmos.

Saulo Álvaro de Mello, em Recrutamento Compulsório e Trabalho em Mato Grosso: disciplina, violência, castigos e reações, discute a participação de marinheiros submetidos à violência sistêmica nas embarcações da Flotilha de Mato Grosso (1825 e 1879), evidenciando assim o anacronismo e a violência verificados nas Companhias de Aprendizes Marinheiros e Imperiais Marinheiros em Mato Grosso, tal como acontecia na Marinha Imperial. Foram utilizadas como fontes documentais correspondências, relatórios provinciais e ministeriais como suporte para as discussões, que enfocaram o homem livre pobre, enjeitados, órfãos e vadios, como principais vítimas.

“E ninguém parece sentiu saudade”: narrativas e memórias da diferença, trabalhadores horteleiro no Extremo-Oeste do Paraná é ó título do artigo de Gilson Backes, que propõe investigar as dinâmicas sociopopulacionais desencadeadas nas décadas de 1960 e 1970, no extremo oeste do estado do Paraná, de modo identificar as diferentes maneiras que trabalhadores migrantes circunscreviam suas dinâmicas de trabalho no período em questão.

Raimundo Lima dos Santos discute em Manoel Conceição Santos: de camponês a líder político a história de um camponês maranhense que se tornou um dos maiores articuladores da luta camponesa em resistência ao regime militar do país. Manoel Conceição Santos foi organizador do sindicato de trabalhadores rurais no vale do PindaréMirim, no Maranhão e, posteriormente, participou da organização de entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU). Por estas ações, Manoel Conceição Santos foi perseguido, preso e torturado na ditadura militar, até ser exilado em Genebra, onde, juntamente com outros exilados políticos, organizou a luta contra governos repressivos do período. Após seu retorno ao país, depois de três anos de exílio, manteve sua luta por uma sociedade mais justa, através do trabalho de associações e cooperativas, visando o aperfeiçoamento dessas organizações e o bem-estar dos trabalhadores.

Selva Trágica: imposições e resistências é o artigo de Fábio Luiz de Arruda Herring. A proposta é analisar os pontos históricos da obra de Hernani Donato: Selva Trágica: a gesta no sulestematogrossense. As discussões estão inseridas no cone sul do atual estado de Mato Grosso do Sul, no período correspondente ao início do século XX e problematizam as imposições feitas à cultura dos trabalhadores da Companhia Matte Larangeira e as formas de resistência criadas por eles para manter os elementos constitutivos de sua cultura.

Divino Marcos de Sena, em Camapuã no Período do Ocaso das Monções: população, trabalho, lavoura, exploração e resistências explica como as monções contribuíram para garantir a expansão do território da colônia portuguesa na América, através de saídas da capitania de São Paulo, que tinham por objetivo dar suporte aos núcleos populacionais que se formavam no decorrer do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX. Assim, as monções proporcionaram o florescimento de vários povoados e, entre eles, Camapuã, que se tornou uma importante localidade para dar apoio aos viajantes. A proposta do autor é apresentar algumas características de Camapuã no período final da rota das monções, enfocando o quanto sua existência foi fundamental no período monçoeiro.

O trabalho de Nilo Dias de Oliveira, A Vigilância do DOPS-SP: vigia-se tudo e todos, analisa a prática da vigilância do Serviço Secreto do DOPS-SP durante a década de 1950, que durante o período, recaiu sobre os mais variados personagens da esfera civil e militar do país. Foram evidenciadas como, no período, qualquer tentativa de participação ou engajamento político partidário ou mesmo movimentos reivindicatórios que demonstrasse ser de posição contrária ao estabelecido pelas esferas governamentais tornava-se alvo de suspeita imediatamente.

Encerrando o Dossiê, Jorge Eremites de Oliveira, em Sobre a Necessidade do Trabalho Antropológico para o Licenciamento Ambiental: avaliação dos impactos socioambientais gerados a partir da pavimentação asfáltica da Rodovia MS-384 sobre a comunidade Kaiowa de Ñande Ru Marangatu, apresenta uma avaliação dos impactos socioambientais sofridos pela comunidade Kaiowa de Ñande Ru Marangatu durante e após a construção da rodovia estadual MS-384, no distrito de Campestre, município de Antônio João. O estudo enfoca os muitos aspectos negativos diretos na comunidade, que se estruturaram em dois momentos: o primeiro durante a pavimentação asfáltica e o segundo após sua inauguração, e vão desde a discriminação racial, doenças decorrentes da inalação de poeira e do estresse causado durante a obra até atropelamentos com vítimas fatais.

Na sessão de Artigos Livres, iniciamos com o artigo de Edianne dos Santos Nobre: Porta dos Céus: Juazeiro como lugar de salvação a partir de narrativas femininas (Ceará, 1889-1896). O artigo se propõe analisar as narrativas das beatas envolvidas nos episódios de fé em Juazeiro, de modo a compreender, a partir de tais narrativas, as imagens que fundaram o local como um espaço sagrado e de salvação nas imagens presentes em um conjunto de narrativas femininas no final do século XX.

Literatura e Política na Revolução Mexicana: a visão crítica de Mariano Azuela é o artigo de Warley Alves Gomes que discute como a Revolução Mexicana, marco na história daquele país, teve seus desdobramentos por todo o século XX, principalmente no que concerne o intenso caráter popular e a participação das classes populares, até então à margem da vida política mexicana. A Revolução Mexicana é vista neste artigo a partir da visão crítica de Mariano Azuela, um renomado escritor mexicano, que evidencia como as artes e literatura exerceram um importante papel na reflexão sobre o conflito.

Margarida do Amaral Silva, em Codificação das Diferenças: a invenção do homem latino propõe discutir as desconstruções dos discursos produzidos sobre aqueles dos quais suas vozes sempre foi nula ou irracionalizada pelas teorias vigentes sobre grupos subalternos, no que diz respeito à raça, gênero ou posição social. A subalternidade racial é adotada como perspectiva por discutir e ampliar a visão da idéia de subalternidade das colônias modernas, da racionalização do sujeito e do conhecimento.

Hermes Gilber Uberti, no artigo: Assumindo Outros Papéis: o caso da viúva Francisca Pereira Pinto, teve por objetivo analisar situações ligadas à trajetória da mulher no processo de povoamento e colonização da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, a partir da análise das migrações que Francisca Pereira Pinto realizou ao longo do século XIX naquela região. Alguns papéis foram assumidos por ela, ao longo das andanças, entre os quais o de viúva que a levou, entre outras coisas, a assumir a gerência dos negócios, condição que a fez recorrer a diferentes instâncias do poder para fazer valer seus direitos. Além do patrimônio, estavam em jogo interesses outros, como seu reconhecimento social, sua respeitabilidade e o nome da família que pertencia.

Janderson Clayton Farias Machado, com o artigo: O Despertar do Recife no Brasil Holandês propõe abordar como se estruturou o desenvolvimento experimentado por Recife após a invasão holandesa em Pernambuco, enfocando as transformações que a tornaram um grande centro político, econômico e cultural na América Portuguesa, considerando a importância que a administração de Maurício de Nassau teve e o modo como ficou marcada na história de Pernambuco.

Estados Unidos: o contexto dos anos 1970 e as crises do petróleo é o artigo de Havana Alicia de Moraes Pimentel Marinho, que discute o panorama das várias crises dos anos 1970 dentro da perspectiva dos Estados Unidos. No período em questão, dominava a sensação de forte declínio da economia após os frutíferos “anos dourados” do pós-guerra, deste modo, as conseqüências políticas e econômicas dos acontecimentos e as decisões da política externa serão avaliadas no período proposto.

Finalizando a Edição, apresentamos duas resenhas: O desafio biográfico (2009), de Dosse François, resenhada por Fernanda Lorandi Lorenzetti, e George Zeidan Araújo apresentou a resenha da obra Política, cultura e classe na Revolução Francesa (2007), de Lynn Hunt.

Desejamos prazerosas e profícuas leituras!

Camila Cremonese Adamo

Fabiano Coelho

Daniele Reiter Chedid

Cássio Knapp

Fernanda Chaves de Andrade

(Editores) Dourados – MS, Inverno de 2010.


CREMONESE, Camila Adamo; COELHO, Fabiano; CHEDID, Daniele Reiter; KNAPP, Cássio; ANDRADE, Fernanda Chaves de. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 4 n.7, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Bacia Platina: história e representações / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2009

É com imensa satisfação que apresentamos aos leitores a VI Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). Esta Edição traz o dossiê Bacia Platina: história e representações. A Bacia Platina é a segunda maior bacia hidrográfica do mundo. Possui cerca de 3,1 milhões de quilômetros quadrados de superfície, quase metade em território brasileiro (1,4 milhões de quilômetros quadrados). É responsável pela maior parte da produção da energia elétrica consumida no Brasil. Além disso, configura-se como um importante espaço de comunicação e de transporte entre os países que a compõe.

A proposta de um dossiê voltado aos estudos relacionados à região da Bacia Platina surgiu a partir da reflexão sobre o papel exercido pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), enquanto pólo educacional e científico, na região geográfica na qual está inserida. Além disso, por entender que a Região Platina abarca espaços fronteiriços não somente geográficos, mas históricos, culturais e políticos entre Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. Trata-se de uma paisagem complexa, historicizada ao longo do tempo e carregada de peculiaridades. Nesse sentido, os estudos voltados à Bacia Platina protagonizam fenômenos históricos significativos que auxiliam na compreensão das dinâmicas sociais que envolvem os grupos que viveram e vivem nestes espaços. Sendo assim, o presente Dossiê objetiva contribuir para a percepção de que muitos dos dilemas e preocupações surgidos no interior de cada uma das Regiões Platinas não repousam unicamente em aspectos econômicos e financeiros, mas também naqueles que perpassam a história e o cotidiano dos personagens desse imenso cenário.

Com a preocupação de ser um espaço em que pesquisadores e estudantes dos mais variados níveis possam ter a oportunidade de divulgar os resultados dos seus trabalhos, a REHR tem recebido artigos, resenhas e resumos de diversas regiões e Instituições de Ensino Superior do Brasil. A significativa quantidade de trabalhos recebidos atesta o reconhecimento e a credibilidade conquistados em seus mais de dois anos de existência. A nossa mais recente conquista foi a qualificação da REHR pela CAPES (2009).

O esforço coletivo dos editores discentes, alunos do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH / UFGD), dos membros do Conselho Editorial e do Consultivo tem se configurado como basilar para a sustentação e desenvolvimento da Revista. Assim, sem mais delongas, apresentamos os trabalhos que corporificam a VI Edição da Revista História em Reflexão. Iniciando o Dossiê, em A Revolução Federalista (1893-1895): o contexto platino, as redes, os projetos e discursos construídos pela elite liberal-federalista, Marcus Vinicius da Costa ressalta o quanto se torna fundamental repensar a questão em torno de formação dos Estados-nacionais, do federalismo, das revoluções, enfim, repensar a história política da Região Platina. Assim, os objetivos do seu trabalho foram compreender os fundamentos que embasaram o discurso da elite liberal-federalista que comandou a Revolução de 1893-1895; o contexto histórico-político platino no final do século XIX, principalmente na Argentina, no Uruguai e no Rio Grande do Sul; as redes formadas pelos grupos de oposição da Argentina (Radicais), do Uruguai (Blancos) e do Rio Grande do Sul (liberais-federalistas); e o discurso e o projeto político construídos pelos liberais-federalistas do Rio Grande do Sul, liderados por Gaspar Silveira Martins. O fundamento teórico no trabalho transita pela História Política e História Cultural, acrescido de um diálogo interdisciplinar.

A autora Lenir Gomes Ximenes, em seu artigo intitulado As Relações dos Índios Terena na Região Platina: imposições e alternativas, apresenta alguns resultados da pesquisa “Os índios Terena de Buriti e o Estado brasileiro”, em andamento no programa de Mestrado em História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Para sua composição foram consultados documentos, como relatórios de presidentes de província, perícia histórica e antropológica; além da bibliografia historiográfica e antropológica do tema. O espaço no qual se insere o estudo é a Bacia Platina, mais especificamente o Pantanal (situado no Brasil, nos estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul), e seu prolongamento: o Chaco, que abrange a Argentina, o Paraguai e a Bolívia. O objetivo principal é compreender as relações dos índios Terena neste espaço (Chaco – Pantanal), com outros povos indígenas e com as frentes de colonização. O recorte temporal está centrado nos séculos XVIII e XIX. No entanto, é preciso antes analisar como foi construída a noção que atribui a origem dos Terena ao Chaco paraguaio.

O trabalho de Valéria Dorneles Fernandes, Escravização de Pessoas Livres na Fronteira Brasil-Uruguai: Pelotas (1850-1866) discute que em meados do século XIX, a recém estabelecida República do Uruguai proíbe a escravidão em seu solo. Esta decisão entra em choque com os interesses do Império brasileiro, sobretudo dos senhores de escravos da região Sul. Por conseqüência disso, chegam à polícia da província do Rio Grande denúncias do rapto em solo uruguaio de negros libertos ou nascidos livres, que são vítimas do tráfico de escravos na fronteira e vendidos ilegalmente no Brasil. As denúncias dão início a inquéritos e processos criminais para averiguar os fatos. Assim, seu artigo visa analisar os processos criminais referentes a estes crimes, ocorridos na cidade de Pelotas entre os anos 1850 e 1866.

Luciano Morais Melo, no artigo Fiel da Balança: o Paraguai e a disputa pelos recursos das águas platinas entre Brasil e Argentina (1954-1979) objetiva fazer uma análise do papel representado pelo Paraguai na disputa pelos recursos das águas dos rios da Bacia do Prata entre Brasil e Argentina no período de 1954 a 1979. Através de uma diplomacia pendular, o Paraguai soube tirar enormes proveitos da rivalidade entre os dois grandes vizinhos, atuando como verdadeiro moderador no equilíbrio pelo poder na Bacia do Prata.

Em O Poder Legalizado no Processo de Formação das Fronteiras Econômica e Demográfica no Sul do Estado de Mato Grosso (décadas de 1960-70), o pesquisador Nataniél Dal Moro procura explicitar algumas das ações empreendidas pelo poder legalizado, sobretudo via governo federal, notadamente nas décadas de 1960 e de 1970, para integrar o oeste ao leste do Brasil. Essa integração foi bastante ampla, entretanto, o texto aborda com maior ênfase as integrações econômicas e demográficas.

O autor Luiz Eduardo Pinto Barros no artigo A Dinâmica das Relações de Brasil e Paraguai Sobre a Questão Fronteiriça (década de 1960), ressalta que desde o final da década de 1930 e início dos anos de 1940 o Brasil desenvolveu uma política de busca de aproximação com o Paraguai. Essa aproximação se consolidou com o estabelecimento da ditadura de Stroessner no Paraguai. Mas em meados da década de 1960 já sob a ditadura militar, o governo brasileiro enviou soldados para a região das Sete Quedas, próxima a fronteira com o Paraguai, o que causou um período de tensão entre os dois países. O impasse sobre Sete Quedas foi um caso isolado no histórico das relações de Brasil e Paraguai durante o século XX, mas foi um marco nas negociações que resultaram no acordo para a construção de uma usina hidrelétrica administrada por ambos os países, sendo este o maior tratado político e econômico na história da diplomacia entre Brasil e Paraguai.

Encerrando o Dossiê, Paulo Roberto Cimó Queiroz nos brinda com seu instigante trabalho intitulado O Desafio do Espaço Platino às Tendências de Integração do Antigo Sul de Mato Grosso ao Mercado Nacional Brasileiro: um hiato em dois tempos. O autor discute que o espaço correspondente ao atual estado brasileiro de Mato Grosso do Sul foi incorporado no século XVI aos circuitos do Paraguai colonial, mas já no século XVII, no contexto que S. B. de Holanda denomina refluxo assuncenho, a presença espanhola foi sendo substituída pela luso-brasileira, passando portanto essa região a vincular-se, ainda que de modo inicialmente tênue, ao sudeste da América portuguesa. Em meados do século XIX, com a liberação da navegação brasileira pelo rio Paraguai, essa região voltou, de certo modo, a fazer parte do espaço platino. Nesta perspectiva, o trabalho busca evidenciar que, a despeito das notáveis mudanças induzidas pela livre navegação, esse último período de vinculação ao espaço platino constituiu, na verdade, uma espécie de “hiato”, no interior do processo mais longo representado pela vinculação com o mercado nacional brasileiro.

Na sessão de artigos livres, o professor Alexander Martins Vianna em seu artigo A Desfiguração do Corpo Político em “Ricardo III”, pretende demonstrar o quanto que a materialidade textual do Q1(1597) da peça “Ricardo III” expressa, como tese moral, que a segurança da ordem pública tradicional emergiria se as autoridades patriarcais das grandes casas do reino fossem fortalecidas em cooperação com a autoridade régia. Para tanto, os grandes do reino deveriam abrir mão das vinganças privadas e do faccionismo político, reconhecer a dignidade régia como a encarnação institucional da justiça soberana e das leis civis, assim como, aceitar o dever de adequação de seu comportamento particular aos atributos das dignidades sociais e institucionais que configuram os vínculos de reciprocidade hierárquica do corpo político.

Andrea Dal Pra de Deus, no trabalho A Lei e o Rei na Hispania Tardo-Antiga: uma perspectiva da teoria política de Isidoro de Sevilha (Hispania, século VII), enfatiza que durante o período Tardo Antigo da Península Ibérica, os esforços para se estruturar a instituição monárquica enquanto unidade político-administrativa estiveram passo a passo com a regulamentação jurídica da sociedade política. Um expoente em termos de teorias políticas do período foi, sem dúvida, o bispo Isidoro de Sevilha. Na sua obra Sentenças, dirige três volumes à instrução moral da sociedade política hispano-visigoda do sétimo século. Isidoro de Sevilha vincula o soberano à lei, delimitando que o exercício do poder apenas é garantido ao rei se este guia-se pela justiça e observa os preceitos cristãos.

O pesquisador Francivaldo Alves Nunes em seu artigo intitulado Entre a Agricultura e a Civilização: terra, matas e povoamento no Pará Oitocentista, se propõe a discutir os variados significados da agricultura no Pará das últimas décadas do século XIX; evidenciando que além de uma questão de consumo e produção, a criação dos núcleos agrícolas na região Bragantina, a exemplo da Colônia de Benevides, foi também motivada por preocupações civilizatórias marcadas por um incentivo do Estado para um melhor aproveitamento da terra, do exercício de domínio das matas, promoção do povoamento; e igualmente disciplinarização dos sujeitos sociais envolvidos na construção desse espaço. Assim, destaca que o fomento à produção, reformas das técnicas agrícolas, intensificação dos sistemas de cultivo e aumento da produtividade são diretrizes recorrentes nos projetos de reformulação da agricultura desenvolvidos no Brasil no período imperial. Esses projetos objetivavam estimular a produção agrícola, seja para maior equilíbrio entre os volumes de importação e exportação, seja para atender as demandas do mercado interno. A criação dos núcleos coloniais constituiu-se em ações governamentais que buscavam atender essas demandas relacionadas à produção e consumo. Atribuía-se assim a agricultura uma dimensão econômica, mas também civilizatória.

No trabalho Michel Foucault: uma crítica historiográfica em a Arqueologia do Saber, Eduardo de Melo Salgueiro busca realizar uma análise sobre as principais críticas apontadas pelo filósofo francês Michel Foucault em sua obra A Arqueologia do Saber, publicada em 1969, de onde repercutiu algumas das mais ácidas criticas em relação às ciências humanas e conseqüentemente à historiografia no século XX. Para isso, apresenta de maneira sucinta ao leitor como se deu a trajetória da vida acadêmica desse intelectual francês, expondo as principais características da obra do autor e a importância de suas análises no âmbito das Ciências Humanas.

Em O Historiador Max Weber: a indologia weberiana frente ao historicismo alemão, o autor Arilson Silva de Oliveira explicita que Max Weber se apropriou das exigências metodológicas do historicismo alemão contra toda filosofia iluminista natural e toda filosofia idealista da história. Ele as depurou no intuito de evitar as conclusões do romantismo e dos desvios psicologistas do neo-historicismo. Neste sentido, analisa como ele muniu-se de um método particular, resgatou a racionalidade e a utilizou como parâmetro para compreender historicamente a sociedade indiana frente ao historicismo desencantado de sua época.

Cara ou Coroa? Um jogo entre a teoria das ações de Certeau e a das masculinidades de Connell, de Fernando Bagiotto Botton, em um tom expressamente ensaístico, busca aproximar e ao mesmo tempo confrontar a teoria das ações do teórico francês Michel de Certeau com a teoria das masculinidades do pesquisador australiano Robert Connell. Através desse exercício pretende trazer algumas contribuições teóricas para o estudo das masculinidades nas Ciências Humanas.

Manoel Pereira de Macedo Neto contribui significativamente com seu artigo intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais de História: desafios e possibilidades da história ensinada na Educação Básica. Sua proposta é fazer uma análise sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Ensino de História. Para a realização do trabalho, discutiu os PCNs de História, o contexto de sua elaboração, a sua proposta de trabalhar a História a partir de eixos temáticos e a relação entre a História ensinada e a construção da cidadania. Nesse sentido, observou que os PCNs propõem o ensino de História, a partir de eixos temáticos, comprometido com o exercício da cidadania e com a construção de uma sociedade plural e democrática. Contudo, a falta de um maior envolvimento da sociedade na elaboração do documento tem dificultado a concretização dessa proposta.

A autora Alexandra do Nascimento Aguiar, no trabalho A Incapacidade e o Mérito: considerações sobre o direito ao voto (1860 – 1880) pretendeu reconstituir as falas favoráveis e contrárias à seleção do eleitorado e que culminaram na Lei Saraiva em 1881, cuja proibição do direito de voto para o analfabeto foi responsável pela redução do eleitorado para 1% da população brasileira. Nesta perspectiva, discute que entre os anos 1860 e 1880 surgiram publicações e ocorreram debates em defesa da restrição à participação eleitoral sob a justificativa da necessidade de aperfeiçoamento do sistema representativo.

Os pesquisadores Rodrigo Fontanari e Pedro Geraldo Tosi, no artigo Grandes Elites e Pequenas Cidades: hierarquia mercantil e urbana no complexo cafeeiro paulista (1890- 1914) procuraram analisar as relações entre as formas de acumulação de capitais na cafeicultura, intimamente vinculadas à atividade creditícia, e a urbanização em um município paulista: Santa Cruz das Palmeiras, no período de 1890 a 1914. O trabalho baseia-se em recentes pesquisas na área da história econômica que visa à dinâmica da economia e o manuseio de fontes documentais ainda pouco estudadas, dentre as quais os Livros Cartoriais, principalmente as dívidas hipotecárias e os penhores agrícolas. Todavia, explicitam-se como as formas de financiamento interferiram no processo de urbanização, pois as elites centralizavam cifras consideráveis de capitais, reinvestiam-nos em grandes cidades e, ainda, não pagavam os impostos locais.

Fechando a sessão de artigos livres, Thiago do Nascimento Torres de Paula em O Destino dos Filhos de Ninguém: os expostos-adultos da Freguesia de Nª Srª da Apresentação Setecentista, ressalta que seu trabalho é parte de uma pesquisa sobre crianças expostas (abandonadas) na Freguesia de Nª Srª da Apresentação, na Capitania do Rio Grande do Norte, na segunda metade do século XVIII. O objetivo é analisar como a sociedade da freguesia em seu cotidiano construiu espaços de vivência para os adultos que um dia foram enjeitados. Os assentos de batismo foram as fontes utilizadas. Os procedimentos adotados nesta documentação foram: transcrição, fichamento e quantificação. Quantificaram-se os seguintes elementos: naturalidade, gênero, condições de legitimidade dos filhos e os locais de abandono dos tais adultos quando recém-nascidos. A partir daí, o autor observou a presença “regular” dos “protagonistas anônimos” da história em meio à comunidade.

Dando prosseguimento, tivemos a satisfação de fazer uma entrevista com o Prof. Dr. Antonio Jacó Brand (UCDB), que gentilmente se disponibilizou em responder algumas perguntas sobre a sua trajetória de vida profissional, como historiador e indigenista. A sua narrativa é muito interessante, tendo em vista que se tornou uma referência nacional para os estudos sobre os povos indígenas, sobretudo, em relação às etnias Guarani e Kaiowá. Em sua fala, faz observações face a denominada História Indígena, sobre os estudos e pesquisas em relação aos índios de Mato Grosso do Sul, a questão dos direitos e reivindicações desses agentes para a identificação de territórios tradicionais e a função relevante dos pesquisadores e Universidades nesse processo, sobre as ações de grupos ligados a instituições religiosas junto as populações indígenas, a origem e aplicação do conceito de confinamento e as análises críticas de que tem sido alvo nos últimos anos, e em relação as temáticas que vem se dedicando a estudar. Anterior a entrevista, o Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira (UFGD), a quem agradecemos pela gentileza, em Autor, obra e meio: a apresentação de etno-historiador, apresenta aos leitores de forma emocionante e com muita propriedade o professor Antonio Jacó Brand.

Nesta edição, contamos com as seguintes resenhas: Os Dentes Falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVIII, de Robert Darnton, resenhada por Diogo da Silva Roiz. O autor José Antonio Fernandes nos apresentou a resenha da obra Dourados: memórias e representações de 1964, de Suzana Arakaki; e por fim, a resenha do livro A Misteriosa Chama da Rainha Loana: romance ilustrado, de Umberto Eco, escrita por Lenita Maria Rodrigues.

Encerrando a apresentação dos trabalhos que compõem a VI Edição da REHR, apresentamos ainda dois trabalhos. A Profª. Drª. Graciela Chamorro, em Contribuições para a História Indígena Contemporânea organizou e apresentou alguns trabalhos resenhados, sendo eles heterogêneos e de diversos níveis. Ao apresentá-los, chama a atenção para a pertinência das temáticas tratadas, das metodologias e das fontes utilizadas; para a atualidade das questões que orientaram as pesquisas e para a riqueza dos dados coletados.

Adiante, a acadêmica Regiane Francisca Barbosa, vencedora do Concurso de Redação em comemoração aos 36 anos do Curso de História de Dourados (UFMS / UFGD), em sua redação intitulada O Aluno do Curso de História na Sociedade Sul-Mato-Grossense, descreve em sua visão alguns apontamentos relevantes sobre os estudantes (e futuros docentes) e o curso de História perante a sociedade Sul-Mato-Grossense. No decorrer do ano de 2009 foram realizadas diversas atividades alusivas a essa comemoração na Faculdade de Ciências Humanas da UFGD. O referido concurso foi iniciativa do Centro Acadêmico de História de Dourados (CAHISD) em parceria com os docentes do Curso e com a REHR. Nesta direção, entendemos que o nosso Periódico deva ser um elo entre toda a comunidade acadêmica, nos seus mais diversos níveis, também abrindo espaços para a publicação de textos desse gênero.

Fiquem a vontade para se aventurar no universo das palavras! Desejamos a todos ótimas e prazerosas leituras.

Fabiano Coelho

Carlos Barros Gonçalves

(Editores)

Dourados – MS, Primavera de 2009.


COELHO, Fabiano; GONÇALVES, Carlos Barros. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.3, n.6, jul. / dez., 2009. Acessar publicação original [DR]

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Leituras e Tratamentos de Fontes na História / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2009

“Leituras e Tratamentos de Fontes na História” é o dossiê desta V Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão. A idéia desta temática é inegavelmente oriunda das conhecidas insônias daqueles que se aventuram a escrever a História. Para estes as fontes são seu mais rentável e, é claro, seu mais problemático combustível. Assim, abrir a discussão sobre as fontes historiográficas – como já esperávamos – rendeu um alto número de artigos das mais diversas abordagens. Tivemos uma movimentação intensa em nossa caixa de e-mails com trabalhos provindos de quase todos os Estados brasileiros.

No lançamento da idéia deste dossiê, os editores estiveram reunidos para a montagem da capa desta edição. Criamos várias imagens com materiais do Centro de Documentação Regional da UFGD na tentativa de enquadrar visualmente aquilo que o historiador convive na sua labuta criativa diária. O resultado aqui exposto é tão satisfatório quanto contestatório e cumpre com nosso objetivo inicial. Se para o historiador tudo pode tornar-se fonte ou objeto, até mesmo nossa capa pode ser alvo de reflexões mais elaboradas.

Satisfeitos com as últimas edições da REHR, reafirmamos o compromisso deste ser um espaço de divulgação do conhecimento científico bastante democrático, que abre as portas e oferece as mesmas condições de publicação para autores de todos os níveis de graduação e pós-graduação. Salientamos ainda que o sucesso da REHR deve-se muito ao apoio inestimável de todos os envolvidos nas diferentes etapas da publicação e a divulgação feita por aqueles que têm contato com os artigos e resenhas de excelente qualidade que vêm sendo publicados.

Cumpriu-se aqui o objetivo de instigar o pesquisador ao mergulho no científico e de proporcionar um diálogo rentável entre eles. Sem mais delongas vamos dar licença ao leitor para que conheça os artigos que compõem mais uma Revista Eletrônica História em Reflexão.

No artigo “VOCÊ QUER VOLTAR À OCA?”: armadilhas, artimanhas e questões da pesquisa histórica sobre os povos indígenas, Francisco Cancela procurou evidenciar, através da utilização de fontes coloniais sobre os índios, o papel histórico dos povos indígenas na formação da sociedade brasileira. Para tanto, a proposta do autor foi manifestar os empecilhos da utilização deste tipo de fontes históricas, levando em consideração as reflexões teóricas e metodológicas presentes na pesquisa histórica sobre os povos indígenas no Brasil.

Leonardo Brandão, no instigante HISTÓRIA E ESPORTE: leituras do corpo no filme “Dogtown and z-boys”, propôs trabalhar com uma categoria de fontes que se baseia na análise de imagens, especificamente do vídeo-documentário Dogtown and Z-Boys. Busca refletir sobre questões ligadas à corporeidade e corpo comunicativo do surf para o skate, e como tais manifestações esportivas estão sendo inseridas na história contemporânea.

O autor de OS IMPRESSOS INSTITUCIONAIS COMO FONTE DE ESTUDO DO PENTECOSTALISMO: uma análise a partir do livro História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, André Dioney Fonseca, analisou a importância dos impressos institucionais publicados pelas igrejas pentecostais – livros de história escritos por memorialistas, manuais de doutrinas, diários de líderes, biografias, entre outros – para as pesquisas em História. Desse modo, buscou, apresentar as contribuições desse tipo de impresso para os pesquisadores interessado em historiar o movimento pentecostal no Brasil, bem como quais são os principais cuidados ao se trabalhar com este tipo de fonte. Assim, tomou como exemplo o livro História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, publicado em 2004 pela editora Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD), a fim de apresentar alguns exemplos dos limites e das possibilidades de análises, partindo do exemplo das resoluções convencionais sobre os usos e costumes da Igreja Assembléia de Deus.

ENSINO DE CHUMBO: memórias, temores e silêncios na FAFIG (1970-1973), de Ernando Brito Gonçalves Junior, explorou os aspectos históricos da formação da primeira turma de licenciatura em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava, no período compreendido pelos “Anos de Chumbo” da Ditadura Militar no Brasil. Valendo-se da utilização de fontes orais, o autor buscou reconstruir a memória dos entrevistados tendo como base as abordagens teóricas da história política, focando na observação de que, mesmo distante de grande centros urbanos, no contexto da realidade observada – a de uma cidade interiorana paranaense – era possível sentir a influência da repressão ideológica do período em questão.

O artigo de Vanda Fortuna Serafim e Solange Ramos de Andrade, intitulado PENSAR O INTELECTUAL E AS FONTES DE PESQUISA EM NINA RODRIGUES PARA O ESTUDO DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES, versou sobre o pensamento de Raimundo Nina Rodrigues nas seguintes obras: O animismo fetichista dos negros bahianos (1900) e Os Africanos no Brasil (1932), tendo como enfoque a análise do discurso sobre as manifestações religiosas de tradição africana, em especial, a atuação de Nina Rodrigues enquanto intelectual de atuação médica do século XIX, que se dispôs a estudar as práticas religiosas afro-brasileiras.

Eduardo Rizzatti Salomão, autor do artigo O EXÉRCITO ENCANTADO DE SÃO SEBASTIÃO: as evidências da reelaboração da crença sebastianista na Guerra do Contestado (1912-1916), buscou analisar, através de um processo de reeelaboração dos símbolos e significados da religiosidade, as evidências do mito do “Exército de São Sebastião” presentes na Guerra do Contestado (1912-1916) com o mito sebastianista: a crença do retorno do rei D. Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, em 1578. As análises versaram sobre o objetivo pretendido de restaurar a monarquia, e como entrou em cena no comando de um Exército encantado o mártir católico (São Sebastião) no lugar do rei Encoberto (D. Sebastião).

Na seqüência, apresentamos o artigo UMA ANÁLISE DA HISTORIOGRAFIA QUE ABORDA A VIDA DE PATRÍCIO: J. B. Bury (1905); R. P. C. Hanson (1968, 1978); E. A. Thompson (1986), de Dominique Viera Coelho dos Santos. O artigo orientou-se em uma perspectiva de análise do universo historiográfico sobre a vida de São Patrício. A abordagem focou-se em alguns problemas encontrados em obras sobre o assunto, principalmente no que concerne às mudanças de posicionamento que ocorreram durante o século XX sobre a vida e obra de São Patrício.

O artigo de Rodolfo Fiorucci, MEMÓRIA, ESFERA PÚBLICA E GLOBALIZAÇÃO: algumas considerações, visou discutir a questão da memória na sociedade global, trazendo a tona discussões sobre o papel das novas mídias e verticalização do território em escala mundial na desestruturação das formas tradicionais de conservação e transmissão de memória intragrupos. O autor ainda procurou discutir a formação do atual cenário globalizado a partir da problemática da esfera pública.

Arilson Silva de Oliveira em A ÍNDIA MUITO ALÉM DO INCENSO: um olhar sobre as origens, preceitos e práticas do vaishnavismo, discutiu em seu trabalho elementos do contexto sócio-histórico do vaishnavismo, suas principais fontes e idéias teológicas, além das práticas, divindades, origem, enfim, toda tradição literária contida nos textos védicos ancestrais e na parte integrante do que hoje se conhece como hinduísmo, dentro da tradição indiana. O autor também debateu como esta tradição religiosa está voltada para um deus multifacetado, com raízes na ortodoxia brahmânica, onde os brahmanas (mestres), a exemplo de Caitanya, considerado uma encarnação direta de deus, são os agentes sociais responsáveis por dirigir a sociedade para o além-mundo.

Encerrando o dossiê, passamos para o artigo IMPRESSÕES SOBRE O “JUDEU ERRANTE”: representações do cólera no jornal cratense O Araripe (1855 – 1864), de Jucieldo Ferreira Alexandre. O autor utilizou como fontes as reportagens do jornal O Araripe (Crato-CE), para, utilizando como embasamento os estudos sobre História das Doenças, analisar as práticas e representações que se relacionaram com a epidemia do cólera, que ameaçava invadir a cidade em 1855, fato ocorrido em 1855 e 1862.

Prosseguimos com a relação de artigos livres desta publicação. O artigo de Daniel de Pinho Barreiros, intitulado A CRISE DO WELFARE STATE: intelectuais e novos projetos (década de 1970), teve o objetivo de analisar de modo comparativo as idéias sociais de intelectuais ligados na crítica do Welfare State e ao capitalismo em crescimento vertiginoso. Propôs também, ainda no debate político norte-americano, a discussão de um importante tema: o surgimento do conceito de sustentabilidade.

Bruno Torquato Silva Ferreira, no artigo NOTAS ACERCA DA VIDA ARREGIMENTADA DOS PRAÇAS NOS CORPOS DO EXÉRCITO NO ANTIGO MATO GROSSO (1909-1916), fez uma discussão sobre a situação do serviço militar no estado de Mato Grosso nos anos anteriores à Lei do Sorteio Militar, lei que instituiu o serviço militar obrigatório no início do século XX. Baseia-se em registros do cotidiano dos praças em diferentes guarnições do Estado, além da memória de militares e esporádicas informações em periódicos da região. Além disso, teceu algumas considerações sobre o relacionamento entre as camadas da hierarquia militar: a base e seus comandantes, os oficiais.

O artigo seguinte, chamado CONSELHO TÉCNICO: a proposta apresentada pela bancada paulista na Constituinte de 1933-4, de Alvaro Augusto de Borba Barreto trabalha a proposta de Conselho Técnico, apresentada na Constituinte de 1933 / 1934 pela “Chapa Única por São Paulo Unido”. A proposta defendia órgãos tripartites, compostos por representantes do Estado, do patronato e dos empregados, tendo como dever a análise dos projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional. O autor discutiu ainda outros elementos da proposta, como o de ser um espaço privilegiado de influência para os interesses da FIESP e o de oferecer uma alternativa à representação das associações profissionais no parlamento, garantindo o direito de voz e voto, modelo refutado pela bancada paulista.

Encerrando, trazemos o artigo O MOVIMENTO OPERÁRIO E SINDICAL EM PASSO FUNDO (RS) – 1920-1964, de Alessandro Batistella, que discutiu o movimento operário e sindical na cidade de Passo Fundo (RS) entre 1920 e 1964, dando ênfase aos trabalhadores urbanos e suas organizações. Para tanto, o autor enfocou as características do processo nacional e o regional, principalmente no que concernem aspectos políticos, mas, também, levou em consideração as principais correntes político-ideológicas presentes nos sindicatos locais, as greves e principais movimentos populares do período no local. Além disso, o artigo expôs acerca da relação entre acontecimentos sócio-políticos nacionais e sua repercussão no movimento operário e sindical de Passo Fundo (RS).

Apresentamos também nesta edição da REHR a Entrevista concedida pelo deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), no momento presidente do Parlamento do Mercosul, cargo que ocupou até fevereiro de 2009. Na entrevista, que se coloca como uma fonte primária, o deputado Dr. Rosinha abordou questões acerca do Mercosul, como a participação do Brasil, avanços e entraves, além da questão da proporcionalidade no Parlamento, que vêm acalorando as discussões.

Fechando a edição, contamos com as seguintes resenhas: Reconstrução do Passado – Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica, de Rusen Jörn, obra resenhada por Rogério Chaves da Silva; Fabrício Sant’Anna de Andrade nos apresentou a resenha de Ciro Flamarion Cardoso: Um historiador fala de teoria e metodologia; e, por fim, a resenha do livro As cidades no tempo, de Margarida Maria Carvalho, Maria Aparecida de S. Lopes e Suzani Silveira Lemos França (orgs), feita por Maria Aparecida de Oliveira Silva. Estimamos leituras proveitosas e instigantes!

Abraços!

Camila Cremonese

Daniele Reiter

(Editoras).


CREMONESE, Camila; REITER, Daniele. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.3, n.5, jan. / jun., 2009. Acessar publicação original [DR]

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História, Produção Intelectual e Cultura Material / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2008

A IV Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão apresenta o Dossiê História, Produção Intelectual e Cultura Material. Trata-se de uma homenagem a VI Semana de História “História, Memória e Produção Intelectual”, realizada entre os dias 27 a 30 de novembro de 2007, na Universidade Federal da Grande Dourados, sob a coordenação de discentes do Programa de Mestrado em História.

O Evento contou com a participação de pesquisadores de várias instituições de MS e Estados vizinhos, além dos professores ligados ao Ensino Básico. A VI Semana de História teve, entre outros objetivos, o debate das dificuldades encontradas na divulgação das pesquisas e estudos realizados no âmbito das Ciências Humanas e as relações entre os órgãos de fomento e as instituições de pesquisa.

Além disso, o Evento visou proporcionar espaço aos graduandos, pós-graduandos e docentes da UFGD para a apresentação / divulgação de pesquisas e estudos em andamento e concluídas, tendo em vista debater as dificuldades encontradas na realização e / ou divulgação dos conhecimentos. Quando se fala em produção de conhecimento, quase sempre se refere à construção de saberes registrada sob a forma escrita. Nos meios acadêmicos essa é, ao mesmo tempo, uma exigência das agências de fomento e uma forma de controle institucional de produção. Se isto só não bastasse, por sermos avaliados pelo que produzimos, nos tornamos “pessoas-produtos”. O próprio jogo institucional nos ordena em pesquisadores melhores e piores, medíocres e brilhantes, nos distribui em níveis hierárquicos sob siglas bem definidas pelas agências de fomento. Passamos a nos olhar com a discriminação que tais classificações acabam por engendrar. Separamo-nos assim, arrogantemente, uns dos outros, dentro do castelo que habitamos (Regina Maria de Souza, 2008, anped.org.br).

Diante dos dilemas e angústias que perpassam o cotidiano dos “produtores de conhecimento”, da difícil tarefa de encontrar palavras adequadas para dar forma aos conhecimentos, a IV Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão, mais do que oportunizar o espaço para a divulgação dos trabalhos, ora apresentados, objetiva contribuir para tornar menos frio e solitário a construção e divulgação dos saberes e, a partir de uma perspectiva de “cumplicidade científica” diminuir o “sinônimo” de pessoas produtos que de forma silenciosa e quase imperceptível espreita o dia-a-dia dos construtores de conhecimento.

O primeiro artigo, intitulado “Pintando o Brasil: artes plásticas e construção da identidade nacional (1816-1922)”, de autoria da professora Drª Giselle Martins Venâncio salienta que hoje é praticamente consensual a idéia de que é a prática de tombamento e preservação de bens culturais o que permite a construção da identidade nacional. Assim sendo, o presente texto busca investigar formas plásticas – particularmente a chamada arte do barroco mineiro, as pinturas históricas do século XIX e o modernismo – que, preservados em museus, tombados em seus locais de origem ou reproduzidos em livros e / ou obras didáticas, contribuíram para plasmar imagens de uma memória nacional e para a consolidação da idéia de nação no Brasil.

O autor Pablo Barbosa, em seu texto “Saberes antropológicos e práticas coloniais em Portugal entre 1933 e 1974”, relata que a institucionalização do Estado Novo Português, em 1933, possibilitou, por um lado, que as técnicas etnográficas fossem reapropriadas pelos funcionários coloniais e, por outro, que o saber etnológico, como instrumento político, colaborasse na gestão das populações indígenas. Partindo de uma reflexão sobre a obra antropológica de Jorge Dias, procura analisar, em primeiro lugar, as convergências entre racionalidade científica e racionalidade administrativa dentro de um contexto colonial e em segundo lugar, estudar de que forma o saber antropológico conhece um duplo movimento de instrumentação e de legitimação dentro do universo político português entre 1933 e 1974.

No texto “As relações diplomáticas entre o Barão de Caxias, os Farroupilhas e os Governos Platinos e provincianos durante a Revolução Farroupilha” Jéferson Mendes destaca que durante a guerra contra os farroupilhas, o general e presidente da província do Rio Grande do Sul, Luiz Alves de Lima e Silva, o barão de Caixas, manteve intensa atividade diplomática, militar e administrativa. Assim, discute a correspondência e atividades diplomáticas de Caxias com lideranças do Prata, dos rebeldes e do governo imperial. As fontes que trabalha, se encontram no acervo do Núcleo de Documentação Histórica (NDH), do PPGH-UPF. Nelas ficam demonstradas as estratégias e táticas do barão para vencer os farroupilhas, os procedimentos para neutralizar o apoio externo aos rebeldes e as alianças com líderes platinos.

Amanda Pinheiro Mancuso, em “A História Militar: notas sobre o desenvolvimento do campo e a contribuição da História Cultural” propõe um exercício de reflexão teórica sobre o papel da história militar e as críticas que lhe são freqüentemente dirigidas, articulando essas questões com as reflexões sobre a construção histórica empreendida pela História Cultural, de forma a mostrar que as fraquezas e vulnerabilidades que atingem a produção histórica militar são as mesmas a que está sujeita de maneira geral toda produção historiográfica. O objetivo da autora, não é redimir a história militar e sua produção oficial pelo caráter ideológico comumente incutido nessas produções, mas sim, tornar o leitor atento a essas características que são marcantes nas construções históricas oficiais em função do papel institucional que exercem, de forma a ultrapassar barreiras culturais que se colocam diante dos historiadores e que acabam reproduzindo visões essencializadas sobre “os militares” como categoria de análise.

Em “A religiosidade na dança: entre o sagrado e o profano”, Solange Pimentel Caldeira apresenta um breve histórico da presença da Dança no contexto do sagrado nas antigas civilizações até seu banimento da liturgia oficial da Igreja Católica. Enfoca a tradição dançante mantida nos guetos e a preservação, pela cultura popular, de algumas festas para Santos da Igreja Católica, que chegam ao Brasil vinculadas à questão da tradição herdada do processo de formação da sociedade brasileira, com suas variadas influências e contribuições, como as Festas Juninas, para São Pedro, Santo Antônio e São João, sempre com música e dança e a Festa-Dança de São Gonçalo, que acontece e se perpetua no espaço social e geográfico mineiro, como vivência religiosa-profana.

A professora Fabiane Tamara Rossi, no seu artigo intitulado “Aula de História com Zeca Baleiro: uso da música-canção como recurso didático no Ensino Médio” problematiza a música-canção como elemento utilitário ao Ensino e, mais especificamente, a obra musical de Zeca Baleiro enquanto provedora de temáticas para o ofício do professor de História do Ensino Médio. Para isso faz uso da obra do cantor (de 1997 a 2004), além de reportagens veiculadas na imprensa. Para correlacionar a música e o ensino embasou a pesquisa nos PCNs e Currículo Básico do Distrito Federal. Inicialmente discute a utilização da música enquanto recurso didático em sala de aula. Em seguida, problematiza o universo de referências de Zeca Baleiro, trazendo sugestões para a utilização de suas canções no ensino de História do Ensino Médio.

No texto “Dos Excessos Tropicais à Moderação dos Costumes: um debate sobre a idéia de processo civilizador na obra de Gilberto Freire”, Vanderlei Sebastião de Souza a partir da leitura das obras Casa-grande & Senzala e Sobrados e Mucambos, ambas publicadas por Gilberto Freyre na década de 1930, o objetiva discutir o modo como a idéia de processo civilizador, conforme o sentido desenvolvido por Norbert Elias, pode ser apreendida na interpretação que Gilberto Freyre lança em relação à sociedade e à cultura brasileira.

O artigo “Historiografia e História Cultural: representações de Capistrano de Abreu na historiografia brasileira”, da autora Ítala Byanca Morais da Silva, atenta para o fato de que Capistrano de Abreu, como muitos dos intelectuais que lhe foram contemporâneos, foi objeto de práticas deliberadas de construção da memória, sendo a criação da Sociedade Capistrano de Abreu (1927-1969) a materialização das aspirações dos “discípulos”, amigos e pares de Capistrano de Abreu em torná-lo um personagem memorável para a história da inteligência brasileira. Esta instituição passou por vários momentos representativos da produção historiográfica nacional, e em seus últimos anos de atividade foi dirigida pelo historiador José Honório Rodrigues. Dessa forma, objetiva discutir as representações construídas sobre Capistrano de Abreu por esta sociedade.

Em “Sebastianópolis, ou o Rio de Janeiro em vários tons” Stela de Castro Bichuette terá como foco de estudo a cidade do Rio de Janeiro, muitas vezes chamada de Sebastianópolis por Adelino Magalhães, o qual se desenvolverá tomando como ponto de partida a visão caleidoscópica que o autor tinha da então capital federal. Os contos de Adelino Magalhães trazem para o período do começo do século XX uma literatura de cunho mais social, buscando revelar uma cidade diferente da dos ideais republicanos de higienização, de ordem e de progresso, ou seja, de um modelo de Brasil moderno que a elite política pretendia naquele início de século.

O artigo “O Ciclo Produtivo de Hortelã no Oeste do Paraná: outras memórias”, do autor Gilson Backes, apresenta uma investigação em curso sobre experiências vividas por trabalhadores do ciclo produtivo de hortelã, migrados para o Oeste do Paraná durante as décadas de 1960 e 1970. Tal caminho demarca novos olhares sobre este espaço, valorizando as dinâmicas sócio-culturais processualizadas durante o período, a exemplo do aumento de alunos nas escolas. Este ponto de vista contribui no sentido de pensar e interagir com outras memórias produzidas e / ou que permanecem reelaboradas neste cotidiano, não obstante a insistência de silêncios. As narrativas orais são problematizadas na perspectiva de diálogo, aponta outras interpretações para uma compreensão mais ampliada deste espaço, por sua vez constituído por múltiplas relações, conflitos e temporalidades.

Lúcio De Franciscis dos Reis Piedade Filho, em seu texto “O imperialismo e a representação do Congo em Tintim na África”, discorre acerca do imperialismo em seus contextos histórico, econômico e social, e o impacto dessa política nos países do continente africano. O estudo recai sobre o Congo Belga, e a partir daí será abordada a representação do país em questão na história em quadrinhos Tintim na África. É apresentado, antes e sumariamente, a biografia do autor da obra, o belga Hergé, e o contexto histórico no qual ele se inseria. Na perspectiva do período tratado pela obra, a década de 30 do século XX, levou em consideração os seguintes aspectos: a supremacia do homem branco, os embates entre o colonizador e os colonizados, as missões cristãs “civilizadoras” e a exploração no Congo Belga.

No texto “Representações Femininas na Aristocracia da Florença do Quattrocento”, a autoraMaría Verónica Pérez Fallabrino, tem como objetivo analisar as representações femininas segundo como eram concebidas nos ambientes da alta aristocracia da Florença do século XV. A partir da estreita relação entre História e Literatura, o estudo apoiou-se em obras literárias produzidas por teóricos da época, resgatando através delas o ideal feminino exaltado e reproduzido entre os membros da elite florentina.

O professor Dr. José Adilçon Campigoto em seu artigo “O Código da Vinci e a produção da história na perspectiva hermenêutica”, discute sobre os métodos da hermenêutica e a proposta da interpretação filosófica de Hans-Georg Gadamer para historiadores a partir dos personagens da trama O Código da Vinci, de Dan Brown. Tenta-se descrever e classificar os modos de interpretação utilizados pelas figuras dramáticas diante da resolução de um acontecimento enigmático: o assassinato do curador do museu do Louvre, Jacques Saunière. A metodologia interpretativa utilizada pelo policial Bezu Fache é comparada aos procedimentos dos personagens historiadores, Langdon e Sir Leigh. A atitude interpretativa adotada pela protagonista Sophie compara-se à proposta da hermenêutica filosófica. Um contraponto aos métodos: contextual, psicológico e filológico.

Em “Plutarco e a tradição cultural grega no império”, a autora Maria Aparecida de Oliveira Silva ressalta que a permanência das práticas culturais gregas em plena época romana desperta o interesse dos estudiosos da Antigüidade, em especial daqueles que procuram compreender a natureza da Segunda Sofística. A despeito das dominações militar e econômica impostas aos gregos pelos romanos, esse movimento literário espelha o vigor e a excelência da tradição cultural grega, manifestada em sua literatura, capaz de superar tais barreiras. Por esse motivo, vários estudiosos atribuem à Segunda Sofística um caráter ideológico, no qual os autores gregos desse período escreveriam somente para a divulgação e a manutenção da política imperial. Assim, o artigo discorre sobre o quanto essa análise torna-se insuficiente no caso de Plutarco, uma vez que o intuito desse autor é demonstrar a contribuição grega na formação do Império.

No artigo intitulado “Cenas do Recôncavo: a decadência senhorial na literatura de Anna Ribeiro (1843-1930)”, Marcelo Souza Oliveira objetiva analisar a obra de Anna Ribeiro de Araújo Góes Bittencourt (1843-1930), em especial as produções da década de 1910. Um cruzamento entre os três contos e os romances produzidos nesse período, sobretudo Letícia (1908a), leva o autor a conclusão de que havia uma obsessão da escritora em contar a história da decadência da elite açucareira e escravocrata do Recôncavo baiano, numa perspectiva paternalista. As histórias, as personagens e até mesmo o ambiente que contextualiza as tramas são permeadas por estratégias simbólicas com as quais a autora buscava demonstrar a visão senhorial desse momento histórico.

Astor Weber em seu texto “Os Eyiguayegui-Mbayá-Guaicuru: o tratado de paz de 1791”, pretende mostrar as principais intenções do Governo Colonial português de tornar os indígenas Eyiguayegui-Mbayá-Guaicuru – que se localizavam na Capitania de Mato Grosso – em uma barreira fronteiriça física, objetivando evitar uma possível invasão espanhola àquela região. O Tratado de Paz elaborado em 1791 entre o Governo Colonial português e os indígenas é a fonte histórica analisada no sentido de tecer as reflexões nessa direção. O conteúdo do Tratado mostra que seu teor interessava aos dois lados, tanto aos índios quanto aos portugueses, pois havia a perda da hegemonia local e a aliança vinha no sentido de restabelecer algumas posições. No entanto, uma questão interessante desse episódio é que os indígenas não tinham como saber realmente o teor dessa aliança que ao passar do tempo se mostrou maléfica ao grupo, ocasionando seu declínio demográfico no século XIX.

O artigo “Um acervo de Arte Moderna e Contemporânea e a Identidade Institucional”, do autor Emerson Dionisio G. de Oliveira, procura compreender as narrativas produzidas pelo Museu de Arte de Santa Catarina sobre sua coleção dentro de um quadro mais amplo de difusão da Arte Moderna. Para tanto, constrói uma análise crítica do acervo na relação entre os sujeitos e as instituições, definidos, respectivamente, como doadores e obras doadas ou adquiridas. O museu em questão tornou-se ímpar para essa questão, na medida em que se transformou no mais bem-sucedido empreendimento de ampliação da arte moderna fora dos centros culturais hegemônicos nos anos 40.

No texto “D. João VI no Rio de Janeiro: preparando o novo cenário”, a autora Anelise Martinelli Borges Oliveira ressalta que a transmigração de d. João VI e sua corte para o território brasileiro, em 1808, acarretou várias transformações para a sociedade fluminense e para a corte lusitana. A imagem real foi aclamada e adorada por toda a cidade, conseqüência da representação legitimada na figura do príncipe regente. Assim, entende que tendo em vista remodelar o cenário fluminense, o monarca realiza mudanças nos espaços público e privado numa tentativa de enquadrar a cidade aos moldes europeus da época.

Andrey Minin Martin, no artigo “Terra, Trabalho e Família: considerações sobre a (re) criação do campesinato brasileiro nos movimentos sociais rurais”, apresenta algumas reflexões a respeito da construção da noção de campesinato ao longo das últimas décadas de pesquisa no campo das ciências humanas, abordando algumas de suas principais interpretações. Sem a preocupação de formular um constructo teórico-metodológico desta noção, no sentido de encerrar seu campo de possibilidades de apreensão das potencialidades existentes nas práticas dos sujeitos, buscou a partir das contribuições e da produção de alguns teóricos, apresentar questões que entende como norteadoras para o debate sobre o conceito de campesinato e de agricultura familiar.

Em parceria, Ione Aparecida Martins Castilho Pereira e Arno Alvarez Kern, no artigo “Missões Jesuíticas Coloniais: um estudo dos planos urbanos”salientam que o objetivo do trabalho está centrado no estudo sobre os planos urbanos das reduções Guarani, Chiquitos e Mojos, apontando semelhanças e diferenças, bem como o contexto em que se configuraram. Para tal, tomam por base os resultados das pesquisas realizadas nas missões Guarani sobre urbanidade, espaço e arqueologia, justamente por serem estudos mais diversificados em relação à temática das missões. Como ponto de partida, utilizaremos as plantas dos pueblos de São João Batista (no contexto dos sete povos das missões no Rio Grande do Sul), San José de Chiquitos e Concepción de Moxos (ambas em território Boliviano). Os autores relacionam estas imagens com produções bibliográficas sobre as reduções jesuíticas bolivianas, conhecidas até o presente momento, tendo em vista que este ainda é um assunto pouco conhecido, principalmente, devido à dispersão das fontes sobre as mesmas.

Em seu artigo intitulado “Apontamentos sobre Civilização e Violência em Norbert Elias”, a autora Tânia Regina Zimmermann apresenta discussões acerca dos estudos realizados pelo sociólogo Norbert Elias, a partir de alguns conceitos desenvolvidos por este autor. Civilização e violência são temas constantes e atuais para compreensão do movimento da história. Assim sendo, diferentes acepções e usos destes conceitos foram considerados pelo autor. Relacionam-se no artigo autores como Freud, Peter Gay e Alba Zaluar com Elias. Para Elias, o poder é uma característica de todas as relações humanas e está ligado ao grau de dependência entre os indivíduos seja pela força, pela necessidade econômica, de cura, status, carreira ou por excitação. É destas relações, se apoiando em Norbert Elias, que a autora salienta que são construídos os controles civilizacionais e da violência.

Na sessão de “entrevistas”, a Revista tem a satisfação de publicar uma entrevista com o professor e pesquisador brasilianista Robert Wilton Wilcox. O professor Robert nasceu no Canadá e trabalha, desde 1993 em uma universidade dos Estados Unidos: a Northern Kentucky University, situada em Highland Heights, Kentucky. É um nome conhecido e respeitado nos meios universitários brasileiros, e especialmente sul-matogrossenses, por seus trabalhos sobre a história de Mato Grosso / Mato Grosso do Sul. Fechando a IV Edição da Revista, estão as seguintes resenhas: do livro “Michel Foucault: uma história da governamentalidade” do autor Kleber Prado Filho, resenhado por Ana Claudia Ribas; a resenha feita por Diogo da Silva Roiz e André Dioney Fonseca do livro “A Redução de nuestra Señora de la Fe no Itatim: entre a cruz e a espada”, do autor Neimar Machado de Souza; do livro organizado por Celso Castro, intitulado “Amazônia e Defesa Nacional”, resenhado por Julio César da Silva Lopes; e por fim a resenha do livro “Etnohistorias del Isoso: Chane y Chiriguanos em el Chaco Boliviano (Siglos XVI a XX)”, resenhado por Roseline Mezacasa.

Desejamos a todos ótimas leituras!

Carlos Barros Gonçalves

Fabiano Coelho

(Editores)

Dourados – Primavera de 2008.

Carlos Barros Gonçalves

Fabiano Coelho


GONÇALVES, Carlos Barros; COELHO, Fabiano. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.2, n.4, jul. / dez., 2008. Acessar publicação original [DR]

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História Cultural / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2008

A terceira edição da Revista Eletrônica História em Reflexão, traz num primeiro momento o Dossiê sobre História Cultural. A ampla gama de estudos que cercam a historiografia que relega suas pesquisas à história cultural se destaca nas universidades brasileiras. Grande parte dos programas de pós-graduação em História possuem disciplinas destinadas à pesquisa em práticas culturais, cultura e história cultural, bem como há uma grande difusão da temática em eventos acadêmicos. Um dos grandes méritos da linha de pesquisa é por envolver as mais diversas áreas de pesquisa, fornecendo assim estudos interdisciplinares, o que enriquece ainda mais as discussões teórico-metodológicas acerca dos temas.

Os trabalhos aqui apresentados contribuem em grande parte para mostrar essa diversidade de estudos em torno da Cultura, levando em consideração as diversas lacunas existentes nessa historiografia que há pouco tempo tem se voltado para novos objetos, novos problemas e novas abordagens – como bem destacaram Jacques Le Goff e Pierre Nora. Também mostram as mudanças historiográficas ocorridas no Brasil nas últimas décadas, quando se tem a possibilidade de encontrar um campo fértil para a injeção de novidades, como muito bem denota Peter Burke em “Variedades de História Cultural”, e que possam ser externalizados para a comunidade acadêmica e para o público em geral, por meio desse veículo de difusão de idéias.

Num segundo momento e de mesma importância, trazemos artigos com temas livres e que tratam das complexidades historiográficas que permeiam a disciplina. Sem demoras passamos há apresentar os trabalhos publicados nessa edição de História em Reflexão.

Antonio Marcos Myskiw, estuda o cenário cultural e intelectual de Curitiba / PR, entre os anos 1870 e 1920, com ênfase na produção literária de alguns intelectuais paranaenses; na importância das casas tipográficas, das oficinas de redação dos jornais e de seus respectivos editores para a construção de hábitos de leituras na população curitibana; nos leitores e nas práticas da leitura, em seu artigo intitulado “Curitiba, ‘República das letras’ (1870 / 1920)”.

No texto “Ipes e Ibad: A crise política da década de 60 e o advento do Golpe Civil-Militar de 1964”, Carlos Fellippe de Oliveira busca verificar as diferentes fases do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática, entre os anos de 1959 e 1966. Busca ainda compreender o arcabouço ideológico que formou tais institutos. A crise política, culminando na total paralisia do poder de decisões do parlamento brasileiro, propiciaria a implantação de um Estado burocrático-autoritário. Investigando de que forma o IPES e o IBAD se instalaram no governo pós-64, assumindo a formulação de diretrizes básicas para a nova administração.

Francisco de Assis, em “Comunicação vertical na Igreja de Pedro: uma história crítica do jornal da Diocese de Taubaté” pontua dois objetivos distintos para seu artigo. O primeiro recupera a trajetória do jornal O Lábaro, publicado pela Diocese de Taubaté desde 1910; o segundo mostra, por meio da leitura crítica de sua história, como os líderes da Igreja Católica utilizaram tal mecanismo, ao longo de quase 100 anos, para disseminar suas idéias.

Marcelo Souza Oliveira mostra como a elite baiana no inicio do século XIX, passou por um período de dificuldades econômicas e sociais em decorrência do declínio das atividades agrícolas de exportação. Levando muitos membros da elite letrada a escrever textos sobre os saudosos tempos de opulência e abastança dos agricultores do Recôncavo. A escritora Anna Ribeiro (1843-1930), era membro desse grupo. O objetivo do texto é fazer uma releitura do mundo em que Anna Ribeiro viveu e do grupo com o qual se identificou. Visa ainda oferecer fundamentos para a interpretação da literatura produzida por Anna Ribeiro, no artigo denominado “Uma Senhora de Engenho no mundo das letras: História, memória e identidade cultural em Anna Ribeiro de Góes Bittencourt (1843-1930)”.

Em “Estorvo: uma crônica interrompida”, Marcelo Pessoa realiza um breve estudo da obra Estorvo, de Chico Buarque, tentando estabelecer uma relação desse texto com o gênero literário crônica. Realiza ainda uma abordagem da representação literária da subjetividade sócio-cultural e histórica do Brasil contemporâneo. Marcos Leandro Mondardo mostra como os caboclos tiveram uma importância muito grande, enquanto indivíduos que ocuparam diversas regiões do Brasil. No Sudoeste paranaense, os caboclos tiveram participação no processo de (re)ocupação. Busca no artigo discutir elementos da territorialidade cabocla no Sudoeste do Paraná, e demonstrar os processos que se desenrolaram através da migração direcionada de gaúchos e catarinenses para a referida região. No seu artigo intitulado “Os Caboclos no Sudoeste do Paraná: de uma “Sociedade Autárquica” a um grupo social excluído”.

No texto “Santidade, jejum e anorexia na História” notaremos que na atualidade a anorexia é classificada como um transtorno alimentar caracterizado por limitação da ingestão de alimentos, devido à obsessão de magreza e o medo mórbido de ganhar peso. Mesmo não sendo conhecida por este nome, é possível detectar a presença desta doença no Ocidente a partir do século XII. O jejum religioso, prática comum naquela época, configurava-se como uma forma de aproximação com Deus, sendo recorrente entre as pessoas consideradas santas. A autora Maria Valdiza Rogério Soares tem como objetivo analisar a prática da restrição alimentar como atributo da santidade, traçando uma relação entre aquela e a anorexia na história.

No texto intitulado “O êxodo do hebreus segundo historiadores e arqueólogos: ênfase na perspectiva minimalista a partir da obra de Finkelstein e Silberman”, Josué Berlesi procura analisar as interpretações de historiadores e arqueólogos a cerca do evento bíblico do êxodo hebraico. O autor propõe-se a sua abordagem que privilegie a analise teórica minimalista.

Em seu artigo “Revisitando A Retirada da Laguna: um debate entre a Memória, História e Turismo” os autores Carlos Alexandre Barros Trubiliano e Carlos Martins Júnior buscam a partir da ciência histórica, discutir as revisões da obra A Retirada de Laguna, que vêm sendo realizadas com o objetivo de seu aproveitamento turístico. Além disso os autores sinalizam alguns elementos que podem ajudar a garantir o sucesso de uma trilha turística cultural baseada nos eventos descritos por essa obra.

Paulo Raphael Feldhues em “Modernidade, Cultura e Poder: Aspectos da cidade do Recife durante o Estado Novo” exibe como o golpe de 1937 levou Agamenon Magalhães à interventoria do estado de Pernambuco. A política cultural empregada por Agamenon permitiu que a modernidade consagrasse seus moldes autoritários. O objetivo do autor é analisar a relação entre as práticas cotidianas e a importância dada à visão do outro na sociedade recifense estadonovista, a partir das representações simbólicas contidas em propagandas privadas e eventos sociais do período.

No Artigo “Cultura popular no imaginário brasileiro e latino-americano: caminhos possíveis de reflexão teórica”, Sérgio Campos Gonçalves com um olhar direcionado àqueles que se iniciam nas pesquisas sobre representações do popular no imaginário brasileiro e latino-americano, estabelece o objetivo de apresentar um pequeno guia panorâmico e bibliográfico das discussões teóricas acerca das aplicações do conceito de cultura popular. No artigo “História da Idéias – em torno de um domínio historiográfico” José D’Assunção Barros faz uma análise panorâmica desta modalidade historiográfica, principalmente de suas relações dialógicas com a História Cultural e a História Política.

Em conjunto as autoras Fabíola Andrade Pereira e Vivian Galdino de Andrade procuram mostrar como na contemporaneidade a educação popular tem ganhado destaque, sobretudo no que se refere a suas perspectivas, enquanto prática pedagógica e uma teoria da educação cuja concepção tem sido uma das mais belas contribuições ao pensamento pedagógico universal. Sua fundamentação tem contribuído positivamente na construção de novas formas de fazer política, de pensar e fazer democracia. Neste aspecto, surgem emaranhados de questões que evocam a necessidade de pensá-la como uma busca, um produto histórico, nos levando a lançar algumas idéias para renovar antigas discussões, por meio do texto denominado “(Re) pensando a educação popular e suas perspectivas diante da construção da escola cidadã” a análise busca compreender o campo da educação popular sob a perspectiva de uma educação emancipatória.

Inaugurando uma nova seção na Revista trouxemos a polêmica acerca do cinema nacional em que Ricardo Corrêa Peixoto denomina de “Tropa de Elite: Realidade ou Narcisismo às Avessas?” O presente texto tem como força motriz, o firme desejo de promover a confrontação entre as concepções moralistas e inflexíveis, em relação ao trato dos usuários de drogas apresentados no filme, cuja truculência e implacabilidade inviabiliza o diálogo e, por conseguinte, um melhor entendimento dessas “anomalias” que não são meramente questões urbanas, sociais, culturais, mas transitam nas dimensões existenciais da humanidade em todo globo e em todos os tempos.

A Professora Doutora Marieta de Moraes Ferreira nos brinda com uma entrevista dando um panorama geral da História Oral na atualidade. Entre outros elementos elenca uma série de questões relacionadas à historiografia nacional e internacional, como a história do presente, breves reflexões sobre a historiografia contemporânea, algumas questões metodológicas e assim por diante, apresentando-as na íntegra.

Por último trouxemos as seguintes resenhas: do livro organizado por Gilson Porto Jr, intitulado “História do tempo presente”, resenhado por Gabriele Daiana Thiecker; a resenha feita por Nataniél Dal Moro, do livro “O jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos”, dos autores Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e por fim a resenha do livro de, Matthew Restall “Sete Mitos da Conquista Espanhola” elaborada por Maurício Tadeu Andrade.

Boas leituras!

Leandro Baller

Thiago Leandro Vieira Cavalcante

(Editores)

Dourados – Verão de 2008.


BALLER, Leandro; CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 2, n. 3, jan. / jul., 2008. Acessar publicação original [DR]

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História Indígena / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2007

Com grande satisfação trazemos à comunidade o segundo número da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). Com esse número completamos um ano de gratificantes trabalhos. Nosso primeiro número superou as expectativas de aceitação, atingindo aproximadamente três mil e quinhentos acessos. Para o número ora publicado recebemos mais de duas dezenas de trabalhos, dos quais publicamos dezessete. Tamanho interesse demonstra a qualidade do primeiro número e a versatilidade da Internet como meio de divulgação da produção científica. Essa qualidade foi alcançada através do profissionalismo e da prestativa colaboração da equipe de conselheiros, designer, técnicos e editores, além é claro no alto nível dos autores.

O número atual traz um dossiê especial sobre História Indígena, temática interdisciplinar que cada dia mais interessa aos historiadores. Como área emergente dentro do clã historiográfico ocupa posição de destaque na Universidade Federal da Grande Dourados. Seu Programa de Pós-graduação em História conta, desde seu inicio em 1999, com uma linha de pesquisa que recebe o mesmo título desse dossiê.

Observa-se também que diversos centros de pesquisa voltados a essa temática estão se consolidando por várias regiões do Brasil. Isso tem feito com que a produção científica nessa área, que se caracteriza fundamentalmente pelo diálogo com outras ciências humanas, cresça cada vez mais. Prova desse crescimento é a maciça presença desses pesquisadores no recentemente realizado XXIV Simpósio Nacional de História, que contou com dois simpósios totalmente direcionados a essa área. Juntos eles tiveram cerca de setenta trabalhos apresentados, sem considerar outros simpósios, como os que discutiam missões religiosas, em que a maioria dos trabalhos tinha ao menos relação com a história indígena. Esse expressivo número demonstra aos céticos e algozes da proposta interdisciplinar da História Indígena que ela vem cada vez mais se consolidando e atingindo altos níveis de qualidade.

Como nossa proposta é democrática na publicação e divulgação do conhecimento, apresentamos ainda neste número outros trabalhos de relevância e importância que abrangem outras temáticas dentro da historiografia. Assim concluímos mais esta etapa com o intuito de lhes proporcionar boas referências por meio desse veículo de publicação.

Sem prolongamentos passamos a apresentar os trabalhos do Dossiê que de modo geral seguem a linha da interdisciplinaridade atualmente adotada em discussões desse tipo. Jorge Eremites de Oliveira em parceria com Levi Marques Pereira no artigo “Duas no pé e uma na bunda”: da participação Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança à luta pela ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti, discutem a participação dos Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, suas conseqüências na desterritorialização e reterritorialização do grupo, bem como suas significações no contexto do processo de ampliação dos limites da terra indígena Buriti em MS. O trabalho é fruto de uma perícia realizada por solicitação da Justiça Federal.

O texto de Nauk Maria de Jesus “A guerra justa contra os Payaguá (1ª metade do século XVIII)”, tem como objetivo apresentar a participação da câmara municipal da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá na guerra contra os índios Payaguá, na primeira metade do século XVIII. Na análise são utilizados, principalmente, os documentos pertencentes ao acervo do Arquivo Histórico Ultramarino.

No artigo “Uniedas: o cotidiano de uma igreja protestante entre os índios Terena”, Graziele Acçolini aborda o histórico e as atividades cotidianas que ocorrem na igreja Uniedas presente na aldeia Bananal, Posto Indígena Taunay / Ipegue, município de Aquidauana – MS. Bem como, as influências que acarretam na vida de seus adeptos. Mostra a forma como é vivenciada a religião protestante entre os Terena, tendo em vista que essa convivência pode nos fornecer pistas relevantes sobre a manutenção da identidade étnica e a reconstrução constante da visão de mundo própria desse povo indígena.

A autora Vanderlise Machado Barão trabalha os aspectos artísticos e cosmológicos na cultura material dos Guarani, como uma forma de expressão de seus mitos e filosofias. Faz alusão ao pensamento desses povos sobre o mundo que os cerca, e sua relação com o que chamamos de arte, que pode ser uma manifestação de aspectos cosmológicos e até psicológicos para expressar-se diante do coletivo. Há também as manifestações artísticas comercializadas e que possuem aspectos diferenciados para os grupos, distanciando-se do mundo cosmológico, mas ainda assim fazendo parte da cultura material, em seu texto intitulado “O mito e o espaço nas representações artístico-culturais dos Mbyá Guarani.”

O artigo de Sonia Maria Couto Pereira “Considerações sobre a fonte iconográfica na escrita da história indígena” cruza os saberes da Etnoistória e Antropologia, abordando o debate a partir de fontes iconográficas produzidas pelo pintor-viajante Hercules Florence, durante a expedição Langsdorff (1825-1829) que percorreu por via fluvial o interior do Brasil colônia. As fontes favorecem a compreensão do modus vivendi de povos em situação de contato e suas dinâmicas próprias no âmbito das representações gráficas e seus códigos culturais. A autora mostra quando o uso das imagens foi além do suporte para o verbal e o debate sobre a interpretação do historiador na descrição iconográfica se ampliou e conferiu novos desafios para a compreensão do outro na trajetória histórica.

Carlos Alberto dos Santos Dutra em “O território Ofaié pelos caminhos da história” instiga o leitor a rever a história da ocupação do território sul-mato-grossense, lança um novo olhar e novas perguntas sobre a tradicionalidade de diversas áreas indígenas que demonstram ter sido bem mais que simples áreas de migração de grupos isolados. O autor entende que muitas delas configuraram-se em autênticos territórios de ocupação tradicional de povos cuja presença foi falseada no curso da história, cuja construção em bases memorialistas contribuiu para o desaparecimento do elemento Ofaié desses territórios.

O artigo, “Índios no nordeste: história e memórias da Guerra do Paraguai” de autoria de Edson Silva inova pela superação das tradicionais ênfases no conflito bélico. As atuais abordagens procuram compreender as diversas fases do conflito, bem como os diferentes grupos sociais nelas envolvidos. O que nos diz os registros documentais sobre isso? Qual a memória oral dos povos indígenas sobre o recrutamento? Qual a memória da Guerra? E sobre o retorno e seus significados para a afirmação dos povos indígenas na Região? São questões discutidas nesse texto.

O professor Dr. Marco Antonio Barbosa nos contempla com sua Conferência intitulada “Os povos indígenas e as organizações internacionais: Instituto do Indigenato no direito brasileiro e autodeterminação dos povos indígenas”. Barbosa trata do tema a partir de sua experiência prática de advogado de povos indígenas do Brasil, desde o ano de 1981. Expõe a temática dos povos indígenas na luta por seus direitos dentro dos Estados e pelo reconhecimento internacional. Tem como objetivo contribuir para que aqueles que tratam com questões indígenas adotem uma visão mais comparatista, porque a existência das sociedades indígenas, contemporâneas das denominadas sociedades modernas necessitam uma visão pluralista do direito e das sociedades.

O artigo de Carlos Xavier de Azevedo Netto denominado “Informação e Memória – as relações na pesquisa”mostra que a relação entre informação e memória tem sido temática de pesquisas em diversos grupos e disciplinas no país. O autor faz suas reflexões na realidade observada no nordeste brasileiro e opta por discutir a relação entre informação e memória sob o prisma da questão do patrimônio cultural, quer de natureza material, quer imaterial, de modo sincrônico ou diacrônico. Parte dos pressupostos da Ciência da Informação, Arqueologia, História, Antropologia e das Teorias da representação e Semiótica. Essas abordagens estão centradas na questão da produção, tratamento, organização e disseminação da informação patrimonial com vistas a consolidar processos de criação e solidificação da cidadania.

O texto intitulado “as Representações do Mito do Minhocão: uma análise das narrativas orais pantaneiras”, de autoria de Daiana Bragueto Martins é um estudo teóricoliterário do mito do Minhocão presente na voz do pantaneiro. A autora enfatiza as variações das narrativas orais, ‘ela’ busca compreender os fatores que levam os narradores pantaneiros a atualizarem o mito. Por meio de análises consistentes de duas narrativas orais de um mesmo narrador que narra suas experiências vividas com o Minhocão em momentos diferentes de sua vida, permite compreender como esse processo de atualização da narrativa oral ocorre na cultura oral pantaneira, encontra uma variação de gênero das narrativas orais sobre o Minhocão, classificado como mito ou como lenda.

O trabalho de Marcelo Rodrigues Jardim intitulado “Representações ecológicas em narrativas orais: a voz pantaneira” tem por principal objetivo compreender qual seria a relação entre narrativas orais sobre o mito do mãozão, veiculadas por narradores pantaneiros, com a presença de regras morais, subentendidas ou não, daquela comunidade narrativa. O mãozão, conforme é apresentado pela comunidade narrativa pantaneira, tem por principal característica a defesa de sua morada: a mata. Assim, aqueles que a invadem sem pedir a devida licença, ou a depredam, são castigados física e psiquicamente. O narrador traz para as narrativas, no momento do diálogo, representações dos anseios coletivos e individuais.

Rubens Leonardo Panegassi em seu texto O cristianismo na América portuguesa e seu papel mediador na utilização do mundo natural: o caso da cauinagem discute os aparetos simbólicos em sua relação com a diversidade cultural americana e suas utilizações culturais, especialmente do ritual “cauinagem”.

O texto denominado “Festa em Homenagem a D. Pedro II em Minas: cultura, representações e identidades”de autoria de João Ricardo Ferreira Pires apresenta e analisa a festa que foi feita em homenagem a D. Pedro II em Minas Gerais em 1881 quando de sua viagem a essa província, apontando nela algumas idéias que se referem ao fim do governo imperial e às representações culturais construídas a partir da crise do imaginário monárquico brasileiro. O autor divide o artigo em duas partes, primeiramente inicia discutindo o conceito de festa apresentando duas vertentes dentro da historiografia e ao fim analisa os conceitos de representação e imaginário aplicados aos estudos de festa.

Marco Alexandre de Aguiar autor do artigo intitulado “Algumas questões político-partidárias e o perfil do eleitorado de Botucatu-SP na década de 50 e início dos anos 60”, mostra que o Brasil está atravessando um processo político de consolidação da democracia. O autor levanta discussões e reflexões sobre a trajetória da democracia brasileira, podendo trazer luz sobre problemas e questões que persistem. Situado cronologicamente, na década de 50 e início dos anos 60, o texto analisa a situação política de Botucatu, cidade do interior paulista. Observa assuntos como fidelidade partidária, perfil do eleitorado botucatuense, estabelece uma relação entre questões locais, estaduais e nacionais em torno do comportamento político.

O autor Fabiano Coelho em seu artigo “Camponeses e Abastecimento Interno na Colônia: algumas reflexões” problematiza algumas questões que envolvem os camponeses e o abastecimento interno na América Portuguesa. Segundo ‘ele’ em meio ao contexto colonial existiam os trabalhadores rurais livres que, por muito tempo, tiveram suas faces escondidas pela historiografia tradicional brasileira. Estes camponeses, entretanto, desempenharam um papel relevante na questão do abastecimento interno da Colônia, principalmente com a produção de gêneros alimentícios. Ficando às margens das grandes propriedades, estes camponeses provedores de alimentos poderiam ser considerados como a retaguarda das atividades latifundiárias.

Ainda nesta edição apresentamos o texto de autoria de Francisco Silva Noelli, resenhando o livro intitulado“Arqueologia”, de autoria do renomado arqueólogo Pedro Paulo Funari. Contamos também com a resenha do livro de Irina Podgornydenominado“El Argentino Despertar de las Faunas y de las Gentes Prehistóricas: Coleccionistas, estudiosos, museos y universidad en la creación del patrimonio paleontológico y arqueológico nacional (1875-1913).” Resenha elaborada por Lúcio Menezes Ferreira.

Da forma acima apresentada, o segundo número da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR), vem a público com uma variedade de abordagens em torno da historiografia, com um número considerável de análises metodológicas, interdisciplinaridade acentuada, objetos inovadores, temas relevantes, e propostas que dão a esse meio de divulgação do conhecimento a tônica de sua qualidade editorial conjunta. A discussão em torno da História é um constante desafio, seus problemas fazem desse periódico um veículo que busca dar oportunidade aos seus colaboradores, sem jamais perder de vista a qualidade dos textos e propostas postos sob nossa responsabilidade.

É com essa dinâmica que com grande satisfação e sempre buscando a melhoria, que a Universidade Federal da Grande Dourados, por meio de seus órgãos, em especial aqui ao Programa de Pós-graduação e aos discentes de Pós-graduação em História – Mestrado – colocam a disposição da comunidade acadêmica a segunda edição da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). A todas e a todos, nossos votos de muito obrigado e excelentes leituras.

Leandro Baller

Thiago Leandro Vieira Cavalcante

Editores


BALLER, Leandro; CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.1, n.2, jul. / dez., 2007. Acessar publicação original [DR]

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História em Reflexão | UFGD | 2007

Historia em Reflexao2 2 História em Reflexão

Revista Eletrônica História em ReflexãoREHR (Dourados, 2007-) é uma publicação do discentes de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH-UFGD).

A REHR recebe contribuições em fluxo contínuo e tem como objetivo divulgar trabalhos acadêmicos desenvolvidos na área da História que possibilitem refletir sobre o fazer histórico, bem como em suas relações com a Literatura, a Sociologia, a Antropologia, a Geografia, a Linguística, Educação, entre outros, de forma a propiciar melhor compreensão nos estudos da História e promover a interdisciplinaridade. Ademais, não privilegia uma especificidade temática, na medida em que prevê a divulgação de trabalhos originais.

A Revista Eletrônica História em Reflexão, destina-se tanto a estudantes de graduação e pós-graduação que tenham interesse nos trabalhos publicados, assim como professores de graduação e pós-graduação. Aceita trabalhos em português, inglês e espanhol sob a forma de artigos, entrevistas, resenhas de livros, comentários sobre fontes inéditas, resumos expandidos de trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, textos livres produção iconográfica e audiovisual e notas breves.

Periodicidade semestral.

Aceso livre.

ISSN 1981 2434

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