Modelagem em Educação Matemática – MEYER et al (Bo)

MEYER, J. F. C. A.; CALDEIRA, A. D.; MALHEIROS A. P. S. Modelagem em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. Resenha de: KISTEMANN JÚNIOR., Marco Aurélio. BOLEMA, Rio Claro, v. 26, n. 42B, p.743-746, abr., 2012.

O final da década de 1970 marca o início da trajetória da Modelagem Matemática na educação matemática brasileira, em oposição, segundo a pesquisadora Lourdes Maria Werle de Almeida, ao Movimento da Matemática Moderna, como uma alternativa de se fazer matemática nas aulas de matemática e em outros espaços, e contrária à ideologia da certeza.

Há diversas entradas para Modelagem Matemática, tanto no âmbito da Matemática Aplicada quanto na Educação Matemática. No contexto da Educação Matemática ela pode ser compreendida como um caminho para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática ou para o fazer Matemática na escola, tendo como norteadores a observação da realidade, discussões e investigações que modificam não só as ações que usualmente têm lugar na sala de aula, mas também as formas como se observa o mundo.

Na Introdução do livro sob análise, os autores apresentam estudos que, ao serem desenvolvidos, modificaram o status quo em duas realidades, o que serve de exemplo da Modelagem Matemática como instrumental de intervenção e avaliação do mundo em seus diversos aspectos. Apresentam, ainda, exemplos nos quais são revelados procedimentos de Modelagem que trilham três passos essenciais, quais sejam: a formulação do problema, a resolução aproximada e a avaliação, pressupondo, segundo os autores, o diálogo, a negociação e o acordo, além de buscar a leitura crítica dos resultados.

Apresenta-se, no início do primeiro capítulo, uma analogia entre as escolas filosóficas (Logicismo, Intuicionismo, Formalismo e Hipoteticismo) de fundamentação à Matemática e o cotidiano da Educação Matemática para que, em seguida, seja promovida interessante discussão acerca da objetividade e do formalismo intrínsecos à Matemática, e as consequências desse formalismo na linguagem e nas práticas do professor de Matemática.

Embora reconheçam que a Matemática ainda é considerada, por boa parte da sociedade, como uma disciplina difícil e que afasta as pessoas por, frequentemente, estar desconectada dos fazeres cotidianos, os autores creem que com a introdução da Modelagem nas práticas escolares é possível passarse da mera observação a termos e problemas matemáticos algoritmizáveis para a manipulação e interação com objetos e problemas sem respostas definidas e únicas, o que constituiria sujeitos, num processo de atribuição de significados, por meios da construção e resolução de problemas relevantes para um dado contexto.

Nesse sentido, a ideia que permeia todo o livro é de que para se adotar a Modelagem há que se reconhecer a existência de problemas reais com hipóteses de simplificação, ainda inexplorados num dado contexto, e que tais problemas – que exigirão atribuição de significado, avaliação e crítica por parte dos alunos – venham a se constituir como significativos para estes sujeitos e suas respectivas comunidades.

Criticando as ações pedagógicas dependentes de livros didáticos, os autores asseveram que a estratégia por eles proposta, que visa modelar para compreender fenômenos, possibilita investigações e a produção de dados matemáticos pelos alunos que, assim, podem ter melhores condições para decidir pelas ações a tomar, o que permite também a criação, no estudante, de um cabedal político que fará diferença em seu entorno social e vai além da investigação e do conteúdo matemático em si.

O segundo capítulo apresenta a concepção dos autores sobre Matemática e Modelagem, defendendo a vinculação entre a Modelagem e uma intenção de educar matematicamente, que problematiza o currículo (um dos principais focos da discussão) e vale-se de ferramentas matemáticas para um dado tipo de problema, num dado momento.

Os autores explicitam sua discordância com o pensamento de algumas correntes que, ao reduzirem a Modelagem a um método para o ensino de conteúdos matemáticos, legitimam um currículo rígido e ajudam a cristalizar uma concepção de Matemática como ciência da verdade e da certeza. Eles, ao contrário, almejam, com a Modelagem, ensinar Matemática de modo que os alunos, como agentes ativos, criem mecanismos de reflexão e ação.

Para entenderem a origem da Modelagem e sua inserção no currículo, e defenderem que Modelagem e Matemática consolidam-se e vinculam-se às questões sociais, os autores detalham, em seções curtas, exemplos de algumas situações-problema, explicitando o que entendem por Matemática (Pura e Aplicada) e por aplicações na (Educação) Matemática, cuidando de apresentar e discutir estratégias pedagógicas, riscos e inseguranças que podem vir à cena quando se opta por uma ação parametrizada pela Modelagem.

No terceiro capítulo os tópicos aprofundam a preocupação com a Modelagem em suas possibilidades para a sala de aula. Destaca-se como significativa a referência aos programas de formação de professores que, em sua maioria, ainda se encontram recheados de cientificismos e fundados em modelos que defendem os conhecimentos matemáticos e pedagógicos como instâncias apartadas. Defendem os autores que a formação de professores de Matemática, na perspectiva da Modelagem, passa pelo questionamento do direito de se universalizar o particular, de igualar diferenças e pretender abarcar a totalidade já que nem sempre o processo de ensino e aprendizagem pautado na Modelagem implicará em sucesso inquestionável.

No item Modelagem e Práticas Docentes os autores refletem sobre experiências que vivenciaram com estudantes, apresentando alguns exemplos que revelam como a modelagem, numa perspectiva crítica, foi (e, portanto, pode ser) desenvolvida nas salas de aula.

O quarto capítulo apresenta ao leitor algumas perspectivas de Modelagem e um panorama dos estudos realizados na área, desde sua origem (na Matemática Aplicada) até sua incorporação pela Educação Matemática. Há, ainda, seções que abordam a Modelagem em relação a distintas áreas. Mesmo para os iniciados ou já mais experientes (considerando inclusive o público-alvo das obras de Educação Matemática publicadas pela Autêntica) este capítulo tem sua relevância na medida em que apresenta concepções de Modelagem de diversos pesquisadores e matizes.

Destacamos, deste capítulo, tanto os trechos em que os autores defendem a aproximação entre Etnomatemática e Modelagem – já que, segundo eles, as Matemáticas devem estar intimamente relacionadas à cultura, de modo a compor caminhos que conduzam os indivíduos a (re)pensar e compreender a relação entre conhecimentos matemáticos, práticas e vivências – e o modo esclarecedor com que são feitas aproximações entre Modelagem e Educação Ambiental, Modelagem e Educação Matemática Crítica, Modelagem e Pedagogia de Projetos, e Modelagem e Tecnologias da Informação e Comunicação.

No capítulo final enfatiza-se que a Modelagem deve propiciar a compreensão do fenômeno estudado, sabendo que, sempre, novos ciclos de Modelagem poderão ser efetuados, o que confere a essas práticas, segundo os autores, um caráter de diversidade, dinamicidade e dialogicidade.

Em síntese, o livro é de leitura obrigatória para todos os educadores matemáticos que pensam ser importante, parafraseando Edgar Morin, deslocarse do determinismo e das verdades imutáveis em busca de uma racionalidade que dê sustentação aos pressupostos do pensamento sistêmico e da complexidade que nos cerca.

Marco Aurélio Kistemann Jr. – Doutor em Educação Matemática, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, SP. Professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail:[email protected].

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Desafios da Reflexão em Educação Matemática Crítica – SKOVSMOSE (Bo)

SKOVSMOSE, Ole. Desafios da Reflexão em Educação Matemática Crítica. Tradução de Orlando de Andrade Figueiredo e Jonei Cerqueira Barbosa. Campinas: Papirus, 2008. Resenha de: KISTEMANN JR, Marco Aurélio. BOLEMA, v. 23 n. 37, 2010.

Na introdução de seu livro, Ole Skovsmose afirma que a Educação Matemática Crítica está se desenvolvendo, apresenta as etapas de sua evolução e narra como surgiu seu interesse por este tema, nos anos 1970. Segundo Skovsmose (2000, p.12), “a educação crítica desencadeou uma reação contra o currículo conduzido pelo professor e contra as aclamadas neutralidade e objetividade da ciência”.

A idéia de educação crítica espalhou-se por todos os níveis do sistema educacional, influenciando, substancialmente, a educação matemática e o ensino de ciências, fazendo surgir a educação matemática crítica. O autor apresenta de forma sucinta as inspirações teóricas que embasaram a educação crítica e, por extensão, influenciaram a educação matemática crítica. Visando a cumprir o objetivo emancipatório2, cita Paulo Freire referindo-se à relevância da noção de diálogo na caracterização dos processos educacionais. Outra fonte de inspiração importante é a Teoria Crítica elaborada pela Escola de Frankfurt que propaga a idéia de uma educação crítica como uma educação orientada pela emancipação.

Ao longo da Introdução, Skovsmose segue relatando que a abordagem por ele formulada, em contexto europeu, nos anos 1970 e 1980, e apresentada no livro Towards a philosophy of critical mathematics education, de 1994, não se adequava em alguns outros contextos, tendo sido necessário reformulá-la. Visitando o Programa de Pós- Graduação em Educação Matemática da UNESP, em Rio Claro, Skovsmose toma consciência do que pode significar a preocupação da educação matemática com a diversidade e os conflitos culturais. Assevera que distintas correntes de pensamento fazem parte desse enfrentamento e que a noção de globalização suscita uma discussão em torno de qual seria o papel da educação matemática em contextos sócio-políticos, econômicos e culturais distintos.

No primeiro capítulo, “Cenários para Investigação”, o autor relata que, em grande parte das salas de aula, a educação tradicional enquadra-se no que ele denomina “paradigma do exercício”, no qual a premissa central seria a de que em cada exercício existe uma e somente uma resposta correta. Contrapondo-se a esse paradigma, o autor propõe a abordagem de investigação passível de tomar variadas formas.

Para o pesquisador, uma abordagem de investigação relaciona-se diretamente com a educação matemática crítica, no desenvolvimento da materacia, ou seja, desenvolver a capacidade de interpretar e analisar sinais e códigos, de propor e utilizar modelos na vida cotidiana, de elaborar abstrações sobre representações do real, além de cuidar das habilidades matemáticas, preocupando-se com as competências referentes à interpretação e à ação numa situação social e política estruturada pela matemática.

Assim, a educação matemática crítica interessa-se pelo desenvolvimento da educação matemática como suporte da democracia, implicando que os grupos de investigação (microssociedades) de salas de aulas de matemática devem também pautarse por parâmetros democráticos.

Um “cenário para investigação” é uma propriedade relacional envolvendo o professor e seus alunos, mas os alunos são os principais responsáveis pelo processo investigativo. Neste contexto, percebe-se, pelas ideias expostas, que as salas de aula baseadas em cenários para investigação diferem-se significativamente daquelas fundadas no paradigma do exercício. As diferenças entre elas relacionam-se às “referências” que visam a levar os estudantes a produzir significados para atividades e conceitos matemáticos. Categorizando de forma bastante didática, ambas as abordagens, Skovsmose as referencia sob três óticas: a da Matemática Pura, a da Semi-Realidade e a da Realidade. Para cada uma das duas abordagens (a parametrizada pelo paradigma do exercício e a dos cenários de investigação), apresentam-se variados exemplos com rica caracterização, descrevendo as ações docentes e discentes, os tipos de exercícios e os ambientes de sala de aula de matemática onde se desenvolvem as ações. Enfatiza-se, ainda que, os projetos apresentam diferentes aspectos do ambiente de aprendizagem do tipo “Cenários de Investigação”, com amplas referências à realidade das situações. As referências são reais, tornando possível aos alunos produzir diferentes significados para as atividades e não somente para os conceitos.

Fica explícito que o professor, no contexto dos “Cenários”, tem o papel de orientar os alunos nas investigações, de forma que a reflexão crítica sobre a matemática e a modelagem matemática ganha um novo significado. Skovsmose não pretende oferecer uma classificação estática e rígida sobre “Exercícios” e “Cenários para Investigação”, mas, sobretudo, elaborar uma idéia do que sejam “Ambientes de Aprendizagem”, com vista a facilitar as discussões sobre mudanças na Educação Matemática.

Skovsmose (2000) afirma que, em geral, melhorias na educação matemática estão intimamente ligadas à quebra de contrato didático. Quando inicialmente sugeri desafiar o Paradigma do Exercício, isso pode ser visto também como uma sugestão de quebrar o contrato da tradição da matemática escolar. (p. 63)

Da perspectiva dos professores, isso caracteriza o movimento de uma zona de conforto para uma zona de risco3, segundo a terminologia de Penteado. Para Skovsmose, o movimento entre os diferentes ambientes possíveis de aprendizagem e a ênfase especial no Cenário para Investigação causarão certa incerteza que não deve ser eliminada, mas, sobretudo enfrentada, diagnosticada e investigada4.

Encerra-se o primeiro capítulo com questionamentos referentes aos modos de se buscar desenvolver uma Educação Matemática preocupada com a democracia numa sociedade estruturada por tecnologias, uma Educação Matemática que não torne opaca a introdução, aos alunos, do pensamento matemático, mas que os leve a reconhecer suas próprias capacidades matemáticas, conscientizando-se da forma pela qual a Matemática opera em certas estruturas tecnológicas, militares, econômicas e políticas5.

O segundo capítulo – intitulado “Riscos trazem possibilidades” –, uma coautoria com Miriam Godoy Penteado, tem como propósito principal discutir o emprego de computadores em salas de aula. Para tal, os autores optam por usar as noções de Quarto Mundo e sociedade em rede, expressões cunhadas por Manuel Castells6.

Skovsmose e Penteado pretendem analisar a introdução da tecnologia da informação e comunicação (TIC) nas escolas como uma possibilidade para que os jovens aproximemse da sociedade em rede como usuários, bem como discutir possibilidades e implicações da presença da TIC em escolas de fronteira7 com base no caso das escolas brasileiras.

Os pesquisadores discutem de forma bastante aprofundada o modo como os computadores estão sendo usados por um grupo particular de professores de matemática nas escolas estaduais de São Paulo. Tais professores pertencem à Rede Interlink8. São ressaltadas as dificuldades enfrentadas, pelas escolas, para adoção da TIC, uma vez que a estrutura não favorece muitas vezes a participação conjunta de todos os alunos e que há o problema da manutenção das máquinas e, muitas vezes, aqueles causados pela frágil segurança dos estabelecimentos de ensino (PENTEADO; SKOVSMOSE, 2002).

Finalizando o segundo capítulo, dois pontos são explicitados pelos pesquisadores e merecem destaque. O primeiro ressalta que a introdução dos computadores em salas de aula não deve ter como única preocupação os ganhos de aprendizagem, mas sim sua potencialidade de provocar discussões e reflexões de e sobre uma ótica sociopolítica. O segundo ponto diz respeito aos riscos que os professores têm de enfrentar quando da introdução da TIC no seu cotidiano de ensinoaprendizagem (quando vêm à cena as noções das zonas de Risco e de Conforto).

O capítulo terceiro, “Desafios da Reflexão”, inicia-se com a afirmação sobre a dificuldade de se definir “reflexão”. No entanto, Skovsmose desenvolve a noção de reflexão concernente à aprendizagem e à matemática optando por ponderar sobre aquilo que pode servir de objeto de reflexão e, mais especificamente, sobre as reflexões sobre ações. Em seguida, Skovsmose define o que entende por matemática em ação, referindo-se às práticas que incluem a matemática como parte constituinte de si mesmas como, por exemplo, a inovação tecnológica, a produção, a automação, o gerenciamento e a tomada de decisão, as transações financeiras, a estimativa de riscos, as análises de custo-benefício etc. De acordo com o pesquisador, a matemática em ação está implícita em procedimentos mecanizados, o que a torna passível de ser objetos de reflexão.

Neste mesmo capítulo, no tópico “A necessidade da reflexão”, Skovsmose questiona o leitor sobre a necessidade de se refletir sobre a matemática e sobre sua aplicação nos diversos ramos da atividade humana. Oferece ricos argumentos que ratificam a importância das reflexões, buscando refugar dos domínios da matemática qualquer forma de banalidade presente na especialização. No tópico seguinte, o pesquisador ressalta o papel que os sistemas educacionais possuem de suprir mão-deobra qualificada de acordo com uma matriz que representa a demanda social por competências. Finalizando o capítulo, o pesquisador defende alguns pontos primordiais para guiar as discussões acerca das reflexões que devem permear a prática de uma educação matemática crítica e reflexiva.

O penúltimo capítulo, “Racionalidade sob Suspeita”, Skovsmose inicia seu questionamento citando John Dewey sobre a ciência como força motriz do progresso. Para Dewey (1996), o método científico tem resultados pródigos e prolíferos que extrapolam as fronteiras da ciência, e a educação faz progressos quando incorpora esse método do que se conclui, portanto, que a lógica da ciência nos coloca na direção da democracia. O autor do livro aponta duas questões que servirão como guia às considerações deste capítulo: “Como podemos entender os possíveis papéis sociopolíticos da racionalidade baseada em Matemática?” e “Como podemos entender os possíveis papéis sociopolíticos da Educação Matemática?”.

Eximindo-se de abraçar o otimismo exacerbado de Dewey, Skovsmose tece suas análises buscando não partir de premissas alicerçadas sobre a racionalidade baseada em matemática. Para tal faz-se necessário, segundo o pesquisador, esclarecer o que se entende por “racionalidade baseada em matemática”. Para ele, a matemática é a grande representante de um tipo de racionalidade impregnada em nossa tecnonatureza e em nossos mundos-vida. Para defender seu ponto de vista, detalhadamente e de forma precisa, interroga-se sobre como a fabricação de possibilidades, estratégias, fatos, contingências e perspectivas ocorre atreladamente à Matemática.

Ao longo do capítulo, Skovsmose ainda aborda temas relevantes ligados à tradição matemática escolar e às funções dessa tradição em relação aos desenvolvimentos social, econômico e tecnológico. Ressalta que, na sociedade do conhecimento, Classificação e Diferenciação emergem como ações identificadoras de competências, e que a avaliação e a classificação dos alunos, como ocorrem na escola, fazem surgir as constantes preocupações com testes e mensurações, bem como a defesa da noção de competências. Finalizando o capítulo são abordados temas que envolvem a educação matemática e sua prática: filtragem ética, cidadania crítica e empowerment9.

O capítulo 5, “Educação Matemática Crítica rumo ao futuro”, encerra o livro com os seguintes questionamentos de Skovsmose: “A educação matemática crítica representa uma forma de pensamento para a qual não há mais espaço no mundo contemporâneo?” “É ela um resquício de um movimento de esquerda que existiu na educação e está ultrapassado?” “E, se não for, qual é o significado de educação matemática crítica hoje?” “E o que dizer de seu futuro?“. Examina-se a proposição “A educação matemática é crítica” antes de tentar esclarecer, de modo mais definitivo, a noção de “educação matemática crítica”, ressaltando as preocupações dessa matemática crítica os processos de globalização e guetorização, as premissas da modernidade, a “matemática em ação” e suas ponderações sobre poder e matemática, as formas de submissão aplicadas por meio da educação matemática, e a relação entre educação matemática, empowerment e disempowerment (SKOVSMOSE; ALRØ, 2006).

Finalizando o capítulo, o autor tece reflexões acerca das premissas da modernidade, questionando-as e enfatizando não ser possível pressupor que haja uma ligação intrínseca entre o progresso científico e o progresso sociopolítico em geral. Para o pesquisador, conhecimento e poder interpenetram-se, e, no coração dessa interpenetração, encontra-se a “matemática em ação”. Não podemos eliminar a  “matemática em ação” que impulsiona nosso desenvolvimento sociotecnológico, mas é necessário discutir a globalização, a formação de guetos, as propostas de superação das premissas da modernidade, analisar a relação “matemática e poder” e tratar as noções de empowerment e disempowerment sob uma fundamentação teórica e epistemológica sólida. Lidar com tais preocupações implica reconhecer a incerteza: a incerteza acompanha a educação matemática crítica rumo ao futuro.

O livro de Ole Skovsmose, Desafios da Reflexão em Educação Matemática Crítica, é leitura obrigatória para todos os educadores, sejam da área de matemática ou não, pois aborda temas concernentes a práticas docentes, na medida em que tem como objeto as práticas pedagógicas e enfatiza a importância da reflexão nas ações em educação. Skovsmose nos convida a rever posturas e buscar novos caminhos para a escola e a sala de aula de Matemática do século XXI.

Notas

2 O processo emancipatório freireano decorre de uma intencionalidade política declarada e assumida por todos aqueles que são comprometidos com a transformação das condições e de situações de vida e existência de oprimidos, contrariamente ao pessimismo e fatalismo autoritário defendidos pela pósmodernidade e ao mecanismo etapista do marxismo ortodoxo, que afirma o processo de transformação social como sendo certo e inevitável. O objetivo emancipatório defendido por Paulo Freire e, por extensão, por Skovsmose, também contempla o chamado multiculturalismo, no qual o direito de ser e de agir diferente numa sociedade dita democrática, enquanto uma liberdade conquistada de cada cultura, também deve proporcionar um diálogo crítico entre as diversas culturas, tendo por fim ampliar e consolidar os processos de emancipação.

3 Essa noção foi introduzida por Penteado (2004) em seu estudo sobre as experiências do professor num novo meio de aprendizagem no qual os computadores representam um papel crucial. Em particular, quando o professor deixa a zona de risco ele elimina possibilidades de aprendizagem associadas à idéia de computadores como reorganizadores do ambiente de aprendizagem.

4 Os computadores na Educação Matemática têm auxiliado o estabelecimento de novos cenários para investigação, desafiando a autoridade do professor (tradicional) de Matemática. Como descrevem Borba e Villareal (2005), os computadores reorganizam nosso pensamento, influenciando muitas coisas, em particular a forma como o significado é produzido. A idéia completa de “reorganização” liga-se fortemente à idéia de “zona de risco”. De acordo com a pesquisa de Penteado (2004), uma condição importante para os professores se sentirem capazes de atuar na zona de risco é o estabelecimento de novas formas de trabalho colaborativo.

5 A expectativa de Skovsmose estabelece-se na busca de um caminho entre os diferentes ambientes de aprendizagem, proporcionando novos recursos para levar os alunos a agir e a refletir, oferecendo, dessa maneira, uma Educação Matemática de dimensão crítica (SKOVSMOSE, 2000).

6 Quarto Mundo e sociedade em rede são expressões fortemente relacionadas, visto que o Quarto Mundo representa a parcela da sociedade excluída da sociedade de rede. A sociedade em rede é também denominada, muitas vezes, sociedade da informação. A sociedade em rede e o Quarto Mundo estão no centro das discussões sobre inclusão e exclusão.

7 Entende-se por Escolas de Fronteira aqueles estabelecimentos de ensino nos quais tanto a sociedade em rede quanto o Quarto Mundo estão presentes, face a face.

8 A Interlink é uma rede de professores, pesquisadores e licenciandos interessados no uso da TIC em Educação Matemática. Esta rede congrega professores de escolas públicas que dedicam de uma a três horas semanais para atividades pedagógicas conjuntas, a fim de planejarem práticas para a sala de aula.

Adicionalmente, existe um canal de comunicação virtual baseado em ferramentas da internet: e-mail, homepages e a lista de discussão (http://www.rc.unesp.br/igce/matematica/interlk). A maioria das escolas associadas à Rede Interlink representam o que os pesquisadores chamam de Escolas de Fronteira. O objetivo da rede Interlink é explorar a relação entre teoria e prática na educação matemática. Seu foco principal é a implementação do uso de tecnologia da informação e comunicação na constituição de espaços educacionais.O grupo se comunica através de uma lista eletrônica.A rede Interlink é coordenada pela professora Miriam Godoy Penteado, livre-docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Departamento de Matemática, IGCE – UNESP – Campus de Rio Claro – SP.

9 Este termo significa dar poder a, dinamizar a potencialidade do sujeito ou investir-se de poder para agir.

Referências

BORBA, M.C.; VILLAREAL, M. Humans-with-media and a reorganization of mathematical thinking: information and communication. Technologies, modeling, experimentation and visualization. Nova York: Springer, 2005.

DEWEY, J. Democracy and Education: an introductionto to the philosophy education. Nova York/Londres: Free Press, 1996.

PENTEADO, M.G.; SKOVSMOSE, O. Risks includes possibilities. Publication, Copenhage, Roskilde e Aalborg, Centre for Research in Learning Mathematics, Danish University of Education, Aalborg University, v.1, n.34, p. 63-85, 2002).

PENTEADO, M. G. Redes de trabalho: expansão das possibilidades da informática na educação matemática da escola básica. In: BICUDO, M.A.V; BORBA, M.C. (Orgs.). Educação Matemática em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 283-295.

SKOVSMOSE, O. Towards a philosophy of critical mathematics education. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1994.

SKOVSMOSE, O. Cenários para investigação. BOLEMA, Rio Claro, v. 13, n.14, p.66- 91, 2000.

SKOVSMOSE, O.; ALRØ, H. Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

Marco Aurélio Kistemann Jr. – Doutorando em Educação Matemática – UNESP – Rio Claro. Email: [email protected]

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